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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25195: Agenda cultural (849): Lançamento do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721 (Guiné, 1970/72), dia 8 de Março de 2024, pelas 17h30, na sede da Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95, Lisboa. Apresentação a cargo do Coronel António Rosado da Luz (Paulo Salgado)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África""Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 21 de Fevereiro de 2024:

Caros Editor e Coeditores,
É isto, meus caros: será que a catarse foi completamente feita? Não me interessa. O que inquieta a minha escrita é saber do Outro, daquele que me acompanhou, cá e lá, nas andanças de uma guerra que foi imposta. Vivências. Sim, vivências do Outro em mim. Vivências de mim no Outro.

Porventura, será o meu último livro, substantivamente memorialista, sobre o modo como eu vivi a Guerra Colonial. Curiosamente: em guerra – na Guiné; em cooperação – na Guiné-Bissau. Já agora, passe a imodéstia: louvado em campanha e louvado pelo Ministério da Saúde da República da Guiné-Bissau...

Uma saudação bloguista.
Paulo Salgado


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C O N V I T E

Lançamento do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, a ter lugar na sede da Associação 25 de Abril, no dia 8 de Março, pelas 17h30, com apresentação do Coronel António Rosado da Luz.

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Nota do editor

Último post da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24942: Agenda cultural (848): dia 14, no Centro Científico e Cultural de Macau, o nosso camarada António Graça de Abreu vai apresentar o seu trabalho de tradução dos 170 poemas do poeta chinês 苏东坡 (Su Dongpo, 1037-1101), "um dos grandes génios da poesia universal"

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25104: Casos: a verdade sobre... (42): O "making of" do livro do Amadu Djaló (1940 - 2015), "Guineense. Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il.) (Virgínio Briote)



Leiria > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, o Virgínio Briote e o Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadúnico,    outro homem sábio, africano: 

"Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...




Projecto de capa do livro do Amadu Djaló, membro da nossa Tabanca Grande, já entretanto alterado... Finalmente, e depois de um longo calvário, chegam ao fim os árduos trabalhos do "making of"  do livro, da história de vida do Amadu que teve, no Virgínio Briote, mais do que 'copy desk', um editor literário, um amigo, um camarada, um confidente, um cúmplice, um advogado de defesa, um verdadeiro defensor dos seus interesses, editoriais, morais  e materiais. (...Na edição do 1º volume, que esteve cargo da Associação de Comandos, estava-se então, em fevereiro de 2010,  na fase final de revisão de provas tipográficas. O Virgínio referiu nessa altura a excelente colaboração de dois camaradas nossos, o Carlos Silva e o Manuel Lema Santos. (...)  (LG) (*)


Lisboa >  Museu Militar >  15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló,  membro da nossa Tabanca Grande, "Comando, Guineense, Português" (Lisboa: Associação dos Comandos, 2010, 229 pp., 150 fotos, preço de capa: 25 €). 

O Amadu e a seu lado a filha (e o neto, que não se vê na foto)...  Foi pena que, entretanto,  não tenha saído em vida o 2º volume, com as aventuras e desvanturas do autor, a seguir à independência do seu pais. Vivia então em Portugal, na Amadora. Acabou a sua carreira militar como alf comando graduado, na CCAÇ 21, comandada pelo ten cmd grad Jamanca, um dos primeiros camaradas guineenses a ser fuzilado pelo PAIGC.


Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló, membro da nossa Tabanca Grande, aqui na foto com o presidente da Associação de Comandos, dr. José Lobo do Amaral... 

Nas suas palavras de abertura, Lobo do Amaral  fez questão de, em nome da associação,  agradecer "ao sócio comando Virgínio António Moreira da Silva Briote a disponibilidade, competência e dedicação com que acompanhou esta Memória, sem a qual não teria sido poossível esta edição"... 

No final, também nos agradeceu a divulgação dada pelo nosso blogue e manifestou o seu regozijo pela entusiasmo com que foi recebida o 1º volume das memórias do Amadu bem pelo pluralismo das abordagens dos oradores.

Fotos (e legendas): © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Comentário de Virgínio Briote ao poste P25087 (**):

O Amadu depois do fim do Gr Cmds  "Fantasmas",  do Maurício  Saraiva, voltou para o QG e foi o Luís Rainha que, sentindo que o seu grupo tinha poucos guineenses experientes, o foi lá buscar e trouxe também o Kassimo. 

O Amadu distinguia-se pelas maturidade e pelo bom senso na análise das situações.

Quando o reencontrei em Lisboa, aí por 2005 (o meu anos da reforma), falou-me das recordações que tinha da sua Guiné, da sua família. Pouco tempo depois o Presidente da Assocaição de Comandos  telefonou-me, convidando-me a visitar as instalações na Duque d'Ávila. 

No contacto que tivemos pediu-me um artigo sobre os Gr Cmds do CTIG dos anos 1965/66. Foi pouco depois da publicação do artigo que me voltou a telefonar para novo encontro na Associação. E foi nesse encontro que me falou dos dois maços de folhas A4, que eram uma espécie de diário do Amadu Jaló. 

E depois, foi a leitura ou tentativa de leitura porque havia muitas partes ilegíveis para mim, o reencontro com o Amadú, a visita a casa dele, e o programa que estabelecemos para o esboço do livro. 

Seguiu-se o trabalho, encontros em minha casa, almoçávamos juntos, esclarecíamos dúvidas e andávamos para a frente. Ele fazia questão do livro ser "exactamente" o que tinha escrito, sem nenhum desvio. Foi um trabalho muito longo, por vezes ele adoecia ou tinha alguém em casa doente ou visita da Guiné, o que fez com que dessemos o trabalho pronto para entrega, quase um anos depois. 

O que se passou depois foram divergências, talvez o acordo entre as partes não tenha ficado bem claro, o que levou o Amadú a ficar um tanto queixoso da Associação de Comandos..

Amadu Djaló
Ficou no meu espírito a ideia que era um Homem. Adorava a sua Família e a sua Guiné. E estava numa fase de grande tristeza pela falta de rumo da vida política na sua Terra. Nos últimos meses da sua vida as dificuldades respiratórias acentuaram-se. Levei-o várias vezes ao Hospital Amadora-Sintra, deram-lhe alta e não havia ninguém para o ir buscar. Era inverno, peguei no sobretudo e fui buscá-lo ao hospital para o levar para casa. Não tinha roupa, deixei-o ficar em casa bem agasalhado.

Tempos depois foi novamente internado no Hospital de Belém e lá encontrei o cor Raul Folques em visita a um familiar muito chegado e lhe disse que ia visitar o Amadú. 

Vários episódios se repetiram até que ele queria escrever outro livro, eu disse-lhe que não contasse com a minha ajuda por motivos facilmente compreensíveis.  Ofereceu-me um molhe de folhas A4 e disse para eu fazer o que quisesse com elas. Morreu dias depois e, conforme nos tinha pedido, queria ser enterrado em Bafatá junto aos Pais.

Para finalizar este comentário que já vai longo, o Amadu Djaló, amava a sua Família, a Guiné e Portugal.
V Briote

Nota: este comentário vai sem revisão. Desculpem.


2. Comentário adicional de Joaquim Luis Fernandes ao poste P25087 (**)

Não sei porquê, mas ao acabar de ler o comentário do camarada Virgínio Briote, fui acometido por um sentimento de profunda dor, que me arrasou os olhos de água.

A dor e os dramas que a guerra tece! Quem nela andou e sofreu jamais os esquece.

Para o Amadu Djaló que partiu, que descanse em paz. Para todos nós ainda vivos, que não nos falte a paz.

Que saibamos optar sempre pela concórdia e pela paz E a exemplo dos Maiores, amar a Família e a Pátria Mesmo sentindo que algumas vezes nos é ingrata.

Abraços Fraternos
JLFernandes


3. Em complemento deste importante esclarecimento feito pelo Virgínio Briote, e que editamos na série "Casos: a verdade sobre..." (***): comentário do editor LG ao blogue criado em dezembro de 2010 pelo filho do Amadu Djaló, que vivia em Londres, Idriça Djaló, e que infelizmente não teve continuidade, embora ainda se mantenha "on line" (****)


Meu camarigo (camarada e amigo) Amadu:

Soube pelo teu mano Briote que estavas agora em Londres, ao pé dos teus filhos. Nós estamos bem onde estão os nossos entes queridos. Desejo-te boa estadia e boa saúde. Esse clima não é o melhor para os teus problemas respiratórios. 

Em contrapartida, tens o carinho e o amor da tua família. Na vida nunca temos tudo. Sei também do teu desejo de ainda voltar à tua terra, à nossa querida Guiné. Vamos manter acesa a chama da esperança. Isso vai concretizar-se, esse teu sonho. 

Até lá ficamos também a aguardar a publicação do teu 2º livro de memórias. É importante que o completes. Confia no Briote, que tem sido mais do que teu amigo e irmão. E confia em nós, os membros do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde tens muita gente que te estima, admira e leu o livro. (...) . 

Parabéns por este blogue que te abriu o teu filho Adriça. Mas é preciso alimentá-lo... Prometemos vir cá de vez em quando... 

Um Alfa Bravo (ABraço). Mantenhas para toda a família. Luís Graça
 
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de fevereiro de  2010 > Guiné 63/74 - P5883: Biliografia de uma guerra (55): Lançamento, previsto para fins de Março, do livro do Amadu Djaló, Guineense, Comando, Português: 1º Volume: Comandos Africanos, 1964-1974 (Virgínio Briote)


(***) Último poste desta série > 17 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25079: Casos: a verdade sobre... (41): "Canquelifá era o seu nome" - Uma batalha de há 50 anos (José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, 1972/74) - IV (e última) Parte: O nosso batismo de fogo, na bolanha do Macaco-Cão, em 29 de agosto de 1973

(****) Vd. poste de 6 de dezembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7391: Blogues da nossa blogosfera (40): Amadu Bailo Djaló, agora em Londres: Guineense, Comando, Português (Idriça Djaló)

sábado, 25 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24884: Nota de leitura (1637): "O universo que habita em nós: estórias com vida”, do nosso camarada José Teixeira, um talentoso contador de histórias e criador de personagens (Luís Graça)

1. Texto, da autoria do nosso editor LG, que foi lido pelo Eduardo Moutinho Santos (foto à esquerda), na sessão de lançamento do último livro do Zé Teixeira, no passado dia 18, em Leça do Balio, Matosinhos (*), e que publicamos agora como "nota de leitura" (**)


Conheço o Zé Teixeira desde finais de 2005, altura em que ele passou a integrar o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, também conhecido como Tabanca Grande. Passados 18 anos, ele é dos nossos autores mais prolíferos, ativos, proativos, ecléticos e generosos, com mais de 4 centenas de referências. 

E já não falo dele como comentador: é-me impossível contabilizar o número dos seus comentários a textos de outros autores. Em cerca de 25 mil postes (ou postagens), temos pertíssimo de 100 mil comentários (em média, 4 por poste). Algumas centenas serão seguramente do Zé.

Parte da sua vida, desde então, também está escrita no nosso blogue… Por exemplo, foi o cofundador da primeira tabanca da Tabanca Grande, a Tabanca Pequena de Matosinhos, um caso notável, pela sua originalidade e longevidade, de tertúlia de antigos combatentes… Fez parte da ONGD Tabanca Pequena, responsável por várias iniciativas de ação solidária na Guiné-Bissau, país que conhece muito bem das várias viagens que entretanto fez, desde 2005 (se não erro).

É autor de várias séries no nosso blogue, de que destaco, por serem das mais notáveis:

(i) “Estórias do Zé Teixeira”: tem 60 publicadas no blogue, de dez 2005 a set 2022;

(ii) “O meu diário”: tem 2 dezenas de publicações entre janeiro e março de 2006;

(iii) “Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira)”: publicou 13 crónicas, entre maio e agosto de 2013.

Tem, além disso, inúmera colaboração avulsa, entre prosa, poesia e
fotografia, noutras séries como “Álbum  fotográfico”, “Ser solidário”, “Convívios”, “Blogpoesia”, “Fotos à procura de… uma legenda”,“(Ex)citações”, "(In)citações”, “Os nossos enfermeiros”, etc., etc.

Este preâmbulo, já extenso, serve apenas fundamentar aquilo que eu
escrevi em 2022 no prefácio ao seu anterior livro, de poesia, “Palavras (e)levas o vento”. Deixem-me citá-las porque continuam a ser justas, pertinentes e atuais:

“E desde logo (isto é, desde que o conheci por altura do Natal de 2005, na Madalena, Vila Nova de Gaia) o defini como um homem de palavra e da palavra: afável, comunicativo, talentoso, mas também coerente, solidário e generoso. E tem uma qualidade que não abunda por aí, nos tempos que correm, de feroz individualismo e competição: a sensibilidade sociocultural, a abertura aos outros que são diferentes, quer sejam os sem-abrigo a quem vê como irmãos, quer sejam os fulas, muçulmanos, da Guiné-Bissau com quem conviveu durante a guerra colonial”…

E também disse, sem qualquer favor ou lisonja, que ele era uma vocação literária “tardia” mas já “amadurecida” e até “consolidada”.

Este último livro (a que me cabe o prazer e a honra de apresentar) 
comprova-o: o Zé é um talentoso contador de histórias e criador de 
personagens, para além de cronista. São sobretudo os seus microcontos que me encantam. Mas também o registo mais intimista do seu diário…

Recordo-me de ter escrito, há 11 anos atrás, o seguinte a propósito das páginas do seu diário da Guiné:

(…) “São apontamentos que o Zé foi escrevendo num caderninho, durante a sua comissão na Guiné (1968/70). É um notável documento humano onde, para além de dados factuais (colunas, operações, baixas, topónimos...), também vêm ao de cima as dúvidas, as contradições e a angústia do português, do homem, e do cristão (praticante que ele sempre foi). Nesse Agosto de 1968, em Aldeia Formosa (hoje, Quebo), o Zé, enfermeiro, escreve, dilacerado pelo absurdo daquela guerra: 'Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo ' " (...).

 Vem também ao de cima o poeta que ele é: veja-se a ternura de poema que ele escreveu sobre "As Mãos de Minha Mãe" (…)

O artesão da palavra, como eu gosto de o definir, não é de agora, mas é ainda mais visível neste seu último livro, “O Universo que Habita em Nós”, que tem como subtítulo: “Estórias com vida”.

Não vou repetir o belíssimo e elegante, para além de sintético e magistral prefácio do prof Júlio Machado Vaz, que o leitor deverá ler no princípio e reler no fim. Ele definiu bem em três palavras o essencial destes textos: “candura, transparência e doçura”. 

O Zé Teixeira, para quem o conhece, está aqui, inteiro, de corpo e alma, nas histórias que nos conta e nas personagens que lhes dão autenticidade, humanidade e consistência, a começar pelo Miguelito que tem muito de “alter ego”, nascido na Lousada, onde ainda, cem anos depois, pairava o fantasma do Zé do Telhado, e cujas histórias ele ouve, da boca da avó, dividido entre o temor maravilhado e a interiorização dos valores dominantes.



Capa do livro do José Teixeira, "O universo que habita em nós". Lisboa: Astrolábio Edições, 2023, 230 pp. (Prefácio de Júlio Macahdo Vaz) (Disponível na Livraria Atlântico: preço de mercado: 17 € (em papel) ou 5 €(ebook); pode também ser comprado "on line" na FNAC, ou pedido diretamente ao autor: Jose Teixeira: jteixei@msn.com )


Não podendo nem querendo ultrapassar as quatro páginas A4 que me foram pedidas, quero tão apenas destacar algumas das singularidades e originalidades deste livro:

(i) do princípio ao fim, o narrador (sempre ou quase sempre na primeira pessoa do singular) está implicado no enredo: diremos que há um recurso, em geral bem conseguido, à técnica da observação participante, seja quando se fala das vivências da infância e depois da guerra, seja das histórias dos que não tem história;

(ii) está dividido em duas partes (Zé, falta-lhe um índice, lapso que podes corrigir na 2ª edição…): “este meu mundo escondido” e “esta minha cidade escondida”;

(iii) na introdução (pp. 11/13), o autor explicita e fundamenta muito bem esta dicotomia cidade aberta / cidade escondida: há um “universo recôndito que está dentro de nós” e que “é a base da construção da nossa cidade”, que deve ser (ou queremos que seja) “bela, acolhedora e cativante” (sic), projeto em que cada um de nós tem de ser um “operário ativo” (pág. 12);

(iv) a “cidade escondida” é como a outra face da lua”, a que não vemos ou não queremos ver, a dos homens e mulheres, social e espacialmente discriminados e segregados, e a que pomos o epíteto (estigmatizante) de prostitutas, alcoólicos, drogados, marginais, sem-abrigo, loucos, indigentes…

(v) podia haver amargura, azedume, revolta, ajustes de contas com o passado,  mas não: há ali muito amor, ternura, carinho, poesia,  ingenuidade, cumplicidade, serenidade, empatia, compaixão… no regresso ao passado, duro, da infância, mesmo quando falta uma importante peça do puzzle da nossa identidade, a figura do pai… ou do seu substituto, ou quando a hipocrisia social diaboliza a figura da mãe solteira;

(vi) o autor recorre a poetas para, num verso ou num pensamento sincrético,  nos dar uma chave de leitura para a suas histórias ou personagens. Por exemplo, “A minha mãe (…) era o vulto que à noite se recorta” (Vasco Graça Moura); “Faz que cada hora da tua vida seja bela. O mínimo gesto é uma lembrança futura” (Claude Aveline”); ou “O mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida” (Frederico Garcia Lorca); noutros casos, recorre ao exemplo de vida de amigos, que admirava, como o saudoso luso-guineense Carlos Schwarz (Pepito): “Desistir é perder, recomeçar é ganhar”;

(vii) algumas histórias podem ser pícaras,  mas sempre muito humanas e surpreendentes: por exemplo, “Madrinha de guerra” (pp.79/85), “As aventuras do Marcelino” (pp. 87/92) ou “Morreu, morreu o cobrador!” (pp.221/226);

(viii) o autor pertence a uma geração de portugueses, que apesar de tudo foi “win-win”, não se resignou com o destino que lhe coube, foi à luta, resistiu, sobreviveu, conseguiu apanhar o "elevador social", valorizar-se intelectual, social e profissionalmente… Ou em suma: sair do círculo da pobreza e da iniquidade em que nasceu, quando 120 em cada 1000 crianças morriam antes de chegar ao 1º ano de vida; a tuberculose era uma das principais causas de morte; a escola primária (e muito menos o liceu e a universidade) não era para todos; andava-se descalço ou de chancas; e uma criança com 6 anos guardava as ovelhas do “regedor”, em troca, à noite, de um caldo quente, um pedaço de broa e, em dias de festa, uma cabeça de sardinha frita…

Há histórias e personagens tocantes, neste livro, desde a Áurea, sem-abrigo, ao Senhor Augusto; ou o Salvador que transporta em si os fantasmas e os pesadelos de toda uma geração que fez a guerra colonial…

Como eu já disse, não há muito tempo, e a propósito da história do Senhor Augusto, que já tinha lido no blogue: sabemos que nos podem roubar ou tirar-nos tudo, a casa, a terra, o país… Não se escolhe onde se nasce, muito menos pai e mãe... Ninguém pode, todavia, roubar-nos a memória, incluindo as memórias da infância e as nossas geografias emocionais (Buba, Mampatá, Chamarra, Aldeia Formosa, etc.). E a infância tanto pode ser uma rua, como um bairro, ou uma quinta, um lugarejo, um lugar, uma aldeia, uma vila como um rosto ou um estória...

Em “O universo que nos habita”, estão lá muitas das memórias impressivas e das vivências mais fortes do autor, a começar pelas paisagens da infância, sofrida mas também maravilhada, que, mesmo que tenham desaparecido fisicamente, continuam a ter cores, sabores, cheiros, rostos, personagens, homens e bichos, dos casebres dos pobres, os "cabaneiros", às casas dos “fidalgos”; o duro, trágico, mas também às vezes pícaro, lado da guerra colonial na Guiné; e, por fim, um terceiro “filão”, não menos duro mas seguramente nobre, que é também uma missão, a de dar voz a quem não a tem.

Mas o Zé, além de marido, pai, avô, educador, cidadão, também, foi dirigente escuteiro, gerente bancário, andou nas lutas dos moradores das ilhas do Porto… Em suma, ele que é humilde, também pode dizer, com propriedade e sem bravata, como o grande Pablo Neruda: “Confesso que vivi”…E isso dá-lhe o direito e o dever de memória… A escrita é também uma das formas de explorar essa inesgotável matéria-prima com que (re)construímos o universo que nos habita …

Neste Natal, far-nos-á bem a todos ler e reler estas “estórias de vida”, por que são também “estórias com vida”, o mesmo é dizer de esperança.

Parabéns, Zé. E obrigado pelo teu talento, empatia e amizade.

Luís Graça, editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

(Nota de LG: Um especial agradecimento ao camarada Eduardo Moutinho Santos por, na sessão do dia 18, me ter "emprestado a voz", o mesmo é dizer, ter tido a gentileza e a nobreza de ler o meu texto...)

  

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O Zé Teixeira com a Cadidjatu Candé (infelizmente já falecida), filha do valente alferes de 2ª linha e comandante de milícias no Quebo, Aliu Sada Candé,  preso, condenado à morte e assassinado lentamente pela juventude do PAIGC depois do fim da guerra (com "um prego espetado na cabeça, uma morte lenta, dolorosa, horrível").
 
Foto (e legenda):  © José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Para o Zé Teixeira, um camarada e um amigo, 
 um homem bom e solidário (**)

por Luís Graça

Não, não és um amigo do tu cá tu lá,
Não somos amigos de infância, ai que pena,
Conhecidos só de um Natal da Madalena,
Passei pelo Saltinho e tu, em Mampatá.

Não foi preciso pedir a ninguém licença,
Entraste pela Tabanca Grande adentro,
Sem quereres ser do mundo o umbigo e o centro,
Para partir mantenhas e mostrar a crença,

Nessa grande camaradagem de outrora,
Temperada na Guiné da paz e da guerra,
Sempre pensando no dia de ir embora.

O nosso blogue foi traço de união,
E ponte com essa nossa segunda terra:
Mereces por isso o meu chicoração!


Lourinhã, 6 de fevereiro de 2021

Parabéns do Luís (e da Alice), em dia de anos (***)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de novembro de 2023 >  Guiné 61/74 - P24874: Agenda cultural (845): a minha festa, em Leça do Balio, no passado dia 18: o lançamento do meu livro "O Universo que habita em nós" (José Teixeiira, Matosinhos)

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24874: Agenda cultural (845): A minha festa, em Leça do Balio, no passado dia 18: o lançamento do meu livro "O Universo que habita em nós" (José Teixeira, Matosinhos)


Foto nº 1 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > "Na Mesa da Presidência, além do autor e do meu filho Tiago estavam o Eduardo Moutinho Santos, camarada e amigo dos tempos da Guiné, e sua esposa, a Maria José"... A sessão foi iniciada com um momento musical.


Foto nº 2 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > O Eduardo Moutinho, além de ter feito a sua intervenção própria, falando sobre o autor, seu velho amigo e camarada dos tempos da Guiné, também aceitou de bom grado e com grande nobreza ler o texto da apresentação do livro à comunidade, da autoria do nosso editor Luís Graça, que por razões pessoais, não pôde estar presente no evento.


Foto nº 3 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Aspeto da assistência: perto de oitenta participantes


Foto nº 4 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Outro aspeto da assistência, onde se encontravam muitos amigos e alguns camaradas da Guiné


Foto nº 5 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Sessão de autógrafos. Um combatente, vendo-se à sua esquerda o Capitão Leite Rodrigues, da Tabanca de Matosinhos.


Foto nº 6 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Sessão de autógrafos. Um jovem amigo que veio de Mira para dar um abraço.


Foto nº 7 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Sessão de autógrafos. Familiares. O Prof. Marques dos Santos e esposa.


Foto nº 8 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Encontro de amigos. O Dr. Carlos Gonçalves, meu médico assistente e a esposa.


Foto nº 9 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > O Prof. Nuno Carvalho que colaborou nas campanhas de angariação de fundos poços de água, na Guiné.


Foto nº 9 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > A Armanda em amena cavaqueira com o Eduardo e a esposa, Maria José


Foto nº 10 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > O escritor e combatente José Ferreira, à esquerda, e um amigo de infância.

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Capa do livro
José Teixeira


1. Mensagem do nosso amigo, camarada e escritor José Teixeira (Matosinhos):

Data - segunda, 20/11/2023, 21:34
Assunto - Apresentação do livro

Passou o dia, passou a romaria,

...mas ficou um coração deslumbrado pela amizade que me rodeou, e carregado de belas e esfuziantes emoções.

Assim foi a linda tarde de sábado passado no Centro Cultural de Leça do Balio, no lançamento do meu livro – !O Universo que habita em nós".

O Salão Nobre de Leça do Balio estava praticamente cheio. Cerca de oitenta pessoas, amigas e amantes da leitura de bons livros, quiseram honrar-me com a sua presença.

Na Mesa da Presidência, além do autor e do meu filho Tiago, estavam o Eduardo Moutinho Santos, camarada e amigo dos tempos da Guiné e sua esposa, a Maria José, que eu tive o gosto de conhecer e admirar pela coragem de ir passar o Natal de 1969 com o marido e com a comunidade militar estacionada no Sul da Guiné. Uma presença feminina, apenas com 19 anos que deu uma vida nova ao último Natal que passei na Guiné.

Ausente da mesa, mas com lugar reservado no meu coração e de alguns dos convidados, estava o Luís Graça, que por razões pessoais, não pode estar presente para fazer a apresentação do livro à comunidade, tendo delegado no Eduardo Moutinho essa tarefa.

Com a sala cheia e o meu coração a transbordar de emoções, iniciou-se a Sessão de apresentação do livro, com dois trechos de música clássica, que os jovens alunos da Escola de Música, Teatro e Artes da Paróquia de Custóias nos presentearam.

De seguida, o Eduardo Moutinho, falando em seu nome, contou um pouca das suas vivências com o autor desde os tempos em que foi seu comandante em Empada na Guiné, já lá vão cinquenta e quatro anos.

A apresentação do livro remeteu-a para o texto que iria ler a seguir, por mandato, do amigo comum, Luís Graça, que segundo ele, diz tudo sobre as quinze histórias contidas no livro.

Obrigado, Eduardo, pelas tuas palavras e pela profunda amizade que nos une desde há longo tempo e tem vindo a ser enriquecida pelos anos fora.

Sobre o Luís Graça e antes de transcrever, com a devida vénia, as palavras que escreveu, quero afirmar e ao mesmo tempo agradecer a sua amizade, e por ter sido um dos principais responsáveis pela minha caminhada pela escrita dentro.

Mal nos conhecemos em 2005 e logo comecei a escrever por sua “pressão” para o Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Foi num pós-jantar em casa da sua cunhada, de saudosa memória na Madalena – Gaia, juntamente com um grupo de combatentes: O Marques Lopes, o saudoso Xico Allen, o Albano Costa presente na sala, e seu filho. Nunca mais me largaste Luís, e por isso, te estou mais uma vez muito grato.

Um chi-coração muito apertadinho para ti, meu “ermon”, e para a Alice, tua querida companheira das longas aventuras da vida.

Para entender a sua mensagem, nada melhor que transcrever o texto que o Luís teve a amabilidade de escrever. 
[Será apresentado aqui em próximo poste, como nota de leitura (LG).]

A Maria José, esposa do Eduardo, dissertou sobre o papel da mulher na sociedade, e a forma como eu enquadro as mulheres, pela positiva, no livro que escrevi.

Seguiu-se um momento musical.

De seguida o autor encerrou a Sessão, agradecendo aos intervenientes, aos presentes e ausentes, alguns por doença, outros por afazeres ou compromissos assumidos.

Seguiu-um Porto de honra e convívio entre os presentes.

A todas as pessoas que me honraram com a sua presença, e sobretudo os camaradas da Guiné, a minha profunda gratidão

José Teixeira
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Nota do editor: 

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24847: Notas de leitura (1633): “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, por Elidérico Viegas; Arandis Editora, Outubro de 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Colaborador desde o n.º 0 do jornal tavirense de nome Postal, li em número recente a publicação de um livro de um camarada nosso que fez comissão entre 1971 e 1973 em Empada e Bissau. Pedi-lhe o livro, foi célere a responder, fiz a recensão para Tavira e considero que esta tem todos os condimentos para chegar aos meus confrades. Elidérico Viegas é uma personalidade algarvia com o nome ligado à vida turística. Entendeu agora passar a escrito as suas memórias, elas seguem o curso que qualquer um de nós seguiu: assentou praça nas Caldas da Rainha, especialidade em Tavira, cabo miliciano colocado no RI3, em Beja, ingressa na Amadora na formação da CCAÇ 3373; viagem no Niassa, instrução de aperfeiçoamento operacional em Bolama, ida para Empada, quartel isolado só com saída para Bolama entre os rios Buba e Tombali. Registou 36 flagelações em Empada, sem consequências maiores. Certamente focado num público de não ex-combatentes, tece considerações sobre a população, descreve o quartel, as dependências administrativas, um quotidiano com lavadeiras, viaturas e mecânicos, a horta, ação psicológica, enfim, todos os serviços próprios de qualquer unidade, dá-nos conta dos patrulhamentos e da vida operacional em geral. Referencia os diferentes oficiais e sargentos, continua a guardar um ódio de estimação ao capitão. E depois a vida mais serena no Comando de Defesa de Bissau. Deplora a indiferença com que o sistema político trata os ex-combatentes. É este, em suma, o testemunho que nos entrega.

Um abraço do
Mário



Os equívocos e os paradoxos em torno da guerra colonial, uma História adventícia

Mário Beja Santos

Colaborador desde o n.º 0 do Postal, um jornal tavirense que tem décadas, fundado pelo meu amigo Henrique Dias Freire, tomei nota da publicação por um antigo combatente da Guiné de um seu livro relativo à sua comissão na Guiné, isto na edição de 3 de novembro passado. Teço agora comentários ao livro que ele amavelmente me enviou. Elidérico Viegas foi furriel-miliciano da CCAÇ 3373, Os Catedráticos, companhia independente, desembarcaram em Bissau em 7 de abril de 1971, foram diretos a Empada, no sul da colónia, entre os rios de Tombali e Buba.

Procede à apresentação do seu livro um artigo publicado no Postal com as suas reflexões. Confesso que não partilho uma boa parte das suas opiniões e explico porquê. Escreve que “O facto de não haver muita coisa escrita sobre esse período difícil da nossa história recente, e das obras conhecidas serem geralmente ficcionadas, incentivou-me a escrever este livro”

O que não corresponde à verdade, há centenas e centenas de livros sobre a guerra colonial, abarcando investigação histórica, ensaio, romance, novela, poesia, diários e memórias; os antigos combatentes movimentam-se ainda hoje à volta de reuniões anuais, são encontros por todo o país, aparecem antigos combatentes, filhos e netos; há blogues, entre os dedicado à Guiné, porventura o mais influente de todos os blogues de antigos combatentes, chama-se Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde irei informar os leitores desta narrativa do Elidérico Viegas; além disso, a imprensa periódica e não periódica é atraída por depoimentos dos antigos combatentes, há mesmo publicações de delegações da Liga dos Combatentes onde eles conversam entre si, eu colaboro numa delas, O Combatente da Estrela, obviamente gente da Serra e arredores. E lembro que a guerra colonial é objeto de estudos universitários, e não só em Portugal.

Diz mais adiante no seu artigo que “É preciso que aqueles que combateram na guerra colonial escrevam as verdades sobre uma guerra que o poder político teima em ignorar, sobretudo os milicianos, aqueles que verdadeiramente estiveram na linha da frente dos combates na Guiné, Angola e Moçambique. Portugal não pode esquecer nem ver apagados 13 anos da nossa história.”

Nfão estão apagados estes 13 anos, estão profusamente documentados, obviamente que a questão ideológica da colonização/descolonização ainda separa muita gente quanto à profundidade das motivações do fim da guerra, o êxodo que se seguiu e o quadro horrível de execuções praticadas em novos países independentes.

Concordo com Elidérico Viegas que é nossa obrigação contribuir com o dever de memória, e ainda bem que ele se acometeu a escrever numa literatura memorial singela, tocante e afetiva, o que viveu na Guiné entre 1971 e 1973. Oxalá o seu relato “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, Arandis Editora (arandiseditora@gmail.com), outubro de 2023, passe por muitas mãos, seja alvo de muitos encontros com antigos combatentes e até conversas em estabelecimentos de ensino. Porque a sua narrativa possui um chamamento universal, é um registo que qualquer um de nós, antigo combatente, pode gizar e adaptar à experiência vivida. No seu caso: recruta nas Caldas da Rainha, no curso de sargentos-milicianos, a descoberta de novos relacionamentos, a aspereza de tais aprendizagens, o juramento de bandeira, segue-se a instrução em Tavira, intercalam-se muitas lembranças da juventude, a promoção a cabo-miliciano, a colocação no quartel de Beja, a formação da CCAÇ 3373 no Regimento de Infantaria 1 na Amadora, o batismo da Companhia como “Os Catedráticos”, mais tardes Os Catedráticos de Empada, a viagem para a Guiné; ele conta que precedia a viagem a compra dos uniformes (“Comprei, em segunda mão, por pouco mais de 500 escudos, os uniformes que me haviam sido fornecidos aquando da minha incorporação nas Caldas da Rainha”), ala que se faz tarde, já está a bordo do Niassa, seguem-se as surpresas que reservam Bissau, os bafos quentes e tropicais; no dia seguinte, aparece o general Spínola e depois a viagem da Companhia para ir substituir os Leões de Empada. 

Sente-se tudo quanto vai escrever se destina fundamentalmente a um público não combatente, já que a generalidade das observações que faz sobre a Guiné são, de um modo geral, conhecidas pelos antigos combatentes.

Dentro deste contexto que tem um discurso universalizante, vê-se que o autor tem o afã em nos transmitir usos e costumes, um pouco da história da colónia, pretende que o leitor se sinta inserido naquele ambiente e conheça a gente do local onde ele penou, e por isso vai falar das bolanhas que rodeiam Empada, do Rio Grande de Buba, da fauna, das duas estações do ano, a caracterização do quartel de Empada, do posto administrativo e da escola primária, da companhia de Milícia ali existente, ficamos a saber que Empada se encontrava isolada e sem acesso a outros aquartelamentos, podia-se ir até Bolama de barco. 

Entramos na esfera do quotidiano, a importância da lavadeira (“As lavadeiras eram verdadeiros entrepostos comerciais, comercializavam de tudo um pouco – galinhas e ovos, entre outros produtos, que trocavam por conservas e Coca-Cola”), o abastecimento de água, a fonte Frondosa que tinha sido renovada em 1946, exercia esse papel vital; e havia o hastear e o arrear da bandeira, os cães, a horta, a enfermaria, o departamento de ação psicológica, o papel da Força Aérea, quem era quem dentro do quartel de Empada, desde o vague-metre, as transmissões, a secretaria, o capelão.

E para que o leitor não se esqueça que havia guerra, Empada conhecia muitas flagelações, o autor comenta: 

“Parece impossível não ter havido baixas nas mais de três dúzias de ataques que o inimigo levou a cabo durante o ano em que permanecemos em Empada. Pura sorte, digo eu.” 

Descreve a vida operacional e a organização dos pelotões, ficamos a saber dos seus ódios de estimação, sobretudo com o comandante da Companhia, hoje é comportamento raro, no início da literatura da guerra havia uso e costume de proceder a assassinatos de caráter, o tempo ensina-nos a desvalorizar estas nódoas negras do passado, e até se dá a circunstância de que estes homens não estimados têm família.

O grande cometimento militar em que estiveram envolvidos foi a Grande Emboscada, a força de centenas de guerrilheiros foi dizimada, entre os mortos encontrava-se o comissário político Quintino Gomes. Volta-se ao quotidiano, a vida da messe de sargentos, aos petiscos, as madrinhas de guerra. E de Empada vem-se para Bissau para o COMBIS (Comando de Defesa de Bissau), uma vida muito mais amena, com patrulhamentos guarda ao palácio, descreve-se a vida de Bissau e o regresso no Uíge. 

No final da sua narrativa observa que Portugal precisa de reconciliar-se com o passado mais recente da sua História, fala na sorte dos antigos combatentes e no imperativo de os dignificar.

Questiono-me muitas vezes se existe algum propósito deliberado em esquecer a guerra colonial e acabo sempre por concluir que o facto de ela estar associada ao fim do império e à criação de novos Estados independentes, todas as decisões políticas deliberadas em torno do seu reconhecimento, os conflitos violentíssimos que ocorreram em Angola e Moçambique e que levaram ao êxodo das populações, por exemplo, precisam da cura da História, a serenidade da interpretação dos factos. 

Em meio universitário, consegue-se chegar à proeza de se aprovar uma tese de doutoramento, num fenómeno que dá pelo nome de pós-colonialismo, de uma senhora expender apreciações grosseiras sobre o que se passou com a perseguição e execução de Comandos guineenses sem ter tido o mínimo de cuidado em basear-se nos documentos sobre o comportamento dos políticos e dos militares na sequência dos Acordos de Argel. Isto só para sublinhar que ainda há muita manipulação no tratamento dos factos históricos, inevitavelmente envenena as consciências. Procuro assim também responder às preocupações de Elidérico Viegas.
Fonte Frondosa, Empada, a dar água desde 1946
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24839: Notas de leitura (1632): "No Limiar da Guerra", por José Manuel Barroca da Cunha; RARO, Tomar, 2021 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24839: Notas de leitura (1632): "No Limiar da Guerra", por José Manuel Barroca da Cunha; RARO, Tomar, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2022:

Queridos amigos,
Já sabemos que aquele ano de 1961 foi caracterizado por muita ação subversiva, por um lado Rafael Barbosa ia encaminhando centenas de jovens para Conacri e daí para a formação militar, eram distribuídos panfletos, agiam vários grupos políticos, rivais ferozes do PAIGC. Um deles, constituído por Manjacos residentes no Senegal, orientados por François Mendy, provocará alguma turbulência em São Domingos, Suzana e Varela, e mais tarde juntos dos madeireiros da região Norte, foi tempestade de pouca dura. Mas é verdade temos inventariados documentos que abonam as hostilidades a partir do 2º semestre de 1962, na região Sul, que entra numa verdadeira efervescência, não havia de facto um romance como este, descrito por alguém que desembarcou do navio Alfredo da Silva no cais do Pidjiquiti em 19 de fevereiro de 1961. O autor assegura que esta história é muito real, é um ribatejano que se radicou na região tomarense, figura muito estimada pela sua dedicação às atividades desportivas, a um verdadeiro benevolato. Bom seria que Barroca da Cunha, que parece estar cheio de genica, entrasse na nossa tabanca grande e nos contasse tudo quanto viveu entre 1961 e 1963.

Um abraço do
Mário



Um tomarense de coração que chegou à Guiné no limiar da guerra

Mário Beja Santos

Barroca da Cunha é natural da Praia do Ribatejo mas vive há décadas em Santa Cita. Segundo o autor, o livro baseia-se em factos reais, chegou a bordo do navio Alfredo da Silva a Bissau em 19 de fevereiro de 1961, ano já de grande efervescência subversiva, o núcleo do PAIGC coordenado por Rafael Barbosa já está a recrutar muitos jovens que vão para Conacri ou já partiram para a formação revolucionária armada, nesse mesmo ano grupos de etnia Manjaca procurarão atacar a povoação de São Domingos, com pouco sucesso, e vandalizarão em Suzana e Varela, manter-se-ão ativos a aterrorizar na fronteira norte, nada tinham a ver com o PAIGC. Barroca da Cunha encontra no cais do Porto de Bissau um amigo de longa data, ele é natural da Guiné, é o grande homenageado neste livro.

Tudo começa no Colégio Nun’Álvares de Tomar, fazem amizade Simão Galhardo, alentejano do Crato, ligado a uma família de grandes proprietários, com António Jorge Barbosa Gonçalves, o Tojó, natural da Guiné. Temos aqui a narrativa de dois jovens nascidos à volta de 1940 a viver em internamento, iremos saber as razões por que a família de Simão lhe impôs tal castigo, houve para ali uma série de aventuras amorosas com a empregada Rosinda que vivia com o Joaquim Pinoia enquanto este fazia a tropa num quartel do norte, o Simão tem tal castigo que nem aos fins-de-semana pode ir a casa, ora a sua amizade com o Tojó agradou à família, este agora é visita regular ao Crato, temos a descrição dos bailes e festas como era prática do tempo, aqueles dois amigos quase inseparáveis andam sempre na folia. O pai de Tojó é um colono um tanto diferentes dos outros, trata os seus trabalhadores indígenas com muita dignidade, os outros colonos não gostam de tais liberalidades.

Estes jovens de 20 anos vão parar à Guiné, Simão não quer cunhas dos pais junto dos governantes, Tojó tem saudades dos pais e da irmã, vamos ver o seu enquadramento na vida militar de Bissau, há muito marasmo, desconhecimento da dura guerra que se avizinha, o armamento é mais do que antiquado, ambos fazem amizades, Simão vive na mesma casa com Trigo Vargas, um franzino que enjoou durante toda a viagem, dá gosto ler estes frescos de alguém que reteve conversas possíveis entre jovens, sempre prontos para o bailarico, é nisto que entram em cena dois agentes da PIDE que têm como missão aperceber-se se junto daquela tropa branca há comunistas a trabalhar junto do descontentamento ou a aliciar outros jovens. Aparece também uma médica de família goesa, a delegada de saúde, uma trintona amadurecida, que se atira a Simão Galhardo, a relação não faiscou. A trama do romance traz para o tempo presente gente do passado, Rosinda casou com um dos PIDES, o agente Saraiva, Rosinda tenta reatar a relação com Simão, este nega-se a infidelidades, Rosinda promete vingança, Joaquim Pinoia tem o seu negócio, sente-se feliz com a mulher e filhos. O chefe dos PIDES alerta os seus agentes para a importância dos cabo-verdianos, é gente com maiores conhecimentos académicos, estão nos lugares do topo, cuidado com eles, é preciso muita vigilância.

Simão dá-se bem com o major Frutuoso, o seu chefe, natural de Alpalhão, é o seu ajudante, têm que preparar informações sobre o que se está a passar na Guiné. Os amigos encontram-se com muita regularidade, há inclusivamente um comissário daquele navio que trouxe Simão que quando vem até Bissau é uma gostosa companhia, as reuniões entre PIDES prosseguem, há festas para aqui e para ali, os agentes confessam ao chefe local da polícia política que aqueles militares é tudo gente inocente, falam unicamente de garotas, bailes e de fugazes encontros, o chefe exige persistência, há perigos que se avizinham. E abruptamente tudo se altera, lá no grupo há quem fale que houve baladas, está presente um agente da PIDE, Trigo Vargas será detido e bem maltratado, surpreendentemente irá fugir para o Senegal e acompanhado. No norte da Província alguém foi degolado, há deserções, desapareceram armas. Simão veio de férias, o seu amigo Tojó informa-o do que se está a passar com Trigo Vargas, Simão será interrogado pela PIDE, é uma dimensão interessantíssima deste livro os interrogatórios a que ele vai ser sujeito, fala-se em livros e revistas proibidos, música do Zeca Afonso, Simão completamente siderado com os aspetos disparatados das perguntas, iremos a saber que Rosinda também mete o seu veneno e iremos ser surpreendidos quando aparecer o nome do chefe.

A agitação no Norte, aquelas deserções e o cabo degolado levam a que se mande um pelotão para a fronteira com o Senegal, o major, Simão e Tojó viajam para ter conhecimento do que ali se passa, vão no jipe, haverá para ali uma perseguição, um militar impreparado pega numa pistola-metralhadora FBP e acidentalmente atinge Tojó, Simão esforça-se por o manter vivo e vêm à procura de ajuda no hospital de Bissau, nesse tempo o hospital militar ainda está em construção. Se a viagem para cima não fora fácil, o regresso foi pior, só havia alcatroado até Mansoa, a picada sofria as consequências da época das chuvas, foi o cabo dos trabalhos, Tojó morrerá no hospital, Simão revela-se inconsolável.

Caminhamos para o termo do romance, temos as exéquias de Tojó na Sé Catedral, um mar de gente acompanha-o até ao cemitério, negros simples prestam-lhe a sua homenagem, nas melhores vestimentas de cores aguerridas, compareceu o Governador, o Chefe de Estado-Maior, o Presidente da Câmara de Bissau, o Gerente do BNU. No regresso o major Frutuoso conversa com Simão: “De uma vez por todas, é necessário que se alerte de forma firme quem toma decisões. O aviso está feito, já houve mortes, os indicadores de todas as guerras. Esta última ainda não se apresentou muito a sério, mas não tarda a guerra, ela chegará. É preciso organização, preparação. Que todos se consensualizem que é preciso ação, é preciso atuar.” E deixa no ar que a única maneira de honrar Tojó seria a de evitar que muitas mais se deem. Que a morte do Tojó não tenha sido em vão. É este o surpreendente teor do romance de Barroca da Cunha, um tomarense de coração que assistiu ao limiar da guerra da Guiné.
Barroca da Cunha a assinar o seu livro No Limiar da Guerra, em 31 de março passado, na Secção Regional de Tomar do Sindicato dos Bancários
A Associação Cultural e Recreativa de Santa Cita atribuiu o nome de Barroca da Cunha ao Pavilhão Polivalente
Lançamento do livro No Limiar da Guerra, na Informação da Associação dos Pupilos do Exército
O arquiteto Schiappa Campos a mostrar a Felupes o catálogo de fotografias A Família do Homem. O registo data do seu trabalho na Guiné entre 1956 e 1960. Imagem doada pelo autor ao Instituto de Investigação Científica Tropical em 2014 e apresentada na exposição “Moranças - habitações tradicionais da Guiné Bissau”, que decorreu no Museu Nacional de História Natural e da Ciência
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24826: Notas de leitura (1631): Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24807: Notas de leitura (1629): "Memórias de um Combatente na Guiné de 69/71", por Diogo Aloendro; 5livros.pt, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2022:

Queridos amigos,
Um relato memorial de quem passou a sua comissão militar na região de Nova Lamego, conta os antecedentes, como se formou antes de ir para a guerra, desvela como aqueles pontos da região Leste passaram da acalmia à turbulência. É uma narrativa serena, não há para ali prosápias nem arroubos heroicos, o que o António Henriques de Matos desejava era preparar os seus soldados para terem a quarta classe, foi um sucesso completo. Manifesta um pleno orgulho em ter concluído em regime noturno o curso liceal e a licenciatura em economia, depois da vinda da Guiné, trabalhou num banco prestigiado mais de 40 anos, chegara a hora de pôr por escrito a sua vida militar e as suas recordações do Gabu.

Um abraço do
Mário



Memórias de um combatente na Guiné (1969-71), por Diogo Aloendro

Mário Beja Santos

Diogo Aloendro é pseudónimo de António Henriques de Matos, fez parte do BCAÇ 2893, pertenceu à CCAÇ  2618, e escreveu agora as suas memórias, 5livros.pt, 2021. Dá-nos conta da sua vida de furriel atirador desde a recruta nas Caldas da Rainha, a especialidade em Tavira, a passagem pela Amadora, a ida para Chaves formar batalhão, e depois toda a sua comissão na região de Nova Lamego. Deixa-nos belos parágrafos de profundo afeto por quem o tratou bem em Lisboa, para onde emigrou aos quinze anos, não esqueceu as vicissitudes da sua formação militar, as novas formas de camaradagem, largados na Serra do Caldeirão com alguns instrumentos de orientação e rações de combate, chuvas inclementes, e guardou memória de um episódio de terem andado por sítios inóspitos, ali estava todo encharcado e apareceu alguém a convidá-lo a entrar para secar a roupa e descansar um pouco, uma senhora convidou-o a ir ao quarto do filho e vestir um pijama. Observou que o quarto estava impecavelmente arrumado e com a cama feita, tinha numa das paredes uma moldura de um soldado, vestiu o pijama, entregou à dona de casa a farda encharcada, comeu um caldo à mesa com o casal. O filho tinha falecido havia dois anos, morto em combate na Guiné.

São parágrafos tocantes:
“O quarto mantinha-se tal qual ele o deixou na última noite que ele lá dormiu. Não estávamos preparados para tamanha desgraça. Levaram-nos o nosso filhinho que era tudo o que tínhamos Como poderemos suportar esta dor, sabe explicar-nos?
– Ninguém sabe explicar – desabafava a mulher – numa voz sofrida. Ninguém sabe, acrescentava, como que a pensar alto. Soletrava estas frases com os olhos tristes já sem lágrimas para verter, enquanto o seu homem a aconchegava no ombro pedindo-lhe, carinhosamente, força e ânimo para o ajudar também a ele, a suportar o desgosto.”


Ele não podia aceitar dormir na cama do filho, acabou por ir descansar num barracão onde havia palha no chão. E na manhã seguinte juntou-se aos seus camaradas para continuar a subir e descer na Serra do Caldeirão. Concluída a especialidade, foi enviado para Beja, depois para o Regimento da Infantaria 1, na Amadora, mobilizado para a Guiné foi formar batalhão em Chaves. Continuava a estudar, queria concluir o sétimo ano.

Em novembro de 1969 chega à Guiné. Descreve Nova Lamego, é ali que está a sede do batalhão:
“Era uma pequena cidade implantada ao longo de uma rua principal, que se confundia com uma estrada, à imagem do que aconteceu na formação das nossas aldeias e vilas. Aqui se encontravam algumas casas de betão, a sede da Administração, composta pelo Comando Administrativo. Para além deste edifício, havia uma casa comercial, um cineteatro e o quartel militar, um edifício colonial de dois pisos, que servia de instalação ao Comando do batalhão. Contíguo a este edifício na parte de trás, existia uma vasta área onde se localizavam as casernas e alguns espaços, como sendo um campo para jogar futebol de salão. Nestas casernas se instalaram duas companhias. Vivia-se então um estado de acalmia.
Não fossem as preocupantes notícias, trazidas pela tropa que aportava a Nova Lamego, onde se vinham abastecer, ou de passagem para os respetivos aquartelamentos, nada se passava naquele paraíso”.

Lê, escreve e estuda. Tendo ficado órfão de pai aos oito anos de idade, dedica-lhe uma elegia, uma conversa em voz alta no fulgor das recordações de quando era petiz, gostaria muito de um dia ir à Angola visitar-lhe a campa.

Cabe-lhe fazer patrulhamentos à volta de Nova Lamego, há um pelotão que está destacado em Canssissé, este a cerca de 40 km da sede do batalhão. Fazem-se patrulhamentos diários, o objetivo era impedir as movimentações dos guerrilheiros, recorda que Madina do Boé fora abandonada em fevereiro de 1969, ficara uma grande área a descoberto para infiltrações. Surgem situações inesperadas, por vezes caricatas, barulhos dentro da mata, pensa-se inicialmente que vai haver confronto com grupo guerrilheiro, afinal é um grupo de javalis que passa a tropel. Descreve minuciosamente esses patrulhamentos, perto e longe de Nova Lamego, os contactos com o inimigo são esporádicos. O comandante do pelotão entra em depressão, foi hospitalizado depois de uma emboscada, é ele que assume interinamente as funções de comandante.

Decide dar aulas aos soldados que ainda não possuem a quarta classe, constituíam a maioria, é por essa altura que o pelotão do Matos é destacado para Cansissé, descreve a povoação e o sistema defensivo, as casernas dos soldados eram feitas de lona, a situação era um pouco melhor para furriéis e alferes. Não perde oportunidade de descrever as alegrias no recebimento do correio. E dá a compreensível importância às aulas para se chegar ao exame da quarta classe. “Achei mais apropriado ter apenas uma sessão diária de duas horas em simultâneo para ambos os alunos, logo após o pequeno-almoço, o rancho da manhã. Tinha inscrito catorze alunos para a quarta classe e dois cabos e um soldado propunham estudar para fazerem o primeiro ciclo, ou seja, o primeiro e o segundo ano, a fazer num só ano. Do nosso pelotão de trinta soldados, vinte e sete e três cabos, pelo menos, catorze, não tinham a quarta classe”. E dá-nos conta de como implantou o método mais adequado e obteve apoio do batalhão para adquirir livros. A vida em Canssissé podia não ser o paraíso, mas não havia flagelações, não se esquece de nos contar as desinteligências e até homicídios entre civis. Fizeram-se obras, apareceu o heliporto. E de Canssissé regressam a Nova Lamego. Continua a estudar e irá fazer exames no Liceu Honório Barreto.

A vida calma naquela região do Leste da Guiné vai conhecendo sobressaltos. Chegou a hora do pelotão do Matos provar uma mina anticarro, felizmente sem danos mortais. As coisas parecem complicadas em Pirada e Buruntuma. Foi o que aconteceu quando o pelotão do Matos foi até Cabuca, tudo parecia estar a correr bem, não picaram no regresso, uma mina anticarro rebentou no rodado da GMC.

Já se passou um pouco mais de um ano da sua comissão, como muitos outros autores ele vai acelerar a prosa, descreve sumariamente a ação psicológica nas tabancas à volta de Nova Lamego, os patrulhamentos, há depois o ataque a Nova Lamego, aparecem os mísseis, e o Matos vai dar instrução a pelotões de milícias em Contuboel, experiência que lhe agradou imenso. Ainda voltou a Cansissé, a comissão está praticamente no fim, já estão no Cumeré a aguardar embarque.

Concluída a viagem, frente ao Cais da Rocha do Conde de Óbidos, sente a diferença do que vivera dois anos antes:
“Não voltaram ao cais os familiares dos camaradas que lá perderam a vida. O desespero, os gritos e desânimo de quantos, há dois anos se vieram despedir, contrastava com a alegria incontida, em cada abraço que se multiplicavam no cais da nossa esperança”.

Igreja de Nova Lamego, Foto Serra, Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24799: Notas de leitura (1628): "Dos Sonhos e das Imagens, A Guerra de Libertação na Guiné-Bissau", por Catarina Laranjeiro; Outro Modo Cooperativa Cultural, 2021 (2) (Mário Beja Santos)