Mostrar mensagens com a etiqueta Évora. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Évora. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12623: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (8): Beja, Mafra, Évora e Cachil (José Colaço)

1. Mensagem do nosso camarada José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), com data de 18 de Janeiro de 2014:


As cidades ou vilas que mais amei ou odiei antes de ser mobilizado para a Guiné.

Fiz a Recruta no Regimento de Infantaria em Beja, cidade que conhecia por ser capital do distrito onde nasci e morava.
Visitava periodicamente Beja porque como cidade tinha algumas mordomias que na vila não desfrutávamos. Então uma das visitas era à célebre rua da Branca onde por hábito dizíamos ir mudar a água às azeitonas, mas com o decreto-lei 44579 de 19 de Setembro de 1962 a rua da Branca ficou escura como a noite.

Na recruta, em Beja, durante o dia tinha a instrução militar por esse motivo só à noite, até ao toque de recolher, tinha tempo para passear. Aos fins-de-semana o destino era a terra.

O Pelourinho da cidade de Beja 
Foto WIKIPÈDIA com a devida vénia.


A seguir fui para a Escola Prática de Infantaria em Mafra para tirar a especialidade de transmissões.
A Mafra, durante a tropa, aplica-se a mesma rotina que em Beja só que as viagens ao fim-de-semana de Beja para a terra eram feitas de motorizada, em Mafra ia para estrada pedir boleia para Moscavide, onde morava a minha irmã, e aproveitava para conhecer Lisboa, um mundo totalmente diferente do que tinha sido toda a minha vivência.

Da então vila de Mafra guardo em memória toda a imponência e beleza do convento e da tapada.


Convento de Mafra e paisagem 
Foto rcmafra.com com a devida vénia


Já mobilizado fui para Évora para aguardar embarque sem saber para onde ia.
Évora, cidade que também conhecia, tal como Beja, mas por ter estado lá a trabalhar como eventual na C.P.
Évora além de cidade museu, na minha juventude gozava do estatuto das jovens bonitas, as eborenses, que não deixavam os seus créditos por mãos alheias. Será que é uma das razões do título da canção do Vitorino "Alentejanas e amorosas?"
Em Évora, como estávamos a aguardar embarque, até parecia que não estávamos na tropa. A começar pelo RAL3, Regimento de Artilharia Ligeira nº3, onde ficámos aquartelados após as semanas de mato ou sobrevivência, que tinha quase como finalidade aquartelar os soldados que estavam mobilizados a aguardar embarque, pois mantinha um pequeno grupo de militares para a manutenção dos equipamentos.
A vida militar a sério era logo ali, com dizem os meus conterrâneos. No RI16 e no quartel General. Daí que tínhamos a preparação física na parte da manhã pois ela era importante porque quase de certeza iríamos enfrentar uma guerra, a seguir umas palestra sobre a vida militar e em parte sobre o que nos esperava, mas não adiantavam muito porque dependia para a província ou "Colónia" que nos saísse em sorte.
Pelo que acabo de citar, tínhamos muito tempo para dar largas aos nossos passeios. Pelo que acabei de escrever, não odiei nenhuma cidade ou Vila por onde, por força das circunstâncias, passei de todas gostei umas mais outras um pouco menos.

Foto página do município com a devida vénia

A ter que escolher a que mais amei, sem qualquer dúvida Évora.
Lugar ou local que odiei, foi o Cachil na Guiné, não cometi nada para sofrer um castigo de dez meses e uma semana de isolamento e uns extras como complemento que não desejo a ninguém.

José Botelho Colaço
Soldado TRMS
CCAÇ 557
Cachil, Bissau, Bafatá
1963/65
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12617: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (7): As localidades por onde passei, sofri e amei (Veríssimo Cardoso)

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12614: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (6): Eu fiz "Tropa" em cinco cidades, em Portugal e ainda em Nhacra, Quebo e Nhala, na Guiné Bissau (Manuel Amaro)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971) com data de 18 de Janeiro de 2014:

Eu fiz "Tropa" em cinco cidades, em Portugal e ainda em Nhacra, Quebo e Nhala, na Guiné Bissau.

