Mostrar mensagens com a etiqueta Aristides Sousa Mendes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Aristides Sousa Mendes. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22391: Agenda cultural (776): RTP Play, "A Herança de Aristides", documentário francês de 52 mm, que passou na RTP1, em 19 de julho, no aniversário do nascimento do "Consul de Bordéus", Aristides de Sousa Mendes (1885 -1954) + exposição na Fortaleza de Peniche, a decorrer até ao fim de outubro: "Candelabro ASM. Aristides de Sousa Mendes: o exílio pela vida".




Peniche > Fortaleza de Peniche > Museu Nacional da Resistência e Liberdade > 13 de julho de 2021  > Cartaz anunciando a exposição "CANDELABRO ASM. Aristides de Sousa Mendes: o exílio pela vida". De 27 de abril a 31 de outubro de 2021. Aberto, de quarta feira a domingo. Entrada livre. 

(...) O Museu Nacional Resistência e Liberdade, na Fortaleza de Peniche, celebra o dia 25 de Abril com homenagem de arte contemporânea a Aristides de Sousa Mendes.

Esta homenagem, no âmbito da programação cultural da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, tem a particularidade de unir pessoas e vontades de cinco países – Portugal, França, Alemanha, EUA e Canadá – em torno do justo reconhecimento de um resistente e de um herói.

A Vídeo-Escultura de Werner Klotz é a peça central da primeira exposição internacional do Museu. (...) 
 [Abrir aqui o guia educativo]


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem enviada pelo Luís Graça ao João Crisóstomo, no passado dia 16:

João: Passámos pro Peniche, mas estava fechado, nesse dia, terça-feira, o Museu Nacional da Resistência e Liberdade... Mando-te duas fotos com o cartaz da exposição sobre o Aristides de Sousa Mendes. Lembrámo-nos de ti. E também rezámos por ti e pela Vilma na Ermida da Sra dos Remédios, que tu conheces. Vai lá o círio de A-dos-Cunhados, tua terra natal... Faltaste tu e a Vilma (ela iria gostar)...

Abraços da malta toda, Até para ano!... Luís

http://www.museunacionalresistencialiberdade-peniche.gov.pt/pt

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2021/07/guine-6174-p22374-tabanca-do-atira-te.html

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2021/07/guine-6174-p22373-tabanca-do-atira-te.html


2. Parte de uma extensa mensagem do João Crisóstomo, recebida ontem, dia 20,  às 3h58:

(...) Quando chegou o teu E mail a dizer que tinhamos sido lembrados na Ermida e depois ao passares pelo "Museu da Resistência e Liberdade" onde esperavas ver a Exposição sobre o nosso Aristides, disse para os meus botões que já que não podia estar com vocês, pelo menos tinha de vos enviar a todos um abraço e uma palavra de agradecimento. É sempre bom sabermos que mesmo longe não estamos sós. E isso aplica-se a todas as situações, incluido aqueles que por qualquer motivo não têm possibilidade de partilhar pessoalmente momentos assim.

(...) Esta manhã enviei um e mail a familiares e amigos de Aristides de Sousa Mendes mundo fora, juntando-me a eles na memória do aniversário do seu nascimento (19 de Julho de 1885). E de tarde, cerca das 8.30 PM de Lisboa, recebi uma chamada do Rui Chamusco, meu irmão em tudo o que estou envolvido recentemente, que me alertou para um programa que ia passar na televisão às 5.15 PM ( 10.15 PM em Portugal) .

Logo liguei a televisão para a RTP , único canal português que recebo em minha casa e fiquei contente que estivesse a dar o mesmo programa em Portugal e aqui nos US. Mas logo o desapontamento foi grande: na dita hora enquanto esse programa sobre Aristides começou a ser passado em Portugal, a emissão para os US continuou no programa de petiscos e cozinhados que estava a dar havia mais de meia hora…Por mim não consigo perceber !

Uma vez que se falava em Portugal sobre este nosso grande humanista, ele devia ser lembrado pela nossa RTP mundo fora também. Ao fim e ao cabo Aristides viveu e prestou serviço diplomático em muitos países onde chegam hoje os programas da nossa RTP : embora o nosso Aristides seja agora mundialmente conhecido pelo seu acto de coragem humanitário em França, antes disso ele tinha estado na Guiana Britânica; em Zanzibar, capital da então África Oriental Britânica , no Brasil (Curitiba, Maranhão e Porto Alegre); nos Estados Unidos, na Espanha e na Bélgica.

Era especialmente pertinente que esse programa fosse visto aqui nos Estados Unidos: importa não esquecer que,  depois do reconhecimento de Aristides de Sousa Mendes por Israel em 1966, logo seguido por uma cerimónia de entrega da medalha à família no Consulado israelita de Nova Iorque em outubro de 1967, Aristides voltou ao quase completo esquecimento, especialmente em Portugal. 

 Embora houvesse algumas isolada vozes de vez em quando a pedir alguma atenção, a posição era de ignorar e esquecer. Foi aqui e também no Canadá que a partir de 1986 Aristides de Sousa Mendes recomeçou a ser a reconhecido e homenageado. Foi-o, oficialmente, mesmo pelo Congresso Americano. E foi só depois de uma delegação de 69 Representantes do Congresso Americano, chefiada pelo luso-americano Tony Coelho, durante uma visita a Portugal ter pressionado o governo português a seguir o exemplo dos Estados Unidos, é que o nosso governo, não podendo mais resistir à pressão dos Estados Unidos, decidiu reconhecer, reabilitar e homenagear Aristides de Sousa Mendes.

Quando depois houve um "interregno longo" em que Aristides parecia voltar ao esquecimento, foi a partir de 1996 que o nome de Aristides começou de novo a ser badalado: foi nesta altura que tive conhecimento do grande trabalho de reconhecimento de Aristides a partir de França, dirigidos por Jacques Riviére e Manuel Dias com quem passei a estar em contacto frequente. E que o reconhecimento de Aristides nos Estados Unidos e mundo fora “recomeçou a sério”, facto de que, sem intenções nem presunções de autopromoção, sei que o meu papel também não foi insignificante.

Logo em Abril de 2000 a grande exposição “Visas for Life” abria nas Nações Unidas e Aristides era o “homenageado" especial : a abertura, feita a coincidir com o dia do aniversário da sua morte teve lugar na sala da Assembleia Geral da ONU em que o Nobel da Paz Elie Viesel foi o orador principal; e logo os acontecimentos de memória e reconhecimento não pararam mais, lembrado todos os anos, várias vezes por ano ; e em 2004, no 50º aniversario da sua morte, nascia o projecto “Dia da consciência” , celebrado nesse ano com acontecimentos simultâneos em 21 países.

Em 2010 nascia a “Sousa Mendes Foundation US” sob a direção da prof. Lissy Jarvik e de Olivia Mattis, e o trabalho magnificente que esta organização logo começou a desenvolver.

Paralelamente esforços para um reconhecimento maior e generalizado continuaram: no ano 2010, entre outros acontecimentos mundo fora, houve uma concelebração de quatro cardeais em Roma, evento largamente noticiado; e no mesmo ano era introduzida no Parlamento Canadiano uma moção de reconhecimento e apoio a uma proposta para designar 17 de junho como o “Dia da Consciência”. 

Estes esforços persistentes continuaram nos anos seguintes e culminaram com a declaração do Papa Francisco no dia 17 de junho de 2020 lembrando Aristides de Sousa Mendes e o Dia 17 de junho como “Dia da Consciência”.

Bom: desculpem este meu longo “discurso”; quando me ponho a falar por vezes não sou capaz de parar… mas , "o saber não ocupa lugar”!… e talvez alguns destes “pormenores”não sejam do conhecimento de todos ainda.
 
Quem sabe, de repente aparece uma situação em que alguém pode contribuir para que haja melhores prioridades na nossa RTP na emissão de programas para fora de Portugal; francamente é frustrante ver dar prioridade a comentários ou ensinos de cozinha sobre lembrar o nosso grande humanista Aristides de Sousa Mendes no dia do aniversário do seu nascimento.

Um grande abraço a todos,

João Crisóstomo, Nova Iorque

3. Resposta do editor LG, ontem, às 12h49;

João, bom dia...Tens aqui o programa que deu ontem na RTP, "A Herança de Aristides"... Está já disponível da RTP Play... Tens mais de 150 mil filmes, vídeos, etc. na RTP Play!!!!... 

