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domingo, 4 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão

1. Em mensagem do dia 31 de Julho de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o primeiro episódio do seu Pós-Guiné, que esperamos nos traga ironia e humor, mesmo tratando um assunto muito sério como se adivinha. 


O PÓS-GUINÉ 65/67

1 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL, ESTÁ CHEIA DE COTÃO

E ao pisar o cais de desembarque, plagiei e gritei: 
- Mulheres... cheguei. Regressei à minha terra e para o anterior emprego de funcionário público. 

E na viagem nocturna em comboio correio, (que demorava seis horas para chegar ao destino), devidamente acompanhado pela minha mulher, que me fora esperar, aconteceu mais uma cena de solidariedade linda que conto, porque digna de se saber.

Então lá vai:

O revisor, que me afirmara ter um filho na Guiné, quando ao picar dos bilhetes da 3ª classe (bancos em madeira) apercebeu-se que eu havia chegado da guerra e convidou-me para mudar para a carruagem da 1ª, qu'até cama tinha e comprometeu-se a acordar-nos quando estivéssemos próximo da Ponte de Sôr (como se eu fosse dormir numa cama daquelas e embalado que seria pelo solavanquear... também resultado, das rodas quadradas do TGV d'então.

Surpreso fiquei pela amabilidade, fui... ai nanas !!! Quem não iria?

************ 

E assim se passou um ano, naquele ramerrame, com as sem jeito, mas costumadas conversas de café.
No fundo, começava a sentir a saudade dos "meus" da 1422.
E que falta me fazia, aquela adrenalina anterior... a alegria do "acordar" e de continuar vivo...
E que falta me estava a fazer aquela camaradagem que houvera tido e que sabemos quão boa e saudável.

Numa tentativa de alterar qualquer coisa que ainda nem sabia bem o quê, consegui emprego na capital do Império, onde amenizei saudades conversando com a rapaziada amiga e com quem convivera a maior parte dos meus melhores 40 meses da minha vida.

Aqui, Restauradores em Lisboa, acabei por me envolver de novo com tudo o que se ia passando, por lá longe. Primeiro, pelos contactos que começaram a acontecer com os ex-soldados Domingues, Soares e Lavado, com o ex-1º Cabo Fernando Nascimento da minha Secção de Morteiros 60, com o ex-fur. mil. Raul Durão (almoçámos todos várias vezes), com os ex-alf. mil's Macedo e Simões, mensalmente, com o Gualter, com o Formigo (estes dois também ex-furriéis) e mais ainda com alguns camaradas doutras companhias chegantes e com quem ia acabando por me actualizar.

E foi assim que soube do desaparecimento físico, na estrada do Pelundo para Jol*, dos nossos homens (sete ao todo), que desarmados, foram cruel e barbaramente assassinados a sangue frio...
E foi assim que tomei conhecimento da operação a Conakry, que tanto me enche, ainda hoje, de orgulho.

E foi assim, que soube da morte do Amílcar Cabral, cuja causa ainda hoje não esclarecida, embora a versão à época, seja bem diferente das que, de quando em vez por aí circulam.

Elucidado fui mais tarde, do porquê de nos chamarem "Brancos" e refiro-me particularmente aos felupes e futa-fulas com quem convivi no K3, pois que e quanto aos outros chamavam russos, americanos, suecos, e por aí fora. Compreendia finalmente, que aquela generosidade, apenas queria dizer que nos consideravam a raça superior.

************ 

Nem tudo era fácil e lembro-me até daquele dia a que fui assistir à estreia do filme Apocalipse Now, ali no cinema Monumental, e embora posteriormente já o tenha visto... revisto e revisto, na altura saí da sala, enervado, tremente e passados que foram os primeiros dez minutos projectados.

Apanhado pelo clima? Quem disse?

Mas a alegria também aconteceu, como naquela vez que recebi uma carta do Batalhão de Caçadores 1 e pensei cheio de fé que me estariam a convidar de novo a integrar as fileiras (era normal então voltar ao combate, até que fizéssemos 45 anos de idade), mas não... apenas me informavam que havia sido promovido a 2º Sargento.

Como atrás refiro, ia entendendo que tudo estava a mudar para pior para as NT, que agora combatiam ainda e se possível mais aguerridamente, um IN porém mais municiado, com a ajuda de países que ainda agora alguns põem nos píncaros, esquecendo que foram estes os causadores de muitas vidas desfeitas.

Posteriormente, não me foi fácil também, aceitar o acolhimento em Portugal, dalguns exilados chefes inimigos, principescamente recebidos e alguns até desdenhando publicamente das nossas tropas, quando em solo nacional estavam a beneficiar de benesses que deveriam antes, ser concedidas àquelas etnias guineenses que combateram do nosso lado.

Como Portugueses que foram, eram e continuariam provavelmente a gostar de ser, deveriam ter sido melhor tratados.

(Continua)
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OBS:
(*) Jol - o mesmo que Jolmete
Negritos e itálicos da responsabilidade do editor
Emblema da CCAÇ 1422 da coleçção do nosso camarada Carlos Coutinho
O editor
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Nota do editor

Vd. série anterior de Veríssimo Ferreira: "Os melhores 40 meses da minha vida

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11781: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (40): 41.º episódio: Memórias avulsas (22): Alô Guiné... estou a chegar

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 24 de Junho de 2013, enviou-nos mais umas peripécias d"Os melhores 40 meses da sua vida", dando-nos conta do seu contentamento por finalmente ter chegado à Guiné.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

22 - ALÔ GUINÉ... ESTOU A CHEGAR

E pronto... embarquei e cheguei todo lampeiro a Bissau, naquela manhã de Agosto de 1965.

Afinal não havia grande diferença da África que eu já conhecia através dos filmes do Tarzan e lá estavam os macacos dependurados nas árvores e os autóctones a descarregar farinha dos barcos, o que lhes dava a cor mais branca que branca. Pareciam gentes boas, nanja como aqueles que depois nos tentavam atingir nas matas do Oio, selvagens que não se mostravam... que utilizavam a crueldade das minas.

Diziam os seus mentores, que não combatiam o Povo Português, mas então se cada Companhia tinha cerca de 150 homens, todos (exceptuando os 4 ou 5 profissionais militares, mas Povo também) arrancados às suas terras e forçados a ir e a maioria nem sabia do porquê nem para quê, todos Portugueses que se tornaram heróis, então combatiam quem?
Porque utilizaram o assassinato cobarde com o uso das minas?

Se num verso inspirado, houve um poeta que disse: "num monte de pedra pode nascer uma flor", porque substituíram a flor por tais artefactos de morte, encafuados num buraco tapado com terra?

É que dói... e hoje 12 de Junho de 2013, completam-se 47 anos, que homenageio só, mas com um grande abraço, o Capitão Dinis Alberto Corte Real, Comandante que foi da minha CCAÇ 1422, vil e traiçoeiramente liquidado por uma, comandada à distância, ali perto de Farim na estrada que liga ao K3.
E já antes, a 17 de Maio de 1966, se fora o meu amigo Fur Mil Higino Arrozeiro, levado pelo mesmo método de horror, ali perto dos "carreiros".
.................................

Dizia eu atrás... cheguei a Bissau.
Ali passei uns dias e logo a seguir andei a apagar fogos, por aqui e por ali, apenas com a minha Secção de morteiros 60.
Assim conheci Manhau, onde aprendi a dor da perca, em 22 de Setembro de 1965, doutro amigo, o Jaime Feijão, Fur Mil da CCAÇ 1421, ele também vitimado por uma "bailarina" e recordo o seus gritos "arame" (o estrondo) e "médico" e mais não disse.