Começando pelo Sul, estive em Tavira, cidade que já conhecia desde que nasci e gosto o normal que qualquer cidadão gosta da sua terra natal.

Em Beja quase não tive tempo para conhecer a cidade, pelo que não desenvolvi qualquer relação especial de "amor" pela Pax Júlia.

Já a relação com Évora foi diferente. E foi boa... muito boa.
Apesar ter estado duas vezes em Évora, ambas mobilizado para a "guerra".

Na primeira vez, era para Angola, mas não se concretizou, passado pouco tempo nova mobilização, agora para a Guiné, levada até ao fim.
Em Évora aproveitei algum tempo para visitar a cidade e a nossa relação permanece tão intensa, que periodicamente faço uma visita com ou sem pernoita. Numa das últimas visitas, aproveitei para levar a Florbela Espanca uma mensagem de Sebastião da Gama. (foto anexa).
Gostei muito de Évora


Évora, 18 de Abril de 2012

Lisboa. Quem não gosta de Lisboa?
Lisboa, eu também já conhecia desde o Grande Encontro Nacional da Juventude.
E a "tropa" levou-me à Estrela.
Ao Hospital Militar da Estrela.
Ao Jardim da Estrela.
Aos Fados.
Aos castelos e aos bairros típicos, às tascas, à verdadeira Lisboa.

Logo que terminei o Serviço Militar voltei à Grande Lisboa, em janeiro de 1972, até hoje.
Mesmo que uma parte do tempo seja passada no Algarve, Lisboa faz parte de mim.

Lisboa - Estrela

E Coimbra?
De uma forma diferente de Évora e de Lisboa, mas Coimbra foi tão ou mais importante para mim.
E nós, para não sermos ingratos, temos que amar as "coisas" importantes.
Assim que cheguei a Coimbra, em junho de 1967, fui visitar o Penedo da Saudade. Não vi tudo e voltei no dia seguinte. No regresso passei à porta do Liceu D. João III. Lembrei-me que tinha um exame "pendente" e os livros na mala. Talvez já com o espírito da cidade, prometi ali mesmo, a mim mesmo, que em Setembro, ao abrigo da lei militar, iria fazer aquele exame e iria ficar aprovado. E assim foi. 

Sempre que vou a Coimbra, assim que deixo a autoestrada, mas principalmente depois de atravessar a ponte, sinto uma mudança de espírito. Isto, penso eu, é amor. Eu fiquei a amar Coimbra. Até hoje. 

Coimbra - Penedo da Saudade

Guiné Bissau.
Eu gostei da Guiné Bissau.
Nhacra, a D. Carlota e os seus bifes de macaco.
O "Branco" do Cumeré e o seu camarão, mais barato que os tremoços nas cervejarias de Lisboa.
Eu gostei de Aldeia Formosa (Quebo).
Tudo aquilo era novo.
A minha Escola, os meus alunos.
A assistência médica em Pate Embaló.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12611: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (5): Quartéis, Cidades e Vilas por onde passei: Coimbra, Leiria, Trafaria, Tomar, Chaves, Viana do Castelo e Porto (Luís Nascimento)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7302: Cartas, aos netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (7): Funchal, 1964: quando o amor não resiste à dura realidade da guerra...

1. Continuação da série Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*). Autor: Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Como, Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. 


Oficial e cavalheiro (9): Voando nas Nuvens


Um novo mundo começou a desvendar-se, surpreendente, como nunca. Chegara a hora de amar e de ser amado por uma mulher, numa descoberta constante, nos momentos, tão furtivos, que sobravam da vida do quartel.

Pela primeira vez, sentia-me a entrar na dimensão da vida que o seminário me negava. Em vez do enlevo da consagração ao amor místico de Jesus, era a realidade concreta de duas pessoas que se iam comungando a mesma vida, até à união total… União que tornava cada vez mais difícil a separação e reclamava a presença física um do outro.

