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terça-feira, 13 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6150: O Spínola que eu conheci (8): O Militar que foi meu Comandante-Chefe (Paulo Santiago)

1. O nosso Camarada Paulo Santiago (ex-Alf Mil At Inf do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 11 de Abril de 2010:





O MILITAR que foi meu Comandante-Chefe (*)
A primeira vez que vi o General Spínola, aconteceu na época natalícia de 1970, no quartel do Saltinho, quando ele corria todas as companhias e respectivos destacamentos, e a CCAÇ 2701 tinha três, Cassonco, Madina Buco e Cansamange.
Lembro-me que chegara uma mensagem indicando que o pessoal devia estar formado em U, e não me recordo se nesse dia o cumprimentei.
Voltei a encontrar o General, em pleno mato, junto ao Corubal, lá para os lados do Cheche, no decorrer de uma operação que durou três dias, saindo de Dulombi dois grupos de combate da CCAÇ 2700, um grupo de combate da CCAÇ 2699 (Cancolim) e o Pel Caç Nat 53, sendo esta força comandada pelo Cap Carlos Gomes, comandante da 2700.
O local, onde o heli "largou" o Caco, era altamente perigoso, mas ele estava na maior das calmas a informar-se do decorrer da operação, da qual, como é meu hábito, não recordo o nome, e hoje lamento não ter tomado essas notas.
Tempos mais tarde, voltou ao Saltinho para uma visita mais demorada. Nessa altura, o Jamil Nasser, comerciante no Xitole, começara a construir um barracão junto à tabanca do pessoal do Pel Caç Nat 53, que ficava junto à porta de armas do quartel, e o barracão destinava-se a uma nova casa comercial.
Claro que o General se apercebeu da construção e, informado dos fins e do proprietário, foi aos arames e deu de imediato ordem ao Cap Clemente para mandar demolir o que já estava construído. E acrescentava não perceber como o Chefe de Posto do Xitole autorizara a abertura de uma casa comercial em tal local, se quisesse construir, fosse para Mampatá, uma tabanca distante 2 Km e onde havia população.
O Jamil desistiu da abertura de uma casa em Mampatá, mas a ideia foi aproveitada por um outro comerciante do Xitole, o Rachid. Passou-se para o Reordenamento de Contabane, na outra margem do rio, e estou a ver a Fatemá, mulher do Régulo Sambel, mãe do meu 1º Cabo Suleimane, a "pendurar-se" ao pescoço do Spínola e a cobri-lo de beijos.
Quando da minha estadia em Bambadinca, estive três vezes com o Gen Spínola.
Em 24 de Dezembro de 1971, houve o encerramento do primeiro curso de Milícias em que fui comandante da companhia, havia um longo programa que foi reduzido à formatura e ao discurso.
Este discurso, frente à companhia, formada no campo de futebol, e com população a toda a volta, era um espectáculo bem encenado... o General proferia uma frase, parava, e o intérpete balanta reproduzi-a, seguia-se o fula, e por último o mandinga.
Neste dia 24 de Dezembro tive a sorte de uma das visitas de Natal programadas ser ao Saltinho, e assim apanhei uma boleia inesperada.
Voltei a Bambadinca em Janeiro de 72 e, durante o novo curso de milícias, tive duas visitas do Com-Chefe, uma aí pelo meio e a outra no final tendo, desta vez, sido cumprido todo o programa de encerramento, que incluiu uma deslocação de viatura à carreira de tiro, que ficava para lá do destacamento da Ponte de Udunduma, a caminho do Xime.
Na visita que o General fez a meio do curso, lembro-me que uma das coisas que queria saber era o comportamento do Fafe Nkumba, um ex-chefe de bigrupo [do PAIGC], que fora ferido e capturado, e que estava destinado a ser comandante do pelotão que iria ser colocado na Ponte Luís Dias.
O Fafe era maneta, ficara sem a mão e antebraço direitos, devido aos ferimentos.
Voltei ao Saltinho, já com a CCAÇ 3490 de má memória, e um dia pela manhã, aparece por lá o Caco.
Além de mim, que era do 53, no quartel só se encontrava um oficial daquela companhia, um Alferes que queria apanhar uma hepatite e começava o dia a beber uma bazuca acompanhada por uma banana.
Naquele dia a causa da visita era uma carta de um soldado a queixar-se do rancho, no que tinha toda a razão, acrescento.
No fim da visita o vaguemestre tinha deixado de o ser, e o Cap Ayala Botto [, ajudante de campo do Spínola,] levava um apontamento para convocar o Cap Lourenço, mal este chegasse de férias da Metrópole.
A mês e meio de acabar a comissão, recusei-me a cumprir uma ordem estapafúrdia do Lourenço. Ameaçou-me com uma porrada, e arranjei uma consulta de urgência na psiquiatria. Claro que nem sequer entrei no hospital, fiz uns contactos, livrei-me da porrada.
Terminando, gostei do MILITAR que foi meu Comandante-Chefe, e está tudo dito.

Um abraço, Paulo Santiago.


