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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (Manuel Traquina) (3): Contabane, 22 e 23JUN68: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios

Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Uma monumental baga-baga (candidato ao concurso O Melhor Baga-Baga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de Junho de 1968. Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto: © Manuel Traquina (2008). Direitos reservados

1. Já aqui publicámos duas ou três histórias do Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, a última das quais foi o relato do ataque à povoação de Contabane, ocorrido em 22 de Junho de 1968 (*). O nosso camarada está connosco desde o início do ano de 2008, honrando-nos com a sua presença na Tabanca Grande. Sabemos que vive em Abrantes, eastando reformado como técnico do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Sabemos ainda que tinha por hábito escrever pequenas histórias no seu tempo de Guiné (onde andou por Buba, Aldeia Formosa, Contabane, entre 1968 e 1970). E que já publicou cinquenta artigos , alguns com fotogografias, na imprensa regional (Jornal de Abrantes) relacionados com as suas memórias de guerra. Ficamos, por fim, felizes por saber que tenciona reunir estas estórias em livro. E mais felizes ainda por ele continuar a mandar-nos material para publicar no blogue...

O Traquina é um excelente contador de estórias/histórias, que merece ter a sua série própria, como o Juvenal Amado, o José Teixeira, o Torcato Mendonça, o Jorge Cabral, o Paulo Santiago, o Beja Santos e tantos outros. A partir de agora as suas estórias não serão mais avulsas. Não consegui falar com ele ao telefone, mas deduzo que ele queira dar seguimento, no blogue, a essas estórias. Começamos a série com esta evocação do ex-Fur Mil Trms Pinho, há tempos falecido. (Esta é a nossa melhor maneira de homenageá-lo e de manifestar a nossa solidariedade à sua família enlutada.) (LG)


2. Histórias de Manuel Traquina (3): O Pinho e os seus rádios
por Manuel Traquina (**)

O Furriel Pinho, da especialidade de transmissões, era o encarregado do equipamento rádio da companhia [, a CCAÇ 2382]. Para seu azar, os aparelhos que lhe foram confiados, bastante usados, já com alguns anos de guerra, normalmente estavam avariados. Por outro lado, ele próprio dizia que não percebia grande coisa daqueles aparelhos, e para quem o conheceu e com ele conviveu naqueles tempos de guerra diga-se que era dado à boa paz. De facto, não tinha nascida para a guerra.

Instalados que estávamos na aldeia de Contabane, ao nosso amigo Pinho não lhe faltavam dores de cabeça com os seus rádios, por isso ele se tinha deslocado ao aquartelamento de Aldeia Formosa, a fim de proceder à reparação de algum material. Porém o comandante daquela unidade, e daquela zona operacional, ameaçava-o constantemente com punições, se não conseguisse que os rádios funcionassem.

Naquela noite, em Aldeia Formosa, ouviu-se um bombardeamento na direcção de Contabane, e foi visível também o clarão do incêndio que destruíu a aldeia. Mais uma vez os rádios de Contabane estavam “mudos”. O comandante chama o Pinho e dá-lhe as seguintes ordens:
- Logo que comece a amanhecer vai pôr pernas a caminho de Contabane, com dois milícias (soldados guineenses) e quero aqueles rádios a funcionar.

Naquela zona, de certo modo perigosa, de madrugada lá partiu ele com aqueles dois guarda-costas. Os cerca de quinze quilómetros que separavam as duas localidades foram percorridos pelo mato, era preciso evitar trilhos concorridos e a própria estrada.

É bom que se diga que o Pinho estava na Guiné havia pouco mais de um mês. Também tinha dúvidas sobre até que ponto poderia depositar confiança naqueles dois acompanhantes. Pelo sim pelo não, optou por pô-los a andar à sua frente e segui-los de arma na mão... Ao narrar esta sua aventura o Pinho costumava dizer:
-Se caísse um coco naquele caminho, acho que me borrava todo.

Mas depois desta grande aventura , na madrugada daquele dia, 23 de Junho de 1968, o Pinho lá chegou a Contabane, são e salvo, e só então compreendeu a mudez daqueles malfadados rádios!... É que eles estavam irremediavelmente perdidos, carbonizados no incêndio provocado pelo ataque do inimigo, que naquela noite destruiu a Aldeia.

Passados que foram já quarenta anos sobre este acontecimento, e porque o falecimento deste meu grande camarada e amigo ocorreu recentemente, vítima de doença incurável, daqui lhe rendo a minha homenagem e envio sentidas condolências a sua esposa e Filho.

Manuel Batista Traquina

PS - Na foto um enorme Baga-Baga, na zona de Contabane, arquitectura da formiga guineense.
_________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

(...) "Tinha anoitecido e, de repente, algumas explosões deram início a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à tabanca onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças, arrastou-se até à porta e, no escuro, sem que nos apercebêssemos desapareceu rastejando. Só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

"Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia ficou reduzida a cinzas, mais parecia um inferno. No final foi uma forte trovoada que transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. Não tenho dúvidas de que nós os militares que naquela tarde fomos à água, passámos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e só não fomos feitos prisioneiros porque o objectivo era o ataque.

"Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos, dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado. Grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida.

"Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero. Era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

"Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que ao pisar a armadilha foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos" (...).


(**) Vd. postes de:

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)

23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina).

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane


1. No dia 5 de Julho de 2008, o nosso camarada Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, enviou-nos, para publicação, este relato do ataque à povoação de Contabane, ocorrido em 22 de Junho de 1968.



Companhia de Caçadores 2382 (1968/70) (*)




O Ataque a Contabane

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca, à volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efectuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o Furriel Enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o Sargento João Boiça apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à tabanca onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno, no final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. Não tenho dúvidas de que nós os militares que naquela tarde fomos à água, passamos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e, só não fomos feitos prisioneiros porque o objectivo era o ataque. Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que ao pisar a armadilha foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de Junho ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos não neste ataque, mas noutros que se seguiram, Furriel Ramiro de Sousa Duarte e o Soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia, quero também saudar todos os militares da 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas.

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil
________________

Notas de CV:

Vd. postes de:

2 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1970/72)

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3041: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (6): O cabaço da bajuda

Foto 1 > Soldados da Milícia de Mampatá

Foto 2 > A Ádada, mulher do régulo Suleimane


Foto 3 > O Aliu Baldé
Foto 4 > A mulher do régulo Shambel de Contabane, mãe do Suleimane
Foto 5 > Nobia na tem kabaço. Manga de ronco Fotos e legendas: © José Teixeira (2008). Direitos reservados.


1. Publicamos hoje mais umas Notas Soltas do nosso camarada José Teixeira, ainda a propósito da sua ida à Guiné-Bissau, por altura do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008).

2. O Cabaço da Bajuda. 

Por José Teixeira 

 Na minha recente peregrinação à Guiné-Bissau, fui visitar um velho amigo de Mampatá, agora régulo em Sinchã-Shambel – Saltinho. O Suleimane Shambel é filho do falecido régulo de Contabane, tabanca assaltada e queimada pelo IN em 22 de Julho de 1968. 

Parte de uma Companhia operacional que lá estava estacionada, regressou em 24 de Junho do mesmo ano a Aldeia Formosa com a roupa que tinham aquando o ataque, tal foi a violência do mesmo. O régulo Shambel fixou-se em Aldeia Formosa. A população dividiu-se entre Aldeia Formosa e Saltinho, até ser reagrupada em Sinchã-Shambel. 

O meu amigo Suleimane fixou-se em Mampatá, integrando o Pelotão de Caçadores Nativos (Milícia local), tendo casado com a Ádada (*), filha do régulo local, Aliu Baldé. 

 Aí convivemos durante seis meses. Agora voltámo-nos a encontrar, para reviver velhos tempos. Sentado num trepo (banco de três pernas) conversávamos os três animadamente, recordando outros tempos, recordando amigos(as), alguns vivos e localizáveis, outros em lugar incerto e tantos que já partiram… 

 Eram cerca de três da tarde, quando se começa ouvir um burburinho, que se deslocava na nossa direcção. Um coro de vozes femininas a cantarolar em simultâneo com gritos e risos que reflectiam alegria e boa disposição. Poucos segundos depois, passa à nossa frente uma procissão de bajudas e jovens mulheres. Uma das da frente levava um pau tipo bandeira com um pequeno pano vermelho pendurado na ponta. A algazarra era enorme. As mulheres espreitavam e batiam palmas, os homens lançavam uns sorrisinhos marotos, face àquela festa. 

 Eu, embasbacado, perguntei: 

- Ádada, que festa é esta? 

 Ela com um sorriso malandro retorquiu: 

- Ontem houve casamento, grande ronco. A noiva ergueu-se agora da cama e mostrou o lençol com sangue. Bajuda na tem kabaço. É ronco, é festa. As outro bajudas estão a mostrar a população qui noiva na tem kabaço mesmo

- Até ontem! - Comentei. 

- Sim, hoje já não tem. 

- O lençol tinha sangue dela ou de alguma galinha que lá puseste. - disse eu com ar de malandro. 

 Uma gargalhada geral encerrou a conversa enquanto eu seguia com os olhos o grupo de mulheres que se deslocava tabanca fora na sua alegre cantilena. 

 Hoje recordo como foi diferente o casamento em Dezembro de 1968 da Mariama de Mampatá: 

 (i) Os preparativos, desde o pentear do cabelo que demorou horas; 

(ii) A chegada do noivo e sua comitiva, vindo de Aldeia Formosa; 

(iii) A festa contida pela necessidade de não se fazer demasiado barulho para não acordar o IN; 

(iv) O batuque que acabou ao escurecer para que o silêncio se impusesse e os ouvidos se concentrassem em possíveis ruídos ameaçadores; 

(v) A expectativa no dia seguinte em ver o lençol pintalgado de manchas vermelhas, sinal de que a Mariama ainda tinha kabaço. Cena de que fui delicadamente afastado por uma mulher grande. 

 Zé Teixeira

(*) Em escritos anteriores falei da alegria que senti quando a Ádada me reconheceu em 2005, 

altura da minha primeira visita à Guiné-Bissau no pós-guerra.

________

  Nota de CV: 

 Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2816: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (5): Água, fonte de vida para as gentes de Cabedu

domingo, 25 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2302: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (14): Ilustres visitantes no Saltinho

Paulo Santiago
ex-Alf Mil
Pel Caç Nat 53
Saltinho
1970/72




Visitantes ilustres no Saltinho (*)

Sendo a CCAÇ 2701 uma das Companhias do Batalhão sediado em Galomaro, havia alguma dependência, operacional e logistica, daquela Companhia perante o Batalhão localizado em Aldeia Formosa (ou Quebo).

Era os obuses 14 do Quebo, já aqui evocados em memória anterior, que nos davam protecção, quer no quartel, quer em patrulhamentos ou operações para os lados de Contabane.

No aspecto logístico, era possível, aconteceu comigo, pessoal que se encontrava em Bissau regressar ao Saltinho, via Aldeia Formosa, apanhando o Nord-Atlas, fazendo posteriormente a cambança do Corubal, na zona de Ura Candi. Até à margem esquerda vinham militares de Aldeia, na margem direita estavam os militares da CCAÇ 2701 ou do Pel Caç Nat 53.



Rio Corubal> Ura Candi> Local de cambança e respectivas canoas

Foto: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados



Houve um incidente nesta cambança que poderia ter tido um desfecho trágico.
Durante algum tempo, em 1971, operou no TO do CTIG um avião (P2 V5 ?) que diziam ter base em Cabo Verde.

Aconteceu, na altura em que se efectuava uma cambança, aparece um daqueles aviões, o piloto, inexperiente na Guiné, olha para o mapa, vê assinalada uma zona de duplo controle e vá de mandar umas rajadas de metralhadora em direcção às canoas, com o pessoal, apercebendo-se do engano, a gesticular para a aeronave. Os militares de Aldeia conseguiram, via rádio, que o piloto tirasse o dedo do gatilho.

Felizmente só houve danos numa canoa, mas o piloto deve ter ficado convencido que acertara em alguém, pedindo uma evacuação para o Saltinho, onde chegou um heli quase ao mesmo tempo que os militares vindos da cambança.

Este incidente serviu para alegrar o olhar ao pessoal, pois no heli vinha uma bela (pelo menos era branca) enfermeira pára-quedista, e, não havendo ninguém para evacuar, foi juntamente com a tripulação beber algo ao bar, provocando grande ajuntamento à porta daquele.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O temível helicanhão. Um Alouette III, com canhão lateral de calibre 20 mm. (**)


Foto: © Paulo Raposo (2006). Direito reservados.

Voltamos à cambança do Corubal poucas semanas após aquele incidente. Vinham de visita ao Saltinho o Comandante do BCAÇ, sediado em Aldeia Formosa, Ten Cor Agostinho Ferreira, o Oficial de Operações Major Pezarat Correia, Comandante da CCAÇ 18, Cap Mil Rui Ferreira e um Fur Mil de Informações do qual não recordo o nome.

O Ten Cor Agostinho Ferreira, mais conhecido pelo petit-nom Metro e Oito era um daqueles oficiais superiores, por serem raros, que dava nas vistas pelo seu trato e pela sua jovialidade.

O Rui escreve no Rumo a Fulacunda (***) que aquele Ten Cor acompanhava-o no mato em operações. Conheci outro com as mesmas características, o Ten Cor Polidoro Monteiro, comandante do BART de Bambadinca.

As visitas foram bem recebidas, prolongando-se a sessão de copos até alta madrugada no bar de oficiais e sargentos.

No dia seguinte, eu e o Clemente acompanhámos os visitantes até ao Xitole onde estava programado um almoço em casa do comerciante Jamil Nasser.
Coluna não existiu, fomos os seis, um pouco apertados, num único jipe. Maluqueiras...

O almoço foi um chabéu muito bem confecionado pelo empregado do Jamil.

Estava também presente o comandante da CART do Xitole. Comeu-se muito bem, e, como é costume dizer-se, bebeu-se muito melhor. Terminado o repasto, bem bebidos, lá nos voltamos a enfiar os seis no jipe em direcção à cambança, onde às 15,30 horas estaria pessoal para cambar os nossos visitantes para a outra margem do Corubal.

Correu tudo conforme o previsto. No regresso da cambança, com o jipe mais leve, só eu e o Clemente, este que sempre foi um pouco acelerativo, vinha a andar nos limites e, quando saíamos da tabanca de Ura Candi para flectir para a picada Xitole-Saltinho, inopinadamente aparece-nos um poste do arame farpado à nossa frente, sendo logicamente atropelado.

Passados poucos dias tivemos mais quatro visitantes, vindos de Fá, onde se formava a 2.ª CCmds Africanos. Era o Major Comando Miquelina Simões, o Ten Comando Oliveira, o Fur Mil Comando Bebecas que conhecia de Lamego, e o 2.º Sarg Cmd Teixeira.


O Major Miquelina Simões tinha feito uma comissão, penso como Capitão, em Aldeia Formosa conhecendo bem o Régulo Sambel de Contabane, antes da destruição desta tabanca. Como Contabane se situava agora junto do Saltinho, daí a razão da visita.

Nesta comitiva chamava a atenção, pela maneira como usava a farda, pelo lenço preto à volta da cabeça com a boina por cima, o Sarg Teixeira, com quem vim depois a ter várias conversas, acompanhadas a cerveja, em Bissau.


Recordo uma. O Teixeira já tinha mais de uma comissão na Guiné, e diziam que operacionalmente era fora-de-série, penso que tinha algumas condecorações, das quais nunca me falou. Falou-me sim, da primeira porrada que apanhou.

Num ano, não sei precisar, apareceu na Guiné o primeiro heli-canhão. Para o testar é marcada uma operação para o dia 1 de Outubro desse ano, onde o Teixeira segue no comando de um grupo de combate. Não encontram guerrilheiros, mas há população, controlada pelo IN, que foje à aproximação dos militares e quando entra numa bolanha vem o heli-canhão, limpando tudo, velhos, mulheres e crianças.


O Teixeira ficou lixado e, quando regressou ao quartel donde partira, tratou abaixo de cão o comandante da operação, dizendo-lhe que só encontrava uma desculpa para aquela mortandade - em Portugal abria naquele dia a época de caça, onde os caçadores, após um ano de paragem, atiravam a tudo que mexesse, o heli-canhão fizera o mesmo.

Levou com dez dias de prisão.

Paulo Santiago
___________

Notas do co-editor CV:

(*) Vd. Último post da série, de 7 de Novembro de 2007> Guiné 63/74 - P2246: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (13): O batuqueiro de Contabane e o livro do PAIGC

(**) Vd. post de 6 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P941: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (13): Operação ao Fiofioli

(***) Vd. post de 4 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui Ferreira)

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2246: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (13): O batuqueiro de Contabane e o livro do PAIGC

Guiné > Zona Leste > Contabane > 1972 > À direita, o batuqueiro que um dia ofereceu ao Paulo Santiago, comandante do Pel Caç Nat 53, o livro do PAIGC e um cinturão, tendo desaparecido no dia seguinte...

Foto: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados


Capa do manual escolar do PAIGC O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia) (1)

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Paulo Santiago (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72):

Boa Noite, Luís:


Era minha intenção contar, numa futura memória (2), como me veio parar às mãos o livro da 2ª classe [do PAIGC]. Atendendo aos posts publicados, julgo oportuno divulgá-lo neste momento.

Uma noite, em Contabane, quase no fim da comissão, e após uma tarde de batuque, o batuqueiro veio ter comigo, chamou-me para o meio do Reordenamento, retirando de junto dos tambores o referido livro e um cinturão,usado pelos guerrilheiros, tendo-me oferecido os dois.

No dia seguinte já não o encontrei, tinha seguido, ainda cedo, para uma outra tabanca qualquer. Não o voltei a ver. Não sei, até hoje, qual o motivo da oferta do livro e do cinturão.

Conhecia o referido batuqueiro há muito tempo, era frequente passar, periodicamente, pela zona do Saltinho.

Abraço
P. Santiago

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Paulo, por me teres contado a história do livro, conforme o meu pedido... Não há gestos inocentes ou neutros ou inteiramente desinteressados: o teu amigo batuqueiro deveria ser um simpatizante ou até um militante do PAIGC... Andando de aldeia em aldeia, como os dgilas, até podia ser um agente duplo, fazendo simultaneamente o jogo da PIDE/DGS e do PAIGC... Qualquer das duas hipóteses é verosímil...

De qualquer modo, ele sabia que tu ias valorizar este ronco... Incapaz de compreender o que dizia o livro, como a imensa maioria dos guineenses - a começar pelos teus e os meus soldados, que eram soldados de 2ª classe, porque justamente não sabiam ler nem escrever o português -, o teu batuqueiro achou que era uma honra, para ele, oferecer um objecto fétiche como este ao alfero, comandante do reordenamento de Contabane... Repara que é um belo manual, com desenhoa cores, muitas letras, e no fim uma fotografia, a cores, do Amílcar Cabral, que muitos guineenses, simpatizantes e militantes do PAIGC, nunca terão visto ao vivo... Admitamos até que o teu batuqueiro foi apenas um correio, encarregue de te levar a encomenda... Se assim foi, a mensagem do remetente só podia ter uma leitura:

- Tuga, a razão não está na força das tuas armas, mas na justeza da nossa luta...

A verdade é que a encomenda ficou em boas mãos e, trinta e cinco anos depois, aqui está uma bela estória, que já contaste aos teus filhos e que agora transmites aos teus velhos camaradas de Guiné... Obrigado, amigalhão.
_____________________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de 27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2221: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (1): Bandêra di Strela Negro (Luís Graça / Paulo Santiago)

(2) Vd. post de 23 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2064: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (12): Evocando todos os militares do 53

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2037: Memória dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

1. Segunda e última parte do texto do João Parreira, evocativo do seu reencontro com os antigos camaradas da CART 730

Metrópole – Biambe- II Parte (1)

O tempo foi-se passando em Bissorã. O Capitão de Artilharia Aníbal Celestino Rocha, Oficial de Operações do Batalhão, deslocou-se a Bissorã por razões que desconheço, e falou-me dos Comandos, dizendo-me que um dos Grupos em Brá precisava de pessoal.

Várias diligêncis depois, ofereci-me. Por motivos que não vêm ao caso agora, perdi a coluna militar para Bissau,para prestar provas. O meu comandante aproveitou o facto de ainda ali estar para me dizer que eu iria participar na operação à base de Biambe e que o Gomes, o meu substituto, não ia.

Era costume estarmos presentes nos briefings que antecediam as operações, em que nos era permitido expôr as nossas opiniões sobre os pormenores das mesmas, e eu não me acanhava, alvitrava uma ou outra alternativa à que era exposta, por me parecer que seria mais viável e menos perigosa. Por hábito, ia sempre no quarto ou quinto lugar da frente, dependia se levámos prisioneiro ou não.
Nem sempre as minhas sugestões eram do agrado do comandante de Companhia (capitão de Artilharia, que não duvido seria óptimo naquela arma, mas não tanto a comandar pela 1ª vez no terreno uma companhia de Infantaria).

Neste curto briefing relativo ao golpe de mão àquela base, o Comandante da Companhia, indicou-nos que iam 4 africanos mas cujas funções não foram claramente mencionadas pelo que segui para a operação com a impressão de que eram 3 guias e 1 guia prisioneio, por ser o único que se encontrava amarrado. Só depois de ler o relatório é que fiquei a saber que afinal eram 2 guias e 2 guias prisioneiros.

Embora a minha seccção, a 1ª do 1º Pelotão, seguisse sempre à testa da Companhia (da 2ª era o Cruz e da 3ª o Bragança), naquele dia, devido à ausência do meu comandante de Pelotão, o Alferes Ferreira que, tal como eu, tinha sido ferido, na operação em Cancongo, encontrando-se ainda hospitalizado, parti do princípio que no final da reunião o Comandante da Companhia ia dar ordem para um oficial seguir à frente com o respectivo pelotão.

Estava enganado pois deu-me instruções para seguir à frente da coluna, levar um dos guia e o prisioneiro que estava amarrado, acrescentando que quando chegasse a altura devia tomar as decisões que fossem necessárias. Assim partimos para a operação às 23,15h.

Furriéis da CART 730 – Da esq para a dir: Venda, Vira, Alcides, Cruz (minas e armadilhas , à frente), Almeida, Passos (transmissões), Parreira (oe), Reis (manutenção auto) e Ribeiro (sapador).

Esta operação, embora o resultado esteja correcto não foi exactamente, nem podia ser, como consta no relatório. Na realidade apenas 5 homens incorporados na Companhia estiveram nas 12 casas de mato que faziam parte da referida base, conforme passo a descrever.



Seguíamos há várias horas pelo trilho em direcção ao que pensávamos ser o objectivo quando, num certo ponto, o guia, que ia à frente da coluna precedido pelo prisioneiro que ia amarrado com uma corda pela cintura e que estava ao cuidado do Leitão, colocou-se ao lado do prisioneiro, trocou umas breves palavras e depois disse-me que nos estávamos a aproximar de uma tabanca.

Dei ordem para prosseguir e quando a mesma estivesse visível que me avisasse. Passado algum tempo apontou-me a direcção de uma enorme tabanca que se podia avistar, não muito ao longe, e disse-me que devia estar abandonada.

Nesse momento parámos, pelo que não querendo assumir a responsabilidade que me tinha sido dada por não se tratar da Base de Biambe, disse ao soldado que seguia atrás de mim para informar o Capitão, que se estava a avistar uma tabanca que, pelo silêncio, devia estar abandonada, e assim ficava a aguardar instruções, no pressuposto que o Comandante me ia chamar para trocar impressões ou então mandar dizer para evitar a Tabanca e seguir por outro trilho na direcção do objectivo.

Fiquei algum tempo à espera das instruções quando para minha surpresa sou ultrapassado por soldados que se encontravam atrás, pensando possivelmente que aquele era o objectivo e por ordem não sei de quem avançaram na direcção da tabanca. Por outro lado, não compreendi a razão pela qual o Cruz e o Bragança também avançaram com as suas secções.

Continuei no mesmo sítio com a minha secção até que, juntamente com os camaradas que passavam por mim dirigindo-se à tabanca, apareceram os outros 2 guias que vinham algures na coluna (afinal, um era guia prisioneiro, muito embora se encontrasse com liberdade de movimentos) que não avançaram e ficaram também ali parados a meu lado.

Com os 4 africanos na minha presença, disse aos guias que perguntassem aos prisioneiros onde ficava a base. Falaram entre eles e um deles disse-me que um dos prisioneiros lhe garantira que a base de Biambe ficava a pouca distância dali, mas numa direcção diferente.

Na posse desta informação, e inconformado com a atitude do pessoal e pela pacifidade dos restantes graduados face à distorção da missão, disse à minha secção que aguardasse pois ia lá atrás falar com o Capitão Garcia.

Naquela altura já ele tinha começado a avançar e acompanhando-o disse-lhe que ali à frente não devia haver nada, conforme o tinha informado, e que o objectivo Inimigo, que era a razão da missão que ele nos tinha indicado no quartel, eram as casas de mato, a base de Biambe, que ficavam noutra direcção, segundo tinha acabado de me dizer o prisioneiro e não aquelas palhotas, e que por conseguinte poderia ser mais conveniente e proveitoso esquecer a tabanca e seguir.
Não ligou às minhas palavras, e, irritado, disse-me que ele é que era o Comandante da Cª. e que quem ordenava o que se devia fazer era ele.

A resposta seca, dura e autoritária na presença dos camaradas que estavam a seu lado, doeu-me tanto como se tivesse sido atingido por uma chicotada. Imediatamente, passou-me pela cabeça, que ia mesmo aventurar-me à procura do acampamento Inimigo,
apoiado por quem quizesse ir comigo.

Animado com a ideia que me tinha acabado de ocorrer, acompanhei-o até ele ter chegado ao lugar onde eu tinha deixado os africanos e a secção. O capitão e os militares que com ele seguiam continuaram em frente, e eu fiquei ali e disse aos africanos para me levarem à Base.

Falei com os meus soldados que ainda ali continuavam no sentido de tentar persuadi-los para avançarmos para a base Inimiga mas não se mostraram entusiasmados, dizendo-me que preferiam seguir também para a tabanca o que me causou grande frustração. Reconheci, contudo, que estavam no seu direito de recusarem.

Para não perder mais tempo, já perto das 4 horas da manhã, disse ao João Maria Leitão, a quem tinha sido entregue o prisioneiro amarrado, se se sentia com coragem para aquela digressão e ele disse-me que sim.

Foto com dois camaradas que sairam da minha secção na CART 730 e depois do 2ºCurso ficaram na 1ª equipa do Grupo cmds. Vampiros: António Paixão Ramalho “Monte Trigo” e o João Maria Leitão ao lado do Alf Mil António Vilaça (ex-CCaç 726), o Djamanca e o Justo. O João Leitão nos Comandos foi agraciado com a Medalha de Mérito Militar.

JP,Saraiva,VB,Marques em Set 65,em Brá

Da minha secção, aproveito para referir que também saiu o Cândido Tavares, o “República”, que ficou no mesmo Grupo mas noutra equipa. Sairam ainda o Furriel Joaquim Prates (que acabou por não frequentar o Curso de Comandos e foi transferido para a CCaç 763 em Cufar), o 1º Cabo Faustino dos Santos Viegas que foi para o gr. Cmds “Centuriões”, ferido em Jolmete em 3Ago65 e evacuado para o HMP, e os soldados Jacinto da Conceição Venâncio que foi para os “Apaches” e o José de Oliveira Gonçalves.

Desconheço os motivos pelos quais quizeram sair da CART 730 para frequentarem o 2ºCurso de Comandos uma vez que todos nós os que o fizemos não tínhamos qualquer problema disciplinar, pelo contrário, o Comandante da Companhia exerceu até alguma pressão para nos desencorajar, pelo que não sendo para seguirem as minhas pisadas, deduzo que deva ter sido, como todos os que foram para os Comandos, pelo espírito de aventura.

No meu caso, não foi pelo facto de ter sido ferido numa operação anterior, juntamente com outros camaradas. O Alf. Ferreira, meu Cmdt. Pelotão, também instruendo no CIOE, onde foi um dos melhores, uma vez chegado à Guiné desinteressou-se totalmente do exército, de tomar qualquer decisão ou até de dar qualquer opinião sobre as operações.

Mas continuando, a caminho de Biambe.


Embrenhados num dos trilhos do mato a caminho do acampamento, no último dia do mês de Fevereiro de 1965, fiquei convencido que os africanos não me estavam a enganar e que o guia prisioneiro que melhor sabia a localização não ia fugir, e que por isso íamos encontrar a Base que segundo a minha perspectiva o inimigo devia ter abandonado ao tomar conhecimento que a tropa andava por ali perto, e não teria tempo de se organizar para nos montar uma emboscada.

Naquela altura, a adrenalina estava ao rubro. Pelo sim pelo não, dei instruções aos guias para que a principal preocupação fosse a de avançarmos com todos os sentidos alerta e concentrados em pequenos pormenores que nos dessem a conhecer com a devida antecedência se o Inimigo se encontrava mais à frente à nossa espera. Assim, iniciámos uma lenta e cuidadosa progressão.

Segundo me tinham dito a Base situava-se perto, o que me fez pensar que me dava tempo para ir e regressar à Companhia, antes de terminarem de vasculhar e, eventualmente, como era hábito, incendiarem a tabanca, o que ia demorar algum tempo, ou que pelo menos não os faria esperar muito.

Estava redondamente enganado, pois por experiência própria fiquei a saber, durante os cerca de 20 anos que andei por países africanos, que para eles africanos era tudo perto, independentemente das distâncias. Todavia há sempre um senão, e a operação não correu exactamento como tinha previsto, já que perto do alvorecer, mas ainda escuro, vi um vulto que em frente do único soldado que ia à minha frente saiu do trilho e correu para o mato.
Apercebi-me que o guia prisioneiro tinha conseguido libertar-se da corda que o atava à cintura pelo que estando totalmente fora de questão tentar abatê-lo a tiro, como levava no bolso uma navalha espanhola, abria-a o mais depressa que pude e atirei-a com toda a força na direcção onde ele tinha entrado no mato, mas claro que não lhe acertei.
Passado pouco tempo chegámos à base de Biambe que, segundo contámos, era composta por 12 casas de mato que tinham sido recentemente abandonadas, possivelmente quando o inimigo viu as labaredas das 26 palhotas da tabanca a subirem para o céu.

Perante este panorama mandava a prudência que saíssemos dali o mais rapidamente possível, tanto mais que um prisioneiro que conhecia aquela zona tão bem como as palmas da mão tinha fugido e, caso entrasse em contacto com os seus camaradas, iria denunciar a nossa presença.

Revistámos apenas algumas casas de mato e encontrámos: 1 GMO-RG34, 4 carregadores de PM, muniçoes de 9mm, 1 bolsa de pano, 1 sabre, 1 cinto de cabedal, 1 grade para GMO e vários documentos.Regressámos com as mesmas precauções, mas por um trilho diferente.

Tendo a Companhia acabado de incendiar a tabanca e preparando-se para retirar, vim a saber depois, o Capitão mandou procurar os guias e os prisioneiros e deu então pela minha falta, altura em que lhe disseram que tinha seguido com eles para a base
inimiga.
Dada a demora em regressarmos começaram a fazer conjecturas sobre o que nos teria acontecido, tendo então decidido dar ordem para 4 Secções irem à nossa procura.

Sem nos terem encontrado pelo facto de terem seguido por uma direcção diferente, as Secções regressaram ao seio da Companhia primeiro do que nós. Quando passadas várias horas chegámos à zona da tabanca, a arder, vimos a Companhia estacionada a aguardar o nosso eventual regresso.
Os soldados da minha secção vieram ao nosso encontro, e perguntei-lhes onde se encontrava o Comandante da Cª. Quando me dirigia para ele,reparei numa bajuda, provavelmente fugida da tabanca, rodeada por soldados.

Postal com bajuda “balanta”, Mansoa

Durante o curto trajecto, alguns soldados da minha secção acompanharam-me e aproveitaram para me informar que um dos assunto badalados durante a longa espera que tiveram que fazer era que o Fur Parreira tinha saido com os guias e ninguém sabia em que direcção. Um deles, bastante agitado, referiu que esteve perto do Capitão, e que o ouviu dizer aos outros oficiais que me ia levantar um processo discipinar. Perante este facto, e devido ao perigo em que estávamos envolvidos, nem sequer me tinha passado pela cabeça essa possibilidade pelo que me deu então para perguntar se na tabanca tinham apanhado algum material de guerra ou documentos e foi-me dito que não.

Quando, acompanhado pelo Leitão, pelos três africanos e também por soldados da secção me abeirei do Capitão que, juntamente com os outros oficiais, ainda se encontrava encostado à àrvore, pude constatar que a sua expressão não era nada agradável.
Sem o deixar falar perguntei-lhe de chofre se tinham apanhado algum material nas palhotas da tabanca e ele que não devia estar à espera que lhe perguntasse fosse o que fosse, muito pelo contrário, respondeu-me laconicamente que não. Não lhe dando oportunidade para falar, e sem lhe dar pormenores do que tinha acabado de fazer, disse-lhe calma e respeitosamente:
- Meu Capitão, afinal esta operação não foi de todo infrutifera, pois trazemos-lhe este material.
Foi com tristeza que de seguida lhe tive que comunicar que o prisioneiro tinha fugido, porém ignorou tal facto e não fez qualquer comentário.O material foi o mencionado no relatório, mas foi a tabanca que foi incendiada pela Companhia e não as casas de mato, que eram 12 e não 8 conforme mencionou.
Foi reconfortante verificar que sendo um oficial amável no trato era todavia um militar exigente, mas também compreensivo,já que não me criticou, limitando-se a dar de imediato ordem para a Companhia se pôr em movimento.

Seguidamente a este episódio fizemos uma batida à área de Chumbume onde localizámos um grupo com cerca de 25 elementos inimigos fardados de caqui amarelo novo, cambando a bolanha e armados de ESP Aut, PM e 1 LGF. etc.

Ataque IN a Bissorã

No dia seguinte das 00h05 as 03h00 o nosso aquartelamento e a vila de Bissorã sofreram ataques do IN. Atacaram de todas as direcções excepto do lado de Binar (tabanca “da outra banda”)e fizeram uso de quase todos os tipos de armamento: P, PM, GM, Esp.aut. e repet,, ML, LGF, Mort 60 e 82. Caíram na área do aquartelamento várias granadas de morteiro e de LGF, felizmente sem consequências.
A forte reacção e posterior perseguição levaram o combate para longe das nossas posições,principalmente do lado da granja e bolanha entre as estradas de Bissorã-Mansoa e Bissorã-Binar.
De madrugada consegui, a muito custo, convencer alguns soldados do pelotão para irmos fazer uma busca ao exterior do arame farpado, e apanhámos uma granada e um frasco de tintura.
De manhã saíu um pelotão que apanhou mais material e à tarde fomos nas Mercedes buscar palmeiras para os abrigos.

Dois dias depois deslocou-se a Bissorã, o Tenente-Coronel Braancamp Sobral(conhecido como o “Cavalo Branco”) que comandava o aquartelamento de Mansoa.
Contava que, mais dia menos dia, houvesse coluna militar para Bissau e assim não ia fazer mais operações com a Companhia. Mas isso não aconteceu. Apesar de já ter um substituto, ainda fiz mais duas operações, uma em Passe e outra em Binar.


Encontro em 5 Mai 07 com o Cmdt. CArt 730 presente


JP, Alf Orlando Valdez (Cmdt.2º.Pelotão), Capitão Garcia e outros camaradas.


Camaradas da m/secção da CART 730, no 4º. Almoço-convívio realizado a 5 de Maio de 2007, no Portal do Infante, na Marina de Lagos (de boina o República, do Grupo Vampiros)

A minha secção era composta pelos seguintes militares: 1º Cabo Francisco Dias, Soldádos José Maria de Oliveira, António Paixão Ramalho, João Maria Leitão, Francisco José Pires, Armindo Jerónimo Barrelas, Cândido P. Tavares, Jacinto Manuel Guerreiro e Custódio António Dias.

A alegria dos soldados!

Durante o período que dei instrução, ainda em Lisboa, passou-se um episódio que nunca poderei esquecer.

Aquele dia estava destinado a um dos treinos de rastejar e decidi que o mesmo fosse efectuado em cima de vários objectos nada aconselháveis, quando o tive que interromper, devido a uma dor súbita, aguda que senti na virilha direita. Chamaram um jipe para me levar de urgência para o Hospital Militar.

Perante o inesperado, eu a torcer-me com dores, e os instruendos a baterem palmas de contentamento por a instrução ter terminado. Fui submetido a uma intervençao cirúrgica e transferido a seguir para o Anexo. Quase a ter alta, fui "provocado" por outro dos internados. Saltei da cama e envolvemo-nos numa vigorosa “guerra” de almofadas. Resultado, os pontos rebentaram e voltei à estaca zero.

Durante o tempo em que estive internado, apresentaram-se do RAL 1 (unidade mobilizadora), o Alferes Ferreira, que iria ser o meu comandante de pelotão e, mais tarde, o Capitão Garcia que iria ser Comandante da Companhia 730.


2. Comentário do co-editor vb:

Completa-se assim o episódio da Metrópole ao Biambe (uma das mais faladas bases do PAIGC no Norte) do nosso Camarada João Parreira.

Estas memórias, tanto quanto me foi dado perceber, ressuscitaram quando se reformou. O Parreira, nos seus tempos de Guiné, fazia um diário, onde anotava desde acontecimentos bélicos a brincadeiras de bom e de mau gosto.

O JP é lisboeta genuíno, nasceu em Alcântara. Antes ainda de ir para a tropa, em Dezembro de 1966, ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Prestou o serviço militar entre 9 Agosto 1963 e 19 Agosto 1966. Fez a comissão na Guiné de 8 Outubro a 14 Agosto 1966, primeiro na CART 730/BART 733. Foi ferido em 9 Janeiro 1965 numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois, foi para os Comandos Fantasmas do Cap Saraiva. Foi outra vez ferido em 20 Abril 1965 na operação Açor, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a sê-lo em 6 Maio 1965 na operação Ciao em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o JP a olhar para ele, sem nada poder fazer.

Regressou ao MNE em Setembro de 1966. Com saudades de África, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia em 23 de Dezembro. Geriu o Consulado Geral de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou a Salisbúria. Ia de vez em quando, melhor dizendo, todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulado. E por lá andou até Março de 80. Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, para ajudar a preparar uma visita presidencial e dar apoio consular à comunidade portuguesa. De novo em Lisboa, no MNE em 23 Dezembro 1981. Londres, em 30 Setembro 1982. Depois, Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, outra vez em Lisboa, no MNE.

E medalhas, João?

Da Guiné, as que tenho trago-as comigo, estão aqui, no corpo. Pelo meu trabalho no MNE, o Presidente da República espetou-me no peito a Ordem do Infante D. Henrique, que está guardada num estojo, em minha casa.

________

Nota de v.b:

(1) Vd. post anterior > 1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã, e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa

Guiné-Bissau > Saltinho > Contabane > Fevereiro de 2005 > "Foto Tirada no antigo reordenamento de Contabane, hoje Sinchã Sambel. De roupa verde está a viúva do Régulo Sambel, mãe do actual Régulo Suleimane, ex-cabo do Pel Caç Nat 53. Foto tirada pelo meu filho João em Fevereiro de 2005.O Suleimane estava em Portugal, nesta data" (PS).


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Saltinho > Contabane > Pel Caç Nat 53 > 1972 > "Foto tirada quando, após tensas relações com o Lourenço (o Capitão-Proveta) (1) fui viver para Contabane. Junto encontra-se um canhão s/r 82B-10 de origem russa. Primeiramente
esta arma encontrava-se no quartel do Saltinho, tendo transitado para aquele reordenamento, após a sua construção. No quartel seria ineficaz, visto Contabane ficar no enfiamento, do outro lado do Corubal, indo na direcção da picada para Aldeia Formosa" (PS)

Fotos: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.

VIII Parte das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72). O Paulo é natural de Águeda.

Em Abril de 71, apesar de algumas casas já prontas e ocupadas, continuava-se com a
construção do Reordenamento de Contabane.

Um fim de tarde, o Cap Clemente [, comandante da CCAÇ 2701, unidade de quadrícula do Saltinho 1970/72] chamou-me, informando-me, de seguida, ter sido recebida uma informação de grau A2 (penso ser esta a designação), prevendo um ataque ao referido Reordenamento. Uma informação com aquela classificação teria quase 90% de possibilidade de ser infalível. Havia que tomar providências, para fazer face ao previsível ataque.

Logo no início da construção tinha sido aberta uma vala de defesa. Era essa vala que deveria ser ocupada, de imediato, pelo Pel Caç Nat 53, reforçado com duas secções de um dos pelotões da CCAÇ 2701.

Assim se procedeu e, ao escurecer, estava o pessoal instalado ao longo da vala. A frente e parte lateral do Reordenamento, de onde poderia vir ataque , estava fortemente minada e armadilhada. Havia, contudo, a antiga picada em direcção a Aldeia Formosa, que por ser utilizada pelos djilas [,vendedores ambulantes, de etnia futa-fula], não se encontrava armadilhada, apenas ao anoitecer, se colocava uma granada com arame de tropeçar, perto do arame farpado, distante uns cinquenta metros da vala. O IN poderia perfeitamente utilizar aquela via, era um dos pontos fulcrais a ter em atenção e vigilância.

A tensão era elevada. O Clemente tinha-me informado que iria, entre as 18,30 e as
19,00 horas, bater a zona com o morteiro 10.7, existente no quartel do Saltinho, o que não me levantava problemas, meses atrás tinham sido bem marcados os pontos de tiro, com auxílio de um heli.

Seriam perto das 19,00 horas, ouvem-se, pareceu ali muito perto, três saídas quase
simultâneas. Cornos dentro da vala, os assobios a passar e três fortíssimas explosões logo à frente do arame farpado. Levanta-se a cabeça, mas volta-se a afocinhar, repetem-se mais três saídas e mais três explosões, ali muito perto, e ouve-se o barulho produzido por algumas chapas de zinco das casas, quando atingidas por estilhaços e arrancadas dos cibos onde estavam pregadas.

Porra para esta merda! Isto não é o 10.7, mas... serão morteiradas do IN ? Ligo através do AVP 1 para o quartel, donde me informam que a zona está a ser batida pelos obuses 14 de Aldeia Formosa e para o pessoal se manter calmo e protegido. Passo palavra a avisar da informação dada. Ainda houve mais uma meia dúzia de rebentamentos da Artilharia.

O Cap Clemente não me tinha falado nesta hipótese dos obuses, daí a nossa apreensão e cagunfa inicial. Aquelas bojardas, à nossa beira, metiam respeito.

Na manhã do dia seguinte, feito um patrulhamento, nas redondezas, não se encontraram vestígios de presença do IN, encontraram-se foi dentro do Reordenamento alguns
estilhaços, bem grandes, de granadas de obus, alguns dos quais tinham lixado paredes e chapas de várias casas.

Após esta cobertura de fogo amigo fiquei com duas certezas:

(i) Os gaijos da Artilharia eram certeiros. Enfiaram as ameixas nos locais pedidos, via rádio, do quartel do Saltinho.

(ii) Dificilmente o Reordenamento de Contabane seria flagelado pelo PAIGC, após esta demonstração de fogo. Poderia haver era um ataque ao arame, que tornava complicado, senão impossível, responder com a Artilharia.

____________


Notas de L.G.:

(1) Referência ao Capitão da CCAÇ 3490 (Saltinho), pertencente ao BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)


(2) Vd. posts anteriores:

5 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1564: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (7): Fogo no capinzal

13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha

13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra

19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri

13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P957: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (6): De volta ao Saltinho, Bambadinca e Bissau


Guiné-Bissau > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) > O soldado Mamadú Jau, uma força da natureza, apontador de metralhadora (empunhando aqui uma MG 42, que a HK 21 não conseguiu destronar, mesmo na guerra de África).


Guiné-Bissau > Saltinho > Fevereiro de 2005 > Pousada > A sala do soldado do antigo aquartelamento ficaria, mais ou menos, nesta zona.



Guiné-Bissau > REgião de Bafatá > Saltinho > Fevereioro de 2005 > Bar da pousada no Saltinho, vendo-se os distintivos da CCAÇ 2406 e da CCAÇ 2701


Guiné-Bissau > Saltinho > Madina Buco > Fevereiro de 2005 > Pedro e João

Texto e fotos: © Paulo Santiago (2006)

V parte do relato da viagem do Paulo Santiago e de seu filho João Francisco à Guiné-Bissau em Fevereiro de 2005.


Vindos do Quirafo, passamos em Madina Buco (1), onde deixamos o indivíduo que nos acompanhara, regressando por outro itenerário ao Saltinho, passando por Chumael e Sincha Mamadú, onde deveria ter parado e procurado o meu ex-soldado Abdulai Baldé. Infelizmente, já em Bissau, soube que ele vivia naquela tabanca, não havendo hipótese de voltar para trás.

Quando chegamos ao quartel, digo estalagem, já estava o cabrito ofererecido pela Fatemá, pronto para ser comido (2). Convidei para almoçar conosco um casal, ele natural do Porto, funcionário da casa Nunes e Irmão, ela natural de Cansamange e aniversariante naquela data. Tinham três filhos.O cabrito estava óptimo, mas ainda estava com visões da GMC. Bebeu-se vinho de Borba e cerveja e sumo para o Sado. Houve também bolo de aniversário.

Visitara o Saltinho, tivera uma recepção grandiosa em Contabane (1), eu, branco com coração negro, tivera aquele encontro memorável com os meus ex-instruendos em Cansamange, recolhera-me em memória dos militares, milícias e civis imolados, perto do Quirafo,pela ignorância criminosa de um proveta lacaio de um tenente-coronel básico. Enfim, estava na hora de regressar a Bissau.

Fui despedir-me da Fatemá, agradecendo todo o carinho dispensado, principalmente ao João. Talvez volte outro dia para a abraçar.

Metemo-nos no jipe para o regresso a Bissau. Paramos em Bambadinca. Lá estava o meu ex-soldado Mamadú Jau (3), que o Buba ficara de avisar, quando no dia anterior ali passara. Continua uma força da natureza. Havia muita confusão, até ali já havia desfiles de Carnaval, era uma barulheira maluca e, só no dia seguinte era terça-feira de Entrudo. Não estive muito tempo com Mamadú e o Buba, aquela animação deprimia-me.

Chegamos a Bissau às 21,00 horas. A Polícia tem a estrada cortada no cruzamento do Bairro Militar. Vamos para casa do Sado e, às 23,00 lá conseguimos chegar à Residencial Coimbra.

Tinham sido dois dias que jamais esquecerei.

Paulo Santiago
ex-Alf Mil
Pel Caç Nat 53
(Saltinho, 1970/72)

_________

Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores, e nomedamente:
5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal

(2) Vd. post de 30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

(3) Vd. post de 29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca

(4) Vd. post de 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

sexta-feira, 30 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Contabane > O Paulo Santiago com o canhão sem recuo 82 B-10


Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > 1972 > Parada do quartel. O Pel Caç Nat 53, comandado pelo Alf Mil Paulo Santiago, estava aqui em reforço da unidade de quadrícula(originalmente a CCAÇ 2406, 1978/70, que pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > Memorial da CCAÇ 2406 (Os Tigres do Saltinho)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > À noite na Pousada do Saltinho: Abdu, Santiago e Sado.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > "Eu, com a Fatemá e o meu filho João Francisco" (PS)



Fiz uma paragem no meu relato após o meu encontro com o Buba em Bambadinca, no dia 6, ao início da tarde.Vejamos o que se passou no resto do dia.

Saindo em direcção ao Xitole, acompanhamos durante alguns quilómetros, a antiga picada, situada à direita da estrada actual. Durante a minha comissão nunca fui para o Saltinho utilizando aquela picada.

Continuando a viagem,vejo a certa altura uma placa a indicar Mansambo, à direita, 2 Kms. Mais uns quilómetros chegamos ao Xitole, que contornamos sem parar. Estou aos saltos para chegar ao Saltinho.

Passamos Cambessê, segue-se Ura Candi, a pulsação aumenta, repentinamente avisto a Ponte do Saltinho e de seguida está o Pedro a dirigir-se para o estacionamento da Pousada do Saltinho. Penso que saio do jipe com lágrimas nos olhos. Aquele edifício está igual exteriormente, ali era o edifício do comando, tem outras cores, tem umas letras pintadas,mas o formato é mesmo, é aquilo que permanece na minha memória desde a minha primeira chegada em fins de Outubro de 190. Mais um forte murro no peito... está ali à frente dos meus olhos um memorial da CCAÇ 2406. Já o tinha visto no mesmo local quando cheguei em 1970. Faço uns instantes de silêncio.

Sento-me finalmente na esplanada frente ao bar, onde estão de passagem para Bissau três casais de italianos, vindos da zona do Cantanhês, que possivelmente acham estranho o meu comportamento e me interrogam se estou com algum problema. Explico num italianês o que estou a sentir. Bebemos umas cervejas e falamos de Roma que não conheço.

O João está cansado, vai descansar para o quarto que nos fora destinado. O Sado e o Pedro vão ao outro lado do rio a Sincha Sambel, antigo reordenamento de Contabane. Fico sózinho, percorro todo aquele perímetro onde se situava o quartel, tiro fotografias, encontro vestígios de ruínas e imagino o que ali se encontrava há trinta e três anos atrás. Há coisas que não consigo descrever, apenas sentir.

Vem o Rui, encarregado da pousada, chamar-me pois anda o homem grande à minha procura-era o Abdu, mandinga, chefe de tabanca do Saltinho, negociante de vacas e magarefe de serviço na 2701, e, soubemo-lo mais tarde, homem do PAIGC na zona... Abraçamo-nos fortemente e, penso, que consegue estar mais emocionado que eu própio. Sentamo-nos a lembrar o arroz à Abdu que ele fazia de forma magistral. Pergunta-me por muitos ex-militares da 2701, por alguns dos meus furriéis do 53, falamos de vários assuntos, até sobre canhotos, aqueles cachimbos tradicionais.

A conversa é interrompida pelo Pedro que diz estarem à minha espera em Sincha Sambel. Digo ao Abdu que continuamos a conversa à noite ali na estalagem. Sigo com o Pedro para Sincha Sambel e agora começa a ser difícil descrever o que se passou. Vou tentar.

Vivi durante os meus últimos três meses, opção minha apoiada pelos furriéis,e, melhor dito,vivemos em Contabane, que passou a ter o nome actual após a morte do Régulo Sambel. Sucedeu-lhe o filho Suleimane, 1ºcabo do Pel Caç Nat 53. O Suleimane veio para Portugal em 2004 para ver se conseguia receber qualquer pensão por um ferimento recebido em combate. Juntaram-se algumas vontades, fui duas vezes prestar declarações e a coisa estava encaminhada. Entretanto o Suleimane tem o filho Alfa a trabalhar no Aeroporto de Madrid e foi para Espanha em Novembro de 2004. Soube em Sincha Sambel, através de outro filho, que chegara a Lisboa vindo de Madrid, precisamente a 4 de Fevereiro e estava muito chateado
por não me poder receber aqui na sua morança.

A viúva do Sambel, Fatemá, mãe do Suleimane e também avó do Sado, fez-me uma recepção que ainda hoje me faz vir as lágrimas quando a recordo. Foram umas duas horas de abraços,de coisas que diziam eu ter feito e eu não me lembrava , eram mulheres aí dos seus quarenta anos que me tocavam e diziam Santiago... com um ar incrédulo como perguntando é mesmo ele que está aqui. O João tinha ficado a descansar na Pousada, foram buscá-lo, abraçaram-no, os miúdos não o largavam,chegou uma altura em que pegou numa criança ao colo e já estavam outras
a puxar-lhe pela camisa para ele as agarrar. Tenho um filme que é mais esclarecedor que quaisquer palavras.

Já noite o Sado vem dizer-me: a minha avó tem ali um cabrito para te oferecer. Digo-lhe não poder aceitar, faz-lhe falta a eles. Responde-me que seria uma desonra não aceitar. Acedo, iremos comer cabrito no dia seguinte ao almoço.

Regressamos à Pousada, onde o jantar já está frio e, passados uns instantes, para a recordação ser mais forte avaria o gerador.

Ouvi o nome do Xico Allen, pela 1ª vez, aqui na Pousada do Saltinho.


Continuarei o relato, por hoje estou cansado
Manga di mantenha

Paulo Santiago

Ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53,

SPM 3948

segunda-feira, 10 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P680: Tu Português de Portugal, eu Português de Guiné (José Teixeira)

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > O Zé deixou amigos que ele reencontrou trinta e cinco anos depois... Como, por exemplo, a viúva Régulo Sambel, de Contabane, e a mulher do seu filho (aqui na foto). Foi uma viagem de saudade que não deu, este ano, para repetir, como ele pretendia.

© José Teixeira (2006),


O Zé Teixeira foi ao baú da memória buscar mais um texto que nos manda, para o blogue... É um sentida e belíssima evocação da sua viagem à Guiné, em 2005, escrita, para matar saudades, enquanto vai seguindo a par e passo, pelo mapa, a viagem de 2006 dos nossos camaradas e amigos do Norte...


VOLTAR À GUINÉ É RE-VIVER UM PASSADO NO PRESENTE

Como já sabem, tive recentemente o privilégio de, após 35 anos de separação, voltar à Guiné e reencontrar velhos amigos, companheiros de aventuras de guerra e sofrimento. Reconhecemo-nos. Chamaram os outros amigos comuns de outrora, apresentaram-me as mulheres, os filhos, os netos, os amigos (alguns combatentes da outra banda) e confraternizámos.

Recordámos tantos momentos juntos. Recordámos pessoas que já partiram. Perguntaram por companheiros (ainda sabiam os nomes) que nunca mais viram. As lágrimas saltaram teimosamente enquanto o coração rejubilava por um momento tão grandioso.

Para ilustrar o que afirmo vou tentar descrever o diálogo com a Dadá, que localizei em Sinchã Sambel (Saltinho). Ouço uma voz atrás de mim:
- Tissera, tu lembra Aliu de Mampatá ?

Olho e reparo numa mulher linda dos seus sessenta, bem vestida de sorriso rasgado.
Não a reconheci como sendo a lindíssima Dadá, que conheci em Mampatá em 1968.
- Sim lembro: Aliu Baldé, Chefe de Tabanca e Alferes de Mílicia. Sei que já morreu há muito tempo (1).
- Tu lembra Hamadú, milícia de Mampatá, filho do Régulo Sambel de Contabane ? - Conheci vários Hamadú.
- Minha marido e chefe de Tabanca de Sinchã Sambel.
-Tu Lembra da Filha de Aliu, a Dadá ?
- És tu ?
- Sim. Eu mesmo. (Colámo-nos num longo e fraternal abraço, deixámos que o coração falasse)
- Minha filha, meus neto, tudo gente de mim !

A alegria e o orgulho em me apresentar a família. De seguida foi vestir o mais bonito vestido, “pra tira foto cum Tissera”.

Correu a chamar a sogra, ainda viva, mulher do Régulo Sambel de Contabane (1). Esta velhinha de cabelos brancos abraçou-se a mim a soluçar e só sabia dizer:
- Branco e na volta ! branco e na volta ! - Por mais que lhe dissesse que agora só lá íamos para ver amigos e matar saudades, ela insistia:
- Branco e na volta !

O tempo livre que tive, passei-o na Tabanca a conviver. Sentia-me em casa. Toda a gente me chamava para papea um pouco. Alguns antigos milícias em Mampatá e em Aldeia Formosa, agora, a viver nesta Tabanca, vieram ter comigo, apresentavam-me a família. Falavam-me de outros cujos rostos já se tinham esvanecido da minha memória. Relembravam aventuras comuns. Queriam ficar no postal (fotografia) para eu trazer, de recordação.

A marcha do tempo não perdoa, bem pelo contrário. Desta vez, contrariamente aos anos de guerra, foi rápida de mais. Tive de regressar. A partida foi dolorosa. Quando me fui despedir, soube que no dia seguinte (o da minha partida) vinham pessoas de Mampatá para estar comigo. Tive pena e prometi a mim mesmo lá voltar.

Regressei à Guiné para recordar. Rever amigos e espantar fantasmas. À partida pensava que arrumava a Guiné do meu pensamento. Agora, a Guiné está-me no coração. É a minha segunda pátria, tal como ouvi por lá:
- Tu Português de Portugal. Eu Português de Guiné.

Zé Teixeira (1)
_____________

(1) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

segunda-feira, 6 de março de 2006

Guiné 63/74 - P594: A viúva do régulo Sambel de Contabane: um símbolo (Zé Teixeira)

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > A mulher do régulo local. A que está a ordenhar a vaca é casada com o régulo de Sinchã Sambel, antigo milícia, filho do antigo régulo de Contabane.

© José Teixeira (2005)

Luís, saúde, paz e felicidade:

Muito feliz a tua ideia de colocares a foto da mulher do Régulo Sambel de Contabane (1) como referência, no excelente trabalho da Zélia sobre as Mulheres-Coragem.

De facto, esta mulher e seu marido muito sofreram com a guerra. A tabanca de Contabane foi atacada e incendiada em 24 de Junho de 1968, ficando destruída ao ponto de o pelotão da CCAÇ 2382 que lá se encontrava, ter regressado a Aldeia Formosa com a roupa que trazia no corpo. Tudo o resto foi queimado.

Seu filho, o actual Régulo de Sinchã Sambel, era à data soldado da milícia em Mampatá Forea, onde eu fui parar dias depois deste acontecimento. Este soldado da milícia é actualmente o Régulo de Sinchã Sambel, junto a Saltinho. Tive o prazer de conviver com a esposa deste em 2005. Ainda se recordava de mim, quando estive em Mampatá: era uma bajuda bem bonita.

Partilho inteiramente com as ideias da Zélia. Esposas e mães que por cá ficaram, basta olhar para as nossas mães. Quanto sofreram ! E as mães de lá, que firmavam na Tabanca. Seus filhos na tropa, na milícia, suas crianças na Tabanca, elas mesmas a sofrerem os ataques, tal como nós. Quantas casas incendiadas ou destruidas ! Quantas viram seus filhos, grandes e pequenos, morrerem com uma bala ou estilhaço assassino !

E as que estavam do outro lado ?!... E as que serviam de transportadoras de equipamento de guerra, as que trabalhavam clandestinamente nas bolanhas para que os combatentes tivessem que comer ?!... As suas crianças, como reagiam quando nós aparecíamos com a G3 em rajada a varrer ?!...
- Ou matas ou morres ! - diziam-te. Tantos inocentes de ambas as bandas, meu Deus ! Dois casos, apenas para reflectir.

Guiné > Mampatá > 1968> O 1º cabo enfermeiro Teixeira com a sua Maimuna.

© José Teixeira (2005)

A minha Maimuna (bebé que me acompanhava em Mampatá Forea, sentada no meu ombro -vd. O Meu Diário)(2): um dia depois do almoço, levei-a para o meu abrigo para tentar que dormisse um pouco, mas chorou tanto que a levei à mãe e perguntei o que se passava, pois nunca chorava e ... Disse-me a Ansaro (mãe):
- Se queres que ela durma, deita-te e põe a menina atrás de ti que ela adormece logo. - E assim aconteceu, muito agarradinha a mim, para meu espanto. Porquê ?

A mãe à noite quando ia dormir amarrava a Maimuna às costas tal como durante o dia a carregava, para que no caso de haver ataque, ao fugir, levasse a criança com ela.

Em Buba, uma mãe habitualmente dormia com a sua bebé amarrada às costas pelas mesmas razões. Num período em que estivemos cerca de um mês sem ataques à povoação - apenas atacavam as colunas e as equipas de construção da estrada de Buba para Aldeia Formosa -, fomos atacados às cinco da manhã.

Essa mãe, que descansada, não amarrou a si a criança, fugiu para o abrigo e na precipitação deixou a criança na Morança. Reagiu e voltou atrás para recuperar a bebé. Uma granada de morteiro caíu em cima da casa e atingiu a mãe com vários estilhaços, impedindo-a de entrar e recuperar a bebé. A Morança ardeu e a criança ficou carbonizada. A mãe, tratei-a eu dos ferimentos fisicos e chorei com ela a perda da sua bebé. Ainda hoje parece que sinto os seus gritos de desespero e a sua vontade de morrer.

Em sua memória fiz um poema. Foi a forma de extravazar a dor que senti.

Uma granada,
Vinda não sei de onde,
Lançada não sei por quem,
Rebentou...
E aquela criança,
Que brincava além...
A morte a levou...
Na areia brincava...
E sua mãe,
Que seus paninhos lavava,
Estremeceu.
Num triste pressentimento
Seu olhar volveu...
Um grito ! ( desmaiou)
No preciso momento
Em que seu filho morreu...

Zé Teixeira
_____________

Notas de L.G.

(1) Contabane: ficava na estrada entre o Saltinho e Quebo (Aldeia Formosa)

(2) Vd. post de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVI: Maimuna, uma história de amor (José Teixeira)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P461: Os rios (e os lugares) da nossa memória (2): Corubal (Saltinho e Contabane) (José Neto)


1. Luis:

Nessa de Saltinho também eu entro. Em 1967, quando estavamos (CART 1613) a encher chouriços em Colibuia e Cumbijã, organizámos várias excursões ao Saltinho.

Nas primeira fomos com quatro viaturas carregadinhas de pessoal. A maior parte do meu pessoal não perdeu o ensejo de admirar aquele rincão maravilhoso que nos pareceu deslocado na Guiné agreste que conheciamos. A prova de presença segue por e-mail. O artista do salto de costas é este teu (vosso) amigo. Um pouco desajeitado, mas algo temerário. Bons tempos!!!

Até brevee um abraço do
Zé Neto




Guiné > Saltinho > 1969> As férias do pessoal da CART 1613, enquanto aguardava, em Colibuia e Cumbijã, a indicação do sítio da porrada... © José Neto (2005)

2. Cá estou outra vez. Que chato!!!

Depois de mandar o meu salto no Saltinho, lembrei-me que o José Teixeira já aqui falou do senhor Sambel, homem grande de Contabane. E então aí vai a foto que fizemos com ele quando lá passamos a caminho do Saltinho. Da esquerda para a direita estão: Furriel Nelson Almeida, já falecido, Alferes Tavares Machado, morto em combate em Guileje, Furriel Arclides Mateus, 2º Sargento Neto, senhor Sambel e Capitão Eurico Corvacho. Os outros africanos não os conheço.

Bem. Agora prometo que fico no meu cantinho por uns tempos.
Um abração do
Zé Neto