Por isso, todo o tempo a partir das 5 horas da tarde de cada dia, durante a semana e os fins de semana eram, sofregamente, partilhados. Não houve recanto, rua ou passeio de jardim do Funchal que não tivesse sido palmilhado por nós, num diálogo inesgotável, mesmo quando os lábios se calavam.

Pela primeira vez, era a realidade feminina que eu imaginava e sonhava, distante, que se me abria, momento a momento, como doce complemento do meu ser. Parecia termos encontrado em cada um, toda a riqueza do mundo que nos faltava.

A sintonia do pensar e do querer era total. O primeiro mês tinha-me transfigurado. O Gonçalves deu conta disso e confessou-mo:
- Eh, Gomes, estás completamente mudado, para melhor...

Os meus receios e complexos desapareceram, por encanto. Eu era completamente eu, em toda a parte. Toda a vivacidade, abafada em mim, despontou natural, reatando-se com o que eu era desde a minha infância.

Ao fim de um mês, veio a apresentação à família. Uma família bem cotada na cidade, dona da melhor oficina de automóveis da ilha, no Funchal. Os pais e mais três irmãos. Uma irmã, mais velha. Vários tios e primos.

A formação, porém, era simples, tal como a da …, quase a roçar o primário. Esta foi a primeira névoa a ensombrar o idílio…Ela tinha apenas a 4ª classe, por não querer estudar mais.

Podia muito bem acontecer que aquela falha fosse compensada por tudo o resto. As semanas sucederam-se, em constante observação.



Oficial e cavalheiro (10): A Descida à Realidade

As nuvens fragrantes do primeiro entusiasmo, natural, foram-se dissipando, lentamente, deixando ver mais claro os recortes reais de cada um.

Para lá do encanto pessoal que os olhos liam, silêncios e saltos escuros, foram quebrando, dissonantes, a melodia que envolvia o nosso viver.

A dúvida e insatisfação começaram em luta com as expectativas já criadas; a percepção de que um forte instinto de libertação do cerco insular ampliava, em muito, todo o fascínio demonstrado, foram minando, no dia a dia, as bases do sonho já construído.

De súbito, veio a ordem de regresso ao continente. Para Évora, RI 16 (**), em dia certo daquele mês de Abril.

[Foto à direita: Évora > A Praça do Giraldo em 2006 > "De Maio a Agosto, sob os calores secos de Évora, não houve monte que não fosse visitado, noites e dias, pelas tropas peregrinas e desafortunadas, enquanto os serenos alentejanos de Évora se regalavam, ao anoitecer, com a bica aromática ou imperial na esplanada mítica da acolhedora praça do Giraldo" (J. L. Mendes Gomes)…

Foto: Luís Graça (2006).


Ali, formar-se-ia um batalhão para o Ultramar. Apesar das mil promessas, a separação tornou-se inevitável. A nossa tenra relação passou a assentar na correspondência escrita e um telefonema, de vez em quando.

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

Este, em princípio, é o último poste da série... Não sei, minha cara amiga Felisma Costa, se se pode concluir que foi uma história de amor com final feliz... Todas as histórias de amor são bonitas enquanto duram. Muitas, e para mais neste tempo, levavam ao altar. Esta, não, pelas razões que o autor aponta ou sugere... Mas ele tem (ou ficou com) memórias felizes dessa primavera funchalense, no já longínquo ano de 1964... (Espero que a menina também).

Ontem a Felismina tinha escrito (e disse tudo, em comentário) (*): "Quero saber o resto da história! Muito bem descrita, como sempre, entusiasma... e deixa-nos suspensos... Se cada um cada um de nós, contasse as suas, este Blogue deixaria de ser um Blogue de HISTÓRIAS de guerra, para se transformar no Blogue do Amor. Mas, ainda bem que alguém se lembra de falar de amor! Sem ele, que graça teria a vida?...Espero o final da História." (...).

