Mostrar mensagens com a etiqueta Cecília Supico Pinto. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Cecília Supico Pinto. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22241: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IXa: Porto Gole: 3 de março de 1966, ataque IN


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Praça do Império > Monumento "Ao Esforço da Raça! > Novembro de 1965 > Dpsi alferes que estuveram em Porto Gole : o Alf António Maldonado, falecido no ataque de 3 de Março de 1966, descrito a seguir; e o Alferes Jorge Rosales, que esteve 18 meses neste destacamento de Porto Gole, antes da chegada da CCaç 1439 a Enxalé. Comforme escreveu onosso saudoso  Jorge Rosales (1939-2019):  "O alf mil Maldonado, meu camarada desde Mafra e meu substitulo em Porto Gole, (...) faleceu em março de 1966, em consequência do rebentamento de uma morteirada IN que o atingiu em cheio, no aquartelamento de Porto Gole". De seu nome completo, António Aníbal Maia de Carvalho Maldonado, era natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada.

Foto (e legenda): © Jorge Rosales (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: João Crisóstomo / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Junto do monumento de Porto Gole,  (i) de pé, 
da esquerda para a direita, Alf Sousa; Alf Crisóstomo e furriel Bonifácio;  (ii) sentados da direta para a esquerda. Furriel Neiva e Alf Matos  e na esquerda  um condutor da CCaç 1439, de quem me não lembro o nome.


Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Sem desprimor para os aqueles que não posso identificar , pode-se ver no canto direito fazendo exercício de preparação o Furriel Eduardo, profissional de futebol em Portugal ; e em primeiro plano,  embora me lembro de todos eles , não consigo alguns nomes: de pé da esquerda para a direita : eu, Furriel Bonifácio, e no meio o Manuel Açoreano. Esta é a única foto que tenho dele, bem identificável. era o único soldado não madeirense e foi vítima duma mina no dia 6 de Outubro de 1966.



Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Um dos “abrigos' de Porto Gole ; o João, do Bombarral  (padeiro  em Porto Gole)  e eu numa altura em que tinha tempo para tudo, até para deixar crescer a barba…


Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) >  A cozinha e a padaria ( o edifício branco ) de Porto Gole . Na caso de dúvida, o indivíduo de pé , de mãos nos quadris sou eu.

Fotos (e legtendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)




CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, 
Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” 
como eu a lembro e vivi 
(João Crisóstomo, 
ex-alf mil, Nova Iorque)

Parte IXa:  Março de 1966: A CCaç 1439 em Enxalé (e seus destacamentos de Porto Gole e  Missirá)

Dia 3 de Março de 1966:  Ataque  do IN a Porto Gole 

 

Porto Gole e Missirá eram os dois “destacamentos” de Enxalé. Em princípio os quatro pelotões e seus alferes eram supostos revezarem-se -se em estadias de um mês nestes destacamentos.

Para o destacamento de Porto Gole porém  havia quase sempre um alferes de outras origens que não era o Enxalé, como se pode ver pela presença  do Alferes Jorge Rosales,  antes de nós  e durante o nosso tempo a presença do Maldonado, António  Carvalho e Henrique Matos. Quando por qualquer razão isso  não sucedia,  então a CCaç 1439 no Enxalé  preenchia a lacuna até esta ser de novo  atendida. Esta foi   a razão  porque estive em Porto Gole várias vezes durante a minha comissão na Guiné.   

Quanto às estadias, que supostamente eram de um mês, nunca sucedeu assim e  demoravam mais ou menos tempo conforme  a situação e  circunstâncias o permitiam ou exigiam. Houve mesmo ocasiões,  embora de pouca duração   em que tanto Missirá como Porto Gole estiveram algum tempo sem tropas regulares, ficando a segurança das mesmas entregues aos Régulos, os  respeitados Abna na Onça em Porto Gole e Malan Soncó em Missirá,  com  suas milícias de nativos.

Não sei sequer em que data estive em Porto Gole pela primeira vez. Da minha primeira estadia lembro da minha surpresa por ir encontrar em  Porto Gole várias casas tipo europeu, onde cabo-verdianos e mesmo portugueses que no passado faziam a sua vida aqui e  que agora apareciam ocasionalmente. Havia  um Posto Administrativo  que servia também de  residência para o encarregado deste,  um Cabo-verdiano e sua família; uma "Casa Gouveia"    para o comércio do arroz  que era  abundante  na região..  

 O Régulo de Porto Gole, Abna  na Onça era um indivíduo enorme em estatura e  importância:  a sua autoridade era respeitada  e temida  no grande número de  tabancas  da  vasta região predominantemente  da etnia balanta, embora a sua influência se estendesse mesmo em áreas de outras etnias e com outros régulos. Abna  na Onça  nunca perdoou que logo no início das hostilidades  as forças do PAIGC  lhe tivessem roubado duas  das suas dez mulheres e   elevado número de  cabeças de gado.  

E se a sua posição foi sempre a favor dos portugueses,  a partir desse momento declarou guerra sem quartel aos que queriam uma nova ordem e independência. Tinha uma milícia bem organizada, a nível  de pelotão  permanente em Porto Gole, alguns deles, se eram todos nunca o cheguei a saber, armados  com  espingardas Mauser fornecidas por Bissau. 

Do General Schul recebeu uma G3 e um relógio de pulso de ouro  que ostentava com orgulho, assim como  o título de "Capitão de Segunda.”  Exercia autoridade  completa  na grande    extensão  do seu domínio num total estimado de cinco mil balantas, passando julgamentos e veredictos que eram  respeitados e aceites sem qualquer discussão. Mais do que uma vez ouvi dizer da vinda de indivíduos que se apresentavam para receber os castigos impostos, por vezes   dolorosas reguadas nas palmilhas dos pés aplicadas com uma régua  especial que tinha para o efeito.