Ainda não vi, a Alice viu e gostou muito...Carrega aqui no link:

https://www.rtp.pt/play/p9092/a-heranca-de-aristides

Depois falamos, tenho que ir para Lisboa, para fazer exames...Ab, Luis

PS - Sobre o programa: documentário da televisão francesa, de 2020, com a duração de 52 m,  "A Herança de Aristides", RTP1, 19 de julho de 2021.

Sinopse: O legado deixado por Aristides de Sousa Mendes... Todos conhecemos a história da lista de Schindler, mas será que conhecemos a ação excepcional do português Aristides de Sousa Mendes que, em junho de 1940, em Bordéus, salvou dezenas de milhares de judeus e não judeus com a emissão de vistos para Portugal?

____________

Nota do editor;

Último poste da série > 10 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22356: Agenda cultural (775): "No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português" (Livros Horizonte, Lisboa, 2021, 192 pp.): livro de Jorge Monteiro Alves, jornalista e repórter de guerra... Uma biografia não autorizada de Marcelino da Mata, o último herói do império.

domingo, 16 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21258: A galeria dos meus heróis (35): Rosemarie e os seus dois maridos... - Parte II (Luís Graça)


Capa do livro de Jules Roy, "La bataille de Dien Bien Phu", 
Paris, Le Livre de Poche, 1972, 538 pp. ( a 1ª edição é de 1963;
 um dos livros  que o Antoine Ben Oliel nunca leu 
mas por onde perpassa a sua sombra. Um dos maiores 
desastres militares da França colonial e dos seus bravos soldados 
da Legião Estrangeira. Juley Roy é um "pied-noir", 
nascido na Argélia em 1907. Morreu em 2000. Foi militar e resistente
na II Guerra Mundial. Deixou o exérito, em 1953,  em protesto 
contra a guerra da Indochina.

 
A galeria dos meus heróis > Rosemarie e os seus dois maridos... 

Parte II 

(Luís Graça) *

(Continuação)

Num outro dia, num dos nossos verões passados, apanhei a Rosemarie particularmente bem disposta, a cantarolar um dos fados da Amália, a sua musa inspiradora. Não reconheci de imediato nem a letra nem a música. 

C'est le fado de Paris.  − respondeu-me ela.

(...) O fado veio a Paris,
Alfama veio a Pigalle
E até o Sena se queixa de pena
Que o Tejo não quis sair de Portugal.

O fado veio a Paris,
Alfama veio a Pigalle
E até Saint-Germain-des-Prés
Já canta o fado em francês! (…)


Foi uma deixa para falarmos do bistrot do Antoine, que tinha nome português, “O Cantinho da Saudade”… lá na petite ville, a sudeste  de Paris, onde ambos viveram… Foi o seu primeiro trabalho, quando chegou a França em 1967: foi empregada de mesa e de balcão no bistrot que se tornou um local de encontro dos imigrantes portugueses da região, mas também de magrebinos, em especial de antigos combatentes da guerra de Argélia, os harkis… E a partir do momento em que começou a haver “fado ao vivo”, passou a ser também frequentado por alguns franceses, como os nossos anfitriões da casa da Lagoa de Óbidos, que já eram conhecidos do Antoine, do tempo da Argélia.

Enquanto tomávamos café numa esplanada junto à praia, eu puxei a conversa para o Antoine… Queria saber como a Rosemarie conhecera o homem que a levou para França, “a salto”, em 1967,  e que iria mais tarde lançá-la na “vida artística”, como cantora de fado, e depois a dormir com ela… na cama.

É uma outra história, longa e algo rocambolesca, com muitos "claros e escuros", e alguns silêncios que eu tive de respeitar.

A Rosemarie já o conhecia de Chaves. “Vagamente”, garantiu-me ela. “Ainda antes de casar”…Já não podia precisar o ano, nem as circunstâncias, de resto “não era muito boa em datas”. Talvez nalgum baile ou nas festas da cidade. Alguém o terá apresentado à Rosemarie, na altura criada de servir, na cidade:

− Eu dava nas vistas… E ele tirou-me logo a 'fotografia'… Disse-mo dez anos mais tarde, quando me levou para França… Tinha vindo da tropa, usava o cabelo à escovinha, ainda falava um português avec accent… Não lhe achei muita piada, para mais numa terra de magalas que passavam a vida a mandar piropos parvos às raparigas, quando vinham à cidade…

A Rosemarie reparou, isso sim, na extensa cicatriz, com quatro ou cinco centímetros, que o Antoine ostentava no rosto, no maxilar direito, no enfiamento da orelha. Parecia exibi-la com orgulho, apesar do disfarce das patilhas. Vim a saber mais tarde que era a sua “medalha de guerra”, ganha com sangue na Indochina, em  março de 1954, logo no início da batalha de Dien Bien Phu.

O Antoine era de nacionalidade francesa, mas de origem portuguesa, por parte do pai. Este era flaviense e tinha integrado o corpo expedicionário português, o CEP, na I Grande Guerra, como 1º cabo ou sargento, a Rosemarie não sabia precisar o posto.

E por lá ficou, em França, o pai do Antoine, tendo-se tornado francês por casamento. Vivia na região da Île de France. Segundo percebi, foi um dos prisioneiros portugueses da batalha de La Lyz, em abril de 1918. No cativeiro contraiu a tuberculose e escapou, com sorte,  à pneumónica de 1918/19. 

Nunca mais regressou à Pátria, e fez um primeiro casamento, logo que foi libertado. Ficou com uma pequena pensão de guerra, mas cedo enviuvou, não tendo filhos. Até ao final dos anos 20 só se sabe que trabalhou como capataz ou encarregado numa grande quinta que fornecia produtos agrícolas e animais para os mercados abastecedores de Paris.

Foi lá que conheceu a segunda mulher, também francesa, mas de origem judia sefardita, com antepassados em Marrocos. Terão sido, muito provavelmente a avaliar pelo apelido, Ben Oliel, judeus expulsos de Portugal no tempo de Dom Manuel I.

A Rosemarie não sabia grandes pormenores sobre a “árvore genealógica” do Antoine, do lado da mãe, embora usasse o seu nom, o apelido de família. O seu companheiro era uma pessoa muito reservada, muito raramente falando do seu passado, e em especial do tempo da tropa e da guerra.

A Rosemarie não chegou a conhecer a família do Antoine, nem sequer a sua segunda mulher, que morrera onze antes de ela chegar a França. O pai morrera ainda mais cedo, em 1939, na véspera da II Guerra Mundial, não tendo por isso sofrido a vergonha, la honte, da derrota militar da França, cujo território ele estava convencido que era “intransponível” devido à mítica “linha Maginot”… Nem conheceu, felizmente para ele, a amargura da ocupação da sua querida França pelo exército nazi. Tinha quarenta e poucos anos, e deixou 4 filhos órfãos, dos quais três rapazes e uma rapariga.

Em junho de 1940, a família, em pânico, como milhões de outros franceses, fugiu para o sul, refugiando-se em Bordéus, onde sobreviveu, algumas semanas, com as suas escassas economias e parcos haveres.

Com a ajuda do cônsul português de Bordéus (de que a Rosemarie, imperdoavelmente, não sabia o nome, Aristides Sousa Mendes, acrescentei-lhe eu), a família Ben Oliel conseguiu obter um visto que lhe permitiu chegar a Vilar Formoso, sã e salva. O Antoine não tinha ainda 10 anos nessa época mas, ao que parece, terá ficado com recordações bem vivas dessa dramática viagem de comboio, de noite, e do alívio da chegada a Portugal, país de que ele irá gostar muito, até ao fim da vida.

Il aimait trop le Portugal! − jurava a Rosemarie.

A família é, entretanto, separada, a mãe fica com os filhos mais novos. O Antoine e outro irmão mais velho vão para um seminário ou orfanato.

−Tempos difíceis! – comentei eu. 

−Viveram da caridade. Tanto quanto sei, e pelo que o Antoine me contava, e que era muito pouco, a mãe, viúva, sem qualquer contacto com a família do marido, que era de Chaves, estava num lar de freiras, no Porto ou arredores, com o apoio discreto de uma organização judaica.