A pedido da Felismina, e de mim próprio e demais famílias da Tabanca Grande, espero que  o Joaquim Luís, o nosso camarada do caqui amarelo (nessa época ainda não se ia de farda camuflada para a guerra...) nos leve no barco (da imaginação) com ele, e com os seus netos, e inclusive nos mostre um bocadinho de Bissau desse tempo... e nos fale até dos amores que eventualmente lá teve, tentando esquecer a menina do Fiat 600, cor de café com leite,(...), leve como uma andorinha, alta, esguia e graciosa como uma garça, de cabelos pretos a escorrer, compridos e sedosos, sobre os ombros, (...) linda como uma orquídea (...).

Não sei, meu alferes,  se é pedir lhe muito... já que este blogue tem tendência para se transformar em "voyeurista"... De qualquer modo,  fica a série em aberto... aguardando "novo material"... LG
_____________

Notas de L.G.:

(*) Último poste da série > 17 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7298: Cartas, aos netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J.L. Mendes Gomes) (6): Funchal, 1964: As minas e armadilhas de Cúpido

(**) O canário de caqui amarelo, como ele próprio se baptizou, pertenceu à companhia independente CCAÇ 728: mobilizada pelo RI 16 (Évora) partiu para a Guiné em 8/10/1964 e regressou a 7/8/1966.  Esteve em Bissau, Cachil, Catió e,d e novo, em Bissau. Comandantes: Cap Inf António Proença Varão; Cap cav  Ramiro José Marcelino Morato; Cap Inf Amândio Oliveria da Silva.

Fonte: Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso: Os anos da guerra colonial: volume 5: 1964: três teatros de operações.  Matosinhos: QuidNovi, 2009, p.123.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3538: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CArt 2339) (2): De Évora a Mansambo... instrução, viagem... Adeus ao meu País


Estórias de Mansambo






Torcato Mendonça
ex-Alf Mil
CArt 2339
Mansambo, 1968/69





2 - Instrução, embarque e viagem até á GUINÉ da CArt 2339

2 -1 - O 2º GrComb

Concentração em Évora

RAL 3, Setembro de 1967, local de concentração dos graduados da Companhia Independente 2339.
Dias depois chegariam os soldados, a maioria saída da recruta, para receberem a especialidade de atiradores. As outras especialidades seriam dadas noutras Unidades Militares e mesmo no RAL.
Nos primeiros dias as habituais reuniões de graduados, a constituição de grupos para ministrar a instrução e outros assuntos.
Os Cabos Milicianos escolhiam os aspirantes para a formação dos quatro pelotões de instrução. O meu era, devido á classificação, o 2º Grupo. Fui escolhido pelos futuros Furriéis – Rei, Rodrigues e Sousa. Todos tínhamos tirado, na mesma altura e local, Vendas Novas, a especialidade: Atirador de Artilharia.
O Comandante de instrução fora um Capitão, a puxar forte por nós pensando, talvez assim, preparar “melhor” os graduados para a defesa do Império. Certo é que ficamos a perceber mais de equipas de cinco, sentido de punho fechado e “coisas de comando” do que secções de nove elementos, pelotões e outras. Misturaram-se, durante a instrução dada á Companhia, os conhecimentos adquiridos e saiu algo de jeito.
Vieram os soldados, foram integrados nos vários grupos, creio que de forma aleatória, ou mais pelo conhecimento, que tinham entre eles, da recruta ou vida civil.
Eram quase todos homens do Norte. O meu grupo tinha só dois alentejanos. Todos os outros eram do Porto, Póvoa, Lousada, etc.
Com os graduados era metade, metade: O Alferes era algarvio, criado no Alentejo e um Furriel natural de Vila do Bispo, algarvio portanto. Os outros dois Furriéis eram da zona do Porto.