Texto e fotos: © Paulo Santiago (2010)
Ex-Alf Mil At Inf, Pel Caç Nat 53
(Saltinho, 1970/72)





Foto 1 > Saltinho > À direita o Alf Mil Médico Martins Faria, Major Azeredo, 2 militares não identificados, Alf Mil Santiago, General Spínola e Cap Clemente

Foto 2 > Bambadinca > 24.12.1971 > Apresentação da Companhia de Milícias

Foto 3 > Março de 1972 > Carreira de tiro > Comandante do CAOP 2, Polidoro Monteiro, General Spínola, Intendente de Bafatá, Ten-Cor Tiago Martins e Paulo Santiago
Foto 4 > Bambadinca > Março de 1972 > Conversa no fim da cerimónia > Ten Cor Polidoro Monteiro, General Spínola, Alf Mil Santiago, parte da cara do 1º Cabo Cristovão Mantudo dos Santos (Pel Caç Nat 53) e de costas o Fur Mil Dinis (Pel Caç Nat 53
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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5466: Álbum fotográfico de Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872





1. Álbum fotográfico de Rui Baptista* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74), elaborado com fotografias mandadas em mensagem de 30 de Novembro de 2009:




Álbum fotográfico de Rui Baptista (I)

Foto 1 > Aquartelamento de Cancolim

Foto 2 > Aquartelamento de Cancolim

Foto 3 > Parada de Cancolim


Foto 4 > O pombal na parada de Cancolim (alguns pombos serviram de petisco)

Foto 5 > Apresentação do Batalhão ao ComChefe (Gen Spínola) – Em primeiro plano o Alf Mil Rosa Santos (26-12-71) falecido há pouco tempo.

Foto 6 > No Cumeré na passagem de ano (1-1-1972) – à frente o alferes que nos abandonou e primeiro da última fila o capitão que também se foi.

Foto 7 > Trajando à civil para esquecer a guerra (oficiais e sargentos em 23-09-73) – sentado: Fur Mil Oliveira – 1.ª fila da esquerda para direita: 1.º sarg Romana, Fur Mil Correia (Rodinhas), Fur Mil Silva (Russo), eu, Capelão da CCS, Fur Mil Silva, Fur Mil Peixoto, Alf Mil Andrade, em cima também da esquerda para a direita: Fur Mil Santos, Alf Mil Videira, Alf Mil Oliveira, Fur Mil Conde, Fur Mil Gaspar, Fur Mil Ferreira e Fur Mil Jacinto.

Foto 8 > Um posto de sentinela em Cancolim

Foto 9 > O Fur Mil Jacinto e eu junto do famoso pombal de Cancolim

Foto 10 > "Os Vingadores" (2.º Pelotão da CCaç 3489) prontos para uma patrulha. Ficámos com este nome porque quase sempre nos tocava ir em busca do IN após os ataques ao aquartelamento

Foto 11 > Mais uma partida para o mato dos Vingadores em 15-04-72 após uma flagelação a Cancolim à hora do almoço

Foto 12 > Saída para o mato dos Vingadores para mais uma patrulha

Foto 13 > Segurança à picada entre Cancolim e Sangue Cabomba

Foto 14 > Preparação para uma coluna a Bafatá (parte do 2.º Pelotão)

Foto 15 > O estado em que ficou a viatura que caiu numa mina em 14-08-72 na picada no regresso de Bafatá a Cancolim (deixou-me 40 dias, todo partidinho, no HM 241 de Bissau – além de mim tivemos mais 16 feridos entre eles dois camaradas que tiveram de ser evacuados para o HMP de Lisboa)

Foto 16 > Abrigo da população na orla da mata para espantar os macacos por altura da colheita da mancarra

Foto 17 > O último dia em Cancolim (na parte de cima da foto pode ver-se alguns dos RPG que caíram na parada de Cancolim durante a flagelação ao aquartelamento em 20-01-74 (a única vez que fomos atacados logo de manhã)

Foto 18 > Eu junto ao rio Geba à espera da LDG para Bissau

Foto 19 > O último dia em Bissau antes do regresso à Metrópole

Foto 20 > O Fur Mil Gaspar, o Alf Mil Andrade e eu na escala que o Niassa fez no Funchal no regresso a Lisboa
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74

1. Mensagem do nosso novo camarada Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74, com data de 30 de Novembro de 2009:

Caro camarada Carlos Vinhal,

Antes de mais quero agradecer-vos todo o esforço pelo trabalho e dedicação que têm tido para fazer viver este blogue com as recordações boas e menos boas dos nossos camaradas de armas que viveram a guerra na Guiné. De seguida quero pedir desculpa por ter demorado tanto tempo a responder-vos e isso deve-se à minha grande falta de jeito para escrever.

Sou Rui Baptista ex-Furriel Miliciano e fiz parte do BCaç 3872. A minha Companhia operacional foi a CCaç 3489 (2.º Pelotão) aquartelada em Cancolim.



Actualmente estou reformado. Tenho 59 anos feitos no passado dia 10 de Setembro.
Sou casado e pai de duas garotas, uma já formada e outra em vias disso.
Vivo na Póvoa de Santo Adrião que fica nos arredores de Lisboa.

Embarquei para a Guiné no NT Angra do Heroísmo em 18 de Dezembro de 1971 e desembarquei em Bissau em 24 do mesmo mês.
Regressei a Portugal no navio Niassa que partiu de Bissau em 28 de Março e chegou a Lisboa a 4 de Abril de 1974.

Nesse espaço de tempo que permaneci na Guiné (27 meses e alguns dias), sempre em Cancolim (há que retirar o tempo do IAO no Cumeré, duas viagens de férias a Lisboa e dois internamentos no Hospital Militar em Bissau), aconteceram coisas que jamais poderei esquecer. Eis aqui um pouquinho dessa história:

A CCaç 3489 não teve muita sorte durante a comissão, principalmente nos primeiros meses. Logo no início em Cancolim em três quintas-feiras seguidas tivemos 4 mortos e 21 feridos.

