Mostrar mensagens com a etiqueta Arlindo Roda. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Arlindo Roda. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 12 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23424: O consulado do general Bettencourt Rodrigues (2): A Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > O célebre e velhinho caça-bombardeiro T6 G, tanbém conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) Arlindo T.Roda (, o grande fotógrafo da CCAÇ 12, juntamente com o Humberto Reis). Os T 6G desempenharam o seu  importante papel ao longo da guerra.... Mas eram "poupadinhos" em combustível (menos de 200 litros por hora em média), quando comparados com os "glutões" dos Fiat G-91 (c. 1800 litros em média, por hora). 

O míssil terra-ar Strela, se não lhe ditou a morte, afectou a sua exploração operacional pela FAP. Como diz José Matos,  "o  efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise" (, ou seja, 1973).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


I. A segunda directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues (*), é a Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número. No essencial, é decalcada da Directiva nº 20/73 de 29Mai73, do anterior Com-Chefe, gen António Spínola

Directiva nº  20/73 de 29Mai73 - Condições em que é executado o apoio aéreo as FA do TO face à evolução da situação.

(...) A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar, impôs profundas alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das forças de superfície (F.S.). Aquelas alterações traduzem-se por: 

(1) Cancelamento de acções operacionais da Força Aérea; 

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específicos, para cada tipo de aeronaves; 

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das F.S. (...)

Reproduz-se a seguir o excerto publicado da CECA (2015), pp. 288-292.  

Reveja-se depois o estudo do investigador independente José Matos (e membro da nossa Tabanca Grande), suportado por dados empíricos, sobre o  impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (**)

Neste estudo José Matos refere "que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio." (...)

II. Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


"1. SITUAÇÃO

a. A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar  [Strela, de fabrico russo], impôs alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das Forças de Segurança (lapso, deve ser Forças de Superfície) (FS).

b. Aquelas alterações traduzem-se por:

(1) Cancelamento de algumas acções operacionais da Força  Aérea.

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específico, para cada tipo de aeronaves.

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das FS.


2. ACÇÕES OPERACIONAIS DA FORÇA AÉREA CANCELADAS

São canceladas as seguintes acções operacionais da Força Aérea:

a. DCON  [Direcção de Controlo D Delta - ponto trigonométrico... ] ("DO-27" - armado, a baixa altitude). [... ]

b. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações]    ("T-6" - armado). [...]

c. ATAP [ Ataque de Apoio]   ("T-6" - armado). [ ]

d. ATAP  [ Ataque de Apoio]  ("FIAT G-91" armado com foguetes e metralhadoras). [ ]

e. ATIR  
[Ataque Independente em Reconhecimento; ] - ATID  [Ataque Individual Ririgido] ("FIAT G-91" com foguetes e metralhadoras). [ ]

f. RVIS [Reconhecimento Visual ]  ("DO-27" a baixa altitude). Substituída por RFOT [Reconhecimento Fotográfico ].

3. PROCEDIMENTOS DE VOO DE CARÁCTER GERAL

São estabelecidos os seguintes procedimentos de voo, aplicáveis a todas as aeronaves e em todos os tipos de missões:

a. Altitudes de voo - acima de 6.000 pés e abaixo de 200 pés.  
[1 pé=30,48 centímetros. ]

b. Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude).

c. Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido.

d. As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo.

e. Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.

f. As subidas e descidas nas pistas do interior do TO são executadas dentro da área de manobra cuja segurança é garantida pela FS:

(1) Nas pistas de escala de aviões de transporte médio (Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar) - de acordo com o procedimento anteriormente estabelecido.

(2) Nas pistas de escala de aviões de transporte ligeiro - 2.000 metros a partir da pista, quer lateralmente, quer nos topos (4.000 x 6.000 metros).

g. A proximidade da fronteira, as áreas de reacção antiaérea com misseis terra-ar e as áreas de maior actividade do lB onde, segundo notícias recebidas, se presume a existência de mísseis
terra-ar, levaram a considerar operativas para "DO-27" apenas as pistas constantes do Anexo A  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

h. Atendendo aos condicionamentos expressos em 3.g. são considerados heliportos de utilização normal apenas os indicados no Anexo A 
[omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

4. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS E RESTRIÇÕES NA UTILIZAÇÃO DAS AERONAVES

a. TGER médio ("NORDATLAS" e "C-47").

(1) São normalmente utilizadas as pistas de Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar. A pista de Farim é utilizada apenas em casos especiais.

(2) A execução das missões tem carácter inopinado; os dias e horas são acordados de véspera até às 17h00 entre o COAT e a Repartição PessLog do Comando-Chefe. Esta Repartição
informará a Chefia dos Transportes e a Unidade destinatária com a antecedência conveniente para efeitos de aviso aos passageiros, preparação da carga e transportar e montagem
da segurança da área de manobra. [... ]

b. TGER  
 [Transportes Gerais ]    ligeiro. Condicionado por condições meteoreológicas.

(1) "DO-27"

(a) As disponibilidades de carga a transportar são:

  • Descolagem de Bissau 300 Kg
  • Descolagem de outras pistas 200 Kg

(b) O número de descolagens por missão é reduzido para 4 (incluindo a descolagem de Bissau), excepto para o sector de Tite/Bolama em que se admitem 6. [... ]

(i) O pedido de uma acção TEVS 
 [ Transporte de Evacuação Sanitária]  é elaborado de acordo com o Anexo B [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(2) Helicóptero - "ALIII"
Adoptam-se os procedimentos estabelecidos para "DO-27" no que se refere a TGER e TEVS.


c. PCV 
 [Posto de Comando Volante ] ("DO-27")

Realizado acima de 6.000 pés, destina-se a fazer trânsito de comunicações, e conduzir grupos empenhados em operações e a referenciar posições para apoio de fogo, desde que as FS tenham possibilidades de sinalizar as posições próprias utilizando fumígenos.

d. Ataque ao solo (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(1) "FIAT G-91". [... ]

e. TMAN  
 [Transporte de Manobra]  (Helicóptero "AL-III")

(1) As colocações e recuperações de pessoal devem efectuar-se, sempre que praticável, em locais distintos e afastados.

(2) O número de vagas deve ser o menor possível.

(3) As recuperações devem ser reduzidas ao mínimo indispensável.