Já na Guiné houve mudanças. O Sousa (Fernando Luís, desportista e professor conhecido) foi ao segundo ou terceiro mês para a 3ª ou 5ª de Comandos. Ficou nos Comandos, mudando de Companhia, até ao fim da comissão. Não perdeu o contacto connosco e regressamos juntos. Foi substituído pelo Sérgio, natural de Angola. Estudou e trabalhava na zona do Porto. O Rei, ficou sempre, felizmente, no grupo a corrermos Guiné fora.
O Rodrigues, algarvio, foi ferido com alguma gravidade na Lança Afiada. Evacuado para Bissau, teve que ficar a tirar estilhaços até ao fim da comissão. Nunca foi substituído por razões óbvias. Regressou connosco. Parece viver no Algarve a tentar esquecer aquele tempo. Óptimo se o conseguir.
Infelizmente não regressaram três militares do 2º Grupo. Dois porque morreram e outro por ferimentos e doença, o Pimenta. O Bessa morreu em combate e o Casadinho por acidente, em Bissau, já no fim da comissão.
Um outro devia ter sido evacuado mas nunca o foi.
Ainda em Évora, o grupo adoptou o nome de "Panteras Negras". No fim da instrução diária, ao destroçar, havia sempre o grito: Panteras e batimento forte com o pé esquerdo. Hoje, penso nisso e interrogo-me: Porquê?
Mas estes relatos, estas estórias para reproduzirem, o mais fielmente possível o que se passou têm, tanto quanto possível, ser vistas com os “olhos” de outrora. Era um grupo, a procurar união, a mais ou a melhor preparação para “ a guerra colonial”, um espírito próprio e coeso. Não procurava ser melhor, pior ou diferente dos outros. Tinha, isso sim a auto estima, a vontade de contribuir para uma Companhia unida, onde todos fossem solidários com todos e os Viriatos fossem um conjunto forte e coeso. Parece-me que isso foi conseguido. Creio mesmo que se mantém até hoje.

Ordem de embarque

Terminada a instrução, depois de curtas férias aparece a ordem de embarque. Numa gélida manhã de Janeiro, que certamente ninguém esquece devido aos gritos, choros e ao dramatismo de uma despedida, para muitos a ser vivida como final, embarcámos no Ana Mafalda, rumo á Guiné.
Ao quinto dia aportámos, por horas, em Cabo Verde. No dia seguinte, aí estava a Guiné.
Fizémos o treino operacional no Xime. A 1ª operação ao Galo Corubal.
Caímos em emboscadas e montámos outras; flagelaram e tentaram assaltar o nosso aquartelamento muitas vezes, assaltámos e destruímos alguns do IN; detectámos e rebentámos minas, deixámos outras para os adversários; apreendemos material ao IN, construímos tabancas em autodefesa, sentimos a vida a esfumar-se e a voltar, vimos morrerem camaradas nossos – brancos e negros ou, se preferirem, metropolitanos e guineenses – deixámos um dos nossos ser apanhado. Matámos e apanhámos adversários nossos. Foi uma campanha dura, violenta, desgastante e demasiado longa.
Nunca o Grupo ou a Companhia sentiu o peso da derrota.
No fim éramos homens bem diferentes, amadurecidos ou precocemente envelhecidos. Em tão pouco tempo amámos e odiámos, fomos humilhados e ofendidos, trataram-nos e tratamos outros, justa e injustamente, vimos, sentimos e vivemos situações dispensáveis, para gentes civilizadas.
Regressámos. Despedimo-nos, aos poucos, num fim de tarde e princípio de noite de Dezembro, novamente, de onde, cerca de dois anos antes havíamos saído: Évora.
Partimos por esse País fora, á procura da Vida interrompida. Só que antes já tinha partido o melhor da nossa juventude, o tempo perdido, as transformações em nós operadas, a visão da violência sofrida. Aos poucos recuperamos, talvez ou certamente nem todos o tenham conseguido. Mas certamente tentámos esquecer e viver outras vidas.
Voltámos a encontrar-nos, creio que em 1991, num restaurante da cidade de Aveiro no habitual almoço convívio. Emocionámo-nos. Todos os anos se repetiram os almoços em convívio-terapia. Só voltei, há dois anos a Évora. Julgava ser uma despedida. Ainda por cá estou e talvez volte um dia. Gosto demasiado da malta.
Mas sinto muito a despedida, a falta de brancos e negros que já partiram…e algo de “raiva surda” por certo passado… aos poucos passa…aos poucos encontrarei certamente a paz ou o saber esquecer e perdoar… talvez não…talvez sim…talvez alguém leve os meus fantasmas…

2 – 2 - Breve síntese, desde a formação e instrução em Évora, á Comissão na Guiné e finalmente o regresso. Parece estar tudo dito. Mas não está. Só focar mais dois ou três pontos: a instrução, a preparação e o embarque, a viagem.