Um morto e um ferido numa mina na picada entre Cancolim e o destacamento de Sangue Cabomba; 16 feridos ligeiros num despiste de uma viatura a caminho de Bafatá, e mais 3 mortos e 4 feridos na primeira flagelação do IN ao nosso aquartelamento.

Neste primeiro ataque tive a sorte de um ex-furriel dos velhinhos me ter empurrado para dentro da porta da Secretaria, ele, com esse gesto, acabou por ser ferido numa vista por um estilhaço de uma granada de morteiro 82 e eu escapei ileso.

A seguir a estes desaires tivemos o abandono do Capitão e de um Alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do Alferes Rosa Santos do meu pelotão.

Como o IN não nos dava tréguas, e com o pouco material de guerra que tínhamos para nos defender (na altura apenas um morteiro 81), com o assalto pelo IN ao nosso destacamento e a captura de 2 homens nossos, a fuga de um soldado para o IN, juntamente com as notícias de mortos no Saltinho e emboscadas no Dulombi, o desânimo instalou-se nas nossas tropas.

Com a substituição do Capitão e dos alferes, acabamos por não ter um comando à altura de nos elevar o moral, passámos por um período do quase salve-se quem puder. Valeu-nos o reforço de um Pelotão do Dulombi e a visita de alguns Páras para as coisas acalmarem em Cancolim.

O resto da comissão, principalmente os últimos 7 ou 8 meses de 1973, foi bem mais calmo. O último ataque a Cancolim foi em 20 de Janeiro de 1974, nesse dia o IN veio de manhã quase junto ao arame, apesar de muitos de nós andarem a jogar futebol, conseguimos fazer com que batessem em retirada deixando um morto no terreno.

A primeira vez que fui parar ao Hospital Militar de Bissau foi devido a uma febre que ninguém conseguiu identificar. Cheguei lá a 6 de Junho de 1972 e saí quase um mês e meio depois. A segunda vez foi pouco tempo depois da primeira, foi logo na coluna seguinte a me irem buscar a Bafatá, dia 14 de Agosto de 1972. Não era a vez do meu Pelotão fazer a coluna. Quem estava na escala era do 1.º Pelotão comandado pelo Capitão, este alegando que não se sentia bem e como eu tinha estado fora da Companhia algum tempo, conseguiu convencer-me a substituí-lo dessa vez. Não gostei muito da ideia mas lá fui.

Após a saída de Bafatá comecei a sentir que algo não ia correr bem. Ao chegarmos a Sangue Cabomba fui colocar o saco do correio (a mais sagrada das coisas para nós) na última viatura, e dei algumas indicações aos condutores de como iríamos proceder à passagem das zonas mais perigosas do resto do percurso até Cancolim.

Foi exactamente no último bocadinho do troço onde nos podiam emboscar que deflagrou a mina colocada na picada. A partir desse momento não me lembro de muita coisa, sei que ainda dei instruções ao homem do rádio para pedir o batimento da zona e também de pedir uma arma e água a um elemento da população e deste me dizer que a mina não era para mim (Furriel desculpa a mina não era para ti – foi o que me ficou gravado na mente). A seguir fui evacuado de heli para Bafatá, recordo ainda de desmaiar sempre que me agarravam no ombro partido e de me terem posto numa maca dentro de numa DO. Acordei em Bissau quando me estavam a cortar o camuflado e voltar a desmaiar quando me agarraram no ombro para radiografar, acordei ao fim de três dias todo ligado e entubado na sala de observações. Estive hospitalizado 40 dias. Nesta mina tivemos 17 feridos, dois deles foram evacuados para Lisboa.

Até aqui só escrevi sobre coisas menos boas, mas também existiram algumas bem divertidas como por exemplo aquela de eu ter pedido uma ZUP em vez de 7UP na primeira vez em que entrei na messe de sargentos no Cumeré, foi um salta pira geral.

As corridas de arcos com gancheta que fazíamos na parada de Cancolim.

Um ou dois festivais da canção de Cancolim (uma das canções vencedoras "Rio Chancra" cantada pelo Rodinhas (Furriel Mecânico Correia), as caçadas às galinhas e cabras da população, e a fisgadas as pombos do nosso pombal para os petiscos, os campeonatos das mais variadas jogatinas de cartas, as missivas que escrevíamos aos ratos para não nos roerem as roupas dentro dos armários – quando vim de férias da primeira vez, dei com o meu saco de viagem todo desfeito e no meio dos farrapos uma ninhada de 7 ratinhos. E mais, muito mais que eu não sei contar aqui.

Por agora é tudo.

Um grande abraço a todos os camaradas.
Rui Baptista

Foto 6 > Bissau, 26NOV71 > Apresentação do Batalhão ao ComChefe (Gen Spínola) > Em 1.º plano o Alf Mil Rosa Santos, falecido há pouco tempo.

Foto 3a > Aquartelamento de Cancolim

Foto 3b > Aquartelamento de Cancolim


2. Comentário de CV:

Caro Rui Baptista, bem-vindo à Tabanca Grande, entra e instala-te comodamente, porque estás entre camaradas, que como tu, tiveram a sua experiência de guerra na Guiné.

Numa das mensagens que nos enviaste, anexaste muitas fotografias. Embora neste poste só publique estas três, vou criar no nosso Blogue um álbum para ti. Se tiveres mais, por favor envia só depois de veres publicadas as que já mandaste. Trabalho é coisa que não falta por aqui, embora feito com prazer. O dia é que só tem 24 horas.