(4) As evacuações de feridos da zona de operações e as recuperações devem ser efectuadas de pontos afastados de locais de contacto com o lN.

(5) As aproximações aos pontos de colocação e recuperação são sempre efectuadas à altitude mínima possível.

f. RFOT 
[Reconhecimento Fotográfico ] 

(1) A baixa altitude, para objectivos pontuais.

(2) A 10.000 pés, na escala de 1/30.000, com possibilidades de ampliação até à escala de 1/7.500.

g. AESC  
Ataque em Escolta ]   (Helicóptero "AL-III")

(1) A escolta a formações de helicópteros é executada por dois helicópteros armados.

(2) A escolta a um helicóptero é efectuada por um helicóptero armado.

h. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações] 

O avião mantém-se a uma altitude de segurança e destina-se a fazer trânsito de comunicações entre as FS e o COAT   
[Comando Operacional Aero Terrestre  ]   e a indicar aos pilotos dos "FIAT G-91" a base de fogos lN, no caso de se verificar um ataque e ser pedido apoio de fogo.


i. DLIG   [Missão Diversa de Ligação]

Acompanhamento de aviões "DO-27" empenhados em acções de transporte (TGER, TMAN ou TEVS) e a helicópteros que efectuem percursos a muito baixa altitude.


5. PROCEDIMENTOS A SEGUIR PELAS FS NA EXECUÇÃO DE ACÇÕES DE APOIO PELO FOGO

a. As restrições impostas à Força Aérea nas actuais circunstâncias condicionam, de forma muito particular, as acções de apoio pelo fogo, não só pelas consequências desastrosas que podem advir de um erro de localização das NF, como ainda pela necessidade de se
introduzirem distâncias de segurança.

b. 

(1) Até ao aparecimento do míssil, as posições ocupadas pelas NF e pelo lN eram identificadas visualmente pelos pilotos. Este procedimento já não é realizável, em virtude de a 6.000 pés de altitude ou acima não ser possível identificar pela vista as posições ocupadas pelas NT e pelo lN. As posições ocupadas pelas NT terão de ser identificadas por forma (de preferência coloridos, exceptuando a cor verde). A posição do lN a atacar terá de ser definida por azimute magnético e distância a partir das posições das NT ou por granadas de fumos de morteiro (de preferência coloridos exceptuando a cor verde). 

Há que ter em atenção as distâncias de segurança adequadas (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ]O ATAP pode, em casos específicos, ser executado por dois helicópteros armados que, além do ataque ao solo, também se apoiam mutuamente. A sua presença na zona é por períodos curtos. Quando conveniente, podem ser lançadas do helicóptero granadas de fumo para sinalização de objectivos a atacar por aviões "FIAT" (em alerta).

(2) Quando as NT fazem um pedido de apoio de fogo urgente devem informar:

- Se houve flagelação a redutos defensivos (aquartelamento, bivaques, etc), meios móveis (navios, viaturas, etc) ou contacto lN no mato.

- Qual o armamento utilizado pelo lN.

- Se, à altura do pedido, ainda está em curso o fogo lN ou há quanto tempo teve lugar.

- As condições meteorológicas na zona (nebulosidade e visibilidade), quando possível.

6. PREMISSAS A CONSIDERAR PELO CZACVG 
 [Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné]  NA DECISÃO - PROCESSO ACEITAÇÃO / RECUSA DUM PEDIDO DE APOIO DE FOGO

a. Possibilidades da artilharia e das armas terrestres da dotação normal das NT.

b. Possibilidades de apoio aéreo e oportunidade de intervenção.

c. Meios existentes em voo e no solo e capacidade dos diversos sistemas de armas.

d. Condições meteorológicas (aeródromo de partida, trânsito e zona de acção) e evolução prevista.

e. Rendimento a esperar em face dos elementos conhecidos.

f. Situação no local em face do armamento a utilizar e a reacção antiaérea previsível ou provável na zona e nos trânsitos. [... ]"


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 288-292 (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

__________

Notas do editor:


(...) A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). 

 A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo. (...)

(...) As perdas provocadas pela acção do míssil reflectem-se de imediato na capacidade operacional do Grupo Operacional 1201 (GO1201), que tem na sua orgânica a Esquadra 121, onde estão os Fiat, T-6 e DO-27, a Esquadra 122 com o Alouette III e a Esquadra 123 com o Noratlas e C-47. 

O GO1201 dispunha em março de 1973, em Bissalanca, na BA12, de 53 aeronaves entre aviões e helicópteros (...) . Desta forma, os abates de março e de abril traduziram-se numa perda de 9,4% das aeronaves do GO1201. Mais importante ainda, 8 dos cinco aviões perdidos pela acção do míssil, dois deles eram aviões Fiat, o único jacto de combate que a FAP dispunha na Guiné. A Esquadra 121 tinha, nessa altura, onze G.91 passando, então, a ter nove. (...)

(...) Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes:

  • T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente;
  • Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m);
  • DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV); redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação);
  • Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres; canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas;
  • C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga;
  • Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres; execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. (...)

(...) As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais. (...)

(...) Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara (...).

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. 

No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973. (...) 

6 de novembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)

(...) É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno.

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido (...).  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437, pilotado pelo Tenente Castro Gil, é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local. (...) 

sábado, 27 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22756: O nosso blogue por descritores (5): duas dezenas de referências à "Op Abencerragem Candente" (subsetor do Xime, 25-26 de novembro de 1970: um banho de sangue, com 6 mortos e 9 feridos grave, do lado das NT )



Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > 1970 > CCAÇ 12 > Dramática helievacuação, no decurso da Op Boga Destemida (8 de fevereiro de 1970). Pelos vestígios de queimadas, nota-se que estávamos em plena na época seca... O riquíssimo Álbum Fotográfico do meu querido amigo e camarada Arlindo Teixeira Roda (natural de Pousos, Leiria, professor reformado, a viver em Setúbal) não tem legendas... Da trágica Op Abencerragem Candente, dez meses depois  (25-26 de novembro de 1970, já no final da época das chuvas), não temos  infelizmente qualquer imagem.

Foto: © Arlindo Teixeira (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]
 

O nosso blogue por descritores > "Op Abencerragem Candente"
(que tem cerca de 2 dezenas de referências)



1. O descritor "Op Abencerragem Candente” tem 2 dezenas de referências. Nesta listagem, além de uma mini-imagem ou ícone, cada poste é refenciado por:

(i) data;

(ii) número de ordem (cronológica) (do mais recente ao mais antigo);

(iii) série em que vem inserido;

(iv) título (e subtítulo);

(v) autor(es) (dentro de parênteses, no final) (não aparecendo este campo, o poste é, por defeito, da autoria de um ou mais editores do blogue).


Os postes com um nº de visualizções superior a 500 são: PP6874 (n=1165), P9863 (n=809), P7339 (n=749) e P16762 (n=570). Por seu turno, os postes com um nº de comentários superior  a  10 são: P6874 (n=17), P16025 (n=14), P20370 (n=13) e P7339 (n=11).


2. É uma efeméride difícil de esquecer, para quem lá esteve, faz agora 51 anos... Mais uma vez, aqui fica um excerto do desenrolar da acção (Op Abencerragem Candente, 25-26 de Novembro de 1970) (**)


(...) Três horas depois, pelas 8.50h, [do dia 26], já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].

Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B, Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro.

 Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.

É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazuca do 4º GR Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.

0 ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (l° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).

Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as heli-evacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas, um delas a Rosa Serra, membro da nossa Tabanca Grande].

Notícias posteriores [ não se indica a fonte...] admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado  [, presume-se, por cubanos,] porque:

(i) escolheu um local que, por ser muito fechado, dificultava a manobra;

(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;

(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;

(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto. (...) (**)




22/11/2019 > Guiné 61/74 - P20370: Fotos à procura de uma... legenda (121): Camaradas artilheiros, quando media, em comprimento, o conjunto Berliet ou Mercedes ou Matador + reboque + obus 14 ou peça 11,4 ?.. 15 metros!... E quanto pesava ? 15 toneladas!... Façam lá o TPC: 9 bocas de fogo, mais 9 rebocadores, mais 9 Unimogs e Whites, mais 300 homens em armas... mais 500 granadas... Qual o comprimento (e o peso= de uma coluna destas, a progredir numa picada, no mato, de Piche, a caminho da fronteira, "Acção Mabecos", 22-24 de fevereiro do século passado, numa guerra do outro mundo ?!..
 

28/11/2018 > Guiné 61/74 - P19240: (Ex)citações (346): Ainda e sempre 'o inferno do Xime'... A propósito da Op Abencerragem Candente (25 e 26 de novembro de 1970) ( Vitor M. Amaro dos Santos, 1944-2014; José Nascimento, António Duarte, Luís Graça; António J. Pereira da Costa)
 

26/11/2018 > Guiné 61/74 - P19235: Tabanca Grande (470): Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, cmtd da CART 2715 (Xime, 1970/72), senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 781, no dia em que se comemoram os 48 anos da Op Abencerrragem Candente, em que as NT tiveram 6 mortos e 9 feridos graves na antiga picada da Ponta do Inglês


 
28/11/2016 > Guiné 63/74 - P16768: (De)Caras (53): O Amaro dos Santos [1944-2014] que eu conheci (António J. Pereira da Costa, cor art ref)



27/11/2016 > Guiné 63/74 - P16765: Manuscrito(s) (Luís Graça) (102) : Para ti, camarada, que ainda não sabes que vais morrer, às 8h50 da madrugada do dia 26 de novembro de 1970...



26/11/2016 > Guiné 63/74 - P16764: Efemérides (241): a Op Abencerragem Candente foi há 46 anos: lembrando os nossos mortos, incluindo o Joaquim Araújo Cunha, e evocando aqui a figura do valoroso guia e picador das NT, Seco Camará (Bambadinca), rival do Mancaman Biai (Xime)...
 

26/11/2016 > Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...

24/11/2013 > Guiné 63/74 - P12337: O nosso livro de visitas (169): Imaginem quem eu encontrei no hipermercado, em Portimão ?... O nosso sargento José Martins Rosado Piça! (Tony Levezinho, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)


26/11/2012 > Guiné 63/74 - P10726: A minha CCAÇ 12 (27): Novembro de 1970: a 22, a Op Mar Verde (Conacri), a 26, a Op Abencerragem Cadente (Xime)...(Luís Graça



24/11/2012 > Guiné 63/74 - P10720: Blogpoesia (307): Não, não havia nada na antiga estrada do Xime-Ponta do Inglês (Luís Graça)


30/07/2012 > Guiné 62/74 - P10209: A minha CCAÇ 12 (26): Outubro de 1970: o jogo do rato e do gato... (Luís Graça)
 


08/05/2012 > Guiné 63/74 - P9863: (De)caras (10): Relembrando o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, natural de Barcelos, que pertencia à CART 2715 (Xime, 1970/72), e que foi morto de morte matada em 26/11/1970 (José Nascimento, CART 2520, Xime, 1969/70)



26/11/2010 > Guiné 63/74 - P7339: In Memoriam (62): Por quem os sinos dobram hoje, 40 anos depois: Fernando Soares, Joaquim de Araújo Cunha, Manuel da Silva Monteiro, P. Almeida, Rufino Correia de Oliveira e Seco Camará, os bravos do Xime, mortos na Ponta do Inglês (Op Abencerragem Candente) (Luís Graça)


20/08/2010 > Guiné 63/74 - P6874: Meu pai, meu velho, meu camarada (23): Parabéns a vocês! Luís Henriques e Armando Lopes, 90 anos, uma vida! (Luís Graça)


11/05/2010 > Guiné 63/74 - P6368: O Spínola que eu conheci (20): "Erros graves cometidos do ponto de vista de segurança explicam o êxito da emboscada do IN, em 26/11/1970, na região Xime-Ponta do Inglês [, Op Abencerragem Candente] " (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)
 


07/05/2010 > Guiné 63/74 - P6335: O Spínola que eu conheci (19): "Fiquei francamente mal impressionado com a visita à Companhia sediada em Mansambo" (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)


26/11/2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

(**) Vd. em especial postes de P1317, P1318 e P1072

quarta-feira, 10 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21992: (Ex)citações (393): por que razão é que os fulas não gostavam de vender as suas vacas à tropa (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor  L1 (Bambadinca) > BART  2917 (1970/72) > CCAÇ 12 > Crianças de tabanca fula em autodefesa, no sul do Regulado de Badora, talvez Sansacuta.