Assim:

- A instrução foi em Évora e arredores, tendo o RAL3 por base. Procurou ser a mais consentânea com a guerra que nos esperava, com os conhecimentos adquiridos e com os homens que formavam cada pelotão. A Guiné, o destino não desejado, estava sempre presente. Era muito pouco tempo para ministrar uma instrução adequada.
Carência de meios postos á disposição, alguma falta de conhecimentos dos graduados (excepto dois ou três Sargentos do Q.P., com anteriores comissões) e os militares, os instruendos da especialidade que, uma breve recruta, não tinha sido suficiente para lhes dar a devida preparação para a especialidade.
Tínhamos a vantagem, muitas vezes isso é esquecido, da qualidade do homem português. A origem, da maioria daqueles homens era camponesa, trabalhadora da construção civil ou dos têxteis, a darem duro desde tenra idade. A rusticidade deles, o hábito á dureza da vida era uma enorme vantagem. Alguns eram homens que nunca tinham sido crianças. Outros já eram casados e pais de filhos. Muitos não eram bons ginastas, devido á dureza dos músculos travar a flexibilidade ou a dificuldade na coordenação motora. Relembro três casos: um que não era capaz de saltar o muro de terceira. Não me atrevo, dizia ele. Foi excelente combatente. Outro, casado e camponês, foi o “ bazokeiro” do Grupo. Ao segundo mês de comissão recebeu a noticia que era pai de uma menina. Nunca a conheceu. Faleceu pouco antes do embarque e num acidente em Bissau. Era a brutalidade daquela guerra. O terceiro caso é sobre a dignidade de um homem. Já na Guiné recebeu a noticia que ia ser pai, só que não tinha casado com a mulher a quem prometera, certamente depois do regresso, casar. Assim que pode, não eram permitidas férias ao segundo ou terceiro mês, veio para casar. Era esta, felizmente, a massa humana do segundo Grupo. Estes três casos podemos estendê-los a todo o grupo ou à Companhia.
Com a determinação de todos decorreu bem a especialidade, para alguns um pouco dura mas foi útil em combate. Não sei se ensinei mais ou se aprendi mais. As duas certamente e, volvidos estes anos recordo-os todos como amigos e camaradas.
Terminou a especialidade depois de uma semana de campo.
Antes de um merecido período de férias, veio a notícia do destino: Guiné.

Preparação para o embarque

- A preparação e o embarque tinham que ser feitas com certo cuidado. A notícia da ida para a Guiné, não foi recebida com entusiasmo pela maioria. Até os Militares do Q.P., estranharam nova ida para lá, pois a última fora lá passada.
As praças receberam o fardamento, meteram-no em dois sacos cilíndricos, também fornecidos, puseram-nos ás costas e foram de férias. Passaram o Natal e o Ano Novo em casa e apresentaram-se nos primeiros dias de Janeiro. Os graduados receberam um subsídio, creio que foi isso, e foram ao Casão Militar comprar o fardamento apropriado. Se bem me lembro, o 1º Sargento Clemente ou outro, Silva ou Moura Gomes, fizeram uma listagem e fui com ela ao Casão. Comprei a mala mais feia que encontrei – cinzenta e de plástico duro – e meti lá todo o material constante da lista. Mais tarde em minha casa foi, tanta e esquisita roupagem, posta á medida. Curiosamente até certos pormenores os Profissionais nos indicaram.