Com 15 anos, o Antoine, já rapagão, voltou a França, depois da Líberation, para ver em que pé estava o assunto da casa da família… A quinta ( e a casa onde viviam, com mais trabalhadores, franceses e estrangeiros) fora requisitada pelas autoridades militares alemãs, e havia notícias de que tinha sido  alvo de ações de sabotagem por parte da Resistência francesa ou bombardeada pelos Aliados.

Entretanto, o Antoine encantara-se por Chaves onde descobriu, com a ajuda dos padres, alguns parentes da família do pai, incluindo um tio, que era guarda fiscal, e alguns primos, que o ajudaram a ele bem como à mãe e aos irmãos. Ia lá passar férias enquanto esteve no seminário. 

Mas em 1944 terá sido expulso pelos padres por razões que a Rosemarie nunca soube. Desconfiava, isso sim,  que terida sido pelo seu comportamento truculento e até violento, enfim, pela sua maneira de ser e de falar, que “não ficava bem num futuro representante de Deus na terra”.

Fixou-se em Chaves, "deu em malandro" (sic). Já perto do final da guerra, meteu-se numa "troupe" que fazia contrabando fronteiriço, com um dos primos, filho do tio da Guarda Fiscal. Pequeno contrabando, como café e cigarros...

Mas,  logo em finais de 1946, o Antoine  voltou a Chaves e às atividades lucrativas do contrabando. Aprendeu a conhecer aquelas serras e o caminhos dos contrabandistas. Passados uns meses, teve que fugir para França quando um dos elementos do bando foi atingido, na Galiza, pela Guardia Civil. O tio aconselhou-o a ficar por lá uns tempos.

A família Ben Oliel conseguiu reaver a casa que tinha, a sudeste de Paris. Os miúdos voltaram. E por lá cresceram e casaram. A Rosamarie só conhecia os mais novos. O mais velho já tinha, entretanto, emigrado para Buenos Aires e por lá ficou, sem nunca ter regressado a França ou a Portugal. Nem sequer ter dado notícias.

Em França, a vida da família melhorou um pouco com o apoio da Sécurité Sociale, enquanto o país ia recuperando do pesadelo da guerra, da ocupação e da resistência.

Os “30 gloriosos”, o “milagre económico francês”, fizeram também esquecer os conflitos militares nos territoires d’ outre-mer em que a IV República estave mergulhada, a começar pela sangrenta guerra da Indochina e depois a da Argélia.

Sem paradeiro certo, vivendo de biscatagem, o Antoine não resistiu a uma campanha de recrutamento da Legião Estrangeira, fazendo por volta de 1950 um contrato de seis anos. Era menos uma boca a alimentar lá em casa. Por outro lado, tinha frequentes conflitos com a mãe e os irmãos mais novos.

A Rosemarie sabia pouco deste período obscuro da vida do Antoine e não conseguia sequer localizar no mapa a Indochine … e muito menos pronunciar Dien Bien Phu. Desculpava-se que a geografia também não era o seu forte. E quando chegou a França em 1967, no tempo do De Gaulle, já não se falava dessas guerras,

Por outro lado, dizia-me que ele tinha sido paraquedista, o que não correspondia à verdade. Os nossos anfitriões da casa da Lagoa de Óbidos é que me deram informação adicional, mais detalhada e precisa, sobre o passado militar do nosso homem.

Nesse aspeto eles conheciam o Antoine, légionnaire, muito melhor do que a Rosemarie. E confirmaram-me que o Antoine deve ter-se alistado na Legião Estrangeira (Francesa), aos 19 anos, por volta de 1950. Pertencia não aos paraquedistas mas a um regimento de infantaria, um dos que foram para  Dien Bien Phu e lá seriam massacrados. De resto, o Antoine não gostava de voar, tinham vertigens, pelo que nunca teria passado sequer nos testes para paraquedista.

Em finais de 1953 estava na Indochina,  para logo, passados três meses,  em 13 ou 14 de março de 1954  ser ferido gravemente por um estilhaço de obus que lhe desfigurou o rosto.  Teve ainda a sorte de poder ser evacuado e sujeito a uma cirurgia reconstrutiva.

Menos de dois meses, em 7 de maio de 1954, Dien Bien Phu cairia nas mãos dos viet-minh do general Giap, e muitos camaradas do Antoine, de várias nacionalidades, perderam lá a vida ou foram feitos prisioneiros. E muitos também não regressariam do doloroso cativeiro.

−Escapou da morte quase certa, em Dien Bien Phu ou no cativeiro – comentaram os nossos anfitriões, em tom lacónico.

Um ano e tal  depois da convalescença ainda passou pela Algérie. Conseguiu prorrogar o seu contrato por mais uns tempos e ficou por Argel. Aí, sim, terá estado numa base aérea, numa unidade de apoio logístico aos paraquedistas, antes de completar os seis anos de contrato com a Legião Estrangeira.

A doença, e a subsequente morte da mãe, obrigou-o a apressar o regresso a casa, em 1956. E foi, talvez um ano depois, em 1957, tinha a Rosemarie vinte anos, que ele a  conheceu em Chaves.

Os nossos amigos também eram repatriés ou retornados (pieds-noirs, era a expressão injuriosa que se usava em França para designar a população europeia, ou de origem europeia,  que fora obrigada a deixar a Argélia, depois da independência). Professores num colé
gio privado, eram de origem judia, como muitas das profissões liberais a viver e a trabalhar naquela antiga colónia francesa do Magrebe, a “joia da coroa” do império colonial francês: médicos, farmacêuticos, advogados, notários,  professores, agricultires, empresários, etc. A maior parte, de resto, eram já nascidos na Argélia,  há várias gerações. 

Os nossos amigos foram viver para a região da Ilha de França,  logo em 1962, tendo vindo na leva dos cerca de 800 mil repatriés… Por volta de 1966 começaram a frequentar o bistrot do Antoine, de quem eram vizinhos, mas ele nunca ou raramente abria o jogo sobre os seus tempos de legionário. Gostava, isso sim, de falar da Argélia e de Portugal… mas nunca da Indochina. Eram as duas coisas que os aproximavam. De resto, não falavam de política. Nenhum deles gostava de De Gaulle, mas por razões diferentes, que eu também não quis esmiuçar.

O bistrot do Antoine, na petite ville de A…, no Val-de-Marne, era muito popular nesse tempo, sendo o centro da vida social dos imigrantes portugueses que chegavam a França mas também de alguns magrebinos nascidos em França ou com muitos anos de França, incluindo ex-combatentes da guerra da Argélia…

Antigos camaradas de armas do Antoine, que viviam na banlieue  de Paris, também apareciam de vez em quando para saluer les copains, beber um copo em memória dos “bons velhos tempos” e fazer uma jogatana de cartas, refugiando-se numa das “salas reservadas” do estabelecimento.

A Rosemarie tinha uma presença discreta mas assídua no bistrot do Antoine, substituindo-o, nas funções de gerência, sempre que ele se ausentava por mais de um dia. Em boa verdade, não gostava dos amigos do Antoine, do tempo da tropa e da guerra. Sempre os achou "más companhias" do seu patrão. E, quando ele não estava, "apalpalvam-lhe o rabo, os salauds, os sacanas".

A pouco e pouco o Antoine começou a ser conhecido como o “padrinho” dos portugueses da região e ninguém sabia ao certo desde quando e como é que ele começara a sua atividade de “passador”. Levava, no mínimo,  dez contos por cabeça, para atravessar a fronteira. Por vezes a crédito, mas sempre com juros. Começou a trazer muita gente do Norte, "do rio Minho ao Mondego"... 

Respeitavam-no, para não dizer que o temiam. Aos caloteiros não estava com meias medidas: das ameaças passava aos atos e, não raramente, “andava à porrada”. Muitos foram viver para o bidonville de Champigny, e ele procurava ajudá-los a arranjar emprego e a “tratar dos papéis”. Havia redes de recrutadores de mão de obra ilegal, para o bâtiment, os chantiers, a construção e obras públicas. Enfim, tudo isto custava dinheiro, pelo que alguns desgraçados passavam um ano a trabalhar para pagar as dívidas do “salto”… 

De estatura média mas com um “tronco de touro bravo”, era exímio no jogo de pés e cabeça. A cabeçada dele chegou a mandar alguns para o hospital. Não usava armas,  a não ser em “casos extremos”.