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor de Bambadinca > Detalhe > Tabancas fulas em autodefesa, Samba Juli, Sinchã Mamajã e Sansacuta, situadas entre os rio Querol e Timinco, a leste da estrada Bambadinca-Mansambo > Carta do Xime (1955) (Escala 1/50 mil)... Lugares que continuam no nosso imaginário...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)


1. Comentário do Cherno Baldé [,
 o "Chico de Fajonquito", quadro superior na área da gestão de projectos, com formação em Kiev e Lisboa, colaborador permanente  na área da etnolinguística da Guiné-Bissau, com 225 referências no nosso blogue) (*)

Caro amigo António [Carvalho]:

É verdade que os camponeses fulas não gostavam de vender o seu gado e a razão é muito simples, era e continua a ser a única riqueza que têm e com a qual podem contar para se socorrer em casos de necessidade da família e da comunidade ou ainda em casos de calamidades naturais ligadas as suas actividades de sobrevivência. 

Só quem (sobre)vive da terra, da agricultura,  percebe as dificuldades e incertezas com que se deparam e num pais onde não existem nem subsídios, nem financiamentos ao agricultor.

Para nós, na tabanca, tirar uma galinha já representa um grande sacrifício. E de mais a mais, as manadas representam uma propriedade colectiva onde crianças, mulheres e homens adultos, cada um tem a sua vaquinha para seu sustento (ordenha do leite) e a sua poupança para o futuro a titulo individual e colectivo. 

Vocês, vivendo no meio dos guineenses, nunca estranharam o facto de nunca terem encontrado instituições de fomento e/ou de apoio aquelas famílias,  muitas vezes escorraçadas das suas terras e condicionadas pela situação da guerra onde eram mais vítimas do que propriamente actores ?

Para nós,  que estávamos habituados a escassez e a miséria do dia a sua, parecia-nos um exagero quanto as "queixinhas" dos metropolitanos sobre a comida. No caso concreto de Fajonquito, todas as semanas (segundas feiras?) abatia-se uma vaca que compravam (?) com a ajuda das autoridades locais,  quando não eram vacas trazidas do mato, e habitualmente, preparava-se um guisado de carne com batatas ou então com massas (esparguete) e ainda assim acontecia, esporadicamente, na aldeia o desaparecimento de cabritos e galinhas que iam parar no forno do padeiro.

Para a tropa a comida nunca estava boa, mas ainda assim nós os djubis do quartel debatiamos sempre com insuficiência de sobras, aliás não raras vezes as segundas feiras (dia do abate) eram o dia em que não queriam ninguém no quartel, corriam com todos, isto falando dos outros, porque os faxinas estes ficavam na caserna à espera que um dos amigos lembrasse de trazer um pouco da sua comida ou da segunda dose quando restava alguma coisa na mesa. 

O que me valia a mim era ter o amigo Teixeira (Cabo Mecânico), hoje um empresário de sucesso em Lisboa, que nunca se esquecia do seu amigo Chiquinho. Alguns eram bons comilões e por cima mandões, porque traziam a marmita vazia para eu lavar e guardar.

Continua que estamos a gostar, embora me pareça mais do género politicamente correcto, como se costuma dizer e um pouco à esquerda. Não sei se vais ter muitos leitores nos tempos que vivemos.

Um grande abraço,
Cherno Baldé
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21905: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (4): A vaca

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21646: Casos: a verdade sobre... (19): A recusa dos militares guineenses da CCAÇ 12 em irem render a CART 3494 no Xime, em março de 1973, obrigando a uma intervenção do gen Spínola (António Duarte / Valdemar Queiroz / Luís Graça / Jorge Araújo)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Um coluna logística ao Xitole... O pessoal fazendo uma paragem na famosa  Ponte dos Fulas, destacamento do Xitole.

A Ponte dos Fulas (sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal) era uma espécie de guarda avançada do Xitole (na altura, a unidade de quadrícula, do Setor L1, mais a sul, era a sede da CART 2716, em 1970/72).

Perspetiva: norte-sul, quando se vem de Bambadinca e Mansambo para Xitole e Saltinho. A ponte, em madeira, de construção ainda relativamente recente e em bom estado, era vital para as ligações de Bambadinca e Mansambo com o Xitole, o Saltinho e Galomaro... A ponte era defendida por um 1 Gr Comb do Xitole, em permanência, dia e noite... Na foto sãos visíveis, em segundo plano à esquerda, o fortim; em terceiro plano, ao fundo, à direita, as demais instalações do destacamento.

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno, Sori e Umarau (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local.

Foto: © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários sobre a alegada insubordinação da CCAÇ 12, em março de 1973 (*):

(i) António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974; tem 52 referências no nosso blogue]: 

Boa tarde Camaradas

Sou o António Duarte, que foi furriel atirador na Ccaç12 ente janeiro e dezembro de 1973.

Sei da recusa da companhia em seguir para o Xime, para substituir a CART 3494. Por azar em março de 73, estava eu em Portugal a gozar as minhas segundas férias e, como tal, deixei a CCAÇ 12 em Bambadinca e encontrei-a já instalada no Xime. 

Daquilo que me contaram, nomeadamente o Jioão Candeias da Silva e o António Manuel Sucena Rodrigues, a companhia recusou em seguir para o Xime, alegando transtornos na vida familiar. Não nos podemos esquecer que as praças eram, na esmagadora maioria, muçulmanos, com filhos e alguns com mais de uma mulher.

Por outro lado,  a segurança de Bambadinca nada tinha de semelhante com a do Xime.

Segundo parece a companhia formou e o comandante do batalhão [, BART 3893,]explicou o que se pretendia e levou com uma recusa. Parece que os graduados se demarcaram da situação.

Entretanto acabou por chegar o General Spínola que lhes deu a "volta", ameaçando que o chão fula, nestas circunstâncias de recusa, iria ser defendido por uma unidade de outra etnia, suponho balanta. Este facto seria uma vergonha para toda a comunidade fula da CCAÇ 12.

De qualquer forma o Candeias da Silva poderá dar mais detalhes. Infelizmente,  e por já nos ter deixado, o Sucena Rodrigues não pode ajudar.

Um abraço para todos e, se me permitem um mais apertado, para o Luís Graça
António Duarte.

13 de dezembro de 2020 às 13:53 (**)
 
(ii) Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem cerca de 120 referências no nosso blogue, e é um activo e incansável comentador]:

E interessante a recusa da CCAL 12 mudar de Bambadinca para Xime, alegando transtornos na vida familiar.

No caso da minha CART 11, também de soldados fulas, muçulmanos, com mulheres e filhos, como Companhia de Intervenção com o Comando em Nova Lamego, os quatro Pelotões estavam constantemente a mudar de local de permanência,  fazendo reforço a outras Companhia,  por exemplo,  em Canquelifá, Piche, Pirada, Paunca... E  quando se previa maior tempo de permanência fora da base lá seguiam com os soldados as mulheres, filhos e bagagens, para depois regressarem novamente a Nova Lamego.

Inclusive, depois de mais de um ano em Nova Lamego, toda a CART 11 mudou em definitivo para Paunca e não houve nenhum problema quanto a transtornos na vida familiar.

A vida no Xime era diferente de Bambadinca, mas em Piche, Canquelifá, Pirada ou Paunca também o era, e de que maneira, em relação a Nova Lamego.

Coisas da puta da guerra.

Abracelos
Valdemar Queiroz

13 de dezembro de 2020 às 14:59

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Obrigado, António, pelo tua pronta e esclarecedora resposta. É certo que não estavas lá, em Bambadinca, em março de 1973, mas ouviste o testemunho dos teus camaradas. 

Só podia ser essa a razão da recusa: as praças guineenses da CCAÇ 12 tinham as suas razões pessoais, familiares e étnicas para não irem, de bom grado, para o Xime…

Não podia ser por medo: em quatro anos de guerra (duas comissões para a malta metropolitana…) eles já tinham dado sobejas provas de coragem, dedicação, lealdade, apego ao seu chão, e até de portuguesismo… 

Quem andou, como eu, com eles no mato, durante ano e meio, no tempo das chuvas e no tempo seco, no mato, em tabancas, em colunas, em destacamentos, etc., do princípio ao fim, sem o mais pequeno problema disciplinar ou humano, sabe do que fala…

E estou a falar da primeira geração, a da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, ou seja, do período que vai de junho de 1969 a março de 1971. Éramos, como sabes, 6 dezenas de graduados e especialistas, oriundos da então “Metrópole”, a que se juntaram, em Contuboel, no CIM, mais 100 recrutas do recrutamento local, fulas e futa-fulas (sem esquecer 2 mandingas; depois começpu a vir, em rendição individual, um ou outro de fora do chão fula, como o Vitor Sampaio, que era mancanha, de Bissau, e um grande “reguila”). 

Sim, porque o sangue, começou a correr cedo, e para alguns a guerra depressa acabou… Lembro-me do batismo de fogo, em finais de julho de 1969, em Madina Xaquili, ainda em farda nº 3…

O Valdemar Queiroz, um dos instrutores mais queridos das nossas praças, sabe do que eu falo: deu-lhes a recruta e foi com eles ao juramento de bandeira, em Bissau, na presença de Spínola… E ele sabe bem como a parte deles eram crianças, com 16 anos ou menos...

Claro que o exército não era (nem é)  uma democracia… E não havia o hábito de perguntar à malta o que é que queriam para o jantar e muito menos que “resort” turístico preferia… 

Os batalhões de Bambadinca (BCAÇ 2852, BART 2917, BART 3873 e, no fim, BCAÇ 4616/73) usavam e usavam das unidades africanas (,milícias, Pel Caç Nat, companhias de caçadores, etc.). Estavam alia à mão, “eram da terra”, eram "pau para a toda a obra"…Até para "abrir valas" !... Resquícios do tempo do "trabalho forçado" ?!

Será que o comando do BART 3873 não olhou para aqueles homens, com quatro anos de guerra (!), e lhes perguntou a opinião ?

Percebo por que é que ninguém queria ir para o Xime (a começar pelos graduados e especialistas “metropolitanos” que, em Bambadinca, estavam no bem-bom, pelo menos em termos hoteleiros…). 

Os guineenses estavam, desde meados de 1969, a viver, com as suas famílias, na tabanca de Bambadinca (e, se calhar alguns, em Bambadincazinho, não posso jurar)… O Xime era o desterro, para mais a tabanca era exígua, as instalações militares ainda piores, e a população local era mandinga, com parentes no mato…. 

E, a propósito, gostava de saber como é que as duas comunidades passaram a coexistir… Talvez o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, o "meino do Xime", hoje o senhor engemheiro, ainda tenha  recordações dos vizinhos fulas da CCAÇ 12... 

 Como se sabe, o Xime era o pior aquartelamento do Sector L1 e "embrulhava" com frequência no meu tempo… E, depois, do Xime até ao Corubal era a “terra de ninguém”, palco de frequentes e sangrentos episódios de guerra: bombardeamentos aéreos, barragens de artilharia, e da Marinha, emboscadas, golpes de mão, minas e armadilhas, operações de maior ou menor duração, muitas vezes tendo por guias prisioneiros do PAIGC…Não é por acaso que o Xime tem mais de 400 referências no nosso blogue, contra 200 do Xitole, 340 de Mansambo, 630 de Bambadinca…

Fico-me por aqui. Mas gostaria também de saber a “versão” dos nossos camaradas da CART 3494, como o Jorge Araújo, que muito provavelmente nem se deram conta do “drama” da malta da CCAÇ 12… 

De qualquer modo, “tudo está bem quando acaba em bem”… O Caco Baldé (, alcunha do gen Spínola, entre carimhosa e sarcástica),  geriu o conflito, utilizando a velha técnica dos cabos de guerra coloniais, ou seja, dividir para reinar… Claro que a caixinha de Pandora dos ódios étnicos teria que vir ao de cima, depois da independência… 

O que vai ficar para história é que Spínola criou expetativas demasiados altas para os fulas e outras etnias como os manjacos... O caso dos fulas foi paradigmático: morreram pelo seu "chão" e pela "pátria portuguesa", e  quando os portugueses se foram embora, a única coisa que tinham nos bolsos era o patacão pago até ao fim do ano de 1974... Foram miseravelmente tratados como simples mercenários.. Foarm sempre soldados de 2ª classe, que aprenderam a falar português durante a tropa e a guerra, e que nunca tiveram tempo de frequentar,  entre 1969 e 1974, os Postes Escolares Militares e tirar o exame da 4ª classe...Nunca ninguém se preocupou com a promoção escolar, profssional, social e cívica destes valorosos combatantes fulas a quem alguns de nós deve a vida. 

E a gente sabe, por fontes cruzadas, como Bambadinca (, em mandinga, “a cova do lagarto”) foi um altar de martírio para os nossos camaradas guineenses, fulas, que, infelizmente para eles,  acreditaram na nossa palavra e na "palavra de honra" dos novos senhores da guerra, o PAIGC...

José Carlos Suleimane Baldé (, meu camarada da CCAÇ 12 que seria capaz de dar a vida por mim ou pelo António Fernando Marques) e o António Baldé (da CCAÇ 11, pai da infeliz Alicinha, que eu e a Alice quisemos trazer para Portugal, e meu vizinho de Alfragide, hoje apicultor na sua terra) contaram-me coisas, atrozes, que se fizeram em Bambadinca, depois da independência, contra os "colaboracionistas", os "cães do colonialismo", que nos envergonham a todos e não honram a memória de Amílcar Cabral nem dos demais "mártires da liberdade da Pátria"... 

PS1 - O António Baldé, 1º cabo, natural de Contuboel,  esteve no CIM de Bolama (1966/69), np Pel Caç Nat 57 (São João, 1969/70) e na CART 11 (Paunca e Sinchã Queuto, 1970/71): é membro da Tabanca Grande, nº 610].

O ex-1º cabo José Carlos Suleimane Baldé, felizmente ainda vivo, espero, a morar em Amedalai, Xime, é  o único camarada guineense da CCAÇ 12, a integrar a Tabanca Grande, além do Umaru Baldé, este a título póstumo.

 PS2 - António e Valdemar, convenhamos que o tema é pouco natalício... Mas, infelizmente, o nosso blogue não é compaginável com as conveniências do calendário litúrgico... E as nossas conversas são como as cerejas...

Mas já agora: o João Candeias, que estava lá (, enquanto tu, António,  estavas no gozo da tua merecida licença de férias), diz que o Spínola apareceu acompanhado de "quadros africanos"... Seria o régulo de Badora, tenente de 2ª linha ? Ou figuras prestigiadas militares como o ten graduado 'comando' Jamanca que já estava a comandar a CCAÇ 21, se não erro ? O que é que tu sabes sobre isso ?

13 de dezembro de 2020 às 18:07 

(iv) Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp/ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), nosso coeditor; tem 275 referências no nosso blogue]:

Camaradas,

Ao ler a presente narrativa notei que o camarada Luís Graça refere o meu nome,  pedindo-me que acrescente algo mais relacionado com a "recusa da CCAÇ 12 em render no Xime a minha CART 3494", no longínquo mês de Março de 1973.

Com efeito, não tenho memória de ter tido conhecimento de qualquer situação anormal relacionada com o tema em análise. E a justificação é a seguinte:

- A exemplo do ocorrido com o camarada António Duarte, eu também não participei na sobreposição entre as duas Unidades, uma vez que, como veio a ficar gravado na cronologia da H.U., a minha última missão no Xime acabou por ser a «Operação Guarida 18», realizada em 3 de Fevereiro de 1973, na região de Ponta Varela.

Nesta Operação conjunta, onde estiveram envolvidos seis Gr Comb (três da CART 3494 e três da CCAÇ 12), acabei por ter um "encontro imediato" com o IN (ver P13839). Concluída a missão, e após o regresso ao Aquartelamento do Xime, preparei-me para seguir para Bissau a fim de voar para Lisboa, de férias, onde cheguei dois dias depois.

Ao regressar ao Xime, em meados de Março de 73, para cumprir o restante tempo da comissão, foi com espanto que constatei que a minha CART 3494 tinha sido transferida para Mansambo, substituindo a (irmã) CART 3493, ocorrência que, segundo julgo saber, teve lugar na primeira quinzena desse mês.

Sobre este assunto, é o que posso afirmar.

Saúde para todo o auditório e um forte abraço... com distanciamento.

13 de dezembro de 2020 às 23:49
___________


(**) Último poste da série > 13 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21641: Casos: a verdade sobre... (18): Os "momentos dramáticos" vividos pela CCAÇ 12, em março de 1973, obrigada a render no Xime a CART 3494 [António Lalande Jorge, ex-fur mil mecânico auto, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, março de 1972 / abril de 1974)]

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20160: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (14): continuando a falar de..."futebol, elites e nacionalismo"


Gâmbia > Bathurst > 1953 > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra (n. 1926) > Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita, Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (Sport Bissau e Benfica), Armando Lopes (, pai do nosso amigo Nelson Herbert) (UDIB), Theca (Sport Bissau e Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB); de joelhos, também da esquerda para a direita: Mário Silva (Sport Bissau e Benfica), Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB), Emílio Sinais (Sport Bissau e Benfica, Joãozinho Burgo ( Sport Bissau e Benfica) e João Coronel (Sport Bissau e Benfica).

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo (, falecido recentemente em Portugal 22/1/2019); no 2º jogo, as duas seleções empataram 2-2 (com golos, pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acederá à independência em 1965.

Legenda de João Burgo Correia Tavares: vd. livro Norberto Tavares de Carvalho - "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", Porto, edição de autor, 2011, p. 41.

Foto: © Armando Lopes / Nelson Herbert (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Quer queiramos quer não, não conseguimos deixar de falar... de futebol. Temos mais de seis dezenas de referências no nosso blogue... Hoje retomamos o tema "futebol e nacionalismo" (*)...  E continuamos a celebrar os nossos 15 de existência, enquanto blogue e enquanto grupo de amigos e camaradas da Guiné que se reune à sombra do simbólico poilão daTabanca Grande (**)

Fomos encontrar, no livro do Norberto Tavares de Carvalho, a foto acima, já nossa conhecida, da seleção de futebol da província portuguesa da Guiné, onde figura o Armando Lopes (jogador da UDIB, pai do nosso amigo Nelson Herbert, e que também era conhecido como Búfalo Bill).

Recorde-se que ele fez o seu serviço militar no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, em 1943, na altura em que também lá estava, como expedicionário, o meu pai, meu velho e meu camarada, Luís Henriques; ambos nasceram em 1920 e, infelizmente, já faleceram od dois, o meu, em 2012, o pai do Nelson Herbert, mais recentemente, em 2018. Ambos tinham igualmente uma paixão pelo futebol...

A foto que publicamos acima,  é do arquivo pessoal do João Nascimento Burgo Correia (ou Corrêa) Tavares, o Joãozinho Burgo, do Sport Bissau e Benfica... Mas o nosso blogue já tinha publicada uma igual, em 15 de agosto de 2010, do arquivo do Armando Lopes / Nelson Herbert.

Cabo-verdiano, da ilha do Fogo, onde nasceu em 1929, Joãozinho Burgo era mais novo do que o Armando Lopes (1920-2018),  mas mais velho que o Bobo Keita (1939-2009). O auge da sua carreira é em 1960, com o apuramento da seleção de futebol da Guiné para a fase de qualificação para a disputa da taça Kwame Nkrumah.

Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana: além de Joãozinho Burgo, fizeram parte dessa equipa Bobo Keita, Júlio Semedo (Swift, guarda-redes), Antero 'Bubu', Vitor Mendes (Penicilina), 'Djinha', João de Deus, 'Chito', Luís 'Djató', 'Nhartanga' (que jogará depois em Portugal), entre outros...

O Joãozinho Burgo deixou de jogar já época, distante,  de 1966/67, para de seguida ir tirar o curso de treinador, ainda em 1967, em Setúbal (onde teve como colegas de curso o José Augusto, o Coluna e o Cavém) (p. 36).

O Bobo Keita, mais novo (1939-2009), embora sportinguista de coração, assinou e jogou pelo Sport Bissau e Benfica, clube do seu pai, alfaiate... O mais interessante era verificar a grande popularidade que tinha o futebol nessa época, nomeadamente em Bissau, mas também no interior (primeiro em Bolama, depois Bissau, Mansoa, Bafatá...).

O futebol também foi um viveiro de militantes, combatentes e dirigentes do PAIGC (Júlio Almeida, Júlio Semedo, Bobo Keita, Lino Correia...). Era interessante aprofundar as razões deste fenómenos...


Guiné > Bissau > Março de 1970 > Estádio Sarmento Rodrigues (hoje, Estádio Lino Correia) > Jogo de futebol entre o Sporting de Bissau e a UDIB, com transmissão radiofónica. Se a memória não me falha, quem fazia o relato era o Carlos Soares (está numa mesa). Vemos à esquerda, a zona onde se localizava a Verbena e o Cinema UDIB.  O estádio foi construído em 1947 e electrificado, já no tempo de Spínola, em 1971. O Lino Correio, antigo jogador da UDIB, morreu precocemente, em 25/11/1962, em Conacri, de acidente, numa sessão de preparação física. 

Foto do nosso grã-tabanqueiro, Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Os Maiorais, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70).

Foto (e legenda): © Arménio Estorninho (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Recorde-se que o Júlio Almeida, antigo funcionário da granja de Pessubé, que trabalhou com Amilcar Cabral, é referenciado como um dos fundadores, em 1956, do PAIGC, ou melhor do PAI, mais tarde PAIGC. Segundo informação do Nelson Herbert, a indicação e a consequente transferência de Júlio Almeida do futebol mindelense (São Vicente, Cabo Verde) para a UDIB de Bissau foi iniciada, a pedido do clube guineense, no ínício dos anos 50, pelo seu pai, Armadndo Lopes, que na altura estaava a passar férias em S. Vicente, a ilha de natal de ambos.

Bobo Keita, que nasceu no Cupelom [ ou Pilão] de Baixo, em Bissau, jogava na equipa do bairro, o Estrela Negra... Dela faziam parte futuros militantes nacionalistas como o Umaro Djaló, Julião Lopes, Corona, Ansumane Mané (outro que não o brigadeiro), Lino Correia (que era de Mansoa)... Keita, miúdo de rua, não tinha botas. As primeiras que teve foram-lhe emprestadas (e depois dadas) pelo Sport Bissau e  Benfica. Jogou com elas em Mansoa. Jogará depois nos juniores do Benfica e, dada o seu talento, chega rapidamente à seleção provincial.

Tinha então 17 anos. Como a idade mínima legal eram os 18, à face das normas internacionais do futebol, tiveram que lhe fazer uma "nova" certidão de nascimento (sic)... "A partir daí, segundo as circunstâncias, passei a exibir dois bilhetes de identidade, um com dezassete anos e outro com dezoito anos", confidencia o Bobo keita ao seu biógrafo (p. 31).

Acabou por jogar a defesa direito no Benfica. Dos juniores passa às reservas e depois à equipa principal. Para além de ser o orgulho do seu pai, tornou-se muito popular entre os adeptos. O grande dérbi, em Bissau, eram o jogo Benfica-Sporting. Na época, o Benfica era de longe a melhor equipa de futebol da província, recheada de estrelas (que integravam por sua vez a seleção da província).

Foi o Victor Mendes, um treinador português, que levou Bobo Keita para a seleção e que o pôs a jogar como defesa lateral esquerdo, depois de muito trabalho... Outro clube cotado localmente era o UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau, onde jogava o seu primo João de Deus.

Nas conversas com Noberto Tavares de Carvalho, Bobo Keita recorda o Torneio da África Ocidental, que começou na Ilha de São Vicente, Cabo Verde, em 1958, e que juntou outras  seleções (Cabo Verde, Senegal, Gâmbia e Guiné-Conacri) (pp. 39-40). Também, jogou na Gâmbia, onde a seleção guineense era, de há muito, temida, desde o tempo do Armando Lopes.

E acrescenta o Nelson Herbert: "Convém não perder de vista que ante a então apertada vigilância da PIDE, a 'bola' foi por sinal a via encontrada por Amílcar Cabral para a conglomeração, na periferia de Bissau, de guineenses e cabo-verdianos em redor de ideais nacionalistas.

"E falando ainda de futebol, recordo ter lido em tempos no blogue um poste que fazia referência ao papel dos soldados portugueses na Guiné, na 'massificação'  do futebol naquela antiga província ultramarina."

2. Mas voltando ao Bobo Keita e à selecção de futebol da Guiné, que foi apurada para a final da taça Kwame Nkrumah, jogada em  Acra, capital do Gana, em 1959. 

O encontro com o presidente Kwame Nkrumah terá sido decisivo na vida de Bobo Keita. Recorde-se que a antiga colónia inglesa, Golden Coast, a Costa do Ouro, proclama oficialmente a sua independência em 6 de Março de 1957. Nkrumah, num cerimónia de receção nos jardins do seu palácio, incentivou então os jovens futebolistas a lutarem pela independência dos seus países. 