Esperamos que nos mandes histórias onde possamos anexar as ditas fotografias. Embora haja uma série do nosso querido camarada Torcato Mendonça, chamada Fotos falantes, na verdade elas dizem mais quando acompanhadas de legendas e dos relatos dos acontecimentos que retratam.

A tua Companhia já foi falada no nosso Blogue, infelizmente não pelos melhores motivos. Vê, se não conheces ainda, os postes abaixo listados*.

Julgo que sabes, que da nossa tertúlia fazem parte, que me lembre, quatro camaradas do teu Batalhão. A saber:

- Carlos Filipe Coelho, ex-Radiomontador da CCS
- Joaquim Guimarães, ex-Soldado da CCAÇ 3490
- Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS
- Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491

Ficaste com a responsabilidade de representar a tua CCAÇ 3489, pois, para já, és o único tertuliano no Blogue.

Agradecendo o teres-te juntado a nós e esperando a tua colaboração activa e contínua, deixo-te um abraço em nome da tertúlia.

A partir de hoje tens mais umas centenas de bons amigos.
CV
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

6 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2921: Em busca de... (29): António Manuel Rodrigues (1) (Juvenal Amado)

6 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3117: Álbum fotográfico do Juvenal Amado (1): Imagens de Cancolim
e
22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)

Vd. último poste da série de2 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5358: Tabanca Grande (191): Balanta furtador (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419)

domingo, 23 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4854: Estórias do Juvenal Amado (21): O dia de Alcobaça e a Feira de S. Bernardo, dia 20 de Agosto

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 22 de Agosto de 2009:

Caros Carlos, Luís, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande.

A coisas têm o valor que lhes damos em certa altura das nossas vidas.
A feira de S. Bernardo era aguardada por mim ansiosamente todos os anos. Numa vila pequena sem grandes divertimentos, era esse evento aproveitado para nos divertirmos e gozarmos de alguma liberdade junto do sexo oposto. Os pais fechavam os olhos às voltinhas de carrossel, ou mesmo nos carrinhos de choque a dois.

Enfim coisas que fariam rir às gargalhadas os miúdos e miúdas de hoje, que até nesse ponto não fazem ideia o que a sua liberdade custou a conquistar.

A feira começa a 20 de Agosto e dura uma semana.

Quem estiver interessado, é naturalmente bem-vindo.

Um abraço
Juvenal Amado


O dia de Alcobaça e a Feira de S. Bernardo, 20 Agosto

No posto acabei de render o Pinto, que se deitou de imediato na cama improvisada do mesmo, adormecendo de seguida. Não sei se ele já não estava meio adormecido quando o rendi.

São 2 horas e 15 minutos, olho a mata sombria para além do campo de futebol. O gerador envia aquela luz que dá para ver pouco mais de meio do campo.

O Lourenço é o outro camarada de serviço, render-me-á às 4, somos obrigados a permanecer todos no posto. O lion-brand arde junto a eles para afugentar os mosquitos.

Levantei-me todo encharcado de suor, mas agora tenho frio, saio do posto para desentorpecer as pernas.
Penso na notícia dada pela a rádio e a saudação do locutor de seviço (PIFAS) a todos os combatentes de Alcobaça, espalhados pela Guiné. As suas palavras sobre a alegria a rodos na abertura da feira anual de S. Bernardo, tiveram o efeito de acirrar as saudades.
A guerra era tão longe, só quem lá tinha os seus, se distanciava dos festejos.

“Mais uma corriiiiiiiiiida mais uma viaaaaagem”

“ Esta é para a menina do casaco amaaareelo”

“Tomem os seus lugares e não descer nem subir do carrossel em movimento”

Gritavam os feirantes pelo som distorcido dos altifalantes de corneta.

Os garotos faziam birra para andar em tudo.

O barulho de ensurdecer dos geradores dos carrosséis, pistas de carros, das motas no poço da morte.

As barracas de tiro. “ Oh simpático não vai um tirinho?” As espingardas de pressão de ar com as miras completamente desalinhadas, não se acertava no alvos a dois metros. Mas o que a malta lá ia fazer, era meter-se com as funcionárias de ar duvidoso das ditas, queríamos lá saber dos “tirinhos”

As farturas e os namoricos.

Com os olhos em brasa procurava o olhar de uma em especial não importava que tivesse a família toda a acompanhá-la. Se ela retribuisse o olhar, eu não dormiria nessa noite.

Faço concha com a mão e tapando com o casaco camuflado, acendo um cigarro. Tento espantar o sono.

Por volta das 10 horas tinha sido atacado Cancolim ou outro destacamento na mesma direcção.

Há uns meses Cancolim foi atacado perto da hora de jantar. A Maria Turra tinha dito na rádio do PAIGC que os seus combatentes tinham esperado que a malta acabasse de jogar à bola para depois atacar. Era a acção psicológica deles a actuar.

Os pensamentos baralham-se, não vejo hora de ser rendido pelo Lourenço pira.

Finalmente chamo:

- Lourenço, oh Lourenço está na tua hora. Acorda lá porra.

Deito-me e parece que nem adormeci o Lourenço chama-me, já é dia ainda fosco.

- Oh Amado, não queres ver uma puta de uma perdiz, que está poisada no arame farpado mesmo à minha frente. Só pode estar a gozar comigo -acrescenta.

Caçador inveterado, agarra numa pedra e sem qualquer convicção, atira-a na direcção do pássaro.

Para surpresa dele e minha, acerta no papo da ave que cai para trás. Ficámos incrédulos, não acreditando no que tinha acontecido, a ave aproveitou para meio cambaleante fugir dali para fora.

O Lourenço só dizia:

- E deixei-a fugir e deixei-a fugir f………..

Foi a rir que acabámos a noite de reforço.

Voltando à feira, já lá não vou há mais de dez anos.
Em memória daquela noite, tenho que lá fazer uma visita.

Juvenal Amado

Vinho de palma bem fresco de manhã. O pior era umas horas depois.

A ferrugem antes da partida para o Xime

Juvenal Amado na Parada de Galomaro

Fotos: Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4794: Estórias do Juvenal Amado (20): Um tiro na Parada de Galomaro

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4794: Estórias do Juvenal Amado (20): Um tiro na Parada de Galomaro

1. Mais uma estória do nosso camarada Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, enviada em mensagem de 30 de Julho de 2009.


UM TIRO NA PARADA DE GALOMARO

Tinha sido um dia cansativo.

Coluna para Bambadinca, carregar, descarregar em Cancolim e regresso contra o que era normal a Galomaro no mesmo dia.

Quem fazia segurança eram um Pelotão de uma Companhia independente, que esteve estacionado em Galomaro durante algum tempo. Não recordo no número dessa Companhia, mas sei que o meu conterrâneo Afonso fazia parte dela.

Tínhamos andado na escola primária juntos, mas depois a vida separou-nos para nos voltarmos a encontrar na Guiné.

Vínhamos completamente exaustos cheios de pó e de sede.

Deixei a viatura no parque e na palheta com o Afonso, dirigimo-nos através da Parada para a Cantina

Uma cervejinha sabia di mais.

Íamos conversando e ao mesmo tempo, eu fazia a manobra de desarme da G3 retirando a bala da câmara.

Nisto PUM!!!!!!!

Eu nem sabia donde tinha vindo o tiro. Incrédulo olhava para a minha espingarda, que ainda fumegava.

Tinha retirado a bala da câmara ainda com carregador posto, quando mandei a culatra à frente introduzi outra munição. Está bem de ver.

O tiro foi para o ar mas... dar um tiro daquela forma mesmo nas barbas do Coronel Castro e Lemos, era muito complicado.

Quando olhei para a porta da messe, já lá estava ele a abanar o pingalim.

O oficial de dia era o alferes Veiga. Veio identificar-me de imediato e mandou-me apresentar no dia seguinte.

- Estou lixado e ainda por cima tão perto das minhas férias - que já estavam marcadas para vir à Metrópole.

- Malvada sorte com tanto sítio para dar tiros tinha que ser ali.

Foram horas más, para além da vergonha de ter cometido um erro tão grave.

No dia seguinte lá me apresentei ao alferes Veiga, que me disse que era melhor eu ir falar com o Comandante e pedir desculpa do sucedido, pois a coisa estava bera.

Assim fiz. Barbeei-me e lá fui com o rabo entre as pernas, ter com o homem grande de Galomaro.

Chegado à porta do gabinete perfilei-me, fiz continência e falei com a voz mais segura, que pude arranjar no momento:

- Vossa Excelência, meu Comandante, dá-me licença?

- O que é quer o nosso Cabo?

- Meu Comandante, fui eu que dei o tiro ontem.

A cara tornou-se cinzenta, levantou-se com o pingalim na mão e com gestos ameaçadores veio direito a mim.

Pregou-me a maior descasca de que tenho memória e o pingalim roçava-me sem cessar, perigosamente, as orelhas e o nariz.

Ainda hoje me sinto admirado como não levei com ele, tal era a fúria do nosso Comandante.

Por fim mandou-me embora, não sem antes me dizer que não me pregava uma porrada, pois quase todos os oficiais tinham intercedido por mim.

Levei uns reforços à Benfica, mas quanto às benditas férias estavam salvas.

Juvenal Amado


Ten Cor Castro e Lemos numa coluna

Ten Cor Castro e Lemos, Lopes, Estufa, Sacristão e Alf Veigas

Fotos e legendas: © Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.

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Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4770: Estórias do Juvenal Amado (19): O cabrito do nosso Comandante

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4729: Tabanca Grande (163): Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72

1. Mensagem de Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72, com data de 15 de Julho de 2009:

Caro Luís Graça,
Junto envio as 2 fotos solicitadas a todos aqueles que desejam fazer parte da Tabanca Grande.

Cumpre-me agradecer todo o teu esforço, brio e competência, para levar por diante um trabalho que visa juntar todos aqueles que viveram a guerra na Guiné. Sem a tua dedicação e ajuda dos que complementam (refiro-me ao Eduardo Magalhães, ao Carlos Vinhal, e Virgínio Briote) este meritório trabalho, certamente não seria possível a aproximação dos nossos camaradas de armas. Bem hajas por tudo isso.

Pertenci à CCS do BCaç 2912, sita em Galomaro, leste de Bafatá, com Companhias operacionais em Cancolim a CCAÇ 2699, em Dulombi a CCAÇ 2700 e no Saltinho a CCAÇ 2701. Estou aposentado (61 anos feitos em 24 de Junho passado), o meu nome é Vasco de Jesus Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário.

Embarquei para a Guiné em 24/4/1970 a bordo do Carvalho Araújo, um cargueiro de transporte de mercadorias, e desembarquei em Bissau em 1/5/1970.

Regressei à Metrópole em 22 de Março de 1972.

Este blogue que eu tenho o cuidado de pesquisar diáriamente, faz-nos reviver situações boas e más, e recordar pessoas que conhecemos, e permite que voltemos a reencontrar camaradas que já não víamos há quase 40 anos.