Não faltava espaço e lembro que havia mesmo um improvisado campo de futebol que nos ajudava a esquecer problemas e passar  o nosso tempo

 Não me recordo quanto tempo fiquei, mas ao fim da minha primeira estadia tinha já um bom relacionamento pessoal com ele. Vim a saber mais tarde que o mesmo sucedia já antes de eu chegar, a ajudar pelo testemunho deixado  neste blogue. No poste  P19517 lê-se:

"(i) o Jorge era muito amigo do mítico capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”;

(ii)  o prestígio, a  influência e e o carisma do Abna Na Onça eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC);

(iii) jovem (teria 72/73 anos se fosse vivo, em 2009), era um homem imponente, nos seus 120 kg.

(iv) Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços;

(v) mais tarde, seria morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias admin, todos eles residentes em Porto Gole"

 


Foto nº 6 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67)  > N
ão me lembro dos nomes: dois sargentos ( do quadro)  a meu lado;  do lado esquerdo furriel Tony e o filho do encarregado do posto.No lado direito de costas Abna na Onça, um cabo-verdiano, encarregado do posto e sua esposa 


Foto nº 7 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67) > Eu e o Abna na Onça em Porto Gole


Foto nº 8 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67) > O 
 Abna na Onça com o capelão militar do BII 1888  no dia em que a Cilinha  do MNF visitou Porto Gole .

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foi um choque grande para mim quando soube da morte de Abna na Onça.  Como  havia sucedido com o Alferes Rosales que me precedeu em Porto Gole,  também eu tinha já um bom relacionamento, direi amizade  com ele.  

Pelo que compreendi  a estadia  de Rosales em Porto Gole  era a título  permanente; depois de  Rosales acabar o seu tempo,  Enxalé continuou  encarregado de Porto Gole, mas como expliquei atrás,  em princípio  nós revezavamo.nos cada mês um pelotão à vez e houve durante o nosso tempo três alferes que não eram da CCaç 1439 que vieram para Porto Gole.  Na realidade os alferes da CCaç 1439  em Porto Gole eram mais um  "tapa buracos” ; mas como estes foram frequentes e longos , estivemos  lá bastantes vezes.

Antes de copiar o que consta sobre o primeiro ataque a Porto Gole, em 3 de março de 1966, quero deixar  algumas recordações   que tenho de Abna na Onça e outras memórias de Porto Gole que acho pertinentes.

Depois do  fatídico ataque IN a Porto Gole , durante o qual faleceu o Alferes Maldonado, o Capitão Pires chamou-me; que devido às circunstancias não tinha outra alternativa  senão que eu voltasse para Porto Gole  com o meu pelotão, até que o Batalhão  encontrasse solução definitiva.

Voltei e soube então que o Alferes Maldonado tinha pensado em construir uma pista de aterragem  mesmo junto a Porto Gole. Não sei se chegou a falar disso a alguém ou não. O  facto  é que havia uma grande superfície plana que se propiciava perfeitamente para isso.  Eu nunca tinha pensado nisso antes , mas via que era possível e muito útil. O correio que recebíamos em Porto Gole era  simplesmente  deixado cair duma  avioneta e  depois recuperado nessa área; e a construção de uma pista de aterragem além de  muitas outras vantagens,  ajudaria a  quebrar o sentido de muito isolamento a que estávamos sujeitos.

Matutei sobre isso muito tempo: para fazer uma pista de aterragem eu ia precisar de  ajuda  pois haviam algumas árvores grande que era preciso arrancar  e isso ia exigir  maquinharia apropriada. E talvez eu devesse consultar  primeiro o Capitão Pires e mesmo o Batalhão. Mas pensei, se eu lhes falar depois de o terreno já estar limpo,  talvez eles aceitem a idéia  com  maior facilidade.    Sei que um  dia resolvi falar sobre isso  com Abna na Onça, não só porque precisava da ajuda dele no caso de querer concretizar a idéia , como para o fazer sentir que respeitava a sua autoridade; ao fim e ao cabo  ele era o Régulo  da região.

 Se ele já sabia da idéia não me disse, mas mostrou-se  entusiasmado. Perguntei-lhe o que pensava,  decidido a falar depois com o capitão Pires  para alguma ajuda.   Eu pensava que ele ia dizer que  pelo menos seria preciso dar de comer a quem quer que viesse trabalhar na capinagem da extensa superfície. Mas não era o caso. Que  Porto Gole era uma terra muito importante e com  um campo de aviação ia ser mais importante ainda. Que eu arranjasse maneira de dar água  para beber  aos  homens  e  que o resto era com ele.  Perguntei-lhe então e ele disse logo que sim à minha idéia de pôr  um jeep com um bidão   a acartar água da povoação para o local. E à minha sugestão de enviar uma secção de soldados para fazer segurança, ele respondeu categoricamente que não. Que  eu estivesse descansado que se o IN  viesse atacar ele ia saber antes disso acontecer.

No dia combinado, que foi três dias depois,  quando fui ao local já  aí estavam umas dezenas de  homens.  à espera e  continuaram  a aparecer mais e mais… Quando o capitão Abna na Onça apareceu havia uma multidão  que eu avaliei em cerca de duzentos a trezentos homens, todos  com catanas.    

No momento em que   ele falou fez-se  um silêncio total, mas mal ele acabou de falar foi um  sussurro geral, parece que todos falaram ao mesmo tempo. Eu não soube o que disse , mas o resultado foi formarem imediatamente uma linha numa extensão enorme e a descapinagem  e o corte de tudo o que era arbusto e  árvores de pequeno porte começou.  Eu só ouvia um  murmúrio aqui e ali  e a voz  forte de  Abna na Onça : Kuá , Kuá, Kuá… que ainda hoje não sei o que quer dizer, mas o que quer que fosse era um poderoso motivador.   Nos dois dias seguinte foi a mesma coisa e o campo ficou a secar. Passados algum tempo  o meu pelotão voltou a Enxalé sem termos  feito mais nada no terreno.  

Pelo que  soube ainda recentemente,  durante bastante tempo  não  sucedeu nada no respeitante ao campo de aterragem.   Mais tarde  houve “reorganização militar do terreno"  e   Porto Gole deixou de ser  dependente  de Enxalé,  passando a ser  a sede duma companhia e Enxalé passou a  depender de Xime.  Deve ter sido nesta altura que houve novos trabalhos de preparação do terreno, pois algum tempo depois houve uma “Dornier” que   fez uma aterragem de emergência nesta pista e depois conseguiu levantar   de novo e prosseguir voo.

 (Continua)

_________

Nota do editor:

Último poste da série > 18 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22210: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VIII: A partir de outubro de 1965, em Enxalé e seus destacamentos, Porto Gole e Missirá

domingo, 30 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22236: Memórias ao acaso (Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845) (6): Cecília Supico Pinto (30/05/1921-25/05/2011), uma portadora de afectos - No dia do centenário do nascimento da fundadora do Movimento Nacional Feminino

Sexta crónica do nosso camarada Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70):


MEMÓRIAS AO ACASO

06 - PORTADORA DE AFECTOS


Conheci a elegante Senhora D. CECÍLIA SUPICO PINTO a 02 de Maio de 1969, aquando da sua visita, por duas ou três horas, ao aquartelamento de CÓ, que à época transbordava de militares oriundos das mais diversas Armas do Ramo do Exército, empenhados na construção da estrada "CÓ-PELUNDO".

Havia tropas de infantaria, cavalaria, armas pesadas, artilharia, engenharia e eventualmente outras, que a memória de há 52 anos poderá deixar escapar.

O Comando da minha Companhia estava a meu cargo, e é nessa circunstância que o CMDT do aquartelamento me indigita para assumir a acção protocolar de receber a ilustre Presidente do MNF, missão assaz facilitada pela sua natural simpatia, sublime educação, determinação, inteligência, coragem, conhecimento dos teatros de guerra, do carinho quase maternal com que "A CILINHA" se dirigia aos seus"meninos", falando-lhes, é certo, com alguma exultação patriótica, mas sobretudo do amor e da saudade de suas MÃES, que curiosamente eram da sua geração e que lá longe, na Metrópole, viviam em permanente ansiedade cientes da dureza da guerra por terras da Guiné.

Num dos momentos mais informais, e num cordial diálogo que mantivemos, enalteci-lhe, e agradeci-lhe, a criação do espectacular "AEROGRAMA" de que eu próprio era assíduo utilizador, e a importância sentimental que ele tinha para os militares e suas famílias, sem por sombras imaginar, à época, os números astronómicos diariamente assumidos no movimento postal só pelo uso do "BATE-ESTRADAS", como era conhecido na gíria militar.

E saudei na sua pessoa a intervenção bem notória do MNF na agilização das burocracias duma retaguarda inundada de emperrantes "pequenos poderes", que se quedavam numa abjeta inércia sem o mínimo respeito pelos combatentes, ou sua memória, e suas doídas e quase sempre carenciadas famílias.

Estamos no ano do I Centenário do Nascimento (30/05/1921) de CECÍLIA S. PINTO. Em sua memória, e com profundo respeito e admiração pela sua pessoa e sua obra, não esquecendo todas as outras Senhoras do MNF, muitas delas Mães de jovens mobilizados para as frentes de combate, venho aqui deixar meu testemunho de eterna gratidão pelo apoio dado aos combatentes na sua inegável qualidade de "portadora de afectos".

Foto 1 - Có - Cecília Supico Pinto no uso da palavra, na parada de Có, acompanhada do CMDT Major Ferreira da Silva e do Alf Mil Miguel Rocha.
Foto 2 - Có - A boa disposição de Cecília a contagiar todas as patentes.
Foto 3 - Có - Já na messe, combatendo o calor com uma bebida refrescante, depois do discurso e da distribuição das habituais "lembranças do MNF" aos rapazes reunidos na parada.
Foto 4 - Có - Cecilia Supico Pinto, perante o ar divertido do Major Ferreira da Silva, surpreende o Alf. Mil. Miguel Rocha com uma especial “lembrança”.
Foto 5 - Có - O Alf. Mil. Miguel Rocha indaga da possibilidade de obter mais uns maços de tabaco para os rapazes da sua Companhia.
Foto 6 - Có - Missão impossível! A caixa dos cigarros está quase vazia e o que resta tem destino marcado.
Foto 7 - Có - Uma cordial despedida de uma visita vivida com muita simpatia e permanente boa disposição
Foto 8 – Assinando como “Alferes” Cilinha, o cartão dirigido pela Presidente do MNF ao alf. mil. Miguel Rocha, a acompanhar a carta oficial de agradecimento pelo acolhimento que recebeu no aquartelamento em Có.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 DE MARÇO DE 2020 > Guiné 61/74 - P20767: Memórias ao acaso (Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845) (5): Volkswagen "Pão de forma"

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22087: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (85): respondendo ao pedido de colaboração da doutoranda Sílva Espírito-Santo, biógrafa de Cecília Supico Pinto (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Foto nº 1 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > O João Crisóstomo  e o Henrique Matos,o primeiro  comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68),  junto ao monumento comemoratvo dos 500 anos da chegada de Diogo Gomes ao Rio Geba


Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > 1966 > Visita da Cecília Supico Pinto


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > 1966 >  Local de convívio da companhia: sentada, em segundo plano, a Cecília Supico Pinto; o capelão, de costas, dá-lhe as boas vindas; a sua secretária aparece èm primeiro plano, à esquerda.

 


Foto nº 4A  > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) >  Aerograma  > Resposta do Movimento Nacional Feminino a um pedido do João Crisóstomo. Tem a data do correio de Lisboa, 18 de novembro de 1965 [?]
 

Foto nº 4B  > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) >  Excerto do aerograma com resposta a um pedido do João Crisóstimi. Termina assim: "Com as nossas saudações académicas, Pela Secção de Apoio aos Milicianosm Maria do Rosário Domingues".


Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Conteúdo do aerograma do MNF, datado de Lisboa, 17 de novembro de 1965



Foto nº 5A> Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Conteúdo do aerograma do MNF, datado de Lisboa, 17 de novembro de 1965. Excerto.



Foto nº 5B > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Excerto aerograma do MNF, datado de Lisboa, 17 de novembro de 1965 e assinado por Maria Adelaide Sousa Secção de pedidos individuais.

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Mensagem de João Crisóstomo [, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); é um luso-americano, natural de Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras; vive em Nova Iorque; e é um conhecido ativista de causas que muito nos dizem, a nós, portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes],


Date: domingo, 4/04/2021 à(s) 12:08
Subject: resposta ao pedido da Sílvia Espírito-Santis  a Luís Graça( blogue)
 

Prezada Sílvia,
 
Vi o seu pedido no blogue  e a resposta do Luís Graça (*).

Por razões evidentes  acredito que vai receber mais  respostas do que alguma vez imaginou. Aqui está a minha pequena colaboração. Limito-me a enviar alguma informação, 3 fotos e um documento que, pela suas perguntas,  acho mais pertinentes. 

Quanto às suas perguntas  "o que pensava", "o que sabia",   " como encarou as visitas", "efeitos nos ânimos" etc., deixarei que  outros, com mais facilidade  de expressão,  falem sobre isso, que o poderão fazer bem melhor do que eu.  
 
Eis aqui a minha resposta a algumas das suas questões:

(i) João Crisóstomo, residente em Nova Iorque, desde 1975;

(ii) Idade etc:  76 anos; nasci em Torres Vedras em Junho de 1944.

(iii) Serviço militar  como alferes miliciano. Entrada  em Mafra em 26 de Janeiro de 1964. Graduado  como  aspirante,  fui para  Beja onde preparei um pelotão; depois  fui para Lamego onde frequentei o curso de operações especiais (,tipo "Ranger") ; e daí fui para a Madeira em preparação para o Ultramar. Na ausência temporária do capitão da companhia,  fui eu que em 2 de Agosto de 1965  comandei esta companhia de madeirenses (CCaç 1439 ) na viagem para a Guiné,   aonde chegámos a 6 de Agosto de 1965. Regressámos a 18 de Abril de 1967.

(iv) Chegados a Bissau, fomos directamente para o Xime (agosto de 1965) ; um mês  depois, em Setembro, omos para Bambadinca e logo a seguir em Outubro fomos para Enxalé com os seus   destacamentos de Missirá  e Porto Gole.
 
(v) Em Porto Gole (, local onde os primeiros portugueses chegaram subindo o Rio Geba e onde se encontra um padrão alusivo, na data dos 500 anos da sua chegada, foto nº 1)  e onde estive várias vezes como comandante do destacamento, recebi a visita  [, em 1966,]  de Cecília Supico Pinto e sua assistente, trazida pelos fuzileiros devidamente acompanhada e protegida. Evidentemente que a visita, anunciada com antecedência,  trouxe aí nesse dia o comandante da Companhia, capelão e   médico do batalhão de Bafatá a que pertencíamos  e outros militares conforme foto que junto [, Foto nº 2].

(vi) As fotos nºs 2 e 3 foram dois dos momentos dessa visita. A 3ª foto (uma árvore frondosa, algumas mesas improvisadas, bancos feitos de troncos de cites, as paredes com fotos, recortes de jornais etc.) mostra o nosso local de lazer e diversão habitual ( e por este pode compreender o meu pedido ao movimento , conforme mencionado na resposta recebida, vd. Foto nº 5)  e foi neste local que demos as boas vindas à Supio Pinto( sentada num banco/cibe); a secretária  é a senhora de costas, no lado esquerdo da foto e comitiva.   O Capelão, de pé,  mesmo junto da Supico Pinto,  faz o seu discurso...  
 
 (vii) Consciente do papel  do Movimento,  cheguei mesmo a contactá-lo, pedindo suporte e apoio, na forma de presentes de Natal,  letras e músicas populares para ajudar com os nossos momentos de lazer  (quando os havia!), pois conhecidas canções populares  eram um meio que eu achava eficiente e usei várias vezes para  animar os meus soldados.
 
 Não sei se isto ajuda para o que pretende; espero não seja de todo irrelevante . Muitos outros lhe mandarão muito mais e melhor.

sábado, 3 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22062: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (84): Pedido de colaboração aos nossos leitores para resposta a algumas questões sobre o Movimento Nacional Feminino ( Sílvia Espírito-Santo, doutoranda pela Universidade do Minho, biógrafa de Cecília Supico Pinto)


Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.


1. Mensagem de Sílvia Espírito-Santo, investigadora:


Date: quinta, 1/04/2021 à(s) 16:43
Subject:  Informações sobre o MNF - Movimento Nacional Feminino
 

Caro Luís Graça,

Agradeço-lhe a rápida resposta ao meu pedido e o envio dos links que têm óptima informação.

Fico-lhe muito grata pela disponibilidade em publicar o meu pedido de colaboração aos ex-combatentes que seguem o seu blogue.

No âmbito do trabalho académico que estou a desenvolver sobre o Movimento Nacional Feminino (MNF), venho solicitar o favor da colaboração através de uma revisitação de memórias.

Para facilitar o encadeamento de ideias segue um conjunto de questões (a título meramente indicativo), oara ser rspondido poe email:

  • anos em que o militar fez a comissão de serviço, teatro de operações e local(ais) por onde andou;
  • idade e zona de origem do militar;
  • se teve algun contacto directo com o MNF, quer com as "senhoras" do Movimento, quer com a presidente da Organização, Cecília Supico Pinto, e em que consistiu;
  • se durante a comissão,  a unidade ou subunidade  a que pertencia, foi visitada por alguma pessoa da Organização;
  • se sim, como encarou  essas visitas e qual o seu efeito no seu ânimo e no ânimos dos seus camaradas:
  • o que sabia na época,  do Movimento e das frentes em que este actuava nas colónias e na metrópole;
  • alguma vez  se dirigiu directamente ao MNF para pedir alguma coisa e qual a resposta;
  • o que pensava  nessa altura sobre o Movimento  e a sua líder.

Texto a enviar para:

Sílvia Espírito-Santo >  smves@hotmail.com

Cordialmente
Sílvia Espírito-Santo

P.S. - Luís Graça, será que era possível saber a data e o jornal em que foi publicado o anúncio dos aerogramas que vem num dos links que me enviou?


2. Sobre a investigadora, a doutoranda Sílvia Espírito-Santo:

(i) Doutoranda em História Contemporânea na Universidade do Minho, mestre em Estudos sobre as Mulheres na Universidade Aberta, licenciada em História na Faculdade de Letras -Universidade de Coimbra;

(ii) Investigadora integrada do Lab2PT (Laboratório de Paisagens, Património e Território) na Universidade do Minho e membro do projecto WOMASS – Women and Associativism in Portugal, 1914-1974, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, financiado pela FCT no âmbito do projeto PTDC/HAR-HIS/29376/2017;

(iii) Publicou os livros:

Cecília Supico Pinto – O rosto do Movimento Nacional Feminino (Biografia), Esfera dos Livros, Lisboa, Fev.2008;

Adeus até ao teu Regresso, O Movimento Nacional Feminino na Guerra Colonial, 1961-1974, Livros Horizonte, Lisboa, 2003.

(iv) Publicou ainda capítulos de livros e artigos em revistas e participou em Conferências nacionais e internacionais.


 3. Resposta do editor LG:
 
Sílvia, obrigado pelo seu contacto. Temos no nosso blogue umas dezenas de referências quer ao Movimento Nacional Feminino (45) quer à sua fundadora, mentora e líder, a Cecília Supico Pinto (37)... 

Num blogue aberto e plural como o nosso,  há diferentes atitudes e opiniões sobre o papel que desempenho na época esta organização. Mas, de um modo geral, uam boa parte dos militares tinham apreço e até carinho pela Cecília, mesmo quando discordavam politica e ideologicamente dela e do MNF... 

Posso enviar-lhe depois uma lista completa de todos os nossos postes (de um total de mais de 22 mil) que publicámos com estes  dois descritores acima referidos... E vou tentar responder à questão que põe no "post scriptum".
 
Como combinado,  publicamos hoje sua mensagem, com indicação do  endereço de email para os membros da nossa Tabanca Grande (tertúlia)  poderem responder às suas questões e contactá-la para uma eventual entrevista... 

Haverá por certo camaradas nossos mais próximos do MNF, até por razões familiares ou porque estavam em aquartelamentso que foram vitados pela Cecília Supico Pinto. Creio que ela foi à Guiné, quatro  vezes, durante a guerra, 

Espero que a leitura dos postes (e dos comentários) também lhe dê informações preciosas, fotos, contactos, etc. E faço votos para que os nossos leitores mostrem o seu interesse e disponibilidade em responder-lhe. Todos ganhamos com o aumento e o aprofundamento do conhecimento sobre esse período da nossa História, que foi a guerra colonial / guerra do ultramar.

 Saudações / Mantenhas (em crioulo). Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça

____________

Nota do editor:
 

quarta-feira, 24 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22032: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte Vi: (i) batismo de fogo... com a reza do terço; e (ii) uma patuscada... de gato por lebre!


Foto nº 1 >  - Simulando o ataque a um avião inimigo. Cada tiro cada melro... pois aviões ca tem... A tropa não deixa de me surpreender: Antiaéreas em Aldeia Formosa? Os nossos amigos, ou IN, tinham mísseis terra-ar Strela!
 
 
Foto nº 2 - Em Aldeia Formosa, com todas as comodidades embora já batizados, com a 1a comunhão marcada e o Crisma garantido > da esquerda para a direita os furriéis da companhia: Camarada que mudou de vida depois de ir de férias! Costa, Gouveia, Vieira, Albuquerque e o soldado Covas

Foto nº 3 - Aldeia Formosa -No banco da frente> O aluno do Colégio das Caldinhas e Albuquerque (o condutor). No banco de trás: Martins e Costa, armados em grandes senhores


Fig. 4 - Natal em Aldeia Formosa (1972): Gouveia, Martins, Machado, o homem do colégio das
Caldinhas, Costa, Albuquerque e Beires. Todas na bicha para o champanhe...
 
Fotos (e legendas): © Jaoquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-
Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VI

O batismo de fogo... com a reza do terço


Entramos na rotina de patrulhas no mato; fazer a proteção à coluna semanal para Buba e principalmente fazer a proteção a uma equipa de engenharia do exército na construção de uma estrada, de interesse estratégico, com o objetivo de criar as condições de segurança para a reocupação de tabancas abandonadas, no tempo do antigo governador [, gen Arnaldo Schulz?], por força da intensa atividade do IN na zona com elevadas perdas humanas.

Todos as manhãs a azáfama era grande na preparação da coluna que partia diariamente de Aldeia Formosa para a frente de trabalhos. Esta coluna transportava´,  para al
ém dos soldados, (i)  um grande grupo de homens da população empunhando grandes catanas (os chamados capinadores), que tinham a árdua tarefa de seguir à frente dos trabalhos capinando todo o tipo de vegetação para permitir a entrada das máquinas;  (ii) os manobradores das máquinas de engenharia;  bem como (iii) alguns elementos da população, sempre acompanhados pelas suas cabras, galinhas e porcos, na sua deslocação a Mampatá.

Quanto à coluna para Buba, a primeira vez que o meu pelotão foi escalado para fazer a sua proteção, fiquei impressionado com os preparativos para a mesma. Não havia Berliet que não levasse,  para além dos soldados, que faziam a proteção, grandes grupos de população local (em grande algazarra) em trânsito para as diferentes tabancas que ficavam no caminho até Buba, sempre acompanhados pelas suas cabras, galinhas e porcos; que fugiam e esvoaçavam por cima e por baixo das viaturas recusando o embarque (sim… os porcos voavam!).

Não obstante a insistência do chefe da coluna de que nem todos, por razões de segurança, podiam fazer a viagem, ninguém ficava em terra.

Fazer aquela coluna era sempre uma grande odisseia: no tempo das chuvas,  o adversário maior era a lama, o atolar de várias viaturas, bem como o remoção de árvores caídas na picada. No tempo seco o grande adversário era o pó fino vermelho da picada que se levantava em nuvem, não permitindo ver as viatura que iam na frente. Era um ar irrespirável, mesmo com o lenço tabaqueira na boca a servir de máscara. 

Chegados a Buba e no regresso a Aldeia Formosa,  ninguém reconhecia ninguém, só se viam os olhos, dada a quantidade de pó vermelho colada no rosto com o suor. Durante vários dias, do que saía da boca e nariz o pó vermelho predominava.

Não era permitido mas muitos soldados se ofereciam para fazer a viagem na arrastadeira (a dita viatura rebente-minas) na época seca na ânsia de fugir ao pó.

A famosa Cecília Supico Pinto (mais conhecida no teatro de guerra por Cilinha, destemida presidente do Movimento Nacional Feminino) (#), nas suas inúmeras visitas à frente de Guerra viajava, segundo alguns relatos, nesta arrastadeira para evitar o pó por forma a chegar sempre com aspeto aceitável junto dos soldados. Nunca assisti a uma visita sua mas de acordo com os relatos fazia questão de se deslocar às zonas mais perigosas,  vestida como fosse a uma festa nos salões do Casino do Estoril.

Entretanto, como bons cristãos, tudo começa com o batismo… com muita reza… e muita “festa”.

Poucos dias após a nossa chegada a Aldeia Formosa, estava eu a jogar com o Gouveia (O Beirão , “Alcaide de Almeida”) uma partida de damas, a fazer horas para o jantar (geralmente arroz com estilhaços), quando vejo um clarão e ouço um grande estrondo na copa de uma árvore junto de nós, seguida de rajadas de metralhadora e mais rebentamentos espalhados pelo quartel, com a resposta quase imediata das nossas antiaéreas (que faziam fogo direto para a mata) e de metralhadoras.

Mas que grande “festival” com os RPG a rebentarem por cima das nossas cabeças e o “matraquear” das metralhadoras de um lado e do outro! 

De tal maneira fiquei atrapalhado (, foi um batismo assustador, reagindo no momento, quase... como o amigo “merdalómano” de Tavira, ) que permaneci imóvel, sem saber o que fazer e completamente atarantado, com toda a gente a fugir para as valas. Saio deste torpor empurrado por um “velhinho” para a vala ainda com o tabuleiro na mão que de seguida voou com um chuto do camarada e lá nos resguardamos, eu numa vala e o Gouveia noutra.

Passado uns segundos cai em cima de mim um peso enorme – era o Sargento Redondeiro que, na queda, me prende uma perna, situação bastante dolorosa. Então na vala alguém começa a rezar:

− Ai, minha mãezinha,  reza por mim!

Ao que eu respondo:

– Ai, Redondeira,  liberta a minha perna!

E ele:

− Ai, nossa Senhora de Fátima tem piedade de nós!

E eu:
−  Ai,  Redondeiro liberta a minha perna!

E ele:

− Ai, meu bom Jesus, cuida de nós!

E eu:

− Ai,  Redondeiro, liberta a minha perna!

E a lengalenga continuou... E assim estivemos os dois a “rezar o terço” até ao fim do ataque. No final não sei se fiquei mais aliviado por o Redondeiro libertar a minha perna, se pelo fim do ataque do IN…

Recordo sempre com muita saudade e ternura este bom homem, contudo, em nome da verdade, depois de sairmos da vala, não identifiquei o homem que rezou comigo.


Gato por lebre...


Já com amizades consolidadas com os velhinho de Aldeia Formosa, juntamente com outros camaradas, fomos convidados, por um furriel africano, para uma patuscada.

O nosso amigo guineense, grande caçador, havia caçado, segundo se constava, uma cabra de mato e fazia questão de a partilhar com os periquitos acabados de chegar.

A convites destes “não se olha a dente”, é de aceitação obrigatória, particularmente vindo de um simpático amigo furriel guineense com fama de grande caçador e mais de bom cozinheiro.

Quando chegamos já se sentia o cheirinho agradável dos condimentos próprios da região na preparação da carne.

Para quem comia ao almoço ração de combate e ao jantar arroz com estilhaços, tínhamos a sensação de estar no Artur, em Carviçais (restaurante em Torre de Moncorvo especialista em carne de caça), pelo que fomos molhando a goela com umas cervejas, utilizando como lastro umas bem torradas castanhas de caju…

Enquanto esperavamos, o nosso anfitrião lá nos foi contando as suas histórias de grande caçador (na altura praticamente impossível por razões óbvias) bem como a melhor forma de preparar cada peça de caça. Para cada peça a sua arte: gazela, cabra de mato ou porco espinho cada qual o seu tempero.

A conversa era boa mas a fome já apertava, pelo que fomos ocupando os nossos lugares para o repasto. Chega o dito à mesa, com um aspeto esplêndido e um cheirinho de fugir. Ao primeiro pedaço sentiu-se um sabor divinal. Enquanto houve carne, houve um silêncio de igreja (não confundir com roubo de igreja).

Terminado o repasto, bem regado, logo apareceu uma viola alegrando o ambiente soltando-se algumas vozes, um pouco roucas devido ao gindungo, cantando músicas africanas (a caminho do porto cais,  furriel com a carta na mão...). 

Chegada a hora da partida, enquanto agradecíamos o convite para tão fausto jantar, o anfitrião, com toda a candura diz alto e bom som: ainda bem que os meus amigos gostaram, não há ninguém melhor do que eu a preparar macaco-cão…

Com o aumento da pobreza extrema na Guiné-Bissau, nos dias de hoje, mais de 1500 macacos são vendidos anualmente como carne nos mercados urbanos da Guiné-Bissau, mas muitos mais são caçados e não chegam ao destino, temendo-se a extinção de algumas espécies .

Os cientistas constataram também que é difícil identificar as carcaças de primatas que chegam aos mercados urbanos, o que compromete os esforços de conservação.

Vendem gato por lebre. Diziam estar a vender uma determinada espécie, mas depois a grande maioria pertencia a outra espécie.

Da grande colónia de macacos com os quais convivemos diariamente na altura, e que faziam as nossas delícias, muitas vezes confundindo-os com grupos do IN, de acordo com as informações que chegam de alguns cooperantes, hoje na Guiné, com o consumo nas zonas rurais como subsistência e com o comércio organizado, já é muito raro encontrar esta espécie nas matas da Guiné.

(Continua...)
____________

Nota do autor:

(*) Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto (Lisboa 30 de Maio de 1921 – Cascais 25 de Maio 2011) conhecida popularmente como “Cilinha”, foi a criadora e presidente do Movimento Nacional Feminino, uma organização de mulheres que durante a guerra colonial prestou apoio moral e material aos militares portugueses. Era esposa de Luís Supico Pinto, antigo ministro da Economia de Salazar

No cargo de criadora e presidente do Movimento Nacional Feminino, em 1961, atingiu grande popularidade e uma considerável influência política junto de Oliveira Salazar e das elites do Estado Novo. Visitou com muita frequência as tropas em África (tinha um carinho especial pela Guiné - a quem chamava a minha Guinézinha), promoveu múltiplas iniciativas mediáticas para angariação de fundos.

Granjeou um carinho muito especial dos militares da Guiné, mesmo daqueles que estavam nas antípodas (que eram quase todos) dos valores que defendia, pela sua coragem, deslocando-se aos locais mais isolados, sem quaisquer tipo de mordomias especiais, estando mesmo algumas vezes debaixo de fogo sem nunca demonstrar o mínimo de receio ou pânico.

A todos dava uma palavra de ânimo e conforto sempre com um semblante alegre e genuíno. A ela se deve a criação do mítico aerograma bem como a distribuição de livros e outros materiais em particular no Natal. Chegou a desafiar Salazar, que enfatizava o seu amor às colónias, a acompanhá-la numa das suas visitas a África, sem sucesso,  já que o homem nem a Badajoz foi comprar caramelos. Nunca saiu da sua zona de conforto.. a mesma que o acabou por matar!!!
___________

Nota do editor:

(...) Com a nossa chegada a Aldeia Formosa as mulheres locais acorreram em grupos à procura dos “periquitos” oferecendo os seus préstimos para a lavagem da roupa.

O dia da lavadeira era o mais esperado da semana no quartel. Vinham em rancho com os seus trajes coloridos, com a trouxa de roupa à cabeça e uma alegria contagiante nos rostos. Aguardavam impacientes junto ao sentinela a autorização para entrarem no quartel, o que geralmente acontecia ao meio da tarde, e era vê-las entrar em grande algazarra, de sorrisos rasgados, dispersando-se pelo quartel como rebanho comunitário acabado de chegar, do monte, ao povoado. (...) 

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21467: (De)Caras (165): Cecília Supico Pinto, em Cufar, em fevereiro de 1966 (Mário Fitas, ex-fur mil op esp, CCAÇ 763, 1965/67)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Delegação do MNF, de visita a Cufar. Sabemos que nessa delegação estva integrada a 
Cecília Supico Pinto, presidente do MNF, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento.A elas se juntaram também a esposa do cap Costa Campos.Mas temos sérias dúvidas sobre se alguma destas semhoras era a Cecília Supico Pinto,

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar]: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Ao lado da Cecília Supico Pinto,  diz o Mário Fits, à sua direita, a esposa do comandante de "Os Lassas", o cap Costa Campos, Maria da Glória (França)... A outra senhora à esquerda devia ser  a Renata da Cunha e Costa, da comissõa central do MNF, que acompanhou a presidente na 1ª visita à Guiné. (**)

Por ocasião do 9º Encontro da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/67), realizado em 2007, em Almeirim, por ocasião dos 40 anos do regresso de "Os Lassas", o Mário Fitas homenageou  também a  "sra. professora, enfermeira e companheira de guerra Maria da Glória (Dª. França)", agradecendo-lhe a "doação total à CCAÇ 763", razão porque, no seu entendimento, ela devia "ser considerada como parte integrante desta Companhia".


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) >  Mário, esta senhora não podia ser a Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (1).

 

Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) >  Esta senhora não podia ser a Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (2).

  

Foto nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Esta senhora não podia ser a 
Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (3).

Fotos (e legendas): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar]: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em fevereiro de 1966, a então presidente do Movimento Nacional Feminino (MNF)  visitou a Guiné, pela primeira vez, acompanhada de Renata da Cunha e Costa. (**) 

Não sabemos, com detalhe, o percurso da visita... Mas sabemos que esteve na Região de Tombali, em Cufar e, seguramente, em Catió...Mas também, na Região do Cacheu, em Binta, pro exemplo...

Fomos agora recuperar várias  fotos do Mário Vicente Fitas Ralhete, o nosso querido amigo e camarada Mário Fitas, cofundador e  "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô, que vive no Estoril.   

O Mário Fitas foi fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Nome de guerra: "Mamadu"...É  autor de:

(i)  "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (inédito, 2ª versão, 201o, 99 pp.);

(ii)  "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.


2. Contexto das fotos acima reproduzidas (, fotogramas de um DVD, proveniente muito provavelmente de um filme em 8 mm, a cores, feito na altura da visita, em fevereiro de 1966):

Foto nº 1:

(...) Como reconhecimento do seu trabalho, os Lassas recebem dias depois a visita da Sra. Presidente do Movimento Nacional Feminino, Dª. Cecília Supico Pinto, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento. 

Deixaram uma máquina de projectar filmes de 8 mm, uma viola e mais uns pacotes de cigarros. (...)

No Hospital Militar [, onde entretanto é internado para uma cirururgia à hérnia], ao princípio da tarde Mamadu acordou. (...)

Na tarde seguinte, apareceram umas senhoras simpáticas do MNF, a quem Mamadu informou gostar bastante de ler, e pe­diu se lhe arranjavam “A Besta Humana”, do Émile Zola. Muitas desculpas mas não conheciam a obra, no entanto iam tratar do assunto. Até hoje não teria sido lido, se o próprio não o tivesse comprado. (...)

Neste tempo todo, desleixou um pouco a correspondên­cia. Fragilizado, como pedinte, apenas mandou um bate-e
stradas (aerograma) à Tânia, muito simples e cauteloso, a solicitar se queria ser sua madrinha de guerra. Era uma forma hábil de contornar e chegar lá. Sem problemas, podia morrer mouro porque ao SPM. 2628 nada chegou, vindo de Terras do Lado do Norte. Madrinha não haveria.  (...)

Fotos nºs 2, 3, 4 e 5 (***)

[enviadas por ocasião da notícia da morte da ex-presidente do MNF, extinto em 22 de juklho de 1974, por despacho do Ministro da Defesa Nacional] 

(...) Sem qualquer preconceito político, revelo aqui a minha admiração por uma mulher que soube conviver com os jovens soldados nos tempos da guerra (hoje velhos Combatentes).

Julgando ser de interesse para o Blogue e para a história do conflito na Guiné, anexo algumas fotos da D. Cecília Supico Pinto (com a esposa do Cap Costa Campos, comandante da CCAÇ 763) em Cufar, terra dos Lassas.

Em duas das fotos podemos vê-la acompanhada de D. Maria da Glória (França). (...)

3. Na altura da morte de Cecília Supico Pinto, em 25 de maio de 2011, a escassos dias de completar os 90 anos, o nosso blogue prestou-lhe uma homenagem, espontânea, a que lhe era afinal devida (****). 

Publicaram-se na altura mais de duas dezenas de  mensagens. Destacam-se a de dois camarada  que a conheceram em vida, o Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro (Monte Real), e o JERO (Alcobaça), e cujas mães pertenceram ao MNF.

(i) Joaquim Mexia Alves:

(...) Caros camarigos:

Morreu uma grande Senhora!

Conheci-a pessoalmente por diversas vezes, visto que a minha mãe foi dirigente do MNF em Leiria.

A mim não me interessam neste momento quaisquer ilações politicas ou outras, mas tão só olhar a mulher que dedicou a maior parte da sua vida aos soldados de Portugal e sobretudo das suas famílias.

Quem assim se dá em prol dos outros merece sempre a nossa bondade e o nosso elogio.

Que Deus a tenha no Seu descanso.

Um abraço camarigo para todos e também para ela, que à sua maneira era nossa camariga.


(ii) JERO  [José Eduardo Oliveira]:

(...) Já lá vão uns bons 30 anos mas recorda-me como se fosse hoje. Trabalhava então na Fábrica de Porcelanas SPAL, em Alcobaça, e vindo do Sector Fabril avistei na entrada da Sala do Mostruário uma figura que, à distância, me pareceu ser familiar e que perguntava qualquer coisa à telefonista. 

Aproximei-me e percebi que a senhora em causa, de uma certa idade, pretendia comprar um serviço de chá (ou café). A telefonista Susana com a simpatia que lhe era habitual informava que a Fábrica não atendia público. Teria que se dirigir a uma loja para o efeito que pretendia.

Parei e reconheci a senhora. Era a Cilinha Supico Pinto. Disse-lhe que era o responsável comercial da Empresa e que no seu caso iríamos abrir uma excepção. «Porque a Senhora visitou em tempos a minha Companhia no norte da Guiné. Em Binta. A Companhia 675 do Capitão Tomé Pinto, que pertencia do Batalhão 490, do Tenente Coronel Fernando Cavaleiro...  Eu fui um dos seus rapazes combatentes. E a minha Mãe, Maria Fernanda Oliveira, tinha pertencido em Alcobaça ao MNF em meados da década de 60.»

Não mais esquecerei o seu sorriso e o seu abraço. Estou a escrever de lágrimas nos olhos.
Devo a essa Grande Senhora este momento de ternura e de saudade.

Bem hajam os Homens Grandes do nosso blogue por terem prestado à Dª.Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto esta merecida e sentida homenagem. Aceitem um abraço de gratidão do JERO. (...)

(***) Vd. poste de 3 de junho de  2011 > Guiné 63/74 - P8371: In Memoriam (82): Fotos de Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, antiga Presidente do Movimento Nacional Feminino (Mário Fitas)

(****) Vd. poste de 31 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8350: In Memoriam (81): Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, Presidente do Movimento Nacional Feminino (30 de Maio de 1921 - 25 de Maio de 2011) (Teresa Almeida / José Martins)