Em 1 de outubro de 1960, Keita está em Lagos, capital da Nigéria, outra vez num torneio de futebol, por ocasião das festas da independência de mais um grande país africano (p. 44-46). Que memórias guarda desse tempo ?

"Como acontecera com o discurso do Nkrumah, fui de novo sacudido por um mar de interrogações, sempre falando com os meus botões e acabando por concluir que tudo aquilo era bonito, mas completamente impensável na Guiné. No entanto, pela segunda vez, o acaso punha-me de caras com os pensamentos revolucionários daquele tempo. Só que desta vez senti algo a despertar em mim" (p. 45)...

E mais à frente acrescenta, na entrevista com Norberto Tavares de Carvalho, publicada em livro, que temos vindo a citar:

"Fiquei com aquela imagem de um povo confiante, independente e livre. Esse quadro ficou gravado em mim como o segundo factor de formação da minha consciência nacionalista" (p. 46).

Três meses depois, em 26 de dezembro desse ano, Bobo Keita, que tinha apenas a 4ª classe da instrução primária, "vai no mato", isto é, entra na clandestinidade, mais exatamente segue em viagem para o sul, disfarçado de alfaiate, mas com destino certo: Conacri. Em 12 de janeiro de 1961 tem à sua frente Amílcar Cabral, o homem que lhe tinha dado um bola, quando "djubi" do Cupelom, seu bairro natal...

Como é que um jovem e promissor jogador de futebol chega até aqui, ou seja, entra em ruptura com a sociedade onde, mal ou bem, está integrado ? Antes de mais, é de referir o sentimento de injustiça e de revolta que começa a apoderar-se dos jovens jogadores da seleção da Guiné. Na Nigéria não recebem os prometidos e ansiados prémios de jogos. Sentem-se explorados e inferiorizados quando comparados com os jogadores das outras seleções africanas, em particular os nigerianos. Na capital da Gâmbia, Bathurst, o conflito, latente, estala, passando a conflito aberto, manifesto... Recusam-se a jogar... Acabam por ceder para "não ficarmos mal vistos" (p. 48), mas recebem no final o dinheiro prometido...

Os dirigentes da seleção estranharam o comportamento jogadores e não gostaram... No regresso a Bissau, entra a PIDE em ação. O ambiente é de crispação, dentro e fora do balneário. Chegou-se a pensar prender toda a selecção, mas acabou por imperar o bom senso... Os jogadores, incluindo Bobo Keita, foram discretamente interrogados, um a um, pela PIDE nas instalações dos Bombeiros Voluntários de Bissau (pp. 52 e ss.). Dada a sua popularidade, os jogadores da seleção, envolvidos no conflito passado na Gâmbia, acabaram por se safar... Acrescenta o Bobo Keita, que até o próprio Governador, na altura o Peixoto Correia [1913-1988; governador entre 1958 e 1962], "uma ardente adepto do futebol", não terá apreciado a ação da PIDE (p. 53)...



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A valorosa equipa de futebol da CCAÇ 12, que disputou campeonatos em Bafatá...  Supremacia branca, discriminação racial, elitismo ?... Nada disso, os graduados e especialistas metropolitanos da companhia eram apenas um terço; o resto da companhia era do recrutamento local, de etnia fula... Os fulas, pastores, místicos  e guerreiros,  não jogavam à bola, ou   não tinham especial apetência pela prática do futebolmuitos deles numa tinham visto uma bola de futebol, ou um equipamento desportivo, lá nas suas tabancas dos regulados de Badora e de Cossé...

Mas é bom lembrar que, na Guiné do nosso tempo, e devido à guerra o futebol estava praticamente confinado a Bissau... se bem, que houvesse também equipas de futebol no interior (Bafatá, Mansoa)... Do Clube de Futebol Os Balantas de Mansoa (Mansoa) [Região do Oio], era, ao que parece o Corca Só, lendário comandante do PAIGC que um dia terá prometido "limpar o sebo" ao "Tigre de Missirá", o nosso amigo e camarada Mário Beja Santos...

Enfim, o futebol continuava a ser  o desporto, por eleição, dos "tugas", no final dos anos 60...mas também fora um viveiro de dirigentes e militantes do PAIGC no início da década...

Os "tugas" da CXAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71=, aqui fotografados,  da esquerda para a direita, são, na primeira fila:

(i) Gabriel Çonçalves, o "GG" (1º cabo cripto, vive em Lisboa),

(ii) Francisco Moreira (alf mil op esp, cmdt do 1º Gr Comb, vive em Santo Tirso);

(iii) Arlindo Roda (fur mil at inf,. do 3º Gr Comb, vive em Setúbal);

(iv) Arménio Fonseca, o "Campanhã" (sold at inf, 1º Gr Comb, vive no Porto);
(v) e o guarda-redes, João Rito Marques (o 1º cabo quarteleiro, vive no Souto, Sabugal);

e na segunda fila:

(vi) Fernando Sousa (1º cabo aux enf, vive na Trofa),

(vii) Luciano Pereira de Silva (1º cabo at inf, 4º Gr Comb, natural de São Mamede do Coronado, Trofa, emigrado em França);

(viii) Fernando B. Gonçalves (1º cabo aux enf, que veio substituir o 1º cabo aux José M. Sousa Faleiro, evacuado logo no início para o Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas; morada atual desconhecida)

(ix) Alcino Carvalho Braga (sold cond auto; vive em Lisboa)

(xi) Manuel Alberto Faria Branco (1º cabo at inf, 2º Gr Comb; vive na Póvoa do Varzim)

(xi) e o António Manuel Martins Branquinho (fur mil at inf, 1º Gr Comb; falecido, vivia em Évora).

Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

__________

Notas de leitura:

(*) Vd. postes de:



(**) Último poste da série > 24 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20091: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (13): Hoje faz anos, 73, o António Fernando Marques... Porque recordar é viver duas vezes, e blogar é três... Relembramos o fatídico dia, 13/1/1971, em que o PAIGC nos quis mandar para os anjinhos... O meu querido Marquês, sem acento circunflexo, tem filhos, netos, amigos e camaradas que o adoram... E o Mário Mendes, morto de morte matada 16 meses depois... será que alguém ainda o recorda na sua terra natal? (Luís Graça)