Foi sempre bem sucedido nas suas “viagens de passador”, sem percalços de maior. Conseguiu arranjar passaporte português, já que tinha dupla nacionalidade, obtida em finais de 50. Ao que se suspeita, mais do que se sabe, tinha alguns bons contactos, na PIDE,  na Guarda Fiscal, na GNR, na Guardia Civil e na Gendarmerie, o que facilitava as suas deslocações e a passagem da “carga” nas duas fronteiras.

(Continua)

© Luís Graça (202o). Revisáo; 5/8/2023
____________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 11 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21246: A galeria dos meus heróis (34): Rosemarie e os seus dois maridos... - Parte I (Luís Graça)

(...) Conheci a Madame Ben Oliel, como ela gostava de ser tratada, numa festa do 14 Juillet, o Dia Nacional da França. Ben Oliel era o apelido  materno do seu segundo marido, de origem portuguesa e judia sefardita, que esteve nas guerras da Indochina e da Argélio,  como légionnaire

Maria Rosa era o seu nome de batismo, de que trocou a ordem e afrancesou: Rosemarie, soava-lhe muito melhor,  fazia-lhe oublier (esquecer) e até talvez cacher (esconder) a sua origem portuguesa e a sua condição de imigrante em França. (...)

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21128: Efemérides (329): "17 de junho, o Dia da Consciência", o historial de uma causa em que o mundo (, o Vaticano incluído,) relembra o exemplo inspirador do diplomata português Aristides de Sousa Mendes (João Crisóstomo, Nova Iorque)




Carta de 5 de dezembro de 2018, do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin,em resposta ao João Crisóstomo.




Carta de João Crisóstomo, para Sua Santidade o Papa Franscisco, com data de 3 de abril de 2019



Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem do João Crisóstomo [, aqui na foto com o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal  Pietro Parolin, em agosto de 2017]

Date: sábado, 27/06/2020 à(s) 17:56

Subject: Historial do 'Dia da consciência"


17 de Junho :  Historial do "Dia da Consciência"

por João Crisóstomo

 Conhecedores do meu envolvimento  neste assunto, alguns amigos têm-me sugerido, com insistência, que,  para esclarecimento dos interessados mas menos informados no nosso grande humanista Aristides de Sousa Mendes, eu faça um resumo, um historial,  de como se chegou a este feliz momento  de vermos o dia  17 de Junho  aceite  pelo papa Francisco como "Dia da Consciência"  e o reconhecimento deste  nosso herói pelo Vaticano. 

É isso que me proponho fazer, sem ridículas intenções de qualquer autopromoção, mas também sem pretensões de falsa modéstia.

Não vou  fazer um historial do  reconhecimento de Aristides de Sousa Mendes em geral, mas vou-me cingir ao que directa ou indirectamente está relacionado com o "Dia da Consciência".

 O acaso, se tal existe, levou a  que uma pessoa amiga em 1996 me falasse  de Aristides  como meio de melhor me envolver no assunto de Timor Leste. Vinte e um anos mais tarde seria o  meu envolvimento com Timor Leste  que me  ajudaria   no caso de Aristides de Sousa Mendes.  

Até esse  ano de 1996, Aristides de Sousa Mendes era para mim um herói desconhecido.  No momento, contudo, em que o conheci e me apercebi da sua grandeza, decidi fazer o possível para acabar com  este geral desconhecimento deste nosso grande humanista.

Já no ano 2000, na grande exposição,  "Visas for Life", nas Nações Unidas,  Aristides de Sousa Mendes foi o  diplomata de destaque neste evento e  o dia de abertura oficial foi propositadamente escolhido para coincidir com o dia do aniversário  da   sua morte. 

Acrescento que o filme documentário " Diplomats for the Damned",   do History Channel [. Canal História],  teve de ser refeito - e assim aconteceu - para incluir com o maior destaque o nosso herói que havia sido "esquecido". 

Nesta altura  vim a saber que, para honrar Aristides de Sousa Mendes, o 17 de Junho  tinha sido  o dia escolhido para  a  inauguração  de uma estátua e uma  praça com o seu nome em Bordéus,França.  

Fazia  sentido, pensei eu: foi esse o dia em que o cônsul Sousa Mendes mostrou o que era e que fez dele  o modelo  e a inspiração que iria a ser para todos os que viriam no futuro a ter dele conhecimento. A partir desse dia,  foi essa a data e essa a vertente  a que comecei a dar maior destaque nos vários eventos que ia promovendo para apresentar Aristides de Sousa Mendes.

 Entre estes  devo salientar os acontecimentos levados a efeito em 2004. Porque Aristides era católico e  explicou o  seu procedimento como  tendo sido motivado  pela sua consciência de cristão, tentei dar a vertente católica a estes acontecimentos. 

Juntei-me à International Raoul Wallenberg Foundation  (pois a Fundação Sousa Mendes US só viria a aparecer em 2010/11) e entre as muitas dezenas de acontecimentos nessa semana de Junho de 2004, 34 desses foram missas, celebradas na maioria pelos  prelados máximos   em 22 países mundo fora.

Esta  era também uma maneira mais eficiente de dar a conhecer o nosso herói, pelo elevado número directo de pessoas a ouvir falar dele, como pela cobertura mediática, como felizmente aconteceu.  

Em 2010 celebrávamos os 70º aniversários da capitulação da Fança na II Guerra Mundial e o desse  acto corajoso de salvamento de refugiados por Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus.  

De novo houve celebrações em vários países,  e da mesma maneira que tinha sido feito em 2004 - em que o Senhor Cardeal Don Renato Martino tinha presidido a uma missa solene na Basílica de Trastevere - eu pedi e teve lugar uma concelebração de quatro cardeais em Roma para lembrar  a acção do antigo cônsul de Portugal em Bordéus. 

Essas  missas eram pedidas sob o tema de agradecimento ao Senhor por nos ter dado o exemplo inspirador de Aristides de Sousa Mendes e  outros, especialmente o diplomata brasileiro Luis Martins de Sousa Dantas,  de coragem e humanismo  gémeos dos de Aristides Sousa Mendes.   

Esta concelebração em Roma  foi notícia  espalhada pelo mundo pela Agencia Zenith, e eu achei que era uma boa altura para  pedir ao Vaticano, na pessoa do Sr. Cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado, que declarasse  17 de Junho  como o "Dia da Consciência".  

Esta expressão "Dia da Consciência" - e não "Dia da Desobediência" ou "Dia de Acção de Graças" - foi escolhida e resultou duma conversa telefónica com Mariana Abrantes que ma sugeriu como mais  apropriada. E em boa hora o fez. A partir daí foi sempre como "Dia da Consciência" que  se ficou a chamar o dia 17 de Junho. No mesmo ano, no Canadá, o "Dia da Consciência" foi apresentado no Parlamento pelo  representante federal Mario Silva que  introduziu  uma resolução nesse sentido.

Entretanto, esta primeira carta/pedido ao Vaticano não teve qualquer resposta. A chegada do papa Francisco e do novo Secretário de Estado deu-me esperanças de que o meu pedido  tivesse melhor recepção e em 2014, depois de me ter aconselhado com Sua Eminência Cardeal Renato Martino, decidi tentar de novo, desta vez em carta  de 6 de Março endereçada  directamente  ao Papa Francisco.

Para surpresa minha  esta carta, mesmo registada,  perdeu-se  no correio. Explicaram-me   que tinha sido enviada por engano para a  Inglaterra… e por mais voltas, queixas  e insistências minhas, nunca foram capazes de a encontrar.  Decidi enviar outra carta e a esta também não recebi resposta, pelo que pedi então mais uma vez o auxílio de  Sua Eminência Cardeal Renato Martino que, em email de 11 de Abril de 2014, me instruiu para mandar a carta para ele e que ele garantia a entrega  da carta no seu destino.  

Quando chegou Junho, eu ainda não tinha qualquer resposta. Consegui o  número  de telefone de Monsenhor Peter Wells, assistente do Secretário de Estado,  a quem consegui chegar. Contactei-o por email a 2 e a 10 de Junho. Como nada resultava,  pedi ao Sr. Cardeal Renato Martino que lhe desse uma chamada telefónica: com certeza que ele daria mais importância a uma chamada dum Cardeal  do que todos os telefonemas  e emails meus…. Mas a resposta desejada sobre o 17 de Junho não chegou. Chegou, contudo,  a explicação de que a minha carta tinha chegado  atrasada demais para poder ser considerada.