Conheci Mansabá e saber o que custa ser emboscado perto da Serração;
depois Bissorã e a flagelação junto ao rio;
Jolmete onde pela primeira vez reagi ao ataque ao quartel;
Pelundo e o sossego durante um mês, com morança na tabanca, a guardar um cofre do Homem Grande.

Localização da Serração na estrada Mansabá/Mansoa, e de Manhau na antiga picada que ligava Mansabá a Bafatá
Vd. carta de Farim

Interior do quartel de Bissorã em 1969
Foto: © Carlos Fortunato (2005)

Vista aérea de Jolmete
Foto: © Albino Silva (2007)

Entrada do aquartelamento do Pelundo
Foto: © António Teixeira (2011)

Só após o Natal de 1965, que passei na Amura, fui de novo integrado na Companhia que iria ser colocada em Mansabá, ao que se dizia e até fiz parte da Secção de Quartéis.
Deram-nos a volta, tal não aconteceu e acabámos sim, por trocar com a 1421, na época a construir de raiz o K3.

O depósito, onde se pode ler, ao comprimento, “Água Quente” e no topo, “Cerveja a Copo”. Era só escolher!
Foto: © Gil André, ex-Alf Mil. Bat Caç 2879 / C Caç 2548, retirada com a devida vénia da página Rumo a Fulacunda

O local era aprazível, as instalações de primeira, quartos em terra vermelha, algumas bem acomodadas suites.
A cozinha requintada e bem fornecida, comida excelente e igual para todos, talheres em prata de lei... copos de cristal e tudo servido por profissionais de libré e acima de tudo o bar 5 estrelas.

Se estou a mentir... que me saia o euromilhões.

Não tínhamos vizinhos e como tal fui "povo que lava no rio" pois que nem lavadeiras existiam mas por escasso tempo porque um pouco mais tarde e gradualmente vieram a juntar-se, na Companhia, alguns militares "guias" casados e residentes em Farim que nos disponibilizaram tais úteis serviços.

Certo dia (Julho de 1966) e por motivos alheios à minha vontade, tive que me oferecer para a 3ª CCOM e para a qual pediam voluntários com alguma já comprovada experiência no uso das artes da guerra. Acabei contudo, por ir prestar serviço na Secção de Funerais e Registo de Sepulturas/QG.

Saíra do Inferno, entrei noutro sem querer, embora em termos de perigosidade nada tivesse a ver com o que me fora ofertado até então, mas muito mais difícil de gerir psicologicamente. Sei que tenho aqui um vazio de dois meses, que não descobri ainda como foi, mas que se deve talvez, ao uso de alguns adormecedores alcoólicos, utilizados contra-gosto mas numa tentativa, que não resultou, de atenuar o calvário das visitas que de quando em vez tive de fazer à morgue do Hospital Militar e elaborar todo um processo doloroso próprio duma realidade que magoava mesmo.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11752: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (39): 40.º episódio: Memórias avulsas (21): De lá para cá e vice-versa

domingo, 21 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11436: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (32): 33.º episódio: Memórias avulsas (14): O desertor

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 9 de Abril de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

14 - O DESERTOR

Das duas, uma... ou eu estava a ver mal... ou aquele com as mãos no ar e a "costureirinha" bem à vista, queria entregar-se à CCAÇ 1422.

Aproximava-se vindo do lado do que fora a estrada que ligava ao Olossato, agora desactivada e foi por adrego, que o topei, ao empinar para os gorgomilos, aquele saboroso digestivo oriundo da Scotland acompanhado que estava a ser com umas mancarras acabadas de torrar na chapa, quais pipocas fossem.

Tal com'a mim, outros deram pelo que estava a acontecer e em simultâneo, dirigimo-nos para a porta d'armas, onde por acaso até m'arranhei ao desviar o "cavalo de frisa".

Requerida a urgente presença do enfermeiro chefe, logo este me besuntou e na falta d'álcool, com uma mézinha "distiled, blended e bottled" em Sacavém, que ao que se dizia era feita com água destilada e 1214 (uma espécie de tintura de iodo que tudo fazia sarar, excepto as nódoas da alma) e qu'até se bebia na falta do conhecido Vat 69.

Tínhamos a tiracolo, como sempre colada ao corpo, a prima G3, em posição não ofensiva, mas o que poderia acontecer rápidamente.

Em silêncio desconfiado arguardávamos, mas no entrementes afastei dali alguns camaradas, pois que o "tudo ao molho" poderia tornar-se perigoso e porque até nem sabíamos se não seria essa a intenção inimiga.

A cena parecia-me impossível de acontecer. Normal não era, vir um qualquer irmão Dalton incomodar-nos a horas tais, mas de qualquer forma íamos já antecipando os problemas que costumavam resultar quando se tinham de organizar colunas para levar prisioneiros a Bissau.

O inédito prendia-se com o facto de estarmos a ver em directo, um IN armado e VIVO, considerando que nem na mata se deixavam bispar, aquando nos recepcionavam e só os víramos quando a iniciativa fora nossa.
Por isso houve sempre dificuldade em fazer estatísticas de quantos eram os feridos ou os eliminados.

Mais tarde soube como actuavam para não deixarem rastos e era assim: Constituíam três grupos... um, com as armas com que disparavam mal (em 1965/1966, que depois aperfeiçoaram-se com a ajuda dos cubanos); o 2º grupo tomaria o lugar dos do 1º se atingidos; o 3º, arrastaria os feridos e os que já não diziam nem ai nem ui e também as armas destes.

Daí que a contabilidade saísse quase sempre por excesso e só através da observação dos restos do líquido espesso que circula nas veias e artérias e que por ali ficara ensopando a terra já de si vermelha, só por aí repito, é que os números batiam mais ou menos certos.

Voltando ao desertor: Ia-se apróchegando. Eis senão quando se ouve um tiro lá longe... acordou os nossos sentinelas, tendo um deles, espavorido, gritado:" lá vêm eles"...o furriel de dia, esse por nada deu e continuou a sesta debaixo do embondeiro... e nós vimos o visitante parar... tremer... fugir e recuando para o caminho donde viera, desapareceu. Contaram-nos que foi agredido pelos seus, mostrado como exemplo a não seguir e punido como traidor.

Guiné > Regiãop do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Um prisioneiro do PAIGC.
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

(continua)
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Nota do editor:

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11356: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (31): 32.º episódio: Memórias avulsas (13): Como uma canção bem cantada pode ser uma dissuadora arma de guerra

domingo, 7 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11356: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (31): 32.º episódio: Memórias avulsas (13): Como uma canção bem cantada pode ser uma dissuadora arma de guerra

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 25 de Março de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

13 - COMO UMA CANÇÃO BEM CANTADA POR QUEM SABE, PODE SER UMA DISSUADORA ARMA DE GUERRA

Íamos partir de Mansabá, para tomar posse do K3, que já estava quase concluído graças à CCAÇ 1421, se é que podemos dizer "concluído", ao facto de os abrigos estarem prontos pelos quatro cantos e onde coube toda a 1422.

Coluna organizada e à frente iria a Daimler, mais vulgarmente chamada "o piolho".
Tratava-se d'uma auto-metralhadora semi-blindada, que iria disparando para a mata, durante a progressão e mais própriamente junto aos locais onde já antes houveram existido emboscadas ou flagelações.

