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sábado, 20 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21094: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (15): Os Carolos



1. Em mensagem do dia 8 de Junho de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez a história dos Carolos, primorosamente narrada.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 14

OS CAROLOS

- Ó primo, senta aí. Hoje vais ficar na Mesa Principal.
- Não. Como assim? Sabes que não sou nada neste mundo da cortiça. - protestei um pouco confuso.

Era o industrial Adérito Carolo, que estava duplamente feliz: com a presença a seu lado do seu filho Aldino, que representava ali o sogro, o grande industrial António Almada e, ainda, com a de outro grande, Álvaro Gato, (que obrigou a mais uma cadeira, por ter chegado mais tarde e porque tínhamos ocupado o seu lugar). Do grupo dos maiores, só faltavam ali o Amorim (que não se fizera notar nessa Gala Anual da Associação) e o Grupo Suber, que presidia à Associação e que, com as entidades oficiais, fazia as honras da casa.

A minha filha Ana havia assumido a maioria das quotas na nossa sociedade, com o objectivo de conseguirmos a aprovação de um projecto apoiado, destinado jovens empresários. (Claro que nunca o conseguimos). Apesar da nossa pequena dimensão, ela veio entusiasmada com o ambiente e a simpatia que lhe dispensaram.
- Ó pai, não percebi bem porque aquele senhor Adérito, te chamou primo.
- Ó rapariga, a história dos Carolos é uma coisa interessante. Vou tentar contar-te.
O Adérito é filho do António Carolo, mais conhecido por Tono Caçador. Gostava muito de cavalos, mas, ultimamente, andava mais de motorizada, na sua actividade de capador.
O Tono Caçador tinha vários filhos (seis), mas eram mais conhecidas as suas três formosas filhas.

Nos anos cinquenta, o negócio da cortiça estava em grande ascensão. Um filho de industrial rico, de Lamas, apaixonou-se por uma delas. Foi um amor bastante badalado. O rapaz ficou conhecido como o “Penico de ouro”, por ter presenteado a namorada com essa peça valiosa.
Casou pomposamente e logo criou uma empresa com o sogro, onde incluiu todos os demais familiares da mulher, como sócios. Com a experiência e o apoio do “Penico de ouro” e o orgulhoso e entusiasmado trabalho de cada sócio, a empresa cresceu exponencialmente. Lembro que o Adérito, mais velho uns dois anos que eu, trabalhou comigo na primeira empresa em que fui trabalhar, aos 10 anos e meio.Os dois irmãos mais novos foram estudar, para o Colégio dos Carvalhos; o Antoninho e o Carlos Alfredo. Não eram muito inteligentes e, como viviam à fartazana, nada ligavam ao estudo.
O Antoninho era muito vaidoso e andava sempre de nariz levantado e cara de importante. O outro, o mais novo, só queria brincadeira. Gozava com tudo e mais ainda com a escola. O Antoninho, logo que pôde, meteu-se no escritório, enquanto o Carlos Alfredo ainda penava, a fazer que estudava e nada aprendia. Andava quase sempre arranhado pelos constantes acidentes de motorizada.

Com 18 anos e comportamento de menino rico, apetrechado com carro e roupas do melhor, o Antoninho procurava namoradas compatíveis com as suas exigências e ambições.
O Antoninho, que era da minha idade, “comprou” a tropa, alegando, em tons de gozo, sofrer do “calcanhar de Aquiles”, justificação que, aliás, apontava para o seu fraco rendimento de jogador de futebol na equipa de Lourosa, que era patrocinada fortemente pela empresa. Casou com a moça mais linda da freguesia vizinha, por sinal, boa rapariga e de gente de bem e… de bens.
O Carlos Alfredo, desistiu de estudar. Tinha vergonha da chacota que os colegas lhe dispensavam. Dentro da fábrica, entusiasmou-se com as várias operações que a confecção das rolhas obrigava, vindo a ser um expert na matéria. O Carlos vivia intensamente. Dentro ou fora da fábrica arrastava energia atrás de si. Aloirado, de olhos claros e sempre sorridente, encantava as miúdas. E, quando aparecia de descapotável junto às praias, elas pareciam moscas à volta dele.

Em 1967, a Guerra do Ultramar estava numa fase difícil e o Carlos não conseguiu livrar-se, à primeira, de ser apurado para o serviço militar. Mexeram os cordelinhos bem untados, mas só ao fim de uns 10 meses de tropa, conseguiu baixar de vez ao Hospital Militar, vindo a livrar-se. Foram 10 meses em beleza, vividos à grande na cidade de Lisboa. Levou um bom carro e, com o “forte carinho” dos familiares, embrenhou-se em ambientes de aparente Jet Set. Nas divagações da noite, conheceu uma lustrosa moça da zona de Cascais, que o fez sentir-se galã e responsável por uma relação …séria. Após mais umas tantas viagens forçadas e umas promessas de amor eterno, casaram. Viviam muito bem numa bela mansão que ele mandara construir, perto de Espinho e do Porto, por forma a usufruir um bom nível de vida familiar.
Foram anos faustosos para toda a família. Com os casamentos consagrados por maior ou menor interesse, mais forte ou menos fraco “amor eterno”, nunca se assistiu à exuberância de tanta felicidade. Ainda hoje se podem ver, reluzentes, algumas das suas moradias similares, alinhadas, à face da rua principal da vila.

O Adérito que fora, dos três mais novos, o primeiro a casar, andou lá por Fiães, junto à igreja e à JOC, até conquistar a mulher dos seus sonhos. Sempre moderado e simpático, transmitia optimismo e confiança. Todos gostavam dele. Por sinal, não foi só ele que vi fazer-se, pontualmente, um religioso fervoroso. Uns 15 anos mais tarde, o Adérito, apercebendo-se da “enorme nau” em que a empresa se transformara, numa de humildade, chegou a acordo com os irmãos, que lhe compraram a quota. Depois montou uma pequena fábrica, onde eu tive a oportunidade de o contactar. Vivia feliz com o “pouco” que dizia ter. O filho fora estudar gestão e vivia ansioso por se desenvolver no ramo da cortiça. E assim aconteceu. Só que o rapaz veio a casar com a filha de um dos maiores industriais da cortiça, o António Almada. E era na qualidade de representante do sogro que estava ali, orgulhosamente, na mesa, ao lado do pai. Eles, que me acompanhavam naquela “coisa” da canoagem, por isso se fartaram de te fazer perguntas sobre esse tema, em que tu, uma Campeã, também tinhas muito que contar.

Entretanto, a Anabela, uma filha do Antoninho, que era uma fotocópia melhorada da imagem da mãe, incitada pelos pais, começou a namorar com o filho do “Rei do Ferro”, um homem que se enchera com os seus negócios escuros conseguidos sub-repticiamente na altura do “controlo operário” da Siderurgia Nacional. Dada a empatia criada entre estas duas famílias, o casamento dos jovens seria a chamada “cereja no topo do bolo”.
Marcaram o casamento e foram efectuados os numerosos convites a tudo que era socialmente destacável naquela região de Santa Maria da Feira, Espinho e arredores. E, nesses “honrosos” convites, pedia-se vestimenta a rigor, incluindo o “charmoso” chapéu de coco.

Os modelos em voga

Só que, enquanto se encenava o mais formal dos desfechos de uma relação pró conjugal, aconteciam outros relacionamentos de proximidade pouco oportunos. É que a bela rapariga nunca eliminara de todo a sua paixoneta por um rapaz, o Luís, meio perdido pela droga, que conhecera, ainda adolescente, na Escola de Fiães.

As modelos em voga

Nunca se vira casamento igual. Carros topo de gama, farpela à maneira e vestidos do último grito. Não sei se Hollywood poderia competir com coisa assim.

Os carros em moda na alta roda

A cerimónia estava marcada para as 11H00 e era já quase meio dia sem a noiva aparecer. Não era normal tanto atraso, mas como se tratava de um casamento de outra dimensão, parecia que o atraso fazia parte dessa excepcional grandeza. Telefonemas para um lado e murmúrios para o outro, mas, quanto à verdade, nada se sabia. Até que o Senhor Antonino avisa que não há casamento, porque a noiva… desaparecera. Foi uma bomba!

E agora, que fazer aos chapéus?

O seu parceiro, preocupado, pergunta-lhe:
- E agora, está aqui a malta toda emproada, feitos pavões e de chapéu à maneira, que vamos fazer?
- Que se fodam lá os chapéus! Olha, vamos mas é todos comer e beber à puta d’alma, porque a despesa já está feita e este mundo são dois dias.

Não havia nada a fazer, o rapaz de “mau porte”, passara lá de madrugada e levou a noiva numa motorizada, não se sabia para onde.
Grande nau, grande tormenta. A Empresa Corticeira fartou-se de dar dinheiro. Mas quando se verificou que as despesas (e os desvios) aumentavam e as receitas nem por isso e que os encargos se avolumaram em toda a linha, teve início a uma crise, também agravada pelo menor fulgor neste sector industrial. Em pouco tempo tudo se comprometeu e todos tentaram safar-se. Porém, os que mais se assumiram (os quatro que compraram as quotas) ficaram hipotecados à banca, que lhes foi comendo os valores.
Foi tudo à falência. Valeu ao Antoninho, os valores da mulher que não estavam sob hipoteca. O “Penico de ouro” também estava salvaguardado parcialmente, pela empresa do pai. O Senhor António Caçador até perdeu a casa, porque tinha apostado tudo naquele projecto. O Carlos Alfredo ficou também sem casa e sem nada. A mulher, que tanto gastara e tanto gozara, fugiu para Lisboa, deixando os dois filhos já moços, às custas do pai. Os filhos mimados e o pai meio aburguesado, não viam maneira de se defenderem. Foram anos de desespero para eles. Valeu ao Carlos Alfredo a sua capacidade técnica nos mais variados serviços. Sem instalações e sem máquinas minimamente adequadas, ele inventava esquemas incríveis para se desenrascar nesses chamados “serviços especiais”.

Apareci por essa altura e até fiquei prejudicado, devido às habilidades de um dos filhos. Dormia no Pavilhão de trabalho e mandou os filhos para a casa do avô, enquanto não entregou a casa. Mais tarde, ele, já sem os filhos, e com outras capacidades, pediu-me que voltasse a dar-lhe serviços. Efectivamente, não lhe faltavam máquinas nem espaço para trabalhar. Tinha mais serviço. Conseguira entrar como fornecedor no Grupo Amorim, mas receava ficar preso ao alegado comportamento monopolista desse grupo.
Tivemos um bom relacionamento nestes últimos anos. Ele recuperou a estabilidade e voltou a exibir o seu largo sorriso. Estava escaldado de todo o tipo de relacionamento e muito cru em desenvolver novas amizades. Nesta fase, já ele andava com um moderno Mercedes, comia e bebia do melhor, tal como já o fizera noutros tempos. Bebia já de manhã. Por vezes tomávamos o primeiro cafezinho juntos e ele nunca dispensava um bom whisky. E lá recordava ele, bem-disposto, em jeito de intimidade:
- As nossas avós deviam ser umas putas de primeira. Coitadas, vieram lá de “casa do caralho mais velho”, nos tempos de fome e guerra e andaram por aí à balda.
E eu, acrescentava:
- E ninguém diz que teriam sido casadas. O que eu sei é que a minha avó teve três filhos de pais diferentes.
Voltava ele:
- A minha teve dois e também não teve marido.

Lembro que quando a minha Mãe Bia faleceu eu era, ainda, criança. Sei que ela trabalhava para o Azeiteiro da Feira dos Dez, onde nasceu o meu pai. Era magra, morena e muito reservada. O que mais me chamava a atenção era vê-la sentada em pose, muito calma, a beber café/cevada (que me oferecia sempre) e a… fumar. Coisa raríssima naquele tempo: mulher pobre a fumar.
Um dia, vejo o Carlos Alfredo menos receptivo e a dar sinal à “empregada” para me atender. Era a Lina, uma senhora bem vistosa, de uns 50 anos, que me segredou:
- A cabra da mulher, voltou e ele anda desanimado.

Quase a chorar, a Lina queria desabafar e lamentar mais uma vez a sua triste sina. Disse-lhe para ter calma e deixei-lhe a orientação do serviço que desejava e afastei-me.
A Lina era uma linda loira de sorriso reservado, de olhar calmo e comportamento introvertido. Aos 16 anos sentia uma certa atracção por um rapaz da JOC que era mais velho uns 4 anos. O Arlindo, o tal rapaz, também de Sanguedo, foi mobilizado para a Guiné. A Lina sentiu que teria que se aproximar mais dele e, num Domingo, à saída da missa das 11H00, abeirou-se dele, a desejar-lhe boa sorte e deixou-lhe o recado:
- Olha, se precisares de Madrinha de Guerra…

Não levou um mês para que a Lina recebesse uma carta agradável do Arlindo. Ela entendeu esse contacto como uma importante decisão nas suas relações. Esse relacionamento aproximou-os mais. Quando, um ano depois, ele veio gozar férias e teve alguns encontros com ela, eles culminaram com alguns abraços e beijos mais avançados. Ela sentiu-se “comprometida” e interiorizou a condição de fiel namorada. Escreveram mais vezes e em modos mais apaixonados.
O Arlindo regressou da Guiné logo em Maio, após o 25 de Abril. Vinha eufórico. Feliz por ter terminado a comissão de serviço na guerra, feliz por a guerra ter terminado e muito feliz pela sua situação amorosa.
A oferta feminina era grande e a Lina, afinal, não era a única madrinha nem a única namorada. O Arlindo, perante a situação de engatatão, teve que tomar opções sérias. E como a Lina, parecia a mais apagada das suas conquistas, ele deixou-se embalar por outros sonhos. Se a Lina era reservada e introvertida, a partir dali, ainda mais ficou. Sofreu muito com essa desilusão e “escondeu-se” na igreja, chegando a parecer mais devota que a Stª. Teresinha do Menino Jesus. …

Tinha ido trabalhar para a Empresa Corticeira, onde acompanhou de perto a sua maior ascensão e a sua queda. E quando o Carlos Alfredo lutava para sobreviver e tinha sido abandonado pela mulher, sentiu-se na obrigação moral de o ajudar. Chegou a sacrificar o seu salário, para o auxiliar em situações aflitivas.
Um dia, ela disse que tinha que ir a Fátima a pé, para cumprir uma secreta promessa, tal como nos outros anos. Só que ele estava apertado com o serviço e precisava dela. A Lina, ciente da situação, lembrou-se de ir falar ao Padre Abílio e expor-lhe o assunto.
Ele, condescendente, disse-lhe:
- Ó rapariga, andaste a cumprir a promessa pela salvação do Arlindo na guerra, mas ele casou com outra. Já há uns anitos. Isso demonstra bem que és uma fiel criatura de Deus e que mereces ser mais feliz. Olha, não deixes de ir a Fátima, mas não precisas de ir a pé. Vai à minha responsabilidade.

No dia seguinte, a Lina confessou ao Alfredo que o padre lhe dissera que poderia cumprir a sua promessa indo de viatura.
- Ó Lina, se eu te levasse a Fátima e te trouxesse de seguida, tu aceitavas?
Ela pensou e respondeu-lhe:
- Vamos, mas eu vou ver se arranjo alguém para ir comigo, percebes? Podemos ir a tempo da Procissão das Velas e virmos embora.

Partiram já da parte de tarde daquele dia 12 de Maio. Como ela não levou companhia, ele perguntou-lhe porquê.
Ela respondeu-lhe:
- Afinal, já não tenho nada a perder, uma vez que nunca cheguei a ganhar nada. Já perdi o melhor tempo da minha vida. Resta-me continuar a viver de bem com Deus.

Seguiram o programa dela. Por ele, viria embora logo após a Procissão das Velas. Porém, ela sugeriu:
- Podíamos ficar para amanhã e assistir ao “Adeus à Virgem”, até porque a esta hora, iríamos perder quase a noite toda na viagem. Que achas?
Arranjaram uma pensão nos arredores de Fátima, no único quarto que havia de vago. Mesmo assim, ele pensou em dormir no chão, para dar a cama à Lina.

A Lina cumpria promessas em benefício alheio.

Foi uma noite de muita conversa e muita aproximação. Finalmente, ela falou abertamente. E confessou que já há muito tempo que sentia essa aproximação por ele. E que sentira sempre revolta por ver a sua mulher a tratá-lo tão mal. Não se aproximara mais dele porque, com a desilusão que sentira com o Combatente Arlindo, a levara a prometer nunca mais querer saber de homem algum. Além disso, o Carlos continuava casado. Desde então, viveram de forma diferente. Ele mantinha as aparências de um viver discreto, mas que acabou por aumentar a sua assiduidade nas pernoitas em casa da Lina.”

************

Quando voltei à fábrica do Carlos, para receber a mercadoria, apercebi-me de uma senhora, de cabelos engalanados, presos por um lenço, para se proteger da finíssima camada do pó das rolhas.
- Que se passa, Carlos, quem é essa senhora?
Ele respondeu prontamente:
- É a filha da puta da mãe dos meus filhos, que veio cá acima ver se colhia mais alguma coisa. Olha que ela deu-se ao desplante de querer trabalhar, para mostrar a sua “humildade”, agora tantos anos depois. Nem se lembra que ainda estou fodidinho, controlado por Finanças, Bancos e Tribunais, devido à falência da Empresa Corticeira.
E continuou:
- O que vale é que ela já disse para lhe arranjar algum dinheiro, para voltar para Lisboa. Vou ver se a despacho ainda amanhã, porque no Sábado quero ir para a beira-mar, para Paramos e almoçar uma “parrilhada de peixe” no amigo Orlando com a minha Lina. Essa sim, é uma mulher de cinco estrelas! Coitada, tem sofrido tanto que nunca será recompensada como merece!

A Parrilhada do “Camarada” Orlando é um espectáculo!

Passei a vê-los habitualmente felizes, especialmente da parte de tarde, depois de ele ter complementado bem o almoço com o indispensável digestivo. No ano passado, ele teve uma recaída da sua doença pulmonar e deixou de trabalhar. Lá me desenrasquei com uma alternativa. Porém, umas semanas mais tarde, telefonei, a saber se já havia recuperado. Atendeu a Lina, a chorar:
- Ó Senhor José, o meu Carlos já morreu. Nem lhe disse nada, para não o entristecer. Estou para aqui desolada, a sofrer este desgosto. Éramos tão felizes!


Uns 15 dias depois, telefonámos-lhe a convidá-la e passámos por sua casa. Fomos almoçar ao Casarão de Paramos. O patrão esmerou-se em elogios ao casal que costumava ocupar aquela mesa do lado do mar.
A Lina chorou mais uma vez. Porém, senti que lhe havíamos dado uma alegria que, por certo, iria suavizar a sua dor. No final, ela pegou na rosa vermelha que ornamentava a mesa e disse:
- Ó Senhor Orlando, vou levar a rosa que o meu Carlos costumava oferecer-me.

E mais à saída, virando-se para mim, murmurou em tom saudoso:
- Sabe, Senhor José? Ele ficava tão amoroso depois de beber um copito.

Notas:
1 – A Anabela e o Luís, que fugiram na motorizada no dia da grande boda, fizeram uma família muito feliz. Possuem uma cadeia de lojas de Moda.
2 – O Antonino continua a aparentar muita importância. Anda sempre de Mercedes, pasta preta e óculos escuros. Interpelado, em casa, pelos agentes de execução, respondia jocosamente: - Estou para aqui desterrado nesta quinta, onde vivo da caridade da minha filha. Não tenho nada em meu nome. Roubaram-me tudo.
3 – Há dias vi a Lina a sorrir, numa foto do facebook, com uma criança ao colo e os dois filhos do Carlos ao seu lado, com as respectivas mulheres. Afinal, esta é que é a verdadeira mãe que sempre tiveram.
# - Esta história é fictícia. Porém, como assenta em factos reais, pode descrever algumas coincidências.

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

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sábado, 13 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21072: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (14): Pequenos caprichos - II: Concurso Provincial de Angola

Pedras Negras de Pungo Andongo


1. Em mensagem do dia 3 de Junho de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, mais uma a relembrar os seus bons tempos vividos em Angola


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 13

PEQUENOS CAPRICHOS II

Concurso Provincial de Angola

Ainda saboreávamos a aventura do concurso de pesca de Santo António do Zaire, e já se falava na representação Cabindense a participar no Concurso Provincial, a realizar junto à Praia da Caotinha, entre Lobito e Benguela. E, modéstia à parte, apostava-se muito numa participação honrosa. Éramos 3: os irmãos Neves (Campeões de Badmington) e eu.

Fomos apetrechados do melhor que havia. Boas canas (e fortes), fio especial e chumbeiras de modelos estudados/alterados, fundidas nas Oficinas Gerais. E mandei fazer uma mala, tipo caixão, de madeira pau-santo, cheia com um bloco de esferovite, com espaço vazio adaptado para o encaixe da cana e seus apetrechos. Ah! E estreámos umas camisas alusivas ao povo Fiote de Cabinda.

Quando o motorista do Mercedes Presidencial nos levou ao aeroporto, teve o cuidado de me transmitir que o Senhor Presidente mandou dizer que todos os dias enviasse informações, via telex.

No aeroporto fomos elucidados de que o pesadíssimo caixão não era necessário e que nos garantiam os necessários cuidados com o manuseamento de todo o material desportivo.

De Luanda para sul, seguimos em autocarro especial, com grande número de participantes, fiscais e dirigentes. Lembro-me bem de ter visto aquelas enormes fazendas, bem trabalhadas e visíveis ao longo da estrada.

Também me lembro que seguimos um percurso por forma a visitarmos alguns pontos de maior interesse. É pena que a minha memória, hoje, não possa especificar melhor esses importantes locais. Uma coisa fixei bem: as Pedras Negras do Pungo Andongo. Belas, gigantes e misteriosas, elas são património paisagístico invulgar.

Pedras Negras de Pungo Andongo

Por aqui, na região de Pungo Andongo, é bem marcante a imagem da Rainha Ginga, a quem atribuem (erradamente) as suas pegadas nas rochas. Reinou com forte oposição aos portugueses, entre 1620 e 1680 (data da sua morte)

Uma imagem da Gabela

A Restinga do Lobito é deslumbrante

Voltei ao sul de Angola e aqui, em Benguela, cheguei a assistir a um filme neste anfiteatro ao ar livre

Nunca tinha assistido a um frenesim igual. Corria-se de um lado para o outro, numa excitação invulgar. Parecia que algo de transcendental estava para acontecer. Fomos assistir (de longe) ao sorteio, na reunião de delegados. Alguém pôs a questão de que não havia isco nem peixe para fazer engodos. Tanto no Lobito como em Benguela, haviam “esgotado/açambarcado/boicotado” todo o pescado. Alguém, do Lobito, teve pena de nós e deu-nos 2 sardinhas para os três pescadores.

Foi neste local que organizaram o concurso, talvez escolhido pela sua singela beleza e não pelas desejadas condições para a pescaria.

Quando chegámos ao local, nem queríamos acreditar. Tudo nos surpreendeu e tudo nos correu mal.

Íamos a pensar em pescar peixes grandes e ao fundo, mas logo notámos ser impossível. Via os concorrentes a pescar peixinhos pequeninos na margem e não acreditava. Pensei que com os meus lançamentos para longe, iria naturalmente apanhar algum peixe de jeito. Enganei-me redondamente. As águas eram baixas e cheias de rochas, onde sempre se prendiam as chumbeiras.
Quem assistia, até ria do nosso esforço.
Lá foram as chumbeiras e as sardinhas. Desistimos e fomos assistir à luta dos outros.

Precisamente no pesqueiro ao meu lado direito, reinava o vencedor. Comodamente sentado, trabalhava com uma cana comprida, com fio 0,16 e um pequeno anzol. Nem utilizava o carreto. Levantava a cana e um dos seus TRÊS colaboradores metia o berbigão no anzol. O pescador deixava-o cair entre o cardume em luta, devido ao constante bombardeio de engodo, lançado por outro colaborador. O peixe era recolhido pelo mesmo que metia o isco. O outro colaborador fazia a ligação com o pequeno camião, carregado de material. Havia mais 6 colaboradores que trabalhavam com os outros dois pescadores da mesma equipa. Em pequenos intervalos, um deles, preparava pormenorizadamente outra cana, para possível troca imediata.

Fomos assistindo, conversando e sempre em tons amistosos. Por volta das 11h15, o pescador, oriundo da região de Aveiro, resolveu entrar numa de camaradagem e ofereceu isco igual para eu poder também pescar. Lá me adaptei o melhor que pude, até porque seria difícil pescar sem lançamento e sem chumbo, porque o meu fio era 0,55 e não corria. Bem, o certo é que ajustei de tal forma o meu esquema que passou a dar bons resultados. Quando soou o apito final ao meio dia, eu tinha tirado 62 peixes. O vencedor, meu vizinho, que ganhou com 221, interpelou-me com um sorriso amarelo:

- Foda-se, se lhe tenho dado o isco mais cedo, você ganhava!

************

Nota: - O homem, que demonstrou ser muito competitivo, já era idoso e apoiava-se fortemente nos colaboradores.

Ah! Mas ainda consegui ficar num “honroso” “cagagésimo” 6.º lugar.

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

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sábado, 6 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21049: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (13): Pequenos caprichos - I : Concurso de pesca na Foz do Rio Zaire

Ponta do Padrão S. Jorge na Foz do Rio Zaire


1. Em mensagem do dia 18 de Maio de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, a segunda relembrando os seus bons tempos vividos em Angola


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 12

PEQUENOS CAPRICHOS - I

Todos os caprichos são pagos. Uns mais que outros.
Uns valem bem o que custam e outros nem por isso.
No entanto, é através deles que nos ultrapassamos, nos satisfazemos ou nos vangloriamos. Por outro lado, os caprichos são valorados conforme as suas circunstâncias e as suas possibilidades.
Adiante, que também não tenho a pretensão de filosofar.

Concurso de pesca na Foz do Rio Zaire

Desde que cheguei a Cabinda, foquei logo a pesca como tempo de lazer. Sozinho ou acompanhado pela minha Mulher, acabei por me relacionar com outros que comungavam do mesmo prazer. O grupo foi-se alargando com a mobilização para convívios. Não levou muito tempo para organizarmos concursos.
O entusiasmo dos concursos de pesca acentuou-se e tornou-se notório, chegando a merecer transmissões em directo pela rádio. (Não havia televisão…)
De sucesso em sucesso e com a colaboração da Delegação da Direcção Geral dos Desportos, fomos experimentando as praias ao longo da costa Cabindense e, até, as lagoas no interior.

Um dia, querendo ir mais além:
- Porque não irmos a Santo António do Zaire, atravessar o rio e participar lá num concurso?

Partimos de madrugada, num rebocador da firma Montez & Newman, para fazermos aqueles 60 quilómetros de costa congolesa.

Os pescadores de Cabinda foram de rebocador a Santo António do Zaire, participar/colaborar num concurso

Tudo normal, até que nos apareceu aquela corrente monstruosa vinda da foz do Rio Zaire, com o maior caudal do Mundo. Indescritível, sentirmo-nos tão pequeninos naquela diminuta “casca de noz” de 35 metros, a subir e a descer aquelas montanhas de água em movimento. Quase toda a gente vomitava, mas eu não me distraía a olhar as águas. Sentadinho na borda e bem agarrado, olhava bem para longe, seguindo a experiência de anteriores navegações. Porém, o meu amigo Carlos Guerra veio ao meu encontro, cambaleando, mas bem agarrado, sentou-se na minha frente e, já esgotado de tanto sofrimento e a afagar a barriga, diz-me:
- Estou “fodidinho” de todo. Nunca me senti tão enjoado em toda a minha vida.
Aí “explodi e sulfatei” tudo o que havia à volta. Foi uma pena, porque já não faltava muito para chegarmos.

Havia uma equipa de repórteres da Rádio Clube de Cabinda que, perante a dúvida de conseguirem entrar em directo a partir de bordo, mas com a certeza do que iria acontecer, deixaram na sede uma gravação simulando o tal “directo”. E “em cima do acontecimento”, transmitiu: “ …neste momento, a viagem está a ser difícil para as mulheres, que estão todas enjoadas e em sofrimento. Por acaso nós, os homens, estamos a saborear bem este doce embalar…”.

Padrão de S. Jorge na Ponta Padrão da Foz do Rio Zaire, assinalando a chegada de Diogo Cão, no ano de 1482. A largura do Rio Zaire, na sua foz é tão grande que não se vislumbra a outra margem. Diogo Cão flectiu para o interior, convencido de ter atingido o ponto mais a sul de África (Cabo da Boa Esperança).

Os pescadores de Cabinda não faziam ideia do tamanho dos peixes que passam pela foz do Rio Zaire.
Colocadas as canas na praia, aguardámos a subida da maré e a consequente entrada dos peixes. E, quando isso aconteceu, foram vários os pescadores que ficaram sem fio e outros sem a cana. Nem dava para lutar com os peixes. Eles levavam tudo.
Valeu-me o facto de ter um fio grosso (especial 90), com tenso de aço. Eu estava bem seguro e com o alicate cortante à mão para não ficar sem cana. Sobravam poucos metros para além das ondas e da praia. E, por isso, não podia atirar para muito longe.
Os pescadores locais, foram tirando alguns peixes: corvinas, sapudos e raias. Tudo isso dava pouca pontuação. Todos se queixaram que fora um dia de pesca para esquecer.
Diziam: - Hoje não deu nada.
Fisguei um pargo e não o larguei mais. Era relativamente pequeno (14,2Kgs) mas tinha uma pontuação elevada. E foi por isso que venci o concurso.

No final, quando vínhamos pesar o peixe, já se sabia quem ia ganhar.
Oiço o repórter, no seu directo:
- Ganhou o do costume (eu já tinha ganho 2 concursos, na altura como atleta da Rádio Clube de Cabinda). Foi aquele atleta que nos trocou pelo Clube da Câmara Municipal. Mas isto não vai ficar assim, porque a RCC ainda não recebeu o dinheiro da transferência.

Primeiro triunfo na Pesca


Quando Campeão de Cabinda, fui felicitado pelo Governador Brigadeiro Themudo Barata.

Equipa da Câmara Municipal de Cabinda com o pargo de 14,2Kg que nos deu o 1.º lugar em Santo António do Zaire

No banquete organizado/oferecido pelo Governo Civil de Santo António do Zaire, recebemos os prémios e lindos discursos assinalando o evento inédito.
Já no regresso, noto algumas ausências. Entre elas, a dos repórteres da RCC.
Perguntei por eles e informaram-me: - Ficaram tão acagaçados que preferiram ficar cá até que haja avião para Cabinda.

(Continua)

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

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sábado, 30 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21024: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (12): Feliz em África - II (e sem filmes)

Foto de Belarusangola


1. Em mensagem do dia 18 de Maio de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, a segunda relembrando os seus bons tempos vividos em Angola.[1]


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 11

Feliz em África (e sem filmes)

Quando o meu filho Ze-tó fez 2 anos (Out1973), fizemos uma festa. Foi um sucesso! Ele era muito querido em toda a cidade e nós também gozávamos de muita simpatia. Ao fim da tarde cruzei-me com um furriel meu vizinho de Lourosa (Isaías da “Faroleira”), a quem “obriguei” a juntar-se à festa. Ele, relutante, afirmava que tinha de ir na coluna militar, lá para os lados de Buco Zau, junto à fronteira de Sangamongo (?) com o Congo-Brazaville. Meti-lhe na cabeça que, depois, o iria levar lá. Ele ficou, mas muito preocupado como havia de justificar-se no quartel. E, já “meio-embriagado", foi ficando até ao fim.

Um triciclo imposto antecipadamente pelo aniversariante

Eram cerca das 4 da madrugada quando o fui levar. Quando estávamos a chegar, já com raios do amanhecer, ele despertou para a realidade. Ainda lhe custava acreditar na aventura de o ter ido levar, àquela hora e sem coluna militar, para “um dos lugares mais perigosos da guerrilha no enclave de Cabinda”. Para lá, não cruzámos com qualquer carro, mesmo militar, ao longo de mais de 200 Kms.


Durante essa festa do 2.º aniversário do Ze-tó, o amigo Vinagre (Topógrafo da Câmara), estava eufórico. Tinha conseguido recentemente, o Brevet de Piloto Aviador e não falava noutra coisa. Precisava de fazer horas de voo e procurava companhia (sempre recusada) para essa missão. Eram já umas 3h30, perante as insistências da sua mulher em levá-lo para casa (pois não queria que ele conduzisse “naquele estado”), que me vejo, descontraidamente, a selar um acordo com o Isaías (o furriel meu vizinho que eu retive para a festa) de que no Sábado seguinte, iríamos, de avião, visitá-lo ao quartel, a norte de Buco Zau, para tomar um whisky no bar da messe.

No cimo da península do Malembo, onde viria a possuir terreno e projecto (em elaboração) para moradia balnear

Mesmo sem influências do álcool, o Vinagre tinha uma personalidade controversa. Vivia intensamente à sua maneira e pouco ou nada ligava ao considerado política ou socialmente correcto. Apaixonado pela vida nocturna, onde muitas vezes se descontrolava, montou uma suite em sua casa à semelhança da boite “Oásis do amor”.

E lá fomos. Foi o avião mais pequeno em que andei em toda a minha vida. Já não me lembro se atrás podia levar mais uma ou duas pessoas. O certo é que “aquilo” subiu e se manteve lá no alto, a planar sobre o mar, para além das praias do Malembo e de Landana. Logo de seguida, alinhados pela foz do Rio Chiloango, virámos na direcção do Maiombe.

Baía do Malembo

Praia de Landana

Rio Chiloango. Foto de Cabinda Buala Buitu

Durante a viagem, recebi aulas contínuas sobre aquela arte de navegar.

Pelas coordenadas, já devíamos estar sobre o objectivo, bastante a norte de Buco Zau, zona de Sangamongo. A transmissão via rádio foi difícil, mas deu para perceber que a pista estava entre o aquartelamento e uns coqueiros, no seu horizonte. Demos umas voltas e notámos um espaço sem árvores, paralelo a um rodado de viaturas. Mas tudo verde, sem terraplanagem de pista.

Entretanto, fomos avisados de que a pista era paralela à fronteira e que não devíamos atravessar esta. Pior! Já o tínhamos feito por duas ou três vezes à procura da pista. Avistámos movimentação das tropas a montarem a segurança ao longo do trilho. À terceira tentativa, lá conseguimos aterrar no capim sem embater nos coqueiros.

Conduzidos ao aquartelamento, demos a informação ao Furriel Isaías da Faroleira de que os pais me haviam telefonado dizendo que “a sua irmã havia fugido de casa com o namorado, à revelia dos pais. Mas para ele não se afligir”.

Ainda tenho presente a preocupação do Oficial de Dia que explicava ao Vinagre o perigo de termos atravessado o espaço aéreo do IN, enquanto ordenava que se atrasasse o almoço, por mais 30 minutos. Entretanto, eu manifestava a minha solidariedade, compatível com a cara triste do Isaías, encostado ao balcão do Bar, ao mesmo tempo que bebíamos o tal whisky prometido.

À caça, a norte de Cabinda, como acompanhante. No centro, o empreiteiro senhor Claudino, o tal que, já com 40 anos de África, não voltou ao “puto” (Portugal) – “porque não se havia esquecido de nada”.

Uns anos mais tarde, fomos ao casamento do Isaías. Ele procurou-nos em Crestuma e fez questão que nós fossemos. Conforme me tinha pedido, filmei todos os detalhes desse evento, desde a saída da casa dos noivos até à foto geral, na porta principal da Capela da Srª. da Saúde dos Carvalhos. Prometi preparar o filme com música e tudo o mais, próprio de cineasta amador, especializado em… Áfricas.

Na boda, tive a oportunidade de ouvir, de um seu familiar, a narração de um acto heróico, em que o Isaías numa noite, atacado pelo IN que quase havia invadido o aquartelamento. O pequeno grupo do Isaías, ao contrário dos outros, não fugiu, e, quase sozinho, conseguira ripostar ao IN.

Recentemente, num contacto de interesse comercial, estive com um filho dele, que me falou do pai e dos seus problemas de saúde. Fiquei a saber que ele ficara muito afectado psicologicamente devido às torturas que sofrera nos meses em que esteve prisioneiro no IN, antes de ter conseguido fugir.

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Notas:

1 – Confirma-se que todos os combatentes da Guerra do Ultramar se consideravam mal em tempos de guerra; tenha sido no mato ou na cidade, em combate ou no melhor bar de zona citadina. Do que não havia necessidade era de se criarem tantos filmes, especialmente os da excessiva e ridícula valentia.

2 -Não sei o que se passou que perdi o filme do casamento. Disso, senti sempre algum desconforto nas nossas raras relações. Mas, depois de saber doutros filmes, aliviei, pensando: - Com tanta imaginação, nem é preciso qualquer registo de imagens

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 16 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20980: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (10): Feliz em África - I (em jeito de biografia)

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sábado, 23 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21002: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (11): O Bando festejou mais um ano

1. Em mensagem do dia 27 de Abril de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, dedicada ainda ao confinamento.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 10

O Bando fez mais um ano


“Num te mexas beilho, não.
Nem gozes a bida, não.
Bais ber o que perdeste,
Ou a merda que fizeste.
Já foste, ó meu Morcão!”

(autor desconhecido)

No final de cada ano, cada individuo devia fazer uma retrospectiva e destacar quais os melhores dias que passou. Pelo que tenho observado, poucas são as pessoas que ultrapassam o registo do número dos dedos de uma mão.

Felizmente que nem eu nem os meus principais amigos pertencemos a essa multidão de morcões que espera pacientemente pela sua “boa horinha do Senhor”.

Ora aqui está uma boa razão para manifestar a minha satisfação por ter vivido mais um ano de alegrias e de bons convívios. Dentre eles, terei que destacar as oportunidades bem vividas junto do nosso Bando.

Com o Bando, saboreamos boa camaradagem, boa amizade e a boa gastronomia, cultivamos os conhecimentos e promovemos o bom-viver.

Visitámos os lugares mais lindos, os mais históricos e os mais sagrados. Apreendemos o nosso Património, revivemos as nossas raízes e recordamos as nossas tradições.

Quinta Sr.ª da Graça

Com o Bando, tanto olhámos deslumbrados o nosso Douro (Vila Real, Régua, Mogadouro, Pocinho, etc.) como convivemos nas fraldas do Barroso, nas encostas do Alvão e do Marão, nas vinhas de Penafiel e da Sr.ª da Graça, nas escarpas da Senhora do Salto e da Serra do Pilar, nas praias do Litoral, nos jardins do Bom Jesus de Braga, de Aveiro, de Ponte de Lima ou no “presépio” de Crestuma.

Galafura - Douro

O Bando assalta o Castelo do Mogadouro

No Big Beef

Com o Bando, fomos ao Museu do Douro, Museu dos Clérigos, Museu Militar, Museu do Gramido, Museu Vivo dos Combatentes, Museu do FCP, Parque Biológico, Jardim Botânico, Museu do Infante, Museus de Vila do Conde, Museu das Conservas da Murtosa, Museu do Montesinho, Museu dos Pescadores de Espinho, Museu Souza Cardoso de Amarante, a Nau Quinhentista, o Isqueiro da Maia, etc., etc..

Na Nau Quinhentista e outros Museus de Vila do Conde

Com o Bando, relembrando os nossos camaradas, fomos ainda ao RAP 2, ao GACA 3, ao Dia do Combatente de Gondomar, ao 10 de Junho de Crestuma e ao 25 de Abril na Régua.

No GACA 3 - Espinho

Com o Bando, percorremos os lugares mais típicos e mais simbólicos da nossa mui digna Cidade Invicta (o Porto, pois claro!), Património da Humanidade. Aqui, cabe referir que beneficiámos da companhia do Bandalho Jorge Portojo, mais que “Doutor” a falar sobre a História Tripeira. Ribeira, Banharia, Sé, S.Bento, Fontaínhas, Batalha, Aliados, Bolhão, Campo 24 de Agosto, Antas, Areosa, Carvalhido, Boavista, Campo Alegre, Palácio, Caldeireiros, Massarelos, Foz, Alfândega, Infante, etc., etc., são pontos de referência permanente e cheiinhos de Histórias. E, no que toca a nomes, ele discorria facilmente sobre as personagens mais sonantes do burgo portuense e arredores. Dava gosto ouvi-lo quando lembrava as origens do Porto e de Portugal, os seus donos na Idade Média, o Infante D. Henrique, a fauna fluvial do Rio Douro, a Ferreirinha, as guerras, as revoluções, os Bispos, o Camilo, o Eça, o Alexandre Herculano etc., etc..

O Portojo gozando das imagens nas alturas (e dos digestivos), no “17º.” do Hotel D. Henrique

E, por fim, em jeito de Almoço de Natal, já fomos contemplar o Porto, através da panorâmica disponível no Restaurante 17.º, do Hotel D. Henrique, fomos à Taberna do Rústico e à Quinta do Costa.




Também com o Bando, saboreámos os melhores petiscos da região nortenha. Seria injusto se não lembrasse:
- O Cozido Transmontano do Pires
- Os petiscos do Regula e do Ramirinho
- O Sável do Vigário de Atães
- Os Rojões do Pinto da Rua dos Polacos
- As Tripas da Rosinha da Marroca
- A Cabra Velha do Súcio
- A Paella do Ricardo de Recarei
- O Leitão da Casa do Casalinho
- O Bacalhau à Liberdade da Churrasqueira das Antas
- Bacalhau com todos no Carpa
- A Carne Estufada de Penafiel
- Chanfana no Pote Velho
- O Magusto da Campeã
- O Risoto do D. Henrique
- Lampreia de Rio de Moinhos
- Arroz de Sarrabulho de Ponte de Lima
- Feijoada da Luísa
- Bacalhau assado no Monte São Felix
- Assado do Big Beef
- Caldeirada na Casa das Enguias (Torreira)
- Posta no Lareira do Mogadouro
- Cabrito no Zeca Diabo de Brunhoso
- Sardinhas no Milho Rei de Matosinhos
- Vitela no Merendola da Maia
- Espetada no Mar à Vista da Madalena
- Lulas com Gambas em Espinho
- A Francesinha na Marisqueira do Porto
- O Polvo no Madureiras
- Caras de Bacalhau no S. Nicolau
- Cabrito refogado na Taberna do Rústico
- Self Service no Choupal dos Melros


Claro que tudo isto só se consegue graças a um excepcional núcleo de amigos ex-Combatentes que, por coincidência, já reuniam no Café Progresso antes de irem para a tropa, para Vendas Novas e, depois, para a Guiné. A eles se juntaram outros habilitados camaradas que, perante boas provas dadas, foram sendo agradavelmente admitidos. Agora, que o Progresso fechou, vão mais ao Piolho, Adega de Chaves, Badalhoca, Calhambeque, Guedes, etc. E chamam-lhe Reuniões de Trabalho.


Sentimos muito a falta dos que já partiram, especialmente a do Fundador do Bando, o Jorge Portojo e a do Bom Professor, o Carlos Peixoto.

Porém, a sua lembrança dá-nos mais força para cada vez mais nos agarrarmos à vida que nos resta.

E porque essa vida está indissociavelmente ligada às “combatentes” que nos têm acompanhado desde a maldita guerra que nos marcou, chegou a hora de lhes darmos maior atenção e maior abertura nos convívios que participamos. Afinal, elas são valentes e sabem mais da guerra que muitos condecorados da nossa Pátria.

Não vamos parar, ó meu!
Nem vamos esmorecer.
Para irmos par’o Céu,
Falta muito que fazer

Se o Covid nos levar
Sem honras, sem orações,
Nunca nos vai apagar
Das boas recordações.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20980: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (10): Feliz em África (em jeito de biografia)

sábado, 16 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20980: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (10): Feliz em África - I (em jeito de biografia)

1. Em mensagem do dia 27 de Abril de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, dedicada ainda ao confinamento.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 9

Feliz em África (em jeito de biografia)

À medida que se aproximava o fim da comissão de serviço militar na Guiné, aumentava o sonho de me isolar numa ilha deserta. Era aquele sonho supremo de vir a ter uma cana de pesca, um amor e uma cabana. O cansaço, a saturação e os traumas da guerra, iam-se acumulando e provocando, cada vez mais, a necessidade dessa fase de grande repouso.


Todavia, quando regressados dessa ingrata missão, sentimos que os sonhos foram logo ultrapassados pelas aceitáveis realidades, pelo amor presente, pelas velhas amizades e por um envolvente nacional comodismo. No meu caso, não foi difícil assumir um emprego.
No entanto, mesmo a trabalhar e mantendo algum espírito de revolta e contestação (mesmo não sendo universitário), em Abril de 1969 juntei-me a amigos em Coimbra a apoiar a justa luta estudantil, tal como já o havia feito no ano anterior durante o período de férias durante a guerra na Guiné.

Em poucos meses somos acordados com as tristes realidades que continuam a prevalecer no nosso País. A leve esperança em Marcelo Caetano que, apesar do seu aparente fulgor, não nos convencia estar orientado para a mudança desejada. Portugal isolava-se cada vez mais, a guerra colonial continuava, os seus mortos e estropiados aumentavam e os trabalhadores fugidos também. Continuam a reinar os servidores do regime, seus bufos e seus lacaios. A Igreja Católica colabora, os ricos engordam e os pobres resignam-se. E continuam a imperar os medos, tabus e preconceitos.

As coisas não estão bem, mas também não há força nem grande disposição para lutar. Insatisfeito com a situação profissional surgida e seu impacto no ansiado desfecho amoroso, aproveito a visita do empresário Sr. Celestino, irmão da amiga Professora Patrocínio, que estudara com a minha Gilda, que nos incentivou e ajudou a irmos para Cabinda.

Pelo que ouvia falar sobre Angola e os angolanos, há muito que via ali a tal “ilha tropical”, de mar calmo, areias finas e coqueiros junto da água.

O sonho de ir para uma “ilha deserta” veio a concretizar-se

Vendi o carro à pressa, por baixo preço e parti de barco para Luanda. Embora “desacompanhado”, beneficiei de uma óptima viagem, em 1.ª classe, que muito me agradou. Lembro-me que numa das festas diárias a bordo, foquei a miúda mais linda que ia no barco. Ela também se afastou um pouco a meio da festa e veio encostar-se ao gradeamento, perto de mim, beneficiando também da agradável brisa do mar. Não resisti à tentação de lhe dirigir a palavra:
- Desculpe, a menina sente-se mal?
Ela voltou-se toda receptiva, posicionou-se mostrando todo o seu charme e a sua deslumbrante beleza, e respondeu:
- Sein, aum pocochaeinho.

Ainda trocámos algumas palavras, mas aquele sotaque madeirense saído de uma tal beleza, caiu-me que nem o tal “balde de água fria”.

Chegado a Luanda, aceitei a oferta de uma miúda que me levou para uma pensão familiar. Fui comer à Restinga e fui ao cinema. Quando cheguei ao quarto, revi tanta coisa boa que me atraía, que me parecia prender a ficar por ali. De repente, reajo e assumo: esquece, é hora de mudar de vida, vais para Cabinda e é lá que esperas receber muito brevemente a tua Mulher.

Com a Câmara Municipal ao fundo

O amigo Celestino que me levou para lá, era sócio do melhor Hotel de Cabinda e foi lá que ele me mandou aguardar. Por curiosidade, refiro que conheci ali o famoso Joselito, meu ídolo de infância, que passara por Cabinda em digressão artística.

Desde logo conheci, nos primeiros dias, os seus amigos, que eram das pessoas mais importantes de Cabinda.
Pensava ingressar na empresa Cabinda Gulf Oil Company. Porém, nessa mesma semana, a empresa despedira mais de 700 pessoas, em virtude de ter terminado a fase necessária à sua estruturação.

À esquerda, a fachada lateral direita do edifício da Câmara Municipal de Cabinda

Fui para a Câmara Municipal. No meu concurso, para Aspirante, entre outros documentos, tive que juntar a Caderneta Militar. Quando o secretário ma devolveu, após a minha admissão, teve o cuidado de realçar:
- O melhor documento que o Executivo valorizou foi a sua Caderneta Militar, com um louvor.

Quem havia de dizer que aquilo que eu mais tinha desvalorizado na guerra, me viesse a ajudar? Todos os militares devem lembrar-se que na sua maioria os louvores eram injustos (na sua justificação e na sua distribuição). E então voltei a lembrar-me daquele discurso público do meu Capitão, incentivando os militares:
- “Ainda vamos ver o nosso Furriel Silva de Cruz de Guerra ao peito”.
Ao que eu, sem a educação devida, respondi:
- “Não meu Capitão, eu não quero ser Cantoneiro. Nunca serei Funcionário Público”.

Primeira patuscada em Cabinda, ao norte, junto a um lago. Funcionários da Câmara Municipal com Administrador local.


Em Cabinda passei dos melhores anos da minha vida. A progressão profissional na Câmara Municipal foi notória. Minha mulher chegou e foi ensinar para a Escola Secundária. Nasceu o primeiro filho e com ele uma estabilidade emocional inigualável.

O meu filho identificou-se cedo com “barman”

Petiscando com o meu sogro, em dia de caça, no norte de Cabinda

Fomos à caça para o norte de Cabinda. Elefantes? Só lhes vimos as marcas. Mas deu para ver que o meu sogro era bom atirador. Aqui, abateu uma abetarda.

Com os sogros junto à praia das Missões (Dez 1971)

Passaram-se os primeiros dois anos sem ler, ouvir e pensar em guerra ou em política. A cabeça rejeitava tudo. Apenas mantinha alguma ligação ao desporto.
Afinal a desejada “ilha” existia mesmo! E os coqueiros também! Passava o tempo livre junto do mar e sempre com a cana de pesca.
Criámos o clube da Câmara, promovemos o desporto e desenvolvemos boas amizades.


Pratiquei futebol de salão e fui Campeão na Pesca. Fomos disputar o título de Angola, num concurso na praia da Caotinha, entre Lobito e Benguela. Fui “pescado” para a delegação da Direcção Geral dos Desportos, onde também colaborei nas suas organizações.

Como amante da Sétima Arte, ia quase diariamente ao cinema. E, quando frequentei uma acção de formação de Cinema Amador, fui convidado a integrar a equipa de Cinema do Rádio Clube de Cabinda. Como seu representante, participei no Congresso/Festival do Cinema, realizado em Moçâmedes (1972).

Os anfitriões de Moçâmedes levaram-nos ao Deserto do Kalahri

Quanto mais tempo passava, mais feliz me sentia em Cabinda. E nós íamos vivendo melhor e mais folgadamente.

Meu cunhado Eugénio (militante de esquerda) foi preso para Caxias. Meus sogros, que já nos haviam visitado, viviam isolados e tristes. Foi nessa altura que pensámos na alegria que eles sentiriam se voltassem a ver o neto Zé Tó, com 9 meses (nosso filho).
E a verdade é que essa alegria resultou. E como a criança ainda não fora baptizada, toca de organizar esse evento com o padre de Espinho, nosso amigo.

Porém, à medida que íamos passando o tempo sem ele, fomos sentindo uma angústia crescente, que culminou com a sua vinda, mais de 3 meses depois. Os reflexos emocionais sentidos, ainda hoje se manifestam, sempre que pensamos na “inconsciência daquela aventura”.

Quando o Zé Tó chegou não aceitou o colo dos pais.

Continuaram aqueles anos espectaculares. Basta referir que eu não sentia necessidades de gozar férias. Cheguei ao ponto de confessar, tal como dizia o amigo empreiteiro, Sr. Claudino:
- Ah, não! Não preciso de ir lá, ao puto (Portugal), porque não me esqueci de nada.

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20932: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (9): “Operação Confinamento II"