Em Julho desse ano o Supreme Court of USA  [, o Supremo Tribunal dos EUA,] decidiu em favor de "direitos de consciência" dos indivíduos  e eu, satisfeito com essa decisão, aproveitei para contactar Monsenhor  Peter Wells e preparar o terreno para o ano  seguinte. A 7 de Julho perguntava se devia enviar a carta imediatamente. Que não, que devia esperar uns meses e enviar a carta apenas uns meses antes "just a few months before, lest it fell in the cracks". 

  A 17 de Janeiro 2015, enviei então nova carta  por  ocasião da celebração do 75º aniversário da ocupação da França  e do acto humanista do então cônsul de Portugal em Bordéus. Num email para Monsenhor Peter Wells informei-o que  a carta tinha já passado por Milão e "is currently in transit to the destination". 

A 23 de Fevereiro, Monsenhor Peter Wells informava-me que as minhas cartas tinham chegado ao escritório do Papa Francisco. Mas "Ele está em retiro e com certeza que me  darão a sua resposta quando voltar". Mas nada sucedeu. A 15 de Março  "lamentava" não ter notícias para me dar, mas que me daria conhecimento se houvesse alguma novidade.

No dia seguinte,  em  carta postal só  chegada no fim do mês,  deu conhecimento da sua chegada, mas que "devido à agenda litúrgica de Sua Santidade não era possível responder afirmativamente ao meu pedido". 

Foi nesta altura que tive conhecimento de que o Vaticano tinha tido um outro contacto relacionado com Aristides de Sousa Mendes: João Correa  recebeu uma carta acusando a recepção do seu livro "Sousa Mendes, le Consul de Bordeaux"  que o autor lhes tinha enviado. 

Em Julho de 2013 fui, turista,  a Roma  com a minha esposa e aproveitei para fazer algumas visitas. Uma das que eu tencionava fazer era a Monsenhor Peter Wells. Mas, entretangto, ele tinha sido nomeado Níncio na África do Sul  onde já se encontrava. Em 2018, foi um dos Núncios (junto com Don Celestino Migliore, em Moscovo), que participaram  nas celebracões de 17 de Junho desse ano. 

 Em Agosto de 2017, ao verificar que as crianças nas montanhas de Timor Leste precisavam de ajuda, resolvi enviar uma carta ao papa Francisco pedindo-lhe uma carta de apoio pois,  pensava eu, com uma carta sua de apoio a causa das crianças esquecidas  seria ouvida com mais atenção. 

Dias depois, recebi um telefonema do Vaticano, de que Sua Eminência Cardeal Pietro Parolin queria saber mais detalhes sobre esta minha carta e instruia-me a ir  falar com ele ao Vaticano. Sua Eminência  estava sobremaneira interessado no assunto de Timor, mas manifestou o seu interesse também sobre Aristides de Sousa Mendes de quem falei, argumentando  eu que o seu exemplo era inspirador e devia ser conhecido como meio de despertar as consciências no mundo confuso em que vivemos.  

No ano seguinte, numa carta em que o assunto de Timor era tema principal, Sua Eminência  não deixou de me informar ter celebrado a missa de 17 de Junho com a sua intenção.

 Esta foi uma oportunidade que eu  não podia  deixar de aproveitar. E, conhecedor, agora, que a sensibilidade do Papa Francisco era partilhada  de igual maneira pelo seu Secretário de Estado, em Janeiro de 2018 pedi a sua participação na celebração de 17 de Junho, que eu, como em anos anteriores,  tencionava coordenar em muitos países simultaneamente,  como uma ocasião para lembrar "everyone in the world  of the need to follow one's conscience".  

Para  que o Vaticano  compreendesse  o muito interesse do que eu  expunha, eu assinei esta carta não só em meu nome, como coordenador do projecto 'Dia da Consciência,  mas em nome de várias organizações, a quem contactei nesse sentido, nomeadamente IRWF, LAMETA, Sousa Mendes Foundation US, Observatório internacional de Direitos Humanos, Fundação Aristides de Sousa Mendes - Portugal, e o Comité de Homenagem a Aristides de Sousa Mendes em França. 

O facto de o mundo atravessar uma crise moral de grandes proporções como todos sabemos e sentimos  é  facto que  não podia ser esquecido como argumento. O mundo precisa realmente de algo que o faça despertar para evitar um cataclismo do qual dificilmente o mundo sobrevirá. 

A 3 de Abril de 2019, dia do aniversario da morte de Aristides, seguia nova carta  ao Papa Francisco em termos bem explícitos  e angustiantes: 

"Today's world seems to be getting out of control everywhere"… "I am coming to ask for your blessing and support … to awaken people's conscience and to call to action our duty to abide by it, to stop what seems  a run to madness... Reminding the world of the week of June 17 1940 and of Aristides de Sousa Mendes could be this catalyst... The world needs this … and the Catholic Church could be the one promoting and encouraging this "conscience awakening". 

[Tradução para português: "O mundo de hoje parece estar a ficar fora de controle em todos os lugares. (...) Venho pedir sua bênção e apoio ... para despertar a consciência das pessoas e chamar à ação o nosso dever de cumpri-la, para parar o que parece ser uma corrida para a loucura. .. Lembrar ao mundo a semana de 17 de junho de 1940 e o exemplo Aristides de Sousa Mendes podendo ser esse o catalisador ... O mundo precisa disso ... e a Igreja Católica pode ser ela a promover e incentivar esse 'despertar da consciência' "]

Numa carta posterior,  a 17 de Junho de 2019, para Sua Eminência Cardeal Pietro Parolin, continuei perseverante lembrando que "Dire situations...  demand equivalent/appropriate measures" e  pedia o favor de uma resposta para as minhas cartas.

Sua Eminencia não deixou de me ouvir. A 11 de Setembro  o seu assistente, em vésperas de partir para novo posto,  enviou-me uma mensagem  dando-me  a conhecimento  que o assunto das minhas cartas não estava esquecido: 

"Cardinal Parolin has asked me to reply on his behalf to your letters, sent over the course of the last months, to assure you that your proposal regarding the "Day of Conscience" is currently under study."

[Tradução para português: "O cardeal Parolin pediu-me para responder em seu nome às suas cartas, enviadas ao longo dos últimos meses, para lhe garantir que a sua proposta sobre o 0Dia da Consciência', está atualmente em estudo."]

  Eu tentava  alimentar este propósito para que o  assunto não  arrefecesse. A 4 de Fevereiro de 2020 o processo de " impeachment" de President Trump ofereceu-me uma oportunidade de lembrar a Sua Santidade e a Sua Eminência o quanto este assunto era relevante e oportuno: 

"Today was a remarkable and historical day: In the Senate of USA, during the trial of President Donald Trump, senator Mitt Romney  who in  previous elections was the Presidential candidate for the Republican Party, taking the floor invoked his  duty to Our Lord above all other considerations to  follow his conscience  and casted a courageous dissent  vote, instead of abiding by the dictates of his party..."  

[Tradução para português: "Hoje foi um dia memorável  e histórico: no Senado dos EUA, durante o julgamento do presidente Donald Trump, o senador Mitt Romney, que nas eleições anteriores [de 2012]  tinha sido o candidato presidencial pelo Partido Republicano, ao tomar a palavra invocou p seu dever, para com  Nosso Senhor acima de todos os outros considerações,  de seguir a sua consciência e deu um voto de dissidência corajoso, em vez de respeitar os ditames de seu partido ... "]

 Mais tarde, a 22 de Março,  recebia um outro email de Sua Eminência:

"Sorry for not giving any reply to your numerous letters, the last of which you sent at the beginning of last February,  about the Day of Conscience project" (...). Unfortunately, the project has not been studied yet by our Office,..  I hope to be able to send you a definite answer without further delays.  I apologize for this inconvenience and I rely on your understanding. May God bless you.  Have a good Sunday! Pietro Parolin".  

[Tradução para português: "Desculpe por não responder às suas numerosas cartas, a última das quais  enviada  início de fevereiro passado, sobre o projeto do Dia da Consciência" (...) Infelizmente, o projeto ainda não foi estudado pelo nosso gabinte...  Espero poder lhe enviar uma resposta definitiva sem mais demoras. Peço-lhe  desculpas por esse inconveniente e confio na sua compreensão. Que Deus o abençoe. Tenha um bom domingo! Pietro Parolin ".]