Tinha no exterior um morteiro 60 e um banco acoplados pela rapaziada engenhosa das "mecânicas auto" e lógicamente que era ali necessária, quando em viagem, a permanência dum elemento que soubesse trabalhar c'o canhão.

Auto Metralhadora Ligeira Daimler

Foto do nosso camarada Carlos Pinto, ex-1.º Cabo Condutor-Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208


Tal como nos bailes onde se me atrasasse me saía a mais feia, também ali me calhou tal sorte. Encomendaram-me essa missão, mas compreendi, modéstia à parte... eu era o especialista... eu era o mais bom melhor, e já que ali teria de ir, sentado em poltrona d'aço verde, pelo menos seria o primeiro de duas coisas:

1ª - Ou a enfrentar o inimigo e levar um balázio nas trombas;
2ª - Ou no destino, receber as honras de primeiro a chegar.

Subi para o poiso, conjuntamente c'a minha Vat 69 a fim de ganhar embocadura para a viagem, aconcheguei-me emborcando antes, quase metade da dita cuja.

Passados que foram dois ou três quilómetros, começou-se-me a vir à memória a minha santa terrinha e o Conjunto musical "Sôr-Ritmo", pois então.
Tinham lá um vocalista fora de série, um tal de Veríssimo Ferreira, que encantava e deliciava as jovens d'então e também as suas próprias respectivas, mães.


E vai daí... atento venerador e obrigado a ir ali exposto e sem defesa possível, comecei a trautear, qual Chatotorix, uma coladera que aprendera a dançar há dias, no Pelundo, só que às tantas, entusiasmei-me, e lá foi em alta voz a "Nha Bolanha"*.

Avisado fui, ao que soube mais tarde, para me calar, mas com aquela barulheira de tantas viaturas, nada ouvi e fui bisando continuadamente, os versos que sabia.

Chegámos sem problemas, caso único e nunca mais repetido, mas ficou-me sempre a mágoa do não saber porquê de não nos honrarem com qualquer ataque, ou ao menos ter sido accionada uma minazita que fosse.

Seria porque me viram ali na frente e acagaçaram-se? Ou seria porque abominaram a minha voz?
Bom... apeámo-nos e lá fomos observar o hotel.

O abrigo que me fora destinada estava nos conformes. Descíamos quatro degraus, depois mais cinco para a esquerda e ali estava a suite. Embora não época das chuvas, o chão ladrilhado de terra encarniçada, tinha já dez ou mais centímetros d'agua, o que era porreiro mesmo e propício à propagação da matacanha, bichinho comichoso, como sabem.

Os locais para dormir eram dez, tantos quantos éramos, dispostos em cinco grupos, ou seja um por cima e outro por baixo. Fizeram-se as escolhas e a mim tocou-me o último em cima, mas com visibilidade para a seteira do abrigo o que era óptimo pois que assim até poderia reagir, deitado.

Ali mesmo ao lado, em baixo, ficava a vala que nos levava de gatas, ao local donde dispararíamos o morteirómetro se atacados, o que aconteceu logo nesse fim de tarde. Não havendo necessidade de fazer a cama que lençóis "cá tem" entretivémo-nos a tentar tapá-la com a lingerie possível a servir de mosquiteiro, que também "cá tem".

Depois, hora para o remanso, que aproveitei para procurar o bar. Bem no meio do aquartelamento, lá estava o malandro e também debaixo do chão e que surpresa foi verificar que nada faltava do que eu utilizava por questões medicinais.
Ele havia wisky's... tintos e brancos... cervejas... Gin... e coca-cola que na Metrópole estava proibida, e até frigorífico a petróleo, vejam bem !!!

Acalmei a sede, afinfei duas sandes de pão com pão e levei dez sagres de seis decilitros para os meus. Enquanto bebíamos cá fora chegaram as boas-vindas inimigas e lá se foi o jantar que por acaso nem havia sido confeccionado ou sequer planeado.

(continua)


Filme de autoria do nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav, tendo como tema musical "Nha Bolanha" 
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11306: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (30): 31.º episódio: Memórias avulsas (12): Acção psico-social

domingo, 24 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11306: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (30): 31.º episódio: Memórias avulsas (12): Acção psico-social

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 18 de Março de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

12 - PSICO-SOCIAL

Turismo de guerra foi o que fiz por quase todo o Norte da Guiné, particularmente na zona do Oio e pelas matas que rodeavam Morés, que acabei por não visitar, dado que me mandaram regressar à Metrópole. Poderiam ter tido a hombridade de perguntar: "Queres ir ou ficar?"

Demais a mais até porque só ainda ali estava há 20 meses e agora já me tornara um verdadeiro profissional especialista na arte do atacas ou te defendes.

Teria assim oportunidade de visitar tal local, onde constava existirem grandes árvores queimadas por cima, por via dos T6, que de quando em vez largavam por ali, umas bombitas inofensivas e que apenas serviam para acordar quem ali procurava refúgio depois de ter aterrorizado e fugido das nossa tropas, para além de também destruírem as casas dos passarinhos que ali nidificavam.

O motivo por me não quererem mais, julgo dever-se ao facto de pensarem que eu era açoriano.
Dizia-se que onde estes estavam, acabava a guerra, sendo vulgar ouvirem-se os gritos do inimigo:
- Fujam, fujam, não embosquem esses gajos... são dos Açores.

Passeei por Mansabá, Manhau, Bissorã, Pelundo, Jolmete, K3 e QG com visitas de pacificação acidentais, por Teixeira Pinto, Cacheu, Bula, Binar, Mansoa e Quinhamel.

Conheci tanta gente boa, de várias etnias, com quem partilhei, solidariedade, ajuda, estima ao próximo, amor à próxima, respeito e consideração, "coisas" que eu já tivera recebido e que por isso mesmo sabia agora praticar.

Equipamento básico para um bom desempenho de turismo de guerra

Nascera eu, em 1942, época da II Grande Guerra e jovenzito conheci "a maldita" (vulgo fome), mas cedo nos ensinaram a dar a volta.

Faltando o melhor, sempre haviam umas frutas que comprávamos sem falar com os donos... uma túberas que colhíamos nos pinhais... uns coelhitos bravos que caíam nos "ferros" e que assávamos em brasas de lume... uns peixinhos do rio que tadínhos, invadiam o interior das garrafas a que havíamos cortado o fundo para que entrassem e que depois como não conseguiam sair, devorávamos quais jaquinzinhos fossem... uns ovos que sacávamos dos ninhos... uns pardalitos que levavam com uma pedra arredondada e disparada pelas nossas fisgas... enfim, não faltando o engenho, lá nos íamos amanhando.

Relembro também a Intendência. Era uma loja para onde íamos fazer turnos de duas horas e a partir das sete da tarde até às nove da manhã do dia seguinte, hora a que então começavam a distribuir senhas que davam direito aos pobres poderem adquirir, ou um quilo de arroz... d'açucar... farinha... pão.
Mas do que eu mais gostava, (a partir de 1946 e seguintes) era de quando a minha avó, me mandava comprar cinco tostões de capilé, para adoçar um "café" que ela fazia com boletas (da azinheira) e grão rebuscado.
Tudo torrado, esmagado e fervido, constituía o meu pequeno almoço, antes da escola.

E gostava de ir, porque para lá levava um púcaro de esmalte até à taberna do senhor Firme e com ele deveria regressar com, pretensamente o equivalente aos 50 centavos antes referidos, lá dentro, só que como eu ia sorvendo umas pinguitas, chegado que era, só lá restavam três tostões.

No fundo, sempre eram cem os metros entre a tasca e a nossa moradia de soalho de terra (o que nos obrigava a limpar os pés quando entrávamos na rua). Ali vivíamos sete pessoas em vinte metros quadrados e quartos separados com mantas. A luz era a do candeeiro a petróleo ou das velas. O telhado deixava passar a chuva para alguidares de barro.

Alonguei-me, dispersei-me?

Quis apenas que compreendessem que ser solidário implica algumas vezes, que nos debrucemos pelo que passámos e pelo que nos fizeram, o que não quer dizer, que tais dificuldades sejam condição para praticar o bem, mas como se costuma dizer "quem sabe da poda é o podador".

Recebi mais do que dei, senão reparem, neste tão comovente convite:
- "Nôsso Furié" deixa que si for minino seja Veríssimo?

Vinha tal pedido, da esposa grávida, dum dos meus camaradas, soldado futa-fula.
Pensei recusar... vi que triste seria para aquela moçoila e acedi vaidoso e foi assim que lá ficou em Farim um... minino de apelido, Veríssimo.

(continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 17 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11269: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (29): 30.º episódio: Memórias avulsas (11): O porquê do abandono do K3

domingo, 17 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11269: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (29): 30.º episódio: Memórias avulsas (11): O porquê do abandono do K3

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 12 de Março de 2013, enviou-nos esta história de arrepiar, infelizmente não singular, para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

11 - DEIXEM QUE RECORDE MÁGOAS E EXPLIQUE O PORQUÊ DE ABANDONAR O K3

Foi-me dada a ordem para ir emboscar num local onde só deveria ser preparada tal operação, com um efectivo mínimo humano, equivalente ao d'uma Companhia (O Sr Cmdt Batalhão o dissera) e não apenas com nove homens tantos quantos constituíamos a Secção de Morteiros.

A comunicação foi-me imposta directamente pelo, DESDE HÁ DUAS HORAS, Cmdt Companhia, cargo que ocupou dado o desaparecimento físico do Senhor Capitão, vitimado que fora por traiçoeira mina comandada.

Revoltei-me inicialmente, dados os riscos e o possível desastre, mas acatei e cumpri, como não podia deixar de ser, não sem que antes recordasse a determinação superior de que "nos carreiros não menos de 150 homens a emboscar".

A progressão enviesada através da mata fez-se após preparada com redobrados cuidados. Chegados ao local, dispus as tropas em presença, ao longo de mais ou menos 50 metros e ladeando o objectivo, que ficava perpendicular à estrada que fazia a ligação do e para o K3.

Talvez uma hora depois, o "vigia" mais afastado, veio rastejando até mim e segreda-me:
- É pá, vem ali uns "zaravultos" e não são tão poucos como isso.

Desloquei-me lá e apesar da copiosa chuva, do nevoeiro e da mata cerrada, confirmei que na verdade, havia movimentações ali a 100 metros e que apesar da forma cuidadosa na deslocação, iriam cair na boca do lobo.

Alterei de imediato o dispositivo antes montado, de forma a constituir nova zona de morte para quem lá vinha (o inimigo decerto, ou muito provavelmente).

Pelas experiências antes vividas, foi minha convicção que após aí entrados, não mais de lá sairiam para contar como fora.

Passados foram minutos terríveis, os dedos já tremiam nos gatilhos, e se não liquidámos o 2º Pelotão da nossa CCAÇ 1422, foi porque ouvi do lado de lá:
- Oh Veríssimo... NÃO DISPARES... SOU EU O MACEDO.

Acontecera que, no aquartelamento e após acalorada discussão (ao que soube mais tarde), aquele Senhor Alferes Miliciano também sabedor da ordem dos 150, tomara a iniciativa de ir colaborar e ajudar no nosso regresso, não sem que antes tivesse a autorização do mandante, arrancada a ferros, dizem.

(Este acontecimento doía-me cá dentro há 47 anos mas penso que desta vez lá se vai tal "fantasma")

Crente não fui ou sou, mas naquele dia e àquela hora, Deus passou por ali, materializado naquela voz:
"OH VERÍSSIMO NÃO DISPARES"

Barro > Uma emboscada montada pela CCAÇ 3
Foto: © A. Marques Lopes. Todos os direitos reservados.

Contei metade? Está contado.

Ponderadamente pensei depois, qual a atitude a tomar e decidi ser preferível e aproveitando a oportunidade dum pedido de voluntários para a constituição duma 3ª CCOM/QG, oferecer-me para tal, em vez de continuar ali onde agora teria de, para além de combater o IN, também combater ordens como a daquele terrível dia 12 de Junho de 1966.

Só que não me foi fácil desistir daqueles camaradas e amigos... da minha 1422 que ajudara a preparar desde o RI 15... que comandei no desfile antes do embarque no Niassa e que fazia parte agora da minha família.

(continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11229: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (28): 29.º episódio: Memórias avulsas (10): Ninguém me ama

domingo, 3 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11188: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (27): 28.º episódio: Memórias avulsas (9): Do inferno para o céu

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (27)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

(9) DO INFERNO PARA O CÉU

Confesso que me tem sido útil estar aqui a VIVER Guiné e por isso se foram alguns dos fantasmas que me incomodavam desde 1967. E tenho-o feito a brincar... a brincar com os momentos vividos, particularmente no que se refere aos doze meses no mato em Mansabá, Bissorã, Manhau, Pelundo, Jolmete e K3. Já os últimos oito meses da comissão foram passados em Bissau.

Tiro... e queda... e nem ainda hoje acredito... mas na verdade tive de abandonar a minha CCAÇ 1422.

Inicialmente, por motivos odiosos e alheios à minha vontade, "voluntariei-me" para fazer parte da 3ª Companhia de Comandos do Quartel General, só que essa integração após a aprovação dos exames a que me sujeitaram, não foi possível dada a chegada duma verdadeira, treinada e formada na Metrópole.

Enquanto aguardava o regresso ao ponto de partida, colocaram-me, para ajudar administrativamente, na Secção de Funerais e Registo de Sepulturas/1ª Repartição/QG e que acabei por vir a chefiar.
São-me disponibilizadas, residência militar junto à messe em Santa Luzia e também uma viatura descaracterizada, um mini moke.

Sem obrigações nem horários, competia-me unicamente, estar sempre disponível para enfrentar os funestos acontecimentos, inerentes à função que agora exercia. Ao saber destes, tinham de ser imediatamente tomadas as providências para que tais cruéis notícias fossem transmitidas para Lisboa, a fim de que, do HORROR, fosse dado primeiro, conhecimento aos familiares.
Impunha-se-me, que nalguns casos, fizesse o reconhecimento presencial, na morgue do Hospital Militar, se antes as Companhias onde o desenlace se dera, mo não comunicassem. Vinham a seguir, as cerimónias religiosas e toda a elaboração da documentação para a célere trasladação.

Como vêem, saíra do Inferno e estava agora no purgatório nada fácil e com tantos sentimentos contraditórios, a quererem destruir-me.

O CÉU Bissau pois. A cidade tinha de tudo... fui sócio da UDIB; ia ao cinema... ao aeroporto... ao cais ver quem chega, nem sonhando a que martírio..., contrastando com a alegria dos que partiam... nos : Uige... Niassa... Manuel Alfredo... Rita Maria... Ana Mafalda.

A minha presença era requerida no futebol... nos locais com boa comida... na piscina de Nhacra... nos camarões em Quinhamel... e tudo no maior sossego que por ali não se vislumbrava ainda a guerra ...nem haviam bolanhas para atravessar... nem percutores do morteiro para substituir ou sequer G3 para olear.

A relação com os cidadãos, de amizade mais tarde, era excelente e facilmente nos acolhiam nos seus seios. Existiam grandes armazéns que tudo vendiam desde agulhas a automóveis e nos mercados nada faltava.

As noites eram famosas e já apareciam simulacros de boites. Em momentos vagos, visitei a Sé... o Liceu... o palácio do Governador (Arnaldo Schutlz então)... o Pilão... a fábrica da gasosas... o café Portugal... o Pintosinho... a Ultramarina... a casa Gouveia... O BNU... a rádio... as tascas que serviam ostras ao natural... as...........enfim!!!

Sozinho rezei, sem o saber fazer, na capela do cemitério e aí então, esgotei as lágrimas enquanto "falava" com os amigos que já não me podiam responder.

(Continua)

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal > Talhão Militar Central > Abril de 2006 > Monumento que celebra os soldados portugueses, mortos nas diversas campanhas de pacificação da Guiné, desde a Campa do Geba (1890) à Campanha do Cuor (1907/08), passando pelas Campamhas do Oio e Bissorã (1913), onde se destacou o Capitão Diabo, Teixeira Pinto. 
Neste cemitério (que tem três talhões, reservados aos combatentes portugueses mortos em campanha), repousam os restos mortais do Sold António da Purificação Marques, morto no início do ano de 1966, em combate, em Darsalame, no Cantanhez. Campa nº 33. 
Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11146: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (26): 27.º episódio: Memórias avulsas (8): Alto e pára a guerra

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11146: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (26): 27.º episódio: Memórias avulsas (8): Alto e pára a guerra

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (26)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (8)

ALTO E PÁRA A GUERRA

A partir de 17/5/1966, primeira data trágica para a CCAÇ 1422, ficou esta como que hibernada durante um mês. As ordens vindas do Comando do Batalhão sediado em Bula e não do nosso 1858, que andava lá por baixo em Catió, foram bem claras: nada de saídas para o mato; dediquem-se a terminar a construção do aquartelamento (havia sido iniciada pela CCAÇ 1421); patrulhamentos só de protecção às colunas de abastecimentos - mas não passem para lá dos carreiros - local a 3 Km na "estrada" para Mansabá e onde o horror se havia dado.

Não queria dizer contudo, que não fossem destacadas uma ou duas Secções para acompanhar grupos que nos viessem ajudar a pacificar os campos circundantes, que foi o que se deu, como descrito na anterior crónica "Inventámos o Santo António".

O acontecimento que narramos abaixo, passou-se precisamente no regresso desse passeio pedreste. Já com a bolanha cheia pela maré e em local desabrigado, e como tal propício a vários perigos dada a exposição, atravessou-se à minha frente, um não menos perigoso individuo do sexo masculino (como mais tarde confirmámos), grande... escamoso e a quem chamavam "o crocodilo".

Ele ia... e roçava-se pelo meu belo camuflado à prova d'água; ele vinha... de boca aberta e reincidia no roçar-se; e repetiu... repetiu... repetiu, até que me enervei e pedi à rapaziada amigalhaça para que me segurassem os canhões, e fui-me à fera, desarmado e tudo e nem faca de mato usei, creiam.

Só lhes disse, ao voluntariar-me, heroicamente, confesso:
-Este gajo tenciona morder-me, coisa de que não gosto, e assim sendo a primeira dentadinha serei eu a dar.

Qual intrépido acagaçado, apanhei o anfíbio pela lombada e rodopiámos nas sujas e lamacentas águas... ora eu por baixo, ora ele por cima (sic), mas que venci a besta reptiliana... lá isso... venci e os aplausos foram a demonstração para quem tivera as coragem e valentia, para enfrentar tão temível e bera sáurio, quiçá com risco da minha própria vida... disse.

O bicharoco era enorme, prái uns 60 centímetros e ainda mamava.
Considerado foi, prisioneiro de guerra e para além dum burro, era o meu segundo troféu.

Aberta uma piscina ao lado da minha suite, ali o prantei e todos o mimámos, dando-lhe também do leite condensado que fazia parte das refeições matinais, usando um biberão com tetina apensa no bocal da garrafa, evidentemente. Viveu apaparicado até ao fim da época das chuvas, desaparecendo depois vitimado sabe-se lá do porquê e foi com tristeza que o esventrei, salguei e sequei ao sol e hoje ainda me acompanha transformado que está em cinto.

Com poucos afazeres a não ser os triviais e dentro daquela languidez com que agora vivíamos, entretivémo-nos também a prestar atenção à vida selvagem dali.
Tanto assim que acolhemos umas cabras, conhecidas por "isso do mato" e que seriam resultantes do cruzamento de gazelas, com bodes compíscuos.

Tal miscibilidade deu origem a uns belos assados em forno de lenha, ou em brasas de lume, não sem que antes marinassem 12 horas e fossem esfregadas com manga de piri-piri e chaibéu.

Com as fressuras, criámos um prato típico conhecido lá na zona, por "chanfana à Saliquinhedim". E para que aos outros "comíveis" nada parecesse mal, também lhes permitíamos que convivessem com as nossas frigideiras e vai daí, tadinhos dos pombos verdes... das cinzentas rolas... dos coelhitos, quando se atreviam a passar pelo ponto de mira de qualquer vulgar G3.

Ficaria mal não falar dos macacões , qu'os havia de várias cores e tamanhos. Os mais pequeninos viviam agarrados às mães o que significava serem presa fácil para os predadores humanos que nelas atiravam para os surripiar. Depois era só domesticá-los o que acontecia se levassem porrada.
Vi e nem acreditava, mas na verdade o estilo era mesmo esse do "quanto mais me bates mais gosto de ti".

Dos "crocodis" esqueci-me de mencionar que os seus bifes são um petisco de se lhe tirar o chapéu, Provei em Bissorã e comi dezenas deles em Farim, onde os caçavam diariamente, mesmo ali às bordas do rio, mais propriamente para lhes aproveitarem as peles que alguns de nós, e ao regressar, trazíamos para ofertar às queridas. Por mim falo, que trouxe uma com 5 metros que me custou mil e quinhentos pesos, ou seja o equivalente a trinta garrafas de "Cavalo Branco" ou a quinze serviços de café casquinha d'ovo.

(continua)

OBS: - A foto retirada da internete para ilustrar a estória do nosso camarada Veríssimo Ferreira, não deslustra de modo nenhum a prova da sua coragem e valentia aqui relatada.
O editor
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 3 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11047: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (25): 26.º episódio: Memórias avulsas (7): 13 de Junho de 1966, inventámos o Santo António

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11047: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (25): 26.º episódio: Memórias avulsas (7): 13 de Junho de 1966, inventámos o Santo António

Militares em progressão nas matas da Guiné
Foto: © José Câmara. Todos os direitos reservados



1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 30 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (7)

13 DE JUNHO DE 1966, INVENTÁMOS O SANTO ANTÓNIO

Adivinhava-se que esta madrugada iria ser em grande e com muito fogo de artifício. A 1.ª marcha a desfilar seria a d'um Grupo de Comandos do QG, dado que na altura ainda os não havia, formados na Metrópole.

A minha Secção de Morteiros havia sido convidada especial a participar (o que muito nos alegrou) e tendo como principal tarefa, encerrar os festejos, fazendo a segurança de retaguarda após o desenrolar do golpe de mão. Nesse sentido, saíramos do K3 com 36 granadas, enroladas que foram 4 a cada um dos nove elementos, myself incluído, bem como com os três morteiros com a boca tapada com rolhas de cortiça, dada a copiosa chuva, e devidamente poisados no dorso, a tiracolo, tais como se vulgares carabinas fossem. Nada de pratos base, nem aparelhos para medir distâncias ou altitudes, que ali para nada serviam, usando-se antes capacetes como preventivos para qualquer recuo ou coice no chão e o alcance ficava dependente da forma como se empinava mais ou menos o tubozinho 60.

Obviamente que dos nove, só seis levavam G3 e os restantes (os apontadores, eu e mais os dois 1ºs Cabos, Nascimento e Ismael) em coldre próprio, levávamos ainda pistolas Walter 9mm.

Partíramos às duas da manhã e até ao objectivo (Biribão?) por estranho que pareça não fomos detectados. A madrugada ia-se entretanto fazendo dia cada vez mais claro e deu para reparar na bela floresta virgem, enquanto atravessávamos a bolanha em maré vazia e o bucolismo do lugar, bem como a macacada que nos ia acompanhando e os belos trinados das formosas aves que despertavam, nada... mas nada mesmo... fazia prever que por ali havia um refúgio nocturno de IN's.

Colocado o dispositivo no terreno, a rodear a tabanca surgida no meio do nada, mas onde se festejava já, pois que bem ouvi, no rádio a pilhas, a coladera "chapéu de palha" e que também, bem vi uns jovenzitos quase acabados de nascer a bambolear-se ao som daquela bonita melodia que hoje ainda oiço, comovidamente acrescento, deram-se início às comemorações, após a ordem vinda de quem mandava e foi manga de ronco.

Do interior das casotas e dando razão a quem afirmara que havia ali dorminhocos marchantes doutras músicas, estes começaram a sair devidamente armados, mas não de arquinho e balão, disparando com malévolas intenções tentando escalupir-se e uns poucos conseguiram, mas à maioria não foi permitida tal possibilidade. É então que começam a surgir as costumadas fogueiras tão típicas desta época, feitas de alecrim aos molhos só que neste caso, e decerto devido à ventania, a coisa pegou-se aos colmos que faziam de telhado e dentro em pouco todas as sete ou oito moranças ardiam e nem deu para lhes saltar por cima e nem os bombeiros apareciam.

Todas as mulheres e crianças que lá estavam contra vontade (digo eu) vieram connosco no regresso a casa, mas tal foi feito em passo rápido, já que estávamos a ser flagelados e cada vez os rebentamentos estavam mais perto, vindos "sabe-se lá d'onde" e nós trinta o que pretendíamos agora era um bom pequeno almoço... dois ou três Vat's 69... uma ou duas bajudas... um banho no Spa... uma massagem... e dormir.

E foi assim, copiando-nos, que nasceram os festejos da cidade de Lisboa.
(continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11012: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (24): 25.º episódio: Memórias avulsas (6): Cabeça cá tem juízo

domingo, 27 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11012: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (24): 25.º episódio: Memórias avulsas (6): Cabeça cá tem juízo

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 21 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (6)

CABEÇA CÁ TEM JUÍZO

23 de Julho de 1966 e o campeonato mundial de futebol a disputar-se lá para as englandes.

Pára tudo, que é dia de Portugal jogar.

Chegámos a estar a perder por 3 a Ó mas depois lá demos a volta à coisa e acabámos por ganhar a uns tipos que antes tinham dado tareia, na guerra, aos américas e só por isso se atreveram a pensar que faziam o mesmo cá c'os Eusébios... Torres... Zés Augustos... Hilários e outros muita bons.

Uma das duas grandes penalidades convertidas por Eusébio, que marcou 4 golos nesta vitória de Portugal sobre a Coreia do Norte por 5 a 3. O quinto golo foi marcado pelo saudoso, bom gigante, Torres. (Legenda de CV)
Foto: Com a devida vénia a citizengrave.blospot.com

Já uns CIAosos, que tinham vindo recentemente a Bissau, sabiam de tal impossibilidade e só cá estiveram com o intuito de aprender e perceber, como é que, sendo nós aqui, pr'ái uns 20 mil, conseguíamos estar a vencer, quando eles lá nos Vietnames e com um milhão de profissionais bem armados, estavam em quase completo colapso.

Depois dum lauto almoço comemorativo duma boa notícia recebida há pouco e para quem não saiba elucido desde já que todos os almoços sempre foram e serão para mim, de comemoração, só que estes ainda mais saborosos me pareceram e ai nanas... que a dieta Kapatrêziana do feijão com dobrada, era já passado... e dizia eu... fui assistir ouvindo o relato talqualmente.

Enquanto isso ia emborcando uns whyskais digestivos, tantos quantos os golos da partida, conforme a mim mesmo prometera e promessas para mim, ou se cumprem ou não se fazem, nem mesmo que com isso prejudiquemos a saúde.

Por culpa dessa futebolada aconteceu a loucura total.

Conto-vos, pois então: Acabada a partida começaram a ver-se garrafas pelo ar e até aí tudo normal, só que depois caíram no chão e... sabe-se lá do porquê.

Resultado: aquela Praça do Império, ficou uma verdadeira fábrica de vidro estilhaçado e disperso pelo chão.

"Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")

E então... era uma vez... uma cidade a entrar no pandemónio... vieram os pára-quedistas cuja luta exclusiva era a de fazerem de Polícia Militar (nessa altura, porque mais tarde foram também combatentes)... a balbúrdia piorou já que ninguém os "amava" dada a sua estapafúrdica e autoritária poses... aparecem os fuzos a tentar pôr mais desordem na ordem... e assim SIM, finalmente dá-se o caos.

Foi o bom e o bonito, também colaborei assim como todos os do Exército que por ali estavam em merecido descanso, e festejámos agora aliados à Marinha, descascando no inimigo comum, (os páras) que tão mal nos maltratavam com a prepotência costumada. Para mim escolhi os mais altos, aplicando-lhes o conceito aprendido no Judo que diz, que quanto maiores são, maior é a queda.

Gozei à brava, creiam, com tanta castanha que distribuí e com algumas que recebi não nego, mas "djubi", quem vai à guerra dá e leva.

Assanhada esteve a peleja durante horas, quando alguém, merdosamente decidiu interromper e deu ordens aos seus homens para que regressassem de imediato a Brá, o que fizeram bastante sovados e estropiados, uns sem cassetetes e outros sem os capacetes e pobres de nós que como de costume fomos os prejudicados, quando assim nos retiraram aquele pequeno prazer porradal que estávamos usufruindo caceteando de borla.

E eu? ...pois acabei a noite no Hospital Militar onde graças à minha nunca desmentida valentia, levei seis pontos na tola e de tal forma que ainda hoje lá está o sinal e nesse sítio nunca mais nasceu cabelo.

(continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 20 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10970: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (23): 24.º episódio: Memórias avulsas (5): "Salazar é qui na manda"

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10473: Tabanca Grande (363): Veríssimo Ferreira, natural de Ponte de Sôr, ex-fur mil, CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67)





Guiné >  Região do Oio >  CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858   (Bissau, Bula, Saliquinhedim/K3, 1965/67) >  O fur mil Veríssimo Ferreira em Mansabá, Setembro de 1965


Fotos:   © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados.


1. Em 30 de setembro último, na página da Tabanca Grande no Facebook, o nosso camarada Veríssimo Ferreira manifestou a sua vontade de integrar o nosso blogue e colaborar ativamente na preservação e divulgação das nossas memórias, enquanto combatentes na Guiné:


Caros Senhores Luís Graça, Carlos Vinhal e Eduardo Ribeiro:

Pretendo ser dos 600 "antes do fim do ano" e, assim sendo e porque continuo com dificuldades (burro velho aprende...mas demora) em seguir o caminho normal e recomendado, solicito-vos o seguinte: 
Enviaria para aqui as duas fotos e uma 1ª história e os amigos extrairiam para o blogue.

Pode ser?


Abraços, Veríssimo Ferreira [, foto à esquerda, em Loures, em 1980, vestido "à homem grande"]


2. Os melhores 40 meses da minha vida > Introdução


Após alguns anos a procurar não recordar memórias que incomodavam, resolvi agora fazê-lo e em relação ao tempo prestado na vida militar. Sim. Porque eu fiz o serviço militar, e com honra, cumpri o meu dever.

Certo é que poderia ter desertado e hoje seria considerado "um senhor",  com chorudas reformas e sem nada ter descontado ou trabalhado. 

Certo é que poderia ter "fugido com medinho" para França e ter tocado xilofone, nas ruas e hoje seria um herói, aqui nesta terra que amo e que se chama e chamará Portugal. 

Certo é que poderia ter tido uns pais ricos (mas não...os meus pais sempre foram pobres...mas muito...muito honestos e trabalhadores), pais ricos esses que me mandariam para Londres e hoje eu seria ainda o verdadeiro artista, aplaudido mesmo que não tocasse ou cantasse. 

Só que não!!

O que sou é mal visto quer pelos políticos de ontem, quer pelos d'agora, pois que combati...mas não fugi e estou-me verdadeiramente nas tintas para tais gentes, se é que são gente.  

De nada me arrependo e comigo estão centenas de milhares de veteranos que, tal como eu, cumprimos e sofremos uns mais outros menos, mas que hoje somos uma irmandade e rimos...e lastimamos cada vez mais o desprezo e a sobranceria, com que, repito, "tais gentes, se é que são gente" nos pretendem marginalizar.

Estes maus filhos da Pátria (saberão o que é a Pátria ? acho que sabem apenas o que são Euros), por muitas honrarias que tenham após o 25 do 4, nunca conhecerão o que foi ter disparar para não morrer. Mas desejo que a terra lhes seja leve, antes porém deviam fazer um acto de contrição, embora "perdão",  para estes, seja palavra que não quero saber o que significa. (...)


(Continua)

3. Comentário do L.G.:


Meu caro Veríssimo Ferreira:  

Senhores,  todos somos, e grandes senhores!... Na Tabanca Grande tratamo-nos por tu, como camaradas que fomos e continuamos a ser. É pressuposto conheceres e aceitares as nossas 10 regras de convívio: consulta aqui o Nosso Livro de Estilo

Dás-nos a honra da tua presença, engrossando as fileiras do nosso blogue, com os seus quase  600 magníficos,  camaradas e amigos da Guiné. Serás o grã-tabanqueiro nº 581 e o teu nome passará a figurar no nosso quadro de honra, que vai de A a Z (vd. coluna do lado esquerdo da página de rosto do blogue). Depois de ti, faltarão apenas 19 para chegarmos às 6 centenas. 

Já recuperei as tuas fotos, na tua página no Facebook. Preciso apenas um endereço de email para a gente se comunicar internamente. Contactas connosco através do nosso email oficial:
luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com. 

Sei que já fizeste muitas coisas na vida, e que agora gozas a tua merecida reforma. Que és pai e avô. Que nasceste e viveste em Ponte de Sôr até à tropa. Que trabalhaste na tesouraria da fazenda pública local. Que tiveste um conjunto musical. Que foste para a Guiné como furriel miliciano, integrado na CCAÇ 1422. Que andaste pela região do Oio (Farim, Mansabá, K3), nos idos anos de 1965/67. Que, depois da peluda, foste bancário, mas também árbitro de futebol... E, por fim, que vives em Loures. 

Registe-se a propósito da CCAÇ 1422, de que tu és o primeiro representante no blogue:

(i) foi mobilizada pelo RI 15;

(ii) partiu para o TO da Guiné em 18/8/65 e regressou a 15/4/67; 

(iii) andou por Bissau, Bula, Saliquinhedim ou K3);  

(iv) comandantes:  cap mil  inf Diniz Alberto de Almeida Corte-Real;  alf mil  inf António Fernando da Cruz Macedo; cap inf Daniel Andrade de Carvalho.

O BCAÇ 1858, por sua vez,  esteve em Bissau, Teixeira Pinto e Catió. e conheceu 3 comandantes (ten cor inf Manuel Ferreira Nobre da Silva, ten cor cav Francisco José Falcão e Silva Ramos; ten cor inf António Veiga Fialho). Além da CCAÇ 1422, pertenciam a este batalhão a CCAÇ 1423 (Bolama, Empada, Cachil)  e a 1424 (Bolama, Cachil, Guileje, Sangonhá, Bissau)

 Em meu nome, dos demais editores, colaboradores e membros da Tabanca Grande, és bem vindo e recebido de braços abertos. Vamos seguir a série a que tu próprio chamaste Os melhores 40 meses da minha vida... Senta-te à sombra do fraterno e mágico poilão da nossa Tabanca Grande e conta-nos a(s) história(s) desse tempo, que nós seremos todos ouvidos...
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Nota do editor

Último poste da série > 27 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10443: Tabanca Grande (362): Vasco Pires, ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael, 1970/72)

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1423 > Monumento funerário, à memória dos Fur Mil Condeço e Boneca, mortos na tarde de 24 de Dezembro de 1966.

Foto: © Ex-1º Cabo Gandra / Hugo Moura Ferreira (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Hugo Moura Ferreira:

Caros:

Como disse há dias ao Luís, tenho andado arredado mas não desatento. Aliás quem é que depois do que por passou se mantém desatento? Isso é uma característica que acho que acabámos todos por, de uma forma ou de outra, adquirir.
Estou de volta, mas devagarzinho. Voltei à vida dita activa e produtiva e ainda não me habituei a gerir convenientemente os tempos. Mas com a continuação e boa vontade lá chegarei! Porque no resto estou muito melhor e mais disciplinado.

Bom, mas agora o que interessa é o conteúdo da mensagem do Luís.

Quando a li, lembrei-me de uma mensagem que lhe enviei em 26 de Novembro de 2006, às 2h28, sobre algo que se enquadraria no tema agora proposto e que nunca teve qualquer tratamento ao nível da divulgação no no nosso Blogue.

O Assunto da mensagem era "Memorial" e pretendia eu associá-lo às questões que na altura andavam em tratamento relacionadas com os cemitérios e os monumentos locais efectuados pelas Companhias aos seus mortos.

Como nessa altura não teria sido a meu ver, eventualmente, achado interesse na sua referência não insisti no tema e limitei-me a inseri-lo no meu sitezinho no Spaces. Mas como agora querem estórias ou histórias (sou subscritor de uma das petições conta o acordo ortográfico Luso-Brasileiro que circulam na Net), sobre ocorrências nos Natais passados entre 1963/1974, resolvi enviar-lhes de novo aquilo que enviei há um ano.

Como poderão verificar aquilo que escrevi não estava formatado nem redigido para fazer simplesmente o copy/paste havendo a necessidade de retirar ou compor aquilo que decidirem publicar. Portanto mesmo agora vou enviar em anexo a parte que importa desse Mail de um caso que se passou no Cachil, em 24 de Dezembro de 1966, quando ali se encontrava a CCAÇ 1423, contado pelo Alf Carmo, meu amigo de infância e de Instrução Primária a quem eu, periquito, fiz uma visita, quando em Novembro de 1966 cheguei a Catió em trânsito para Cufar (cerca de um mês antes da ocorrência).

Aproveito para vos desejar um Santo Natal com muita saúde e repleto de Felicidade para vós e para toda a vossa Família. Um Abraço.

Hugo Moura Ferreira

2. Mensagem do Hugo Moura Ferreira enviada para o Blogue em 26 de Novembro de 2006, e que não foi publicada na altura:

(...) Queria, no entanto, antes disso enviar-te uma peça descrita por um amigo e camarada nosso que esteve no Cachil, em 1966, antes da minha CCAÇ 1621 ter para ali ido, quando saiu de Cufar e se relaciona com um memorial que ali se encontrava cuja foto obtive de um outro amigo, o 1º Cabo Gandra, do meu grupo de combate.

A foto em questão vai em anexo e como deverás verificar, se a aumentares, há uma inscrição que diz 'Aos Furrieis Condeço e Boneca', mas há outras inscrições, nomeadamente o número da CCAÇ que com grande dificuldade consegui descortinar: 1423.

Assim, porque me parecia que esse meu amigo de infância (vizinho e colega da primária) tinha pertencido à CCAÇ 1423, que eu visitei no Cachil quando cheguei a Catió, a caminho de Cufar, em Novembro de 1966, mandei-lhe uma mensagem a fazer perguntas sobre o referido memorial, acerca do qual o pessoal da CCAÇ 1621 desconhecia o significado.

A determinado passo da minha mensagem coloquei as seguintes questões:

A tua Companhia era a CCAÇ 1423? E pertencia ao BCAÇ 1858, que estava em Catió, quando eu cheguei à Guiné, em 1966? Penso que sim, porque verifiquei na pag. 140, da 'Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África', 3º Volume - Guiné, do Estado Maio do Exercito, que aquela Companhia esteve também, antes do Cachil, em Empada. Tudo isto, por exclusão de partes me faz pensar que era mesmo a tua CCAÇ" e ainda "...por pertencer à Tertúlia Virtual , para a qual te convido a fazeres parte, ao receber algumas fotos para digitalizar de antigos camaradas da CCAÇ 1621, a que pertenci, mas da qual saí quando fui colocado em Bedanda e ela seguiu para o Cachil, presumo que para vos render, encontrei uma que me despertou a curiosidade, que te envio em anexo que, depois de a analisar bem, verifiquei ser de um monumento no Cachil a 2 Furriéis falecidos por acidente (isto o que consta nos registos oficiais), de nomes Colaço e Boneca.

Poderias confirmar-me se assim é? Caso venhas a confirmar, poderias também dizer-me qual foi o acidente que provocou as suas mortes? E será que tens algumas fotos em que eles se encontrem? Se por acaso tiveres, eu gostaria de as digitalizar.


Assim, e porque os memoriais são para fazer recordar, aqui estou eu a contribuir para tal, transmitindo aquilo que o meu Amigo, Alf Carmo, me mandou dizer sobre o assunto que, com a devida vénia, depois de ele me ter autorizado a divulgar o que conta (" Não tenho qualquer problema em seres tu a utilizar quer a informação quer as fotos, as presentes e/ou futuras.") e a prometer que "Logo que um destes dias crie mais 'estaleca' para entrar no Blogue, assim o farei e poderei então entrar directamente", passarei a contar.

A propósito da foto e do Memorial nela representado, concordando em que 'falar nos mortos é perpetuar a sua memória e mantê-los 'vivos' no nosso espírito, sem se perderem no tempo' contou-me então o Alf Guimarães do Carmo que realmente a CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858 (Ago 1965 a Abr 1967) era a dele e da ocorrência que originou a morte dos Furriéis Condeço e Boneca disse:

Quanto ao acidente que vitimou os Furriéis Condeço e Boneca, o mesmo ocorreu no Cachil na tarde de 24 de Dezembro de 1966, por razões de 'casmurrice' do então CComp que borrado de medo (era vulgar ocorrerem ataques nas alturas de festas) impôs por Ordem de Serviço que fossem verificadas as minas instaladas pelas NT. Era eu que estava de Oficial de Dia e já no regresso da saída 'simbólica' que decidi fazer, um dos Furriéis acidentados, disse que segundo o croquis havia uma ou duas minas muito perto e, como tal, era pena não ir verificá-las. Acedi e ao verificar a 1ª mina o Fur Boneca disse de longe que "nem um camião fazia saltar a cavilha" - provavelmente a cavilha estava oxidada e ao tentar rodá-la a mesma saltou fazendo rebentar a mina. Foram as suas últimas palavras!

O Fur Condeço, que se encontrava perto foi severamente atingido e acabaria por falecer no Heli a caminho de Bissau. Eu ainda fiquei com um estilhaço cravado na canela da perna esquerda.

Junto uma foto (Empada, Janeiro de 1966) em que o Condeço é o primeiro da esquerda. Quanto ao Fur Boneca não tenho nenhuma foto uma vez que o mesmo entrou na Companhia em rendição individual, penso que pouco tempo antes do acidente.

Desconhecia a existência do pequeno monumento documentado pela foto que me enviaste. Se ainda existe será talvez o único memorial pessoal dedicado a ambos. Um bem haja a quem o fez ou a quem decidiu mandá-lo fazer!

Como deves calcular os meus Natais são, ainda hoje, um pouco ensombrados pela lembrança deste fatídico evento


Legenda: Em Empada, da esquerda para a direita: Fur Condeço, 2º Sarg Nunes, o nosso alfero [Guimarães do Carmo] e Fur Castro. Do soldado africano à frente não me recordo o nome (*).

... E foi isto que ele [Guimarães do Carmo] me mandou como resposta!!

Esperando trazer algo de interesse para inserir no Blogue, nomeadamente relativo a ocorrências no Cachil (Ilha do Como), por agora termino, com um Abraço.

Hugo Moura Ferreira

Ex-Alf Mil,
Guiné, 1966/1968
CCAÇ 1621 -Cufar e CCAÇ 6-Bedanda

Presente nas seguintes páginas da Net:

http://bairromadredeus.hi5.com/

http://mouraferreira.spaces.live.com/

http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

http://blogueforanada.blogspot.com/

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(*) No Blogue já encontrei referências à CCAÇ 1423, no Post 913, e quem sabe se o soldado africano que o Guimarães do Carmo não se lembra é algum daqueles que estão em amena cavaqueira com o Francisco Allen na foto que ali se encontra, tomada em 2005?!...


Vd. post de 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P913: Empada 1969 ou as duas Guinés (Zé Teixeira, CCAÇ 2381)