Embarque

Passaram rápidas as férias e, no dia indicado, parti para Évora. Não tinha a certeza do dia de embarque. Para a Guiné partiram antes de nós um Oficial e um Sargento. Nós iríamos depois. Não me recordo o dia da apresentação ao certo. Sei que tivemos duas baixas; um alferes que espatifou um pé e o furriel mecânico que, talvez devido ao calor e excesso de humidade guineenses, preferiu a Europa ou a América. Gostos…Os restantes apresentaram-se todos.
Esperámos pelo embarque, adiado pelo menos uma vez. Um dia soubemos: embarque a 14 de Janeiro. Telefonei para casa e pedi a meu pai para ninguém ir a Lisboa. Despedidas não.
No dia 12 recebi a ordem de ir, no dia seguinte para Lisboa tratar do embarque. O resto da Companhia iria depois.
Vestido á civil, roupa militar num saco, a restante entregue para me levarem para Lisboa, na madrugada de um sábado dia treze, aí estou eu a embarcar no comboio em Évora para, poucas horas depois estar em Lisboa. Ida á residencial habitual, telefonar ao Furriel Whanon, que já estava em Lisboa, combinar encontro, vestir a farda e aí vamos nós ver o barco. Lembro-me, a cara de espanto do dono e pessoal conhecido da residencial. Eram meus conhecidos pois, essa e menos outra ali na Braamcamp, eram os meus poisos habituais. Não sabiam que eu era militar. Figurava nos arquivos como estudante. Que é isto? Dizia o Senhor Manuel. Vou para a Guiné amanhã de madrugada. Fiquemos por aqui. Fui e vim, o meu poiso continuou, por muitos anos, a ser lá. Boa gente. Já desapareceu a residencial e o Parque…
Lá fui, com o Furriel Whanon ver o barco. Ou por estar maré vazia, ou porque o barco era pequeno, quando olhei para o "Ana Mafalda" pensei ser uma traineira. Papéis tratados e o resto do dia e noite por minha conta. Passou-se. Às cinco ou seis da madrugada estava eu na Estação Sul Sueste á espera do resto da Companhia. Chegaram, entraram rapidamente nos camiões militares e rumámos ao Cais da Rocha. De noite todos os gatos são pardos ou não dão nas vistas…
Embarque: o reboliço da carga do material, a formatura para um estúpido desfile, os cumprimentos de um membro do Governo (?), não recordo bem, e uma pausa antes do embarque, para as despedidas dos familiares.
Assisti então a uma situação incrível pelo seu dramatismo. Não descrevo pois não seria capaz. As famílias em atroz sofrimento, os militares igualmente, o choro, o grito, que, de tantos que eram, pareciam um só e deixaram-me arrasado. Foi dada ordem de embarque e muitos tiveram que ser “empurrados” até ao barco. Perto do meio-dia afastava-se o barco lentamente e os acenos, de ambos os lados, os gritos e choros mantiveram-se. Indescritível. Penso que só quem embarcou assim consegue recordar todo aquele dramatismo.


Viagem

Deixei as malas no camarote e vim até à amurada. Ali estive, não sei quanto tempo a pensar, a ver o meu País a afastar-se. Ainda o Cabo São Vicente se via ao longe, senti o Rodrigues, Furriel do meu Grupo, ao pé de mim. Disse-me: será que voltamos a ver o nosso Algarve? (lembras-te camarada? Não me deves ler… tentas esquecer…tens esse direito). Respondi-lhe: eu vejo e você também. Com “ganas”e a raiva do não querer estar ali. Porquê? Porque não devia estar ali! Não era guerra minha e devia acabar o curso. Além disso tinha 22 anos e queria viver…mas já estava transformado…
Continuou a viagem, com enjoos de alguns e os dias a escorrerem devagar. Na terça dia 16, ao longe as luzes das Canárias e na madrugada de sexta dia 19, aí estavam o porto de Pedra Lume, Ilha do Sal, Cabo Verde. Carga e descarga de material e nova largada rumo a Bissau.

cont.

__________

Notas de vb:

1. Continuação e reescrita das Estórias de Mansambo.

2. Artigo anterior em