Finalmente, no dia 17 de Junho de 2020,  o Papa Francisco começava a sua Audiência Geral  lembrando  17 de Junho  como  o "Dia da Consciência" e o exemplo inspirador do diplomata português Aristides de Sousa Mendes. 

Foi muito gratificante  verificar que tudo valeu a  pena.  E mais ainda será  se em consequência e seguimento de tudo isto  houver  um esforço continuado e  perseverante para um despertar de consciências para os muitos problemas que afligem o mundo de hoje.  Se assim suceder,  esse  será o maior e melhor  legado de Aristides de Sousa Mendes para cada um de nós e para o mundo inteiro.

João Crisóstomo, Nova Iorque

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21089: Efemérides (328): O Papa Francisco recordou o "Dia da Consciência", celebrado nesta quarta-feira, dia 17,"inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que, oitenta anos atrás, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos", lê-se no "Vatican News" (João Crisóstomo, Nova Iorque)


O cônsul de Bordéus, Aristides Sousa Mendes
(Cabanas de Viriato, 1885 - Lisboa, 1954)


Um dos vistos passados pelo consulado português de Bordéus, França, com data de 19 de junho de 1940.

Fonte:  Vatican News,. de hoje, 19 do corrente (. com a devida vénia...)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, que vive em Nova Iorque:

Date: sexta, 19/06/2020 à(s) 11:50
Subject: O Papa Francisco e o Dia da Consciência

Caro Luís Graça,

Aqui está  o que pus na minha página do Facebook (, por vezes, quando é mesmo necessário, também me aventuro lá...)

No artigo do Vatican News,. de hoje, 19 do corrente,  aparecem duas boas   fotos   que não pude por no Facebook: a foto de Aristides,  e uma foto dum passaporte com um "visto" passado por ele... Talvez queiras (e possas) aproveitar  para pôr no teu poste.

O Secretário de Estado dpo Vaticano,
Cardeal Pietro Parolin, com o João Crisóstomo
Junto porém, caso aches relevante,  uma foto que tirei com o Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin [, à esquerda.] , a quem "chateei tanto" que ele "só para se  ver  livre de mim",  teve de fazer o que eu pedi… mas não foi  o caso; em 2018 ele numa carta ( que junto) já mostrava boa vontade não só no referente a Timor Leste, como mencionava ter celebrado missa neste dia 17 de Junho, "Dia da Consciência"  como eu lhe havia pedido.

Desde então temos  estado  em contacto e há três meses Sua Eminência sossegava-me, assegurando que o assunto não tinha sido esquecido, conforme email que copio também. (E para ti, para saberes o que te espera quando vieres aqui a minha casa, junto uma foto tirada ontem, durante um "teste" para fazer um video para um canal de televisão italiano sobre o assunto do Dia da Consciência.) [Foto a seguir]



Nova Iorque > Queens >  19 de junho de 2020 > O João Crisóstomo no seu museu de recordações de uma vida de luta por causas nobres.

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


By the way: Por vezes dizem que minha casa é um pequeno museu… Neste caso podes ver na parede as fotos dos "humanistas" cujas causas tenho ajudado a dar a conhecer ao mundo, especialmente aqui nos Estados Unidos.

São eles, da esquerda para a direita:

(i) o humanista  brasileiro  Luís Martins de Sousa Dantas ( numa foto pequena sobreposta está o franciscano francês Father Benoit , a quem  chamavam " o Pai dos Judeus");

(ii) no meio está o nosso Aristides de Sousa Mendes [, a foto/montagem  sobreposta sobre os mapas de Bordéus e Carregal do Sal é um original que  me ofereceu Peter Malkin (que agarrou com suas mãos o famigerado Eichmann);

(iii) à direita Angelo Roncalli, que viria a ser papa (São João XXII);

(iv) por baixo, ainda um outro grande humanista, o conhecido sueco  Raoul Wallenberg;

(v) e no lado direito aparece uma foto de Xanana:  está aí apenas porque   os painéis à minha direita estão relacionados com Timor Leste.

==========================  
Estado do Vaticano > Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin > E mail de 22 de Março 2020:

Dear Mr. Crisostomo,

greetings from Rome, in these difficult days in which we are called to pray more and to put our confidence in God.  I hope that you are getting fine.  Here, we are under strict restrictions and it is very sad to see the churches closed and Holy Masses suspended.

Sorry for not giving any reply to your numerous letters, the last of which you sent at the beginning of last February,  about the Day of Conscience project, but, as you can understand, we are everyday under a huge pressure and there are so many dossier which claim our attention  so that it is not easy to follow everything.  

Unfortunately, the project has not been studied yet by our Office, in spite the fact that I have sent the documentation to them few months ago, Today I have sent a reminder, asking them to proceed speedily and to give my a opinion as quick as possible. 

 I hope to be able to send you a definite answer without further delays.  If apologie for this inconvenience and I rely on your understanding. 

May God bless you.  Have a good Sunday!
Pietro Parolin

[Tradução/adaptação livre do editor  L.G.;

Caro Sr. Crisóstomo, saudações de Roma, nestes dias difíceis em que somos chamados a rezar mais e a confiar em Deus. Espero que esteja bem. Nós, aqui, estamos com restrições estritas e é muito triste ver as igrejas fechadas e as missas suspensas. 

Peço desculpa por não ter respondido às suas numerosas cartas, a última das quais enviada no início de fevereiro passado, sobre o projeto do Dia da Consciência, mas, como pode  perceber, estamos todos os dias sob uma enorme pressão e há muitas dossiês que reclam a nossa atenção, pelo que não nos é fácil acompanhar tudo. 

 Infelizmente, o projeto ainda não foi analisado pelo nosso gabinete , apesar de eu já ter enviado a documentação para eles há alguns meses. Hoje enviei um lembrete, pedindo-lhes que acelerarem a resposta e  darem.me uma opinião o mais rápido possível. 

 Espero poder enviar--lhe  uma resposta definitiva sem mais delongas. Peço desculpa por este inconveniente e confio na sua compreensão. Que Deus o abençoe. Tenha um bom domingo! Pietro Parolin]

2. Aqui está, entretanto,  o que pus no meu Facebook, ontem:

Para quem por vezes duvida de que vale a pena envolvermos-nos em coisas que parecem muito difíceis, permitam-me discordar: desde 2004 tenho tentado que o Vaticano aceite o dia 17 de Junho, dia em que Aristides demonstrou o seu grande humanismo, salvando milhares de refugiados, como o "Dia da Consciência".

Se o conseguisse, pensava eu, seria um grande passo para que Aristides e o seu exemplo fossem mais conhecidos. E como me escreveu ontem o seu neto Gerald Mendes, "in these days of turmoil, conflicts and confusion around the world, it is an opportunity to reflect, to have a chat with our conscience". Se isto suceder a muita gente… é isso mesmo que é preciso: Aristides de Sousa Mendes continuará sempre a inspirar e motivar cada um de nós a sermos o que devemos ser.

Oxalá as pessoas pelo mundo fora ouçam as palavras do Papa Francisco na sua Audiência de de ontem, conforme foi publicada na "Vatican News" que me permito partilhar:

Francisco: que a liberdade de consciência seja em toda parte respeitada

O Papa recordou o "Dia da Consciência", celebrado nesta quarta-feira, inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que, oitenta anos atrás, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos.

Mariangela Jaguraba - Vatican News

Na Audiência Geral desta quarta-feira (17/06), o Papa Francisco fez um apelo em prol do "Dia da Consciência".

"Celebra-se hoje o "Dia da Consciência", inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que, oitenta anos atrás, decidiu seguir a voz da consciência e salvou a vida de milhares de judeus e outros perseguidos. Que a liberdade de consciência seja sempre e em toda parte respeitada; e que cada cristão possa dar exemplo de coerência com uma consciência reta e iluminada pela Palavra de Deus."

Aristides de Sousa Mendes nasceu em Cabanas de Viriato, Portugal, em 19 de julho de 1885. Desempenhava as funções de cônsul de Bordeaux, na França, quando teve início a II Guerra Mundial. Concedeu cerca de trinta mil vistos para salvar a vida de refugiados do nazismo, a maioria judeus, contra as ordens expressas de Salazar.