Estou em contacto quase diário com o Magalhães Ribeiro e com o Juvenal, aos quais agradeço todo o interesse e ajuda que informaticamente me vão prestando.

Por hoje é tudo Luís.
Um abraço do Vasco Joaquim


2. Comentário de CV:

Caro Vasco Joaquim, não és propriamente dito um estranho ou um novato no nosso Blogue. Deste sinal de ti em Agosto do ano passado, e finalmente és apresentado formalmente à tertúlia.

Agradecemos as tuas simpáticas palavras, que diariamente fazemos por merecer com o nosso trabalho.

Claro que a partir de hoje assumes a responsabilidade de contribuir com as tuas histórias e fotografias, não importando o que dizes ser os teus poucos conhecimentos de informática. Há concerteza aí por casa alguém que dá um jeito na digitalização daquelas fotos velhinhas e descoloridas que todos temos há muito esquecidas pelas gavetas. Quanto aos textos, escrevendo directamente no corpo da mensagem ficam automaticamente em ordem para enviar.

Como vês é fácil.

Somos contemporâneos na Guiné, pois cheguei a Bissau a 13 de Abril de 1970, a bordo do luxuoso paquete "Ana Mafalda", e regressei à então Metrópole em 19 de Março de 1972, já num vôo TAM, certamente como tu.

Em nome dos editores e da tertúlia em geral, envio-te um fraterno abraço e votos de boa convivência na nossa Caserna Virtual.

CV
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

9 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3124: O Nosso Livro de Visitas (23): Vasco Joaquim, 1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912 (Juvenal Amado/Carlos Vinhal)
e
28 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3153: Estórias avulsas (21): Espectáculo do Zéquinha em Bafatá (Vasco Joaquim)

Vd. último poste da série de 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4686: Tabanca Grande (162): José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil, CCAÇ 675, Binta, 1965/66

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3539: Tabanca Grande (100): Carlos Filipe Coelho, Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro 1971/74



Carlos Filipe Coelho, Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74

1. Mensagem de Carlos Filipe Coelho, com data de 28 de Novembro de 2008


Caros Srs e Amigos.
Em Dezembro de 2005, contactei o Blog. Ver por favor o Post com a data de 31 Dezembro 2005 (*).

Contactei mais uma ou outra vez, entretanto acontecimentos graves com a saúde de minha esposa me tiraram todo o tempo e agora tenho-o todo do mundo infelizmente.

Recentemente o meu ex-camarada Juvenal, Post 3067 (**), teve a gentileza de escrever sobre a minha pessoa, o que provocou o entusiasmo para participar (embora o meu espólio de recordação seja reduzido) de qualquer forma... estou cá.

Assim sendo gostaria que os amigos me considerassem tertuliano do nosso Blog Camaradas da Guiné.

Envio esta foto actualíssima (7 meses) e para outra militar, poderão talvez extrair do post 3067 com algum pequeno redimensionamento.

Obrigado pela atenção. E bom trabalho (de preferencia pouco complicado)

2. Recordando o Poste CDIV da primeira série

Chamo-me Carlos Filipe, fui radiomontador, formei Batalhão em 20 de Novembro de 1971 em Abrantes.
O Batalhão de Caçadores 3872 desembarcou em Bissau no dia 24 Dezembro de 1971.
A minha CCS ficou sediada em Galomaro, mas antes estive aproximadamente um mês no QG em Bissau.
Depois fiz o velho percurso do rio Geba, e depois estrada, do Xime… até Galomaro.
Claro que ainda tenho recordações de Dulombi, Cancolim, Bafatá, Bambadinca, Saltinho, Sete Fontes (fonte de água para abastecimento), Bolama (onde passei as minhas “férias”)...



3. Recordando o poste 3067:

O longo abraço
Tem cuidado, deixa essas conversas para a Metrópole. O africano veio fazer queixa de ti.

Por Juvenal Amado

(**) - Em dada altura que o Filipe, assistiu à saída de camaradas para os postos avançados e patrulha nocturna, desatou a fazer barulho e a protestar contra o facto.

O barulho chegou aos ouvidos do Comandante, que mandou averiguar o que se passava. Dessa vez o anjo protector chamou-se Dr. Pereira Coelho, que abraçando-o, disse-lhe ao ouvido que se fingisse bêbado e assim o salvou.

Por vezes o Filipe, era mal compreendido e se não vejamos o episódio das bajudas;

Ao fim da tarde, os soldados iam ter com as lavadeiras, que se acercavam do destacamento. Eram momentos em que os soldados, davam por vezes largas a alguma falta de respeito para com as lavadeiras. Alguns por graça e para as ouvir dizer de uma enfiada só, todos os palavrões que conheciam em português e no seu dialecto. Apalpavam-nas e diziam-lhe que não lhes pagavam, por elas lhes terem partido os botões todos, ao lavarem as camisas como hábito, batendo com as ditas em pedras pois sabão, era coisa que não entrava nos seus apetrechos.

Tínhamos chegado a Galomaro, quando o Filipe se insurgiu contra uma dessas cenas, que verdade se diga não eram muito dignificantes, pois algumas bajudas eram muito novas. Resultado foi ele se envolver em briga, com um dos participantes dessa tertúlia, indo parar ao chão com o estalo que recebeu.



Carlos Filipe com a sua lavadeira

Carlos Filipe, em Galomaro, no exercício das suas funções.


4. Comentário de CV

Caro Carlos Filipe
Obrigado por contactares de novo connosco.

Lamentamos profundamente a adversidade que te atingiu recentemente. A vida reserva-nos esta provação, que mais tarde ou mais cedo toca a todos. Em nome da Tabanca Grande, transmito-te a nossa solidariedade e aliamo-nos à tua dor.

Falando de nós e do Blogue, vamos combinar que aqui não há senhore nem você. Na Tabanca, como deves saber, tratamo-nos todos por tu como verdadeiros camaradas que somos.

Agora desafio-te a contar-nos mais algumas coisas da tua vida militar, especialmente, quando, como e onde foste ferido, acontecimento que te levou ao Hospital Militar.
Em nome da Tertúlia dou-te as boas-vindas, esperando que contribuamos para ocupar o teu tempo o mais possível.

Um abraço
Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 Dezembro 2005
Guiné 63/74 - CDIV: Batalhão de Caçadores 3872 (Galomaro, 1971/74)

(**) Vd. poste de 17 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3067: Estórias do Juvenal Amado (12): O longo abraço (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 27 de Novembro > Guiné 63/74 - P3526: Tabanca Grande (99): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

domingo, 10 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3126: Estórias do Juvenal Amado (14): Morteiro no meio da Parada de Cancolim



Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74



1. Mais uma estória do camarada Juvenal Amado (1) nos chegou. É também uma homenagem aos meninos de suas mães que deixaram a vida prematuramente.

Cancolim > Abrigo do Morteiro 81


O MORTEIRO NO MEIO DA PARADA

CANCOLIM


Nunca consegui compreender, o porquê da colocação do abrigo do morteiro 81 mm no meio da Parada.

Tal localização obrigava os apontadores e municiadores de Cancolim, a correrem debaixo do fogo inimigo, mais de trinta metros pela parada, sem qualquer protecção.

Esta Companhia não teve sorte em terras da Guiné.

Estava há talvez 15 dias em Cancolim, quando sofreu a primeira flagelação. Oito dias depois sofre outra. E precisamente oito dias depois, sofre um violento ataque de morteiros 82.

Tudo indica que as duas primeiras flagelações foram só para marcar o alvo e assim direccionar o tiro pesado desse dia.

Ia pernoitar em Cancolim como de costume, após coluna de reabastecimento.

Mal conhecia o destacamento, pois só lá tinha ido uma vez e ainda estávamos naquele período de adaptação operacional, enquadrados pelos velhinhos que íamos render.

Conhecia vagamente o Apontador de Morteiro Correia, amigo do meu irmão Ivo. Mas esse pequeno elo foi o suficiente para ser por ele adoptado sempre que ia em coluna, lá.

Estavam a construir umas instalações sanitárias junto à caserna do lado direito, para quem entrava no destacamento. Até aí, as nossas mais prementes necessidades fisiológicas tinham que ser feitas nuns buracos junto ao arame farpado e para tal, tínhamos que avisar a sentinela.

Tinha anoitecido há pouco, estava de conversa com alguns camaradas, junto das valas como era hábito. Naquele destacamento ninguém se recolhia antes das dez horas da noite.

De tempos a tempos ouviam-se tiros e rajadas dadas pelos sentinelas. Aquilo incomodava-me, pois era impensável que tal se fizesse em Galomaro.

Quando se pesca à cana, temos duvidas se o peixe morde se é o mar que faz estremecer a cana, mas quando é peixe mesmo não há duvida nenhuma. Assim é com um ataque. Ao primeiro som não temos duvidas.

O som das saídas de morteiro 82 do IN não deixam lugar para o talvez. Deixámo-nos cair para dentro das valas e abate-se sobre nós um dilúvio de ferro e fogo.

As explosões são seguidas, pois um apontador experiente pode pôr quatro ou cinco granadas no ar. Quando elas começam a cair, o efeito é devastador.

Penso que o nosso organismo tem meios de nos fazer ignorar parte do que se está a passar, pois ao ficarmos surdos, deixamos de ter a total percepção do inferno em que estamos.

Uns disparam as suas armas, outros choram e apelam para Nossa Senhora de Fátima (*), eu lá ia disparando a minha arma, estou aterrorizado.

O nosso morteiro responde ao fogo desde o primeiro momento, alguns camaradas atravessam a correr, em campo aberto, transportando cunhetes de granadas para municiar o morteiro.

Como invejei essa valentia.

Não sei quanto tempo durou, mas sei que foi demais.

Pouco a pouco, a violência do ataque abrandou.

O fumo, o pó e o cheiro, manteve-me muito tempo sem me mexer. Espreitava pelo bordo da vala para ver se descortinava o que se passava.

Havia mortos e feridos, foi a noticia que começou a correr pelas valas.

A madrugada com a sua luz redentora, mostrou-nos a destruição e os estilhaços espalhados por todos o lado.

Cancolim > Depois do ataque, não faltavam embalagens vazias de granadas espalhadas junto ao abrigo do morteiro 81

Estavam três camaradas mortos dentro de uma vala. Uma granada tinha rebentado dentro. Os seus corpos destroçados foram, como possível, depositados nos sanitários em construção.

Foi uma triste inauguração.

Essas obras ficaram muito tempo por concluir em memória dos nossos mortos. Havia feridos, falou-se num dos velhinhos ter ficado cego de um dos olhos e o próprio capitão novo (**), foi ferido ainda que ligeiramente no pescoço por um estilhaço.

Foram os nossos primeiros mortos em combate. A morte em combate nunca é limpa, ao contrário do que até ali tinha visto, nos filmes de cowboys e de guerra made in América.
Não os conhecia em vida e a imagem que guardo deles, é daqueles corpos desfeitos no chão das casas de banho por acabar.

Faz-me lembrar um poema sobre a Guerra, em que se fala no menino de sua mãe (***), também ali estavam estendidos os meninos de suas mães. Como a maioria nós nem barba tinham.

Tombaram assim no campo de batalha os nossos camaradas e é em memória deles esta estória.

José António Paulo - natural de Mirandela
João Amado - natural de Vieira de Leiria
Domingos de E. Santos Moreno - Natural de Macedo de Cavaleiros

(*) Também do lado dos guerrilheiros nos momentos de aflição se chamaria possivelmente por Fátima, neste caso a filha de Maomé.

(**) O capitão ferido veio a desertar logo de seguida, numa viagem que fez à Metrópole. Era um miliciano bastante querido pelos seus soldados e a imagem que tenho dele, é de um homem sensível que não foi talhado para guerreiro. Onde estiver desejo-lhe a melhor sorte.

Não foi culpado de maneira nenhuma pelo o que aconteceu e o que viu foi demais para ele.

Foi substituído mais tarde pelo Capitão Rosa também miliciano.

Este homem ficou famoso entre nós pela sua intervenção na reunião havida em Galomaro com o General Spinola.

O General, no seu discurso aos oficiais disse em dado momento que devíamos à Pátria o sacrifício, até das nossas vidas.

O então Capitão Rosa, dando voz ao que muitos pensavam, respondeu que a nossa Pátria é a que nos dá paz, bem estar e futuro e, aquela que o General referia, não era de modo algum essa.

Não posso jurar que tenham sido rigorosamente estas as palavras mas o fundamento foi o mesmo

(***) O MENINO DE SUA MÃE

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece
De balas trespassado
Duas, de lado a lado
Jaz morto, e arrefece

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
O menino de sua mãe.

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
Que volte cedo, e bem!
(Malhas que o Império tece)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe

(Fernando Pessoa)
_________________

Nota de CV:

(1) - Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3110: Estórias do Juvenal Amado (13): Pela calada da noite

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3117: Álbum fotográfico do Juvenal Amado (1): Imagens de Cancolim

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, de 6 de Agosto de 2008

Caros Carlos, Virgílio, Luis Graça e restanta Tabanca Grande.

A CCAÇ 3489 pertencente ao BCAÇ 3872 ocupou o Sector L5 em Cancolim.
Substituiu a CCAÇ 2699 em 11 de Março de 1972.
Destacou um Pelotão para Sangue Cabomba e após o reordenamento de Anambé, esse posto ficou com uma Secção de apoio a um Pelotão de Milícias.(*)

Fazia parte desta Companhia, o nosso camarada Fernando Correia natural de Romariz - Sta. Maria da Feira, a quem devo a gentileza das fotos aqui publicadas.
Primeiro Cabo Apontador de morteiro 81mm, tirou Especialidade no RI2 em Abrantes.

Esta Companhia foi efectivamente bastante flagelada e o número de mortes atestam as agruras porque passaram os nossos camaradas. A situação da 3489 era, a dada altura, de forma que teve de ser reforçada por pelotões da 3491 (Dulombi) e pára-quedistas.

(*) - Sangue Cabomba nunca foi atacada. Falava-se que o facto se devia a ser Chão Santo. Pelo o contrário Anambé, que ficava a 1000 metros na direcção de Cancolim, não tardou em ser atacada assim que se fortificou a tabanca.
O sistema de protecção era arame farpado e cavalos de frisa, que se encerravam ao anoitecer. Garrafas de cerveja duas a duas, penduradas no arame farpado completavam de forma rudimentar, os meios de vigilância.
E foi assim que uma noite um grupo de guerrilheiros entrou, pois não é novidade que os milícias, por veses, abandonavam os postos e iam ter com as bajudas.
O soldado Domingos Peixoto natural de Paredes, partilhava uma cubata com a sua Secção, a qual tinha à sua responsabilidade um posto de sentinela. O camarada estranhou movimentos e disparou contra os vultos que entravam pela aldeia dentro. No acto continuo entrou na cubata e tentou sair pela outra porta, foi quando foi atingido mortalmente.
Outro camarada que sofria de ataques epilépticos, foi julgado morto pelos atacantes. Morreram ainda os milícias Califo Baldé e Samba Seide ambos de Anambé.
O IN deixou várias granadas de mão sem retardante, que eram usadas nas armadilhas de tropeçar.

E por hoje é tudo tentei traçar um perfil desta Companhia, espero que o resultado seja satisfatório.

Um abraço para todos
Juvenal Amado



Foto 1 > Um dos famosos baga-baga

Foto 2 > O Correia tocando viola

Foto 3 > Cancolim > Uma pega de cernelha

Foto 4 > Cancolim > Convívio com as bajudas

Foto 5 > Cancolim > Em conversa com a população

Foto 6 > Cancolim > O 81 respondeu ao fogo inimigo

Foto 7 > Cancolim > Abrigo do Morteiro 81

Foto 8 > Cancolim > O Correia de reforço no seu posto

Foto 9 > Cancolim > Dentro espaldar do 81, Alves do Porto, Dias da Maia, Carneiro de Penafiel e o Correia.

Foto 10 > A minha Berliett

Foto 11 > Cancolim > Petisqueira

Foto 12 > Cancolim > Evacuação do Correia com paludismo

Foto 13 > Uma ida à água

Foto 14 > Durante as chuvas, 30 dias de isolamento. As águas levaram as pontes quando os ribeiros se transformaram em rios de águas revoltas. Os atiradores faziam um cordão, dando as mãos, para as viaturas poderem passar.

Fotos e legendas: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados.