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domingo, 18 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18329: Blogpoesia (553): "Sobressaltos...", "Libertação...", e "Poesia do calcanhar...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Sobressaltos…

Inesperados, surgem de repente.
Revoltam a vida.
Atordoam. Escurecem.
Fica-se suspenso.
Desaparece o futuro.
O passado ardeu.
Estilhaçou-se a esperança.
Quem havia de dizer!...
Logo a mim.
Sempre foi na casa dos outros.
Desta vez, fui eu.
Por mais rico e forte.
Todos sujeitos.
É bom reflectir antes que seja.
Seja o que for, é preciso acalmar.
Fiquemos de pé.
Com tempo, a ordem virá.
Montanha sem vale, não há.
O caminho é subir e descer.
Desistir é perder passado e futuro…

Berlim, 12 de Fevereiro de 2018
8h31m
Jlmg

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Libertação…

Corrigir o caminho que nos leva ao abismo,
Voltar para casa ileso dum assalto violento,
Sair da falência que nos pôs na miséria,
Vencer o tumor, sentença de morte,
Sem a ajuda da químio,
Abrir o carro com a chave perdida,
Encontrar a carteira com tudo lá dentro,
Regressar são duma guerra malvada,
Recuperar o romance inteirinho que o computador escondeu,
Acordar de manhã e poder trabalhar,
Apanhar o comboio que já estava a apitar,
Deixar de fumar e começar a viver,
Sair da prisão a meio da pena, voltar para lá,
Conseguir o perdão na hora da morte
Que não chegou a chegar,
É como morrer e voltar a nascer…

Berlim, 14 de Fevereiro de 2018
8h34m
Jlmg

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Poesia do calcanhar…

É servil e humilde por função.
Ali está. Suportando o corpo na vertical.
Um par. Gémeo. Missão igual.
Ponto de partida e chegada.
Elegante, na marcha.
Se eleva e avança.
Com equilíbrio, pisa e aguenta.
O outro se lança.
Vence a distância.
Aproxima o distante. Ufano, segue atrás a planta do pé.
Segundo plano.
Que importa?
O que interessa é chegar.
Cisne volante,
Corpo a dançar.
Sente o chão.
Detesta tacões.
Com engenho, arguto,
Se arma de calos, contra as pedras e espinhos da terra.
Se agarra à perna como a quilha dum barco.
Ora, prá frente, ora para trás.
Repousa à sombra, deitado de lado…

Ouvindo “fantasia” em fá menor, de Schubert em piano
Berlim, 15 de Fevereiro de 2018
7h39m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18307: Blogpoesia (552): "Ao alcance da mão...", "Brandenburg", e "Saiu um vedor...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18307: Blogpoesia (552): "Ao alcance da mão...", "Brandenburg", e "Saiu um vedor...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Portas de Brandenburg
Com a devia vénia: World Atlas


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Ao alcance da mão…

Numa cadeia de actos, a vida decorre.
Umas vezes, sonâmbula,
Outras desperta e atenta.
Até que a solução
Fique à vista e ao alcance da mão.
Não é gratuita.
Dá luta viver.
Sacrifício e esforço é o caminho e a arte.
O mal e o erro escondem o bom e o certo.
Desembaraçar o caminho,
Subindo e descendo,
Com esforço,
Se avança e alcança.
Só vendo, sobre ou não sobre,
Se o preço compensa.
Garanto.
Gosto que gostem.

Berlim, 7 de Novembro de 2018
11h18m
Jlmg

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Brandenburg

Cidade discreta,
Nos arredores de Berlim.
Ninguém fala dela e ela se cala.
Mas, tão bela.
Raiada de canais
Onde deslizam suaves,
Barcos e cisnes.
Tem jardins majestosos.
Abundam igrejas.
Cicatrizes da guerra,
Memórias em registo,
Em lápides gravadas,
Paredes e pontes.
Em 1945, bombardeada feroz,
Tanta gente morreu.
Agora,
Deambulam seniores,
Testemunhas do passado.
Saboreando a paz
Que ali assentou arraial,
E saúda quem vem.
Hoje, coube-nos a nós.
Com a Sandra e o João.
Soube tão bem…

Berlim, 9 de Fevereiro de 2018
17h49m
Jlmg

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Saiu um vedor…

Homem, mulher,
Saíu, de vara na mão.
Buscando a água bem funda
Que corre no chão.
Avança pelo campo,
Em passadas bem firmes,
A vara num V.
Os olhos à frente.
Agarra-lhe as pontas.
Como os cornos dum boi.
Tremem-lhe as pernas.
Arrepia-lhe a pele.
Os cabelos hirsutos,
Como estacas de vimes,
Se erguem ao ar.
Ruboresce-lhe o rosto.
Os olhos reluzem.
Os ouvidos internos ressoam em brados.
- passa aqui uma veia.
De água fresquinha.
A vara retorce.
Ninguém a segura.
Com o pé faz uma cruz,
No ponto exacto.
É hora agora de lhe abrir o caminho…

Ouvindo My silent cry
Berlim, 9 de Fevereiro de 2018
20h13m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18284: Blogpoesia (551): "Ter quem pense em nós...", "Sabor da melancolia", e "É branda e suave...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18284: Blogpoesia (551): "Ter quem pense em nós...", "Sabor da melancolia", e "É branda e suave...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Ter quem pense em nós…

Ter quem, perto ou longe,
Pense em nós,
Se preocupe connosco,
É caminhar de dia ao sol.
Ver as cores do mar e céu.
Sentir sabor e o perfume que a terra exala.
Afastar o preço amargo da solidão.
Ter alguém para quem vá nosso pensamento nas horas mais sofridas.
Receber, de vez em quando, umas letras pelo correio, dos ctt ou digital.
Alguém que, um dia, se cruzou no nosso caminho e nos deixou marcado.
Com gestos de amizade.
Nos fez sorrir ou aliviou o fardo de cada momento,
No resvalar dos dias.
É ser rico, mesmo que o dinheiro falte no nosso bolso.
Um amigo que nos visite na cama dum hospital, ou, sei lá, na cela duma prisão.
Quem reze uma Avé Maria pela nossa alma…

Ouvindo Ernest Cortazar – “Best of…” piano e orquestra
Berlim, 4 de Fevereiro de Fevereiro de 2018
8h1m
Jlmg

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Sabor da melancolia

Quando as cores desmaiam porque o sol se despediu,
Um vaga de melancolia tolda as encostas e os vales.
Os rebanhos ficam parados e só pensam no seu curral.
Os pastores e seus cães fiéis os tangem serenamente.
Eles descem num bando unido,
Remoendo o que lhes tocou.
É a hora das trindades.
E das almas em peregrinação.
Pelos lares da aldeia, as panelas fervem,
Cheias de couves e batatas boas.
Sob as ramadas, se lavam as mãos nos lavatórios.
A água é limpa e fresca.
A toalha branca, corada ao sol, cobre a mesa longa, com as tigelas de barro.
O pai já foi à pipa buscar uma canada de tinto puro.
A pequena que só quer brincar faz ouvidos moucos à mãe já farta de os chamar.
Só o berro do pai os faz pensar…

Berlim, 28 de Janeiro de 2018
19h6m
Jlmg

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É branda e suave…

Como é brando e suave aquele pedaço inerte que me abre a porta.
Tem a forma certa e a medida justa.
Foi feito assim.
Procura um dono
No futuro incerto.
Nem ela sabe onde irá entrar.
Tem um dom condão
Na mão do dono.
Só ele no seu jeito certo,
Agarra e puxa o que trava a porta
E lhe abre o mundo.
Por isso, ele a guarda com cuidado infindo.
Parece que o mundo acaba se ele lhe perde o rasto.
Se desfaz em rezas.
Até que o susto acabe e a festa venha…

Berlim, 28 de Janeiro de 2018
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18262: Blogpoesia (550): "As sombras dormem ao sol", "O despertar da toupeira", e "Os astros", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 28 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18262: Blogpoesia (550): "As sombras dormem ao sol", "O despertar da toupeira", e "Os astros", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


As sombras dormem ao sol

As sombras dormem ao sol,
Estendidas no chão.
Se levantam sonâmbulas e deambulam perdidas na noite.
Prendem-se aos corpos e giram sem asas, amarradas por cordas adiante dos passos.
Tingem de negro a terra e não deixam pegadas.
Derramam frescura no solo e se escondem do sol.
Empurram e abrem as portas sem chave.
Ficam à porta e sacodem os pés.
Tangidas por feixes, escorrem do telhado das casas e se espalham secas no chão.
Escrevem rabiscos e formas com ordem
E cavam buracos.
Sem óculos, tapam a cara e tingem de negro os olhos.
Semeiam sementes de sombras. Mesmo molhadas, morrem ao sol.
São e não são…

Ouvindo Pachelbel - Forest Garden
Berlim, 21 de Janeiro de 2018
9h25m
Jlmg

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O despertar da toupeira

Da minha janela, pela manhã,
Ponho-me a ver o despertar da toupeira, na encosta do monte,
No meio das urzes.
Bate-lhe o sol. Aí vem ela saindo da toca,
Regalada da cama.
Estrega os olhitos. Limpa as ramelas. Olha em redor.
Tudo nas calmas.
Lava a cara com a saliva quentinha.
Depois todo o corpo, onde chegam as patas.
Avança cautelosa, pelas veredas de terra.
Debica as folhitas mais verdes.
Come formigas.
E vai. Calmamente. Orelhitas no ar.
Há um gato vizinho.
Uma ameaça constante.
Passa um coelhito,
Nem olha pra ela.
Fica a mirá-lo e faz seu xi-xi.
Às tantas, lá vem a sua vizinha.
Pergunta-lhe pelos seus.
Quando pensa mudar.
A encosta de sempre já não é como era.
A pouco e pouco, está no topo do monte.
De lá vê-se tudo.
-hei-de pegar minhas trouxas e venho para cá.
Assim pensava a toupeira no caminho para a toca.

Berlim, 24 de Janeiro de 2018
8h44m
Jlmg

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Os astros

Pontinhos humildes.
Luzentes, ocultos.
Estáticos, ao alto.
Na realidade, gigantes.
A distância infinita os humilha.
Parecem inúteis.
São tantos.
Faúlhas latentes.
Tecem de luzes o céu das estrelas.
A ciência diz:
Correm velozes, calados,
Em órbitas imensas.
Um jogo de forças.
Equilíbrio total.
Aquele maior,
Que nasce e se põe
Nos longes da serra
E do mar,
Iluminando a terra,
Cobrindo-a de verde,
Quem diria,
É um deles.
O sol.
Controla ao redor,
Em harmonia total,
Com diversos tamanhos,
Uma dezena de
Bolas sem luz,
Será que têm vida?...

Berlim, 25 de Janeiro de 2018
10h39m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18235: Blogpoesia (549): "As escolinhas primárias", "Parado às dez...", e "Secaram as fontes", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 21 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18235: Blogpoesia (549): "As escolinhas primárias", "Parado às dez...", e "Secaram as fontes", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


As escolinhas primárias

Eram singelas. Espalhadas. Expostas ao sol.
Uma porta vermelha. Duas janelas.
Irradiavam calor. Faziam sonhar.
Ensinavam a vida. O mundo. Com cor.
Eram alfobres. Cultivavam os pobres.
Faziam doutores, só a quarta classe.
Ensinavam a escrita. Os rios e serras.
Os caminhos de ferro.
Cultuavam a pátria.
Fertilizavam a terra.
Jorravam alegria.
Um jardim de flores.
Eram altares.
Hoje, encerradas. Cercadas de ervas.
Morrem de tristes.
Aguardam seu fim.
Mas outras, ainda bem.
Emprestam as salas aos livros da aldeia,
Alojam os ranchos das danças,
As mesas de votos.
E, uma já vi.
Um bom restaurante,
Serve quem passa,
À beira da estrada, com sombra.
A cozinha cá fora.
Que bem se ali come,
Não longe de Alcácer…

Berlim, 17 de Janeiro de 2018
8h46m
Jlmg

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Parado às dez…

Cravado à parede da casa,
Desde o tempo passado,
Era branco. Pretos ponteiros.
Os números romanos diziam as horas que eram.
Partiu-se-lhe a corda e o relógio antigo,
Sem dono, ali ficou parado. Exausto. Sozinho.
Se lembra o passado e chora.
Se lembra da festa que foi.
Comprado novinho, em folha,
No ourives da vila.
Saíu da caixinha em cartão.
Subiram-no numa escada.
Na parede, um cravo.
Deram-lhe corda.
Soltou uma cantiga sonora.
Como se tivesse garganta.
Ensaiou uma dúzia.
Depois acalmou.
Atirou-se ao tempo.
E ficou. Desde então, contando as horas do tempo da casa.
Nunca se enganava.
Já sabia de cor.
Ali jaz, calado às dez, coberto de pó.
Ninguém olha para ele…

Berlim, 19 de Janeiro de 2018
21h33m
Jlmg

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Secaram as fontes

Que secura tão grande. Secaram as fontes.
Não há pinta de água. A sede é faminta. Devora.
A pele secou.
O pó tapa-me os poros.
Respirar custa cada vez mais.
Eram suaves os ventos.
Da terra brotavam sementes.
A verdura da vida sorria.
No fundo do vale, o rio corria.
No azul profundo do céu o sol brilhava, aquecia.
De vez em quando vinham do mar nuvens carregadas de chuva.
Parece que tudo morreu.
Mas, no fundo de mim, a esperança não morre.
Há sempre um vale para além daquela montanha onde as fontes não secam…

Ouvindo Adágio de Sebastião Bach
Berlim, 20 de Janeiro de 2018
8h49m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18211: Blogpoesia (548): "Rastejante e subtil", "Subindo a montanha", e "Sinfonia dos pardais", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 14 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18211: Blogpoesia (548): "Rastejante e subtil", "Subindo a montanha", e "Sinfonia dos pardais", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Rastejante e subtil

Como a água,
Rastejante e subtil,
Tudo inunda,
Como o sol.
Ora perto ora distante.
Se impregna.
Corpo e alma.
Bem distintos.
Semi-partes.
Dois destinos.
Dum o chão, a terra e húmus.
Doutro o céu. O além para sempre.
É vida. Energia ardente.
Sarça breve.
Arde e cinza.
Verde, alegre.
Assim desponta.
Flor silvestre.
Fonte pura.
Cardo e espinhos.
Sabor a mel.
Clara e escura.
Alada e presa.
Rainha e escrava.
Comboio e barca.
A viagem, mesma.
Partiu e marcha.
Sentido, de ida apenas.
Destino igual.
A todos leva.
Eternidade.

Ouvindo Vespers de Rachmaninov
Berlim, 7 de Janeiro de 2018
8h51m
Jlmg

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Subindo a montanha

Escalada dorida da vida.
Montanha elevada,
Encostas agrestes.
Por vezes suaves.
Desafio constante.
Seguir adiante, sem olhar para trás.
Se alarga o horizonte,
Se torna mais leve,
À medida que sobe.
Umas vezes com ânimo.
Outras, apetecendo parar.
O caminho tem fontes e sombras.
As pedras são bancos.
Mata-se a sede.
O corpo descansa.
A força renasce.
Os cumes lá em cima,
Mais perto do céu,
São leves e longos.
Atraem e chamam.
Prometem esperança e sossego.
Dá para correr e sonhar.
Depois, quando a saudade apertar,
Por um lado ou pelo outro,
É sempre a descer…

Berlim, 8 de Janeiro de 2018
Dia de sol - está tudo gelado
Jlmg

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Sinfonia dos pardais

Poisam nos fios ao de leve.
Como as notas numa pauta.
Como enxames pelas ramagens,
Soltam brados e orações.
Cantam breves as suas preces.
Trinam cantos, entoam sons.
Parecem choro, parecem hinos.
Ora em coro, ora sózinhos.
Não têm escola.
É inata a sua arte.
Melodia universal.
Jorra pura e cristalina.
Brilha ao sol e silva ao vento.
A candura terna duma flauta.
Suave encanto dum violino.
São alegres, rapioqueiros.
Assustadiços como a aragem.
Interrompem a sua festa.
Desprendidos. Generosos.
Sabem que agradam a toda a gente.
Nunca esperam as nossas palmas.
Em todo o lado são felizes…

Ouvindo sinfonia nº 2 – Oceano de Rubinstein
Berlim, 11 de Janeiro de 2018
6h47m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18184: Blogpoesia (547): "O primeiro poema...", "Começou a viagem", e "Despedida do passado", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 7 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18184: Blogpoesia (547): "O primeiro poema...", "Começou a viagem", e "Despedida do passado", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


O primeiro poema...

Sem casca nem gema, pégo na pena.
Procuro abrir a porta fechada.
Mudo de chave. Ensaio e tento.
E em remoinho me bailam ideias.
De repente, há um vulto que chega.
Uma pomba com uma prenda no bico.
Desato-lhe os laços.
Abro a caixa.
Um papelinho de bordos doirados,
dobrado em quatro.
Sustenho o ar.
O estendo e fico a lê-lo, primeiro para mim:
Medito. Vem do além.
- Não temas. Avança. Confia.
Lança-te à água.
Deixa esta margem.
Pró lado de lá.
De longe, tudo assume a forma
e ganha sentido.
O essencial avulta.
O acessório se esvai e reduz.
A distância e a luz fazem brilhar.
Surgem os tons.
O claro e o escuro.
As cores.
Palpita a vida nos seres.
Uma brisa leve e fresca se solta. O silêncio bafeja.
A alma sobe e medita.
A verdade do ser.
O passado se esquece.
Olha-se além.
Se rasgam caminhos.
Em passadas seguras no chão,
O futuro acontece e se escreve.

Berlim, 1 de Janeiro de 2018
10h39m
Jlmg

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Começou a viagem

Começou a viagem. Sem destino marcado.
Vamos todos, mundo afora.
Um mar de incertezas.
Ronca o motor.
Depósito cheio.
Se sobe e se desce.
Um dia. Uma noite.
Um dia. Uma noite.
Trabalha e descansa.
Viver é fugir com a sorte.
A morte, real ou aparente,
Se esquece que espera.
Sem bagagem. Sem armadura.
O motor acelera ao sabor da luz e do gosto de viver.
A esperança é a brisa. Refresca e consola.
A sede se mata e renasce.
O dia tem cor. A noite só é negra sem sonho.
Às vezes, cair acontece.
Se chora e se ri. E se colhe.
A marcha prossegue. Sem conta nem dúvida.
Se trava e acelera. Conforme o declive.
A mente sadia repara e conduz.
Um veto. Olhar o passado.
O que conta é o passo da hora que vem.
Para todos é assim. É lei…

Berlim, 2 de Janeiro de 2018
7h57m
Jlmg

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Despedida do passado

Foram ínvios os seus caminhos.
Nasceu no sítio ou no tempo errado.
Menino prendado se abalançou ao sonho que despertou na sua mente e foi.
Deixou o seu torrão.
Arrostou de frente como outro qualquer os dissabores da vida.
Afinal, tudo não passava duma quimera.
Eram falsas as pessoas.
Se revelou um palco a vida onde singra só quem é arrogante.
Frustrações atrás de frustrações.
Solidão e desespero foram a calda azeda em que cresceu.
Até que atingiu o seu limite.
E desapareceu do palco.
Abandonou a cena.
Aí errou. Em vez de trocar de campo,
Onde imperasse a natureza,
Em estado mais puro,
Despiu a camisola e lançou-se, sózinho, ao mar do mundo.
Rumo a um objectivo incerto e indefinido.
Insegurança e crueldade.
Sobreviver em cada dia e assegurar o futuro da melhor maneira, foi sua ventura.
Respeitando sempre sua identidade.
E, assim foi.
Hoje, o passado é uma fonte de pesadelos.
Uma tormenta diabólica em cada noite.
Por fim, livrou-se dela, com uma catarse profunda ao seu percurso.
Juntou tudo, fez um monte, chegou-lhe o fogo.
Ao cabo de umas horas, tudo era cinza.
E assim, ficou mais leve para viver a vida, instante a instante.

Ouvindo Sibelius, sinfonia nº 6
Berlim, 6 de Janeiro de 2018
6h25m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18156: Blogpoesia (546): "Diante duma tela em branco...", "As obreiras do Natal...", "Fábrica da amizade..." e "Último dia...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 31 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18156: Blogpoesia (546): "Diante duma tela em branco...", "As obreiras do Natal...", "Fábrica da amizade..." e "Último dia...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Diante duma tela em branco…

Concentrado. Pincel em punho. Olhando a tela.
A mente ferve.
Não sou pintor.
O pensamento vagueia.
Mira do alto e ao longe.
Como um condor.
De repente, sob um arbusto, algo que surge.
Desfecho-lhe uma frecha.
Faço uma presa.
Se inflama a fogueira.
Há labaredas.
Sentimento a arder.
É fumo branco.
Sem fumarolas.
Bate-lhe o sol.
Muda de forma.
Muda de cor.
Figuras rupestres.
Aves canoras.
Prados lacustres.
Searas doiradas.
Medas de trigo.
Ceifeiras cantando.
Debulham sorrisos.
Carradas de grão.
Enchem celeiros.
Moinho no rio.
Mó de moleiro.
Neve macia.
Farinha de pão.
Lindo quadro,
Poema de estio,
O vento secou.

Berlim, 24 de Dezembro de 2017
13h11m
Jlmg

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As obreiras do Natal…

Quando o Natal se avizinha, uma onda de ternura, quase divina, se apodera das nossas Mães e Avós.
Vem o sonho da felicidade a construir,
Adentro das nossas famílias.
Conseguir uma árvore. O pinheirinho. E enchê-lo de cores e luzes.
Cobrir-lhes os pés com as prendinhas,
A ninguém podem faltar.
Com o nome e as dedicatórias.
De quem para quem.
Com um lacinho a enfeitar.
Tudo à volta de um presépio,
Já vem da ternura dos antepassados.
Depois, vem a cozinha.
Aquela azáfama de tachos e de panelas.
A dispensa e o frigorífico estão a abarrotar de tanta química…
Na lareira em brasa, ardem as labaredas dos cavacos, de carvalho e de sobreiro.
O forno em cima, Deus nos perdoe.
Parece mesmo um inferno.
O sacrifício do cordeiro, com travessas de batatas tostadinhas.
Que cheirinho vai por toda casa.
O fogão ao lado, em ferro ou o eléctrico, se cobrem de tachos e de panelas.
Num, as batatas e as couves que a horta deu. Noutro, o bacalhau curado da Noruega, em postas bem medidas.
No outro lado, os filhos e as filhas, ajudam as suas mães no arranjo da doçaria.
A quem, por amor, vendem os seus segredos.
As filhoses. As rabanadas. As azevias.
Os “formigos” e a aletria.
Que regalo, só de vê-los.
Depois, vem a ceia, toda a gente,
Dos grandes aos mais pequenos,
Cada um o seu lugar.
Talheres e pratos reluzentes.
Dos vinhos, isso é tarefa do pai e do avô.
E, como há sempre um artista na família, no piano ou na viola,
Vem um fundo musical,
Para iniciar aquela festa da consoada e da alegria,
Depois da reza do avô…

Ouvindo "London Pops Orchestra"
Berlim, 25 de Dezembro de 2017
9h12m
Jlmg


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Fábrica da amizade…

Não seja gramínea. Planta rasteira. Raquítica.
Cresça nos montes. Nos vales e encostas da serra.
Fervilhe nas hortas. Jardins, ao pé das açucenas.
Regada de orvalho. Lágrimas quentes das faces fidalgas e pobres.
Fermente nos rios. Sobrenade nos lagos.
Fuja dos pântanos. Da lei dos mais fortes.
Abunde nos lares. Se troque nas feiras.
Sem lucro. Moeda de troca.
Desfaça a indiferença. Do vizinho da porta.
Rache o granito e cubra a calçada.
Seja tapete onde passe o mendigo.
Abra janelas e portas cerradas pelo egoísmo feroz e voraz.
Seja o espelho e o sino de todas as horas, lugares e ausências.
Fermente ao sol e à sombra. Mate a fome e a sede da seca.
Regue as gargantas de vinho e água pura da paz.

Berlim, 30 de Dezembro de 2017
17h29m
Jlmg

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Último dia…

Começa a clarear o derradeiro dia deste ano.
Ininterrupto caminhar do tempo.
Rio extenso que nasceu nos confins.
Ninguém sabe onde vai dar.
Ora calmo e luminoso.
Ora bravo. Tumultuoso.
Como foi o que acaba.
Oxalá chegue a uma planura.
Naquele que amanhã começa.
Cheio de paz e de abundância.
Que a esperança renasça e dê muito fruto.
Renove o gosto pela vida.
Com justiça, em toda a parte.
Ilumine os governantes. Sintam que o poder que têm nas mãos deve ser exercido para bem de todos.
Que o fosso abismal entre países ricos e países pobres se arrase numa planície, de riqueza e de abundância.
A felicidade é um direito universal…

Ouvindo Rachmaninov, concerto nº 2 – por Hélène Grimaud
Berlim, 31 de Dezembro de 2017
7h32m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18134: Blogpoesia (545): "Ver nascer mais um dia...", "A verdade das pedras..." e "Mais um pouco e...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 24 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18134: Blogpoesia (545): "Ver nascer mais um dia...", "A verdade das pedras..." e "Mais um pouco e...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Ver nascer mais um dia...

Um privilégio natural, gratuito, concedido a toda gente.
Um horizonte vasto que se abre, luminoso.
Uma cortina extensa, em tecido deslumbrante, de largas nuvens,
Estratifica o céu em degraus que levam os olhos baços para o infinito.
A terra desperta, suave e lenta.
Há reflexos brilhantes sobre os telhados e as janelas.
Das chaminés brotam crescentes fumarolas brancas, helicoidais.
As árvores geladas, com suas ramagens nuas, sobressaindo do casario,
Elevam brados ao sol nascente que as aqueça.
Choram as folhas verdes que o vento lhes roubou.
De longe, num silêncio astral, vêm clarões em chama, num cortejo incessante de aviões, orientados para a pista do aeroporto.
Trazem dentro multidões de gente fresca
Que vão enxamear as ruas e os bares desta urbe gigantesca.
Pelos vastos campos circundantes, crescem em lume brando, os pastos verdes que, por artes mágicas da natureza, se transformam em alimento.
Serão breves as horas que o sol nos dá.
Porque, agora, é o tempo em que a noite reina...

ouvindo "Serenata de Schubert"
Berlim, 18 de Dezembro de 2017
9h5m
Jlmg

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A verdade das pedras…

Nuas e cruas se expõem ao tempo.
Fazem calçadas. Erguem muralhas.
Cercam castelos.
Abrigam as casas, de renda ou compradas.
Mantêm a forma desde o ventre da terra.
Quase infinitas. Resistem milénios.
Se mostram agrestes. Macias à água.
Moem farinha na mó do moleiro.
Tecem as lajes que a morte ditou.
Perpetuam a forma do rei que morreu.
Quem dera que a vida terrena fosse doce e eterna
E a morte tivesse a sorte da pedra na hora da morte.

Berlim, 21 de Dezembro de 2017
20h41m
Jlmg

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Mais um pouco e…

Mais um pouco e, num instante, vem a ausência de quem se queria perto sempre.
Um filho ausente que ficou e parte.
Alguém de perto que, por razões da vida, se fecha em si e não está.
Quem partiu para longe e não dá notícia.
Aqueles nossos que deviam estar, mas a quem, para sempre, acabou o tempo.
É a vida em movimento.
Tão bela e tão fugaz.
O que verdadeiramente conta é bem e só o instante, sem passado nem futuro…

Ouvindo Once upon a time in Paris de Erik Satie
Berlim, 22 de Dezembro de 2017
9h19m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18098: Blogpoesia (544): "Pintar com água...", "Cada um seu jeito..." e "A voz cala para se ouvir o coração...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 17 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18098: Blogpoesia (544): "Pintar com água...", "Cada um seu jeito..." e "A voz cala para se ouvir o coração...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Pintar com a água…

Me apronto diante da tela de brocha na mão.
Um balde de água. Esfrego os olhos.
E começo.
Me percorre na mente uma bola de cores.
Jogo a água como quem chapinha à sorte.
Bate na tela. Se espalha e escorre. Com sulcos.
Desenha figuras feéricas de cor.
As linhas são veias azuis.
Com ramos. Folhagens de verde.
Reflexos de seda flamejando à luz.
Abordo o quadro como se fosse pintor.
Aliso aqui, desfaço e emendo.
A figura aparece. Envolta em luar.
A leveza é total.
Sinto um tremor.
Abala-me a espinha.
Na testa me escorre suor.
Me estranho. O único quadro pintara em criança.
Uma ponte e um rio,
Com guache e pastel.
A água é que nunca…

Berlim, 12 de Dezembro de 2017
19h34m
Jlmg

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Cada um seu jeito…

Tantas portas e janelas tem o edifício da existência.
Umas se escancaram prontamente.
Entrada livre.
Outras, só com chave e marcação da hora.
Reservas.
Depende do recheio e conteúdo a preservar.
Há sempre riscos.
Bom seria não ser preciso…
Mas é assim.
Ainda hoje as pirâmides do Egipto conhecidas escondem segredos e enigmas por decifrar.
E, o mais sério, é que, talvez, fazem falta à Humanidade.
A presença desta sobre a terra não é obra do acaso.
Tem um sentido.
E, parece, ainda há muito que descortinar…

Ouvindo Brahms, concerto piano e orquestra, por Yuja Wang
Berlim, 15 de Dezembro de 2017
8h27m
Jlmg

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A voz cala para se ouvir o coração...

A voz se cala.
Os olhos fecham.
A mente pára.
Só assim se ouve o coração.
Suas palavras são as obras.
Sua linguagem é activa.
Se conjuga no presente e no futuro.
Seu alimento é o amor.
Sem classes nem fronteiras.
Tem sempre a porta aberta.
Sua moeda é o bem.
Sem distinção.
Viver na graça,
Sua filosofia.
Compreender e perdoar
É o seu chão.
O seu sol é a alegria.
Natal é todo o ano…

Berlim, 16 de Dezembro de 2017
11h25m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18068: Blogpoesia (543): "Criação...", "Deus passou pelo Alentejo..." e "Asas negras...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

domingo, 10 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18068: Blogpoesia (543): "Criação...", "Deus passou pelo Alentejo..." e "Asas negras...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Criação…

Queria estar presente quando se deu a criação.
À frente o nada absoluto. Sem cor nem tempo.
Só a luz do Criador. Em majestade.
De repente, um raio. Resplandescente.
Iluminou o universo. Imenso e cravejado de galáxias em evolução.
Em silêncio total.
Miríades de anjos em cortejo, de amplas vestes coloridas, surgiram lá no alto.
Um cortejo sumptuoso, como nunca alguém viu.
Entoando hinos. Divina melodia.
Um esplendor. Tanta alegria.
E Deus chorou…
Mirou a Terra, azul.
A girar vazia.
Só serra e mar.
Azul e verdel.
Sentiu pena.
Como uma ave,
Poisou no local mais belo.
Chamou-o Éden.
Pegou em barro.
Fez um vulto, com corpo de homem.
Desenhou-lhe um rosto,
Formoso e belo.
Soprou-lhe a alma e abraçou-o…
Chamou-lhe Adão.
Depois, partiu.
Olhou para trás. Viu-o chorando.
- Não. Não vai ficar sózinho!...
Foi ter com ele.
Emocionado, criou a mulher.
Um misto de anjo.
Tão formosa, chamou-a de Eva.
Adão sorriu para ela.
Agradeceu a Deus...

Berlim, 7 de Dezembro de 2017
8h56m
Jlmg


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Deus passou pelo Alentejo…

Deus, nas suas andanças, passou pelo Alentejo.
Uma planura imensa.
Exposta ao sol.
Gostou tanto que resolveu ficar.
Encheu-o de igrejas e campanários.
Santuários.
Abriu-lhe caminhos.
Rasgou-lhe rios.
Alguns lagos.
Depois de pensar,
Sobreiros e pinheiros mansos,
Aqui ficariam bem.
Encheu-o deles.
Chamou cegonhas.
Ensinou-lhes os ninhos.
Deu-lhes um segredo.
Depois partiu.
As cegonhas puseram-se a voar.
Não vendo gente,
Foram a Espanha,
Foram ao norte.
Além do Tejo.
Tarefa ingente.
Ao cabo de anos,
Se ergueram montados,
Tantas pessoas.
Bem sorridentes.
Encheram de festas todas as ermidas.
Igrejas cheias.
Mais linda terra,
Onde a vida é bela,
Para cá do Tejo,
Ninguém mais viu…

Berlim, 7 de Dezembro de 2017
9h39m
Jlmg


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Asas negras…

Tinham asas negras as cartas que iam da guerra.
Carregadas de saudades. Angústias. Depressões.
Duas pagelas com linhas estreitas.
Eram leves. Um sobrescrito, debruados com as cores, verde e rubra.
Não precisavam de selo. Só carimbo.
Quem as levava e as trazia era uma avioneta. Tão franzina.
Se ouvia ao longe. Sobre as bolanhas. As palmeiras.
Rentinha ao chão.
Era amarela. Depois, o jeep. Zarpava lesto. Rumo ao campo. Aberto à enxada.
Levava sacos. Trazia sacos
Era a troca.
Depois, a festa na parada.
A chamada, nome a nome.
Pelo alferes.
Ansiedade. Será que vem?
Era a incógnita.
E uma nuvem de silêncio.
Baixava abrupta.
Era o deserto.
O recolhimento, para aquele encontro, na camarata.
Doce bálsamo.
Só quem lá esteve e passou por elas,
O sabe quanto…

Berlim, 8 de Dezembro de 2017
20h33m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18062: Blogpoesia (542): "À Virgem", poema de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546

domingo, 3 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18040: Blogpoesia (541): "Timidez da neve", "Voo alado..." e "Feira das ideias...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Timidez da neve

Tímida. Provocadora.
A neve espreita e tarda a entrar em cena.
Tudo a postos.
Há silêncio na sala.
Mesmo cheia.
Estão sedentos.
Querem vê-la. Há um ano a esperam.
Os “putos” querem brincá-la.
Fazer bonecos. Bolas de arremesso.
A infância é curta.
As árvores perderam as folhas.
Em sofrimento. Clamam beleza.
Os corvos estão fartos do chão com folhas.
Os pés estão sujos.
Suas asas negras ficam brilhantes, cruzando os ares.
As telhas, de toucado branco,
Mas só do gelo. Querem um manto que lhes escorra ao chão.
Os carros da Câmara desesperam de espera.
Estão fartos de tanta volta seca.
A cidade grita. Já está sem calma…

Berlim, 3 de Dezembro de 2017
8h31m
Jlmg

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Voo alado…

O pensamento, cansado, planou no tempo,
Do passado ao presente.
Viagem bem longa. Nem sempre ridente.
Paragens de sonho. Outras de lama.
Bosques frondosos. Vales profundos.
Planuras tão verdes, cravejadas de cores.
Aldeias acesas. Encostas das serras.
Rebanhos felizes, em banquetes constantes.
Rios ferozes, correndo p´ró mar.
Praias desertas, banhadas por ondas.
Ilhas perdidas, sem ninguém a viver.
Gentes diversas, vestidas diferentes.
Cabeleiras compridas, rostos às cores.
Formigando no mundo, parecendo colmeias.
Sonantes falares. Diversos olhares.
Ora sorrindo, ora chorando.
Bem quentes as lágrimas.
Crianças brincando. Os mesmos recreios e gritos estridentes.
A vida, uma fada, nascendo, jorrando viçosa e alegre.
Vestida de negro, a morte, uma bruxa, varrendo, contente…

Berlim, 30 de Novembro de 2017
Manhã de chuva fria
Jlmg

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Feira das ideias…

Fui à feira das ideias. Ouvi dizer. Havia muitas, perdidas.
Seu destino marcado era o lixo.
No meio dum vale batido de sol,
Elas brilhavam ao vento, sedentas.
Bailavam no ar clamando um dono
Que as quisesse levar.
Fiz um braçado viçoso.
Enchi uma saca das mais preciosas.
Eram jóias de sábios, poetas, pintores.
Até de pastores.
Morreram. Ninguém lhes ligou.
Chegado a casa, enchi as paredes.
Quadros e frases, de assombro.
Verdades singelas.
Enchi meus baús.
Chaves de enigmas, segredos,
Selados a ouro.
Recorro a elas, quando a bruma me encerra, toldando o céu.
São meu baluarte.
Bandeiras que agito.
Fermento de pão.
Alimento da alma e do corpo…

Berlim, 28 de Novembro de 2017,
7h46m
Amanheceu com chuva
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18019: Blogpoesia (540): Tempos duros em que as saudades apertavam (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872)