Obrigado a voltar a Portugal, Sousa Mendes foi demitido do cargo e ficou na miséria, com a sua numerosa família. Faleceu pobre, em 3 de abril de 1954, no hospital dos franciscanos, em Lisboa.
Em 1966, foi reconhecido pelo instituto Yad Vashem, memorial dos mártires e heróis do Holocausto, como um "Justo entre as nações".

Em 1998, foi condecorado a título póstumo com a Cruz de Mérito pela República Portuguesa, por suas ações em Bordeaux."


É gratificante verificar o respeito e o reconhecimento finalmente dado a Aristides de Sousa Mendes também no nosso país, com a sua introdução no Panteão Nacional.

Para o caso de alguém ficar admirado de eu dizer "também no nosso país", permito-me recordar que durante muito tempo Aristides de Sousa Mendes foi propositadamente ignorado no nosso país e o seu reconhecimento só sucedeu depois de pressão por parte dos Estados Unidos onde Aristides foi reconhecido e homenageado anos antes.

Bem hajam todos os que estiveram envolvidos nesta entrada de Aristides no Panteão Nacional.
_____________

Luís: Abraço meu e da Vilma (que acaba de acordar e, quando soube que te estava escrever,   berrou que mandasse um beijinho dela para ti e para a Alice.) 

João e Vilma
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21066: Efemérides (327): o 10 de junho de 2020, que não houve, por causa da COVID-19, na Lourinhã...

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20690: Tabanca da Diáspora Lusófona (7): A história de mil anos de Portugal explicada numa hora à comunidade eslovena em Nova Iorque (João Crisóstomo) - IV (e última) Parte


Fonte: Cortesia de Luso-Americano, 19 de janeiro de 2018


[Foto à direita: O nosso camarada e amigo 

João Crisóstomo,luso-americano, natural de Torres Vedras, conhecido ativista de causas que muito dizem aos portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes... Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, foi alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque; é casado, desde 2013, com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun] 





Conversa sobre Portugal: 19 de janeiro de 2020, Comunidade eslovena em Nova Iorque

por João Crisóstomo


[ O autor tinha preparado um guião original, já com cortes, para uma conversa de meia hora; como o tempo disponível acabou, entretanto, por ser maior - cerca de uma hora - ele passou a ter liberdade para introduzir notas e comentários extra; a versão original está disponível em inglês, no final deste poste (*); o editor Luís Graça fez a tradução e adaptação livre para o blogue, com a devida autorização do autor ](**)

(Continuação)


De alguma maneira esta saída dos judeus de Portugal veio a ter muita relevância na América: sem estar com grandes detalhes permito-me enumerar e salientar alguns factos.



Os primeiros judeus que chegaram aos Estados Unidos vieram do Brasil, depois de, por razões já mencionadas, terem saído de Portugal. A eles se devem a criação da primeira comunidade judaica em Nova Iorque; a construção da primeira sinagoga em Newport, Rhode Island (a "Touro Synagogue"); e logo a seguir uma outra sinagoga em Nova Iorque, a primeira nesta cidade  ainda hoje chamada "The Spanish and Portuguese Synagogue" — onde durante muitos anos os serviços eram em ladino, como hoje podemos ver nos documentos originais. 

Em ambas as sinagogas a maior parte dos nomes daqueles que as construíram, e assim gravados em pedra, são bem portugueses.


A própria "Estátua da Liberdade” em frente a Nova Iorque tem uma vertente portuguesa: o conhecido poema "Deixai vir a mim os desterrados", que se pode ler na base desta estatua, é da autoria de Emma Lazarus [1849-1887], ainda de ascendência portuguesa; os seus antepassados pertenceram ao grupo daqueles saídos de Portugal depois da instituição da Inquisição. 



E, a título de curiosidade, o mesmo se pode dizer do maior autor de marchas militares americanas, John Philip de Sousa [1854-1932], de pais açoreanos, cujas marchas ouvimos sempre, queiramos ou não, no dia da Idependência e outros momentos solenes e assim pertinentes.



E já que estou mencionando pessoas e factos/acontecimentos relevantes, não posso deixar de mencionar alguns: Peter Francisco [1760-1831],   o conhecido gigante português, guarda-costas de George Washington, considerado por muitos o mais famoso do “Continental Army” e possivelmente até de toda a história militar dos Estados Unidos,  assim reconhecido num selo postal.

E porque não mencionar também a Pedra de Dighton, onde estão gravados em pedra os nomes de Corte Real, o escudo real português e outros testemunhos de que, antes dos ingleses chegarem a terras americanas,  havia muito tempo já que os portugueses aqui tinham chegado. E quem fez esta descoberta escrita na pedra não foi nenhum português, mas antes um professor americano, em 1920, Edmund Burke Delabarre, professor na Universidade de Brown em Providence, Rhode Island. Quem quiser ver a pedra e o seu pequeno museu, estes podem ser visitados a qualquer altura. 

Após a libertação da Espanha [, em  1 de dezembro de 1640], Portugal conseguiu recuperar a maioria das colónias invadidas durante a ocupação espanhola. E um ressurgimento se seguiu. Foi no Brasil, 150 anos antes do mesmo acontecer nos EUA, que ocorreu a primeira corrida do ouro nas Américas. Ouro, diamantes, tabaco e outras riquezas começaram a afluir a Lisboa novamente. 

E Portugal tornou-se novamente um país rico. Riquezas do Brasil foram usadas para construir uma enorme Basílica, Palácio e Convento em Mafra, perto de Lisboa, que hoje possui o maior corredor de qualquer palácio da Europa, incluindo Versalhes; uma grande e nova grande casa de ópera foi construída; e outros monumentos. 

Mas essas riquezas não foram usadas em proveito  do povo, mas apenas em benefício de alguns; e enquanto o Vaticano recebia uma luxuosa embaixada portuguesa, as condições de trabalho em Portugal eram muito próximas da escravidão. O fato é que, embora nas mãos de poucos, havia muita riqueza em Portugal. 

Mas em 1755 uma tragédia natural atingiu Portugal: um terramoto terrível, seguido por um tsunami e incêndios destruíram a maioria dos edifícios em Lisboa, sobretudo na Baixa, e outras cidades e povoações do litoral. Apenas em Lisboa houve cerca de 75.000  mortos (, as estimativas variam, conforme as fontes, entre 10 mil e 90 mil). 


A  reconstrução da cidade, sob a liderança do Marquês de Pombal, foi e ainda hoje é objeto de admiração para quem visita Lisboa. Mas logo outro revés ocorreu com três invasões sucessivas pelas forças francesas, quando Napoleão tentou levar Portugal à submissão como primeiro passo na sua luta com a Inglaterra. O rei português e sua corte conseguiram escapar para o Brasil, em 1807, em navios fornecidos pelos britânicos antes da chegada dos franceses, mas estes, ao chegarem, ocuparam Portugal por algum tempo, até serem forçados a recuar. Napoleão enviou imediatamente uma segunda força, que teve o mesmo destino da primeira. E uma terceira invasão se seguiu.

Foi em Torres Vedras, minha cidade natal, que as forças portuguesas e britânicas sob o comando de Arthur Wellesley,  futuro Duque de Wellington [1769-1852], deram o golpe final às forças francesas em Portugal, impedindo-as de ocupar Lisboa novamente e forçando-as a recuar pela terceira vez para não mais voltarem. Mas o que havia em Portugal de qualquer valor durante essas três invasões foi propositadamente destruído ou levado para a França. Recentemente, alguns mapas da costa africana e registos do desenho e construção de navios, roubados pelos invasores franceses, foram encontrados no departamento de Arquivos de Gironde, na França. 

Em 5 de outubro de 1910, os portugueses optaram por uma república, em vez de um sistema de governo de monarquia constitucional. Mas durante muito tempo Portugal foi um país muito pobre. 

Em 1932, Salazar foi escolhido pelo presidente para ser o novo primeiro-ministro. Ele conseguiu manter Portugal neutral  na Segunda Guerra Mundial e, por meio de medidas rigorosas e austeras, trouxe alguma estabilidade económica ao país. Mas enquanto as outras nações que haviam saído da guerra completamente destruídas, estavam no caminho de uma notável recuperação económica, investindo em educação e infra-estruturas, Salazar [1889-1970] não fez nada disso, mantendo o ouro que acumulou e economizou em reserva,  por razões que ninguém entendeu. 

Ele figurava entre os líderes autoritários mais antigos do mundo, mas quando morreu [, em 1970, depois de ter sido sustituído em 1968, sem nunca o saber, por doença grave], o seu regime [, o Estado Novo] conseguiu sobreviver, mantendo Portugal com o rendimento mais baixo da Europa Ocidental.

Por outro lado,enquanto outras nações estavam prontas para conceder autonomia e independência às suas colónias, ele resistiu aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas (, que ele insistia em chamar de "províncias ultramarinas" ou extensões de Portugal), à custa de milhares de vidas, e perda de riqueza, numa longa e inútil guerra, que se prolongou de 1961 a 1974(, a guerra colonial).

Muito mais podia e devia ser dito. Mas não o posso fazer neste curto espaço de tempo. Não quero porém deixar de fazer uma menção ao papel de Portugal no que respeita aos refugiados durante a II Guerra Mundial.

Como mencionei atrás, Portugal conseguiu conservar uma posição neutral neste conflito. A sua posição geográfica porém fez dele o destino ideal como porto de saída para o resto do mundo. E Salazar por razões que a razão desconhece - por um lado tínhamos uma ligação de aliança com a Inglaterra, mas ao mesmo tempo Salazar era um admirador de Mussolini e de Hitler, mais do primeiro do que do segundo, é certo —, decidiu neste assunto alinhar-se com a maioria das nações, dificultando e mesmo proibindo, na maioria dos casos, e salvo raras excepções, a entrada de refugiados, especialmente os de origem judia, em Portugal.

E foi neste momento em que apareceu o grande humanista Aristides de Sousa Mendes [1885 - 1954]. Alegando que o dever de sua consciência cristã se sobrepunha a qualquer outra consideração, não hesitou em desobedecer às directivas directas do governo português e deu milhares de vistos a todos os refugiados que o procuraram,quando era cônsul em Bordéus, em 1940. O seu gesto corajoso, foi o primeiro e o maior a nível individual de todas as operações de resgate que se seguiram.


Muitos outros diplomatas, e até pessoas individuais, seguiram o seu exemplo depois em actos de corajosos resgates. É o seu pioneirismo que quero realçar, pois foi o facto de isto ter acontecido logo no início da guerra que forçou a abertura das portas que Salazar não teve mais coragem de fechar. Por estas portas passaram centenas de milhares de refugiados, muitos dos quais teriam perecido em Auschwitz e noutros campos de concentração, se não fora a coragem heróica deste português.


Como devem saber, Salazar (que,  acabada a guerra vangloriou de ter salvo muitos refugiados, dizendo ter pena de não ter feito muito mais), nunca perdoou a Aristides o que ele considerou um acto de desobediência, e Aristides veio a morrer como um pobre num auspício para pobres em Lisboa. 



Depois da morte de Salazar,    os portugueses aperceberam-se de que se impunha um novo rumo político para o país. E cedo ocorreu uma revolução em Lisboa [, em 25 de Abril de 1974]. Mas,  talvez porque cansados de guerra e de lutas, esta foi uma revolução quase pacífica , se assim se pode dizer, pois que não houve mortes, e viria a ser chamada "revolução dos cravos” pelas flores com que todas as armas eram "coroadas" por civis e depois mesmo pelos militares.



Foi uma recuperação longa e lenta desde 1974, quando um novo governo democrático foi instalado em Lisboa. Hoje, Portugal, conhecido por sua hospitalidade, vida simples e ambiente seguro, é hoje considerado um bom lugar para se viver e visitar. Eu, pelo menos, espero que continue assim. 

Obrigado! João Crisóstomo
__________

Bibliografia que consultei;


1. O livro de onde faço várias referências é o livro:” The First Global Village"- How Portugal changed the world , da autoria do escritor Inglês Martin Page, 12a edição. " Casa das Letras" ( comprei este aí em Portugal).



Outros livros que li e que “consultei" agora:


2. "Encompassing the World” Portugal and the World in the 16th and 17th Centuries. Um daqueles livros grandes em todo o sentido, de se lhe "tirar o chapéu, pelo seu conteúdo fabuloso em todos os aspectos. Publicaçao da “Arthur M.Sacckler Gallery( da Smithsonian Institute em Washington)

3. Lisbon - War in the shadow of the city of light, 1939-1945 da autoria de Neil Lochery

4. The First World Sea Power—1139-1521; volume 1o. Autor: Saturnino Monteiro

5. 1494 How a Family Feud in Medieval Spain Divided the World in Half . Autor:Stephen R. Bown ( St Martins Press, New York)

6. 1808 (5a edição) Autor: Laurentino Gomes ( jornalista brasileiro). Editora Planeta. Brasil

7. Os Pioneiros Portugueses e a Pedra de Dighton, do Dr. Manuel Luciano da Silva

8. Magellan autor ; Stefan Zweig,( version française) par Alzir Hella; Bernard Grasset- Paris

Jornais e revistas:

1. "Luso-Americano” uma série de artigos sobre esta exposição, da autoria do jornalista /escritor/editor principal do" Luso Americano". Publicadas neste jornal de 27 de Abri29 de Junho de 2007.

2. New York Times, Friday, June 29 2007

3. Washington Post, June 24 2007 e July 20 2007

4. "Portuguese in the making of America” da autoria de James H.Gill

5. Military History, July/August 2006, artigo do historiador Michael D. Hull, capa e artigo (páginas 24 a 31).

____________


Notas do editor:

(*) January 19, 2020; Slovenian community:Talk on Portugal…



(...) After the liberation from Spain Portugal was able to recover most of the colonies which had been invaded during the Spanish occupation. And a recovery followed. It was in Brasil, 150 years before the same would happen in US, that took place the first gold-rush in the Americas.



Gold, diamonds, tobacco and other riches started to flow to Lisbon again. And Portugal became again a wealthy country. Riches from Brasil were used to build a massive Basilica in Mafra, near Lisbon, which today boast the longest corridor of any palace in Europe, including Versailles; a great grand new opera house was built; and other. But these riches were not used for the people but just for a few; and while the Vatican was recipient of this Portuguese royal generosity, working conditions in Portugal were very close to slavery.

The fact is that, though in the hands of a few, there was much wealth in Portugal. But In 1755 a natural tragedy struck Portugal : a terrible earthquake, followed by a tsunami and fires destroyed most buildings in Lisbon, Porto and other places. Just in Lisbon there were 75,000 people dead.

The following reconstruction of the City was and is still today object of admiration for anyone who visits Lisbon. But soon another setback occurred with three successive invasions by French forces, as Napoleon tried to bring Portugal into submission as a first step in his fight with England. The Portuguese king and his court were able to escape to Brasil on ships provided by the British before the French arrived, but upon arrival they occupied Portugal for some time, until they were forced to retreat. Immediately Napoleon sent a second force, which had the same fate of the first one. And a third one followed.

It was in Torres Vedras my hometown that the Portuguese and British forces under the command of the future Duque of Wellington gave the final blow to the French forces in Portugal, preventing them from occupying Lisbon again and forcing them to retreat a third time not to come back any more.

But what there was in Portugal of any value during these three invasions was either purposely destroyed or taken to France. Just recently some maps of the African coast and records of the design and construction of ships which were stolen by the French invaders were found in the Archives department of Gironde in France.

In 1910 the Portuguese opted for a republic, instead of a monarchy system of government. But for a long while Portugal was a very poor country.

In 1932 Salazar was chosen by the President to be the new Prime Minister. He was able to save Portugal from entering WW II and by means of strict and austere measures brought some economic stability to Portugal. But while other nations which had come out of the war completely destroyed were in the road to a healthy recovery by investing in education and infrastructures, Salazar did nothing of this, keeping the much gold he had amassed and saved in storage for reasons nobody understood. 

He is among the the longest authoritarian leaders , but when he died, and for some years afterwards as the same regime continued, Portugal had the poorest income in Western Europe. While other nations were ready to grant autonomy and independence to their colonies, he resisted the liberation movements in Portuguese colonies, which he insisted in calling extensions of Portugal, at the cost of thousands of lives, and the loss of all he had amassed in a futile war that nobody understood.

It has been a long and slow recovery since 1974 when a new democratic government was installed in Lisbon. Portugal of today, well known for its people hospitality, simple living and safe environment, is considered now a good place to live and visit.

I for one hope it will continue so. Thank you!




Postes anteriores: