Mostrar mensagens com a etiqueta Enxalé. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Enxalé. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22478: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XII: Mina A/C em 21/8/1966, e violento ataque ao Enxalé em 9 de setembro



Armamento do PAIGC: Metralhadora Pesada Degtyarev (DShK),cal. 12,7 mm, m/ 938/56, de fabrico soviético,  também conhecida, na gíria do mato, como Deka, Desseque ou DCK (*)



João Crisóstomo 
(a viver em Nova Iorque desde 1977)


1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé,
Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história”
como eu a lembro e vivi
(João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque) (**)


Parte XII:

Dia 20, 21 e 22 Agosto: Op Gorro


Não me parece que o relatório contenha uma “completa” informação sobre esta operação Gorro. Contudo eu não me lembro de pormenores que me possibilitem contradizer o que está escrito. A info pode estar correta, mas está definitivamente incompleta. 

Se me não engano depois do rebentamento do engenho explosivo em que sofremos vários feridos, alguns deles graves, a CCaç 1439  voltou para o quartel no mesmo dia. O relato não menciona isso, mas dá a entender que a operação Gorro se prolongou no dia seguinte, dia 22.

Eu fazia parte deste deslocamento em que sofremos o rebentamento de uma mina, mas não me lembro da finalidade deste deslocamento. Não me lembro sequer se estávamos picando a estrada ; acredito que não. Não sei se era eu que estava a comandar a coluna (, penso que não!),  pois a presença do médico de batalhão dá-me a entender que o efectivo das NT era mais do que um simples pelotão e que não era eu quem estava a comandar as NT.

No fim do relato deste dia vem mencionado que,  além do Médico , o "Furriel Mil da CCav 1482 Higino F. Silva" também se distinguiu nesta acção ; o que confirma as minhas reservas sobre o relato, como está escrito.

Lembro sim que eu ia na frente ao lado do condutor, o António Figueiredo. Iamos numa GMC, uma viatura pesada. E eu não ia aí por acaso: eu sabia do natural nervosismo dos condutores de viaturas, especialmente em casos assim em que se "confiava” que "aquela estrada” era segura e não havia minas. E quis (, o que tentei fazer sempre durante todo o meu tempo na Guiné), "cutir confiança e descanso” de que não havia motivos para demasiados medos. Não quis nunca que houvesse nos meus homens a percepção de que eu pedia deles o difícil, ficando eu em local ou posição menos perigosa. Isso foi norma que segui desde o primeiro dia até voltar de regresso. E sei que os meus soldados o sentiam assim pois um dia sem querer eu tive disso provas. Como passo a descrever:

Lembro-me de estar em Bambadinca, creio que foi durante o mês que estivemos lá, antes de irmos para Enxalé. Sei que à minha frente apareceu um indivíduo que eu à primeira vista nem sabia quem era , mas logo o reconheci. Era o Jaime, ainda meu primo afastado, que vivia numa aldeia perto do meu casal e tinha sido meu companheiro de escola. Tenho bem vivo o que se seguiu, pois nunca esqueci mais o que me disse nesse dia. Depois de longa conversa (,ele estava no mesmo batalhão que eu, mas numa outra companhi),  ele disse-me que "tinha uma coisa para me dizer” . E era que os meus soldados lhe tinham pedido para ele falar comigo; que "eles gostavam de mim, mas que eu era muito afoito”; e que não devia ser assim pois era muito perigoso para todos”. "Oh senhor Alferes", disse , imagine como o seu paizinho ia ficar se ele sabia disto!”.

Retomando o que me lembro: sei que de repente houve um grande estrondo e eu fui pelos ares. Dei comigo batendo com a cara no chão do lado direito da viatura; a minha G3 a meu lado, de cano enterrado no chão. A mina tinha sido preparada para rebentar na segunda passagem: a roda da frente passou, e a mina rebentou com o impacto da roda de trás. Os que vinham atrás, incluindo o médico do batalhão, foram todos pelos ares ; se tivesse sido uma viatura mais ligeira, o impacto teria causado vários mortos com certeza. 

 Felizmente que tínhamos tido o cuidado de reforçar dentro do possível todas as nossas viaturas pesadas. Havia mesmo uma viatura a que chamávamos "o granadeiro" que foi reforçada com chapas de aço a toda a volta, para a tornar "à prova de bala”; o chão da viatura ficou com duas camadas, de cimento e areia entre as duas camadas. O fim dela era exactamente de ir à frente de colunas para servir de ‘rebenta minas”…neste dia o granadeiro não fazia parte da coluna.

Lembro bem o ter ouvido disparos que me pareceram ser ao longe, como que alguém a dizer que tinha ouvido o estrondo da mina; mas não tenho lembrança de qualquer "emboscada” séria como dá a entender este relatório. Lembro sim de termos tomado posições de seguranca, e embora não lembre o “ tendo-se organizado um grupo de perseguição” acredito que se tenha procedido a buscas nos arredores, para prevenir quaisquer surpresas. 

 Lembro a chegada do helicóptero, que se destinava à evacuação do 1º cabo José Manuel Afonso Ferreira; e sabíamos que o médico Alferes Francisco Pinho da Costa também apresentava dificuldades; não sabíamos porém a sua gravidade, pois ele não deixava de prestar socorros a toda a gente. Só nos disse da sua gravidade quando o helicóptero já estava a chegar e ele disse que também tinha de ser evacuado: depois de violentamente projectado pelo sopro da mina , ao cair no chão tinha partido as pernas…

Copio literalmente o que está escrito no relatório sobre esta “op. GORRO”:

(...) "Dia 20, 21 e 22 Agosto — A CC 1439 realizou a Op Gorro na zona do chão balanta que consistia numa Batida na região de Colicunda. Tendo sondado o espírito da população balanta , parece o mesmo estar saturado da pressão In. manifestando a mesma popoulação desejar colaborar com NT. Não houve contactos com IN.exerceu-se uma acção de captação e simpatia na população balanta. Foi uma operação de grande desgaste físico.>>

Em 21 de Agosto as nossas tropas acionaram um engenho explosivo tendo simultaneamente sofrido uma emboscada na estrada de Porto Gole-Enxalé entre Porto Gole e Ressunhá. Apesar das NT sofrerem o rebentamento deste engenho explosivo,  reagiarm eficazmente à emboscada IN tendo-se organizado um grupo de perseguição e tendo o IN dispersado, urtando-se ao combate.

Do rebentamento do engenho explosivo resultaram danos materiais e físicos:

(i)n Destruição de uma viatura GMC

(ii) Feridos das NT:

  • Alf Mil Médico Francisco Pinho da Costa, do BCAÇ 1888, evacuado
  • 1º cabo 682 1364 José Manuel Afonso Ferreira, evacuado
  • 1º cabo aux. enfer. 647 4664, Alexandrino Pestana F. Leitão
  • 1º cabo 182 6865 Carlos Tibúrcio Nunes
  • 1º cabo 7351565, José Luís Fernandes Martins
  • Soldado condutor 8563364, António de Almeida Figueiredo
  • Sold 22665 António Francisco Caneca de Oliveira
  • Sold 651 7665 Álvaro de Sousa
  • Sold 0483065 José Dionísio Vieira de Castro
  • Sold 09/63 Nagna Chete, da 1ª CCaç
  • Sold da Polícia Administrativa 241/64 , Buli Mané.

Distinguiram-se nesta acção o Alferes Mil. Médico Francisco Pinho da Costa e o Furriel Mil da CCav 1482, Higino F. Silva.
 
Dia 9 de setembro de 1966- O Quartel de Enxalé sofreu um violento ataque IN:

Copio o que consta no “relatório":

(...) "Dia 9 de setembro de 1966 -  O Quartel de Enxalé sofreu um violento ataque IN tendo este feito uso pela primeira vez nesta zona do canhão sem recuo além da Met Pes 12,7 e toda a gama de armas aut. com bazuca e morteiros 82 e 60.

Todo o pessoal reagiu da melhor maneira, opondo ao IN uma resistência tenaz. O ataque durou duas horas e dez minutos. Durante a madrugada organizou-se um grupo de perseguição, tendo sido detectado um grupo IN o qual depois de alvejado abandonou uma Met Pes 12,7 reagindo à força de perseguição com granadas de mão.

RESULTADOS OBTIDOS- O IN sofreu baixas em número não estimado. Foi apreendido o seguinte material:

  • Uma Met Pes. 12,7 Degtyarev m/938/46 (DShK)
  • Um cunhete de transporte c/1 G.E. Mort 82 e embalagem c/9 cgr.Blt.
  • Uma granada de mão of. (RG4)
  • Um carregador c/ cartuchos calibre 9 mm P.M. Beretta

As NT sofreram os seguintes feridos ligeiros:

  • Furiel Mil Eduardo José Ferreira de Oliveira
  • Soldado nº 56/65 Américo Fernandes

Referência elogiosa do Comandante Int. Militar: “Motivo de muito apreço a captura da Metralhadora Pesada 12,7 mm”. (...)

______

Nota do autor:

Para não ser acusado de omissão e "desculpas de mau pagador” , devo acrescentar que tenho ouvido várias vezes que eu tive um papel pouco lisonjeiro neste acontecimento:

Com razão ou não, aqui fica o que várias vezes me têm dito : que o ataque, assim dizem, devia estar a ser preparado para ter lugar na manhã do dia seguinte mas que eu de alguma maneira forcei o IN a atacar mais cedo do que tinham intenção de fazer. Que eu fui à tabanca e aí acendi uma lanterna de mão. E o IN, pensando que eu estava os estava a descobrir, no mesmo momento abriu fogo e começou o ataque. Assim dizem !

Não me lembro mas é natural que fosse eu que estava de oficial de serviço nesse dia; se decidi ir à tabanca estava de serviço com certeza. A verdade é que eu não tinha em Enxalé nenhuma “bajuda” especial; mas, talvez para ajudar a passar o tempo, decidi dar uma vista de olhos pela tabanca de Enxalé que ficava mesmo pegada ao quartel, separada deste apenas uns 50 a 100 metros com uma rede de arame farpado a meio. Não me lembro dos pormenores senão do tiroteio que começou quando eu estava junto do arame farpado; e eu nem a minha G3 tinha trazido comigo. Lembro, sim, do inferno de ataque que de repente explodiu. E lembro de me ter atirado ao chão onde permaneci de cara e barriga contra o chão por muito tempo sem me mexer; e depois, não sei quando nem porquê, decidi que podia voltar-me: e de costas colado no chão eu via as balas tracejantes passando por cima. Eu ouvia bem o inferno do ataque e a nossa resposta; não sei quanto tempo passei nessa posição. Lembro que depois de muito esperar ( meia hora, duas horas? não faço a mínima ideia…) o fogo parou e eu fui a rastejar ( como eu tinha bem aprendido e praticado em Mafra…) e cheguei ao quartel. 

 Os meus cotovelos e os meus joelhos eram uma chaga… e lembro no dia seguinte o Zagalo todo empolgado a organizar um grupo para ir atrás do IN antes que este tivesse tempo de regressar aos lugares/bases de onde tinham vindo. Não me lembro desta mencionada metralhadora pesada, mas lembro ouvir que tinham visto muitos rastos de sangue, mas que não havia nenhum morto ou ferido, que o IN tinha tido muito tempo durante a noite de os levar com eles.    

____________

Notas do editor:


(...) Características desta arma:

Origem: URSS
Calibre: 12,7 mm
Data de fabrico inicial: 1938
Comprimento: 1,625 m
Velocidade Inicial à Boca do Cano: 860 m/s
Alcance Prático em Tiro Terrestre:  2000 m
Alcance Prátio em Tito Anti-Aéreo: 1000 m
Peso: 35,5 Kg
Alimentação: Fitas de 250
Cadência de Tiro: 540 a 600 tpm
Munição: 12,7 x 108 mm
Funcionamento: Arma automática, a funcionar por gases.



quarta-feira, 7 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22348: (In)citações (188): Lembrando a nossa CCAÇ 1439 (João Crisóstomo, ex-Alf Mil Inf, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)


1. Mensagem do nosso camarada João Crisóstomo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), enviada para conhecimento ao nosso Blogue em 3 de Julho de 2021:

Caríssimos,
Parece-me que estou a tentar fazer chover no molhado… mas sempre fui teimoso, que hei-de fazer? Eu sei que "estamos todos a ficar velhos para estas coisas”… mas, eu também estou e ainda sou capaz de arranjar tempo para o que acho vale a pena… e acreditem que por vezes tenho mesmo de me “de me dobrar e desdobrar”; embora eu, para me convencer tenha de dizer a mim mesmo que "quem trabalha por gosto não cansa…”

Tenho pena que a nossa CCAÇ 1439 esteja tão pouco representada em meios escritos. Para que a nossa CCAÇ 1439 num futuro próximo não passe quase despercebida será bom que mais alguém apareça e dê a cara.

Já vos falei do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. É mesmo uma pena que vocês, se ainda não o conhecem deixem de o fazer. O Beja Santos que esteve em Missirá depois de acabada a nossa “peregrinação”; o Henrique Matos que ainda esteve uns dias connosco em Enxalé antes de ir para para Porto Gole; o Júlio Martins Pereira e eu somos os únicos membros desta “tabanca “ que temos falado sobre a nossa estadia na Guiné. O Viegas também tem contribuído especialmente com fotos, mas não sei se alguma vez se chegou a inscrever.

Para tentar dar o meu contributo eu escrevi uma “crónica”: “Companhia de caçadores 1439. A sua história como a lembro e vivi” cópia da qual eu enviei para todos vocês, (creio eu que a receberam). Creio que todos vocês vão gostar de ler o que neste blogue, tem sido narrado e escrito especialmente pelo Beja Santos e Henrique Matos sobre tanta coisa que, eu sei, todos vocês gostam de recordar, embora muitos dos momentos e acontecimentos vividos tenham sido tristes e trágicos. Sei que vão gostar de lembrar, ao lerem os escritos de outros que nem da nossa companhia são a falarem dos lugares onde estivémos e por onde passamos, das situações quase idênticas… e dos nossos camaradas,  muitos deles já falecidos que merecem ser lembrados... Capitão Pires, Zagalo, o Mano, o Manuel Açoriano, Eduardo para falar dos que assim de repente me vieram à memória.

No blogue está descrito o que é preciso fazer e que é bem simples:
Basta ter sido combatente no TO da Guiné, entre 1961 e 1974, e mandar-nos duas fotos (uma atual e outra antiga) e um pequeno texto de apresentação do candidato (posto, especialidade, unidade, locais onde esteve, etc.)... Entra em contacto connosco, onde quer que estejas!... A Tabanca Grande é tua, este blogue é teu.

Os endereços E-mails que sugiro para o fazer (embora hajam mais): luis.graca.prof@gmail.com e, ou carlos.vinhal@gmail.com

Bom, vou ficar por aqui antes que me mandem ir dar uma curva… antes de desligar: o Júlio Pereira é o outro e único membro da nossa Companhia no blogue; mas por motivos de saúde não contacta mais o blogue. De vez em quando telefono-lhe (ele nasceu no mesmo dia mesmo ano que eu; e sofremos “minas" na Guiné no mesmo dia!). Sofreu um AVC e sofreu o COVID de que recuperou. Está em convalescença, mas estas coisas demoram sempre mais tempo a recuperar do que gostaríamos fosse.

Um grande abraço, com esperanças de que alguém apareça para eu não me sentir tão sozinho.

João Crisóstomo
Nova Iorque

____________

Nota do editor

Último poste da série de 2 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22334: (In)citações (187): As tabernas de antigamente na minha aldeia, e a importância que elas tinham (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22311: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (21): Martins, o caçador de rolas

Enxalé 1972 – Entrada da Tabanca
Foto: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Em mensagem do dia 17 de Junho de 2021, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71), lembra a aventura do Martins, o caçador de rolas.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

21 - MARTINS, O CAÇADOR DE ROLAS

Os recursos alimentares no Enxalé não eram os melhores, dependíamos totalmente do Xime e eram muitas as dificuldades em transportar os escassos artigos alimentares de uma margem para outra do rio Geba, mas lá nos íamos desenrascando com o que nos chegava da Companhia, às vezes também conseguíamos um frango que comprávamos na tabanca e que o nosso "Espanhol" o assava não à moda da Guia, mas sim à moda de Barrancos de onde era natural. O local também era propício para que alguns dos nossos atiradores fazendo jus da sua pontaria, se dedicassem à caça das rolas com a melhor amiga, a G3. Foi o caso do Martins que de quando em vez lá ia arranjando uns petiscos.

Normalmente as caçadas eram efectuadas junto à bolanha virada para o lado do Geba e com poucos riscos de segurança associados. O Martins porém resolveu arriscar mais e entendeu ir à caça das rolas para a mata densa oposta à bolanha e que ficava numa zona mais perigosa e apesar dos meus avisos para que tivesse cuidado e não fosse para aquele lado do matagal, continuou a fazê-lo, mas não foi necessário ir para aquelas bandas muitas vezes para que os meus pressentimentos acontecessem.

Estava eu na área da cozinha à conversa com alguns dos nossos militares quando de repente se ouve o rebentamento de uma granada seguido de algumas rajadas de tiros. Inicialmente pareceu-me uma flagelação vinda daquela zona da mata e até pensei mandar para aquela área uma bazookada ou duas, quando alguém grita: "O Martins está no mato". Fiquei para não ter vida, lá levaram o Martins pensei. De imediato peço para 7 ou 8 elementos me acompanharem numa tentativa de localizar o Martins e possivelmente resgatá-lo. Havíamos percorrido umas duas centenas de metros, na nossa rectaguarda um elemento do nosso pelotão faz um disparo para nos alertar e grita que o Martins está no quartel.

Foi um alívio para mim, mas não acalmou logo a minha ira, nem sequer quis ouvir qualquer justificação do referido militar, só passados dois ou três dias fiquei a saber do que aconteceu. Depois de ter feito um disparo e quando se preparava para recolher uma ave abatida, o Martins ouve algumas vozes e apercebe-se que são alguns guerrilheiros, que possivelmente se preparavam para o agarrar. O Martins não perdeu a calma e instintivamente saca de uma granada de mão que tinha pendurada à cintura e atira-a na direcção de onde havia avistado os seus presumíveis captores e de imediato corre à procura de abrigo no quartel, estes fazem-lhe umas rajadas mas sem lhe acertar e assim o Martins salva-se de ser caçado e de eventualmente fazer um passeio até à Guiné-Conacri, ou de vir numa caixa de pinho até a Metrópole.

Um grande abraço para o pessoal da nossa Tabanca Grande.
José Nascimento
____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21269: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (20): O sargento da milícia de Amedalai

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22295: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (124): O "periquito" Henrique Matos, 1º cmdt do Pel Caç Nat 52, que eu conheci no Enxalé em 1966 (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Foto 1 > Guiné > Zona Leste > Enxalé > 1966 > O meu Baptismo no Enxalé: (i) Ali sentado no meio, de camuflado ainda novo, pelo aspecto já devia estar bem tratado, com alguns elementos da CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67) que me deixaram gratas recordações, (ii) a saber da esquerda para a direita: furriéis milicianos Passarinho, Lopes e o nosso Futebolista, infelizmente já falecido. 

A seguir enchendo a caneca, (iii)  está um madeirense e quem domina garrafa é o alf mil Sousa;  ao lado está  (iv) o fur mil Teixeira (actual Presidente da Junta de Freguesia da Sé, em Faro) e ainda a comer está um 2º Sargento que não me lembro o nome. 

Os restantes são (v)  militares madeirenses, da CCAÇ 1439.



Foto 2 > Primeira lição no Geba, eu, periquito, com os velhinhos da CCAÇ 1439 no Sintex, que até tinha um pequeno motor fora de borda e base para metralhadora



Foto 3 > Batelões a descer o Rio Geba. Como curiosidade, o último chamava-se Lisboa. 


Fotos (e legendas): © Henrique Matos (2007). Todos os direitos [Edição : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

1. Mensagem de João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

Date: terça, 15/06/2021 à(s) 10:11
Subject: fotos...
 
Caro Henrique Matos,

São  03,48 AM. Não consigo dormir, o que me sucede muitas vezes. Coisas da idade porque vontade não me falta. E até  faço bem esforços nesse sentido, bem bizarros por vezes, por ter ouvido que isto e aquilo ajuda a vir o sono. Conselhos  nesse sentido não me faltam, pois como sabes a maior profissão   no mundo é a de médicos: todos e cada um de nós sabemos sempre qual a  mezinha a recomendar para os males dos outros, poções mágicas, exercícios variados como seja o de respirar desta maneira e daquela,  contar  de um a cem e repetir em línguas "estranhas"… etc etc  

Reccuso-me  abusar de  comprimidos  que podem ajudar uma vez mas são um perigo, como sabes.  O meu escape frequente é o nosso bom blogue, com grande incidência  nos assuntos e momentos que de alguma maneira nos dizem respeito  a nós  mesmos e aos nossos amigos, tenham sido  estes momentos vividos  na Guiné ou depois em Portugal, especialmente depois de ter conhecido e  entrado no nosso blogue Luis Graca e camaradas da Guiné.

Hoje decidi pesquisar dois nomes : "Luís Zagalo" e logo a seguir "Henrique Matos". 

Como sempre sucede  segue-se logo uma enxurrada  de emoções, saltitando de  um  poste  a outro. E por vezes aparece o desconhecido ou inesperado, como foi o caso de hoje ao deparar num poste com fotos do "granadeiro" da CCaç 1439 que ainda não tinha visto. 

E noutro poste (P2191)  (*)  uma foto muito boa que gostava muito de ter comigo. Podes fazer o favor de ma enviares por email? Tentei "pescá-la" e transportá-la para a Galeria  de fotos no meu computador, mas, como não percebo nada de coisas digitais,  estou farto de dar voltas e não consigo.

Sei que as coisas começam a melhorar em Portugal também; e começo a sonhar numa possibilidade de ir aí ainda este ano. Mas, porque  "gato escaldado de água fria tem medo",  vou conservando as minhas barbas molhadas , que na nossa idade todas as  precauções são poucas e esta história de "variantes" é razão para poucas aventuras. E ir a Portugal sem poder encontrar-me com os meus amigos (num possível encontro  em que as pessoas  tenham ainda medo de aparecer) está fora de questão. 

Por aqui, salvo uns ocasionais telefonemas , não tenho tido  contactos com "camaradas da Guiné", ou de outras paragens, desde que a pandemia começou. E  pelo que me têm feito compreender ainda é cedo para pensar em nos juntarmos pessoalmente, embora essa ideia já há muito   ande a rondar a porta. Demos tempo ao tempo.

Bom, vou pôr o computador de lado e  ver se consigo dormir algo, pouco que seja.
 Um abraço
joao


2. Comentário do editor:

João: Tempos duros estes, tu não dormes, e eu levanto-me de três em três horas... Temos que aprender a gerir as nossas mazelas da idade... Também muito folgaria em ver-te tão brevemente quanto possível pelas nossas Tabancas... Mas não me parece provável que ainda possa ser este ano,,,

Quanto às fotos que pedes ao "periquito" do Henrique Matos, que foi o primeiro  comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68), eu mesmo tas vou enviar, por email, para o teu álbum de recordações. Para já, volto a republicá-las aqui, com melhor qualidade.

__________


(...) Caros tertulianos: Aqui vai um pequeno episódio a que chamei Baptismo no Enxalé (...). Saídos de Bolama no final de Agosto de 66 (...) , subimos o Geba numa LDM e depois de deixar os nossos companheiros do Pel Caç Nat 53 no Xime, chegamos a um lamaçal que era o local onde se desembarcava para o Enxalé e onde já nos esperava pessoal e viaturas da CCAÇ 1439 (madeirenses). 

O percurso relativamente curto foi picado e serviu para nos dar as primeiras imagens e contar algumas histórias ( pintadas de negro), sobressaindo um ataque que tinham sofrido recentemente sem grandes consequências. 

Com o capitão de férias, comandava a companhia o alf mil Freitas. A tarde ainda ia a meio e como tinhamos apanhado água durante a viagem, a primeira operação foi reunir o pessoal e proceder à limpeza do armamento. Estavamos ali sentados no chão com as G3 que nos tinham sido distribuídas em Bolama, novinhas em folha,  desmontadas, quando desata uma fogachada dos diabos e nós, apanhados como se costuma dizer com "as calças na mão", a correr como moscas tontas à procura dos abrigos. 

Assim como começou de repente, parou e era ver agora o pessoal velhinho a rir com este grande ronco. Afinal, tinham sido apenas umas rajadas já combinadas com o pessoal das guaritas, mas para nós, periquitos depenados, o som parecia amplificado e tivemos que aguentar com um risinho muito amarelo. 

Como é bom de ver, a festa só acabou no bar com o pessoal devidamente regado. Anexo uma foto do baptismo e outras do Enxalé. 

Grande abraço, Henrique Matos (...)


(**) Último poste da série > 9 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21876: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (121): Fui descobrir que o Hospital de Torres Vedras fica na Rua Aurélio Ricardo Belo, médico militar e arqueólogo [Fundão, 1877- Lisboa, 1961] (José Manuel Samouco, ex-fur mil, CCAÇ 2381, Os Maiorais, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)

terça-feira, 1 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22247: 17º aniversário do nosso blogue (11): O nosso querido mês de férias: como ganhei o "Prémio Governador da Guiné" e tive direito a uma viagem, atribulada, no "Se-Cais-Morres" (Sky Master), da FAP, em 1964, até Lisboa, via aeroporto do Sal, Cabo Verde (Alcídio Marinho, 1940-2021)


Douglas C54 Skymaster, da Força Aérea dos EUA. Desenvolvido pela Douglas Aircraft Company, teve o seu primeiro voo em 1938, Produziram-se cerca de 1200 unidades entre 1942 e 1947. Deixou de estar operacional em 1975. [A nossa FAP recebeu 17 aviões, C-5r4 e EDC Skymaster entre 1947 e 1974, segundo informação de António Luís, um dos editores da página Pássaro de Ferro . Crónica da Aviação, onde também colaboração o nosso grã-tabanqueiro José Matos]

Foto: Cortesia de Wikipedia.


1. Há uns anos atrás éramos todos mais novos e tínhamos histórias para contar... Do tempo em que fizemos a guerra pensando em, com ela, ganhar a paz... na Guiné, entre 1961 e 1974... 

 Hoje estamos todos (ou quase todos) a lamber as feridas da guerra e da vida... O tempo é inexorável e não perdoa. O nosso blogue fez,  em 23/4/2021,  dezassete anos de vida... O que é muito, na Net, nas redes sociais... E é muito na vida de um homem, neste pobre planeta que queremos deixar saudável e seguro para os nossos netos e bisnetos...

partir daqui, o nosso blogue está a prazo (, aliás, sempre esteve, como cada um de nós): um dia destes morre de ataque cardíaco, ou de AVC, ou de Civid-19,  ou de Alzheimer ou de cancro no pâncreas...  Ou passado a ferro na passagem de peões. Os blogues também morrem, tal como os que o fazem e os leem... É triste mas é verdade... 

E tudo isto vem a propósito do nosso saudoso camarada Alcídio Marinho que foi para a cova sem contar (por escrito) tudo o que viu,  viveu e sofreu  na Guiné, como fur mil da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65). 

Em sua homenagem (e em louvor do nosso blogue, que está a  comemorar em 2021 dezassete anos de vida), voltamos a reproduzir uma deliciosa história do Alcídio Marinho, publicada na série "O nosso querido mês de férias" (*)


2.  O  nosso querido mês de férias  > Como ganhei o "Prémio Governador da Guiné" e tive direito a uma viagem, atribulada, no "Se-Cais-Morres" (Sky Master), da FAP, em 1964, até Lisboa, via aeroporto do Sal, Cabo Verde 

por Abílio Marinho (1940-2021)

A minha vinda de férias à metrópole teve uma estória curiosa.

Até meio do ano 1964, creio que ninguém era autorizado a vir de férias à Metropole, quem queria gozar férias e tinha direito, ia para Bissau.

Ora, como o 3.º pelotão da CCAÇ 412 fora destacado para o Enxalé, de 28 de outubro de 1963 a 25 de janeiro de 1964, então comecei a montar armadilhas todos os dias, por carolice e necessidade, e,  como não tinha curso, fui agraciado com um louvor pelo Comandante da Companhia, o  Capitão Braga (de alcunha o "Lambreta",  pois com os lábios fazia um barulho que se assemelhava a uma lambreta) [de seu nome completo, Manuel Joaquim Gonçalves Braga, cap inf].

Quando já estava em Cantacunda (de junho de 1964 a fevereiro de 1965), perto de Fajonquito, durante o mês de outubro, tivemos conhecimento que o sr. Brigadeiro Schulz [, um ano depois promovido a general,] , havia instituído um prémio, o "Prémio Governador da Guiné", para agraciar os combatentes que se notabilizasse na efectivação de baixas ao inimigo ou outros feitos em combate.

Qual foi o meu espanto, quando recebi a informação do sr. Capitão Braga que me havia sido atribuído o referido prémio e que podia ir gozar um mês de férias onde desejasse. Assim marquei a minha vinda a casa.

Como já não se passava na estrada, Bafatá - Banjara - Mansabá - Mansoa - Bissau, tive que ir para Bissau de barco. À época os barcos iam até ao Capé e Contuboel. Tomei o barco em Bafatá e rumei a Bissau, no dia 30 de outubro de 1964.

Embarquei em 31 de outubro de 1964, em Bissalanca, num avião da Força Aérea (Dakota-Skymaster ou "Se-Cais-Morres"), rumo ao Sal, Cabo Verde, com passagem pelo aeroporto militar dos Gambos, nas Canárias,  mas quando chegámos a Lisboa, estava uma tempestade enormíssima, pois que todos os aeroportos da Península Ibérica estavam encerrados. Quando estava a amanhecer,  olhamos pelas janelas e só víamos mar e depois depois uma ilha, era a ilha do Sal, outra vez.

No avião vinha, no meio, um motor de um F-86 (!)  e um paraquedista,  de maca, acompanhado de uma enfermeira,  e outros militares.

Desembarcámos e fomos comer às instalações da CCaç 413 que havia ido connosco para
a Guiné, com destino a Mansoa, tendo a meio da comissão sido deslocada para a ilha do Sal, Cabo Verde.

Aí comemos lagosta a todas as refeições, eles já enjoavam a lagosta. Éramos todos conhecidos pois como nós também pertenciam ao BC 10, Chaves,  e os sargentos éramos todos do mesmo curso, o de 1961.

O Aeroporto do Sal  só tinha uma pista e no final da mesma havia a torre de controle.

Na tarde desse dia, tornamos a embarcar e,  quando arrancámos para levantar, ouvimos um estrondo, provocado pela da rebentação de um pneu e só parámos a cerca de 5 ou 6 metros da torre.

Como não havia pneu suplente,  ficámos três dias no Sal até chegar um pneu, no avião da TAP. No dia 3 de novembro de 1964, reembarcámos para Lisboa onde chegamos no dia 4.

Passei essas Férias em Amarante, Chaves, Verin (Espanha), (onde tinha uma namorada espanhola) e Porto. 

Passados os trinta dias apresentei-me nos Adidos, em Lisboa, mas não havia alojamento, fui instalar-me numa Pensão na Rua Rodrigo da Fonseca, a aguardar passagem aérea para Bissau, o que veio a suceder só no dia 6 de dezembro de 1963. 

Chegado a Bissau apanhei um barco civil, para Bafatá, seguindo de novo até Cantacunda.

Nas Canárias comprei um relógio por 500 escudos e uma máquina fotográfica Konica também por 500 escudos.

Do outro pessoal da CCAÇ 412,  apenas um alferes veio de férias, no entanto, três alferes tiveram as esposas em Bafatá

Alcidio Marinho
Porto, 22 de setembro de 2015 às 13:18

_______________

Notas do editor:


Restantes postes da série:

7 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15211: O nosso querido mês de férias (17): Vim a casa uma vez, em agosto de 1965, na TAP, num Super Constellation, como simples passageiro... e estava longe de imaginar que cinco anos depois estaria aos comandos de um Caravelle, como piloto da mesma, saudosa, companhia... (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)

6 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15209: O nosso querido mês de férias (16): Férias em Bissau para tirar a carta de condução de pesados (Abel Santos)


6 de Outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15205: O nosso querido mês de férias (15): em agosto de 1971, entre a praia da Nazaré e as tertúlias de Vila Franca de Xira... enquanto em Lisboa, tudo na mesma, isto é, a vida corria... (Hélder Sousa)

5 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15204: O nosso querido mês de férias (14): À procura de aconchego, e de amor temperado com algumas paródias, que um mês, naquele tempo, passava muito depressa (José Manuel Matos Dinis)

1 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15185: O nosso querido mês de férias (13): Os soldados não se podiam dar o luxo de ter férias (José Manuel Cancela, ex-sold ap metr, CCAÇ 2382, 1968/70) / Proporcionei a alguns soldados do meu grupo de combate umas modestas férias em Bolama (António Murta, ex-alf mil inf., 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, 1973/74)

30 de setembro de 2015 > Guiné 63/73 - P15183: O nosso querido mês de férias (12): Era para entrar de Licença em Agosto, mas fui vítima de uma injustiça, acabando por a gozar de 22 de Setembro a 26 de Outubro (Mário Vitorino Gaspar)


27 de setembro de 2015 >Guiné 63/74 - P15165: O nosso querido mês de férias (7): Entre 15 de Fevereiro e 21 de Março de 1971, a ilusão de estar longe da guerra (Carlos Vinhal)

27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15164: O nosso querido mês de férias (6): Vim duas vezes a casa... Da primeira vez, regressei a 18/12/1968, para passar obrigatoriamente o Natal em Bambadinca... Apanhei uma boleia no DO 27 do meu amigo Honório (Ismael Augusto, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)

27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15163: O nosso querido mês de férias (5): vim uma vez a casa, a Vila Nogueira de Azeitão, em 18/9/1965, mas o Super Constellation da TAP, por avaria, só partiu a 22... A viagem custou-me 6160$70 (António Bastos, ex-1º cabo, Pel Caç 953, Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem,

26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15160: O nosso querido mês de férias (4): Vim duas vezes à metrópole: na 2ª vez, beneficiei de mais 5 dias de licença, por ter tido um louvor em combate... (E, mais tarde, beneficiei da isenção do pagamento de propinas dos meus filhos quando entraram na universidade) [José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil da CART 566 (Cabo Verde, Ilha do Sal, 1963/64, e Guiné, Olossato, 1964/65)]

26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15159: O nosso querido mês de férias (3): 10 de março de 1970: eu a partir e o ministro do ultramar, Silva Cunha, a chegar, no mesmo Boeing 707, da TAP

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15143: O nosso querido mês de férias (2): os testemunhos de Henrique Cerqueira ("Em Bissau, dormia com o bilhete dentro da fronha do travesseiro"), José Carlos Gabriel ("A minha filha, de 5 meses, teve um choque muito grande ao ver-me no aeroporto, de bigode") e João Silva ("Foi ótimo vir no inverno, a saudade era do frio")

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15138: O nosso querido mês de férias (1): Maio de 1969: nessa altura o bilhete de ida e volta, na TAP, custava 4 mil escudos (Paulo Raposo, ex-alf mil Inf, MA, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, Galomaro e Dulombi, 1968/70)

(**) 11 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22192: 17º aniversário do nosso blogue (10): por que é que das "lavadeiras" ao "sexo em tempo de guerra" vai um passo ? (Carlos Arnaut / Cherno Baldé / Luís Graça)

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22241: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IXa: Porto Gole: 3 de março de 1966, ataque IN


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Praça do Império > Monumento "Ao Esforço da Raça! > Novembro de 1965 > Dpsi alferes que estuveram em Porto Gole : o Alf António Maldonado, falecido no ataque de 3 de Março de 1966, descrito a seguir; e o Alferes Jorge Rosales, que esteve 18 meses neste destacamento de Porto Gole, antes da chegada da CCaç 1439 a Enxalé. Comforme escreveu onosso saudoso  Jorge Rosales (1939-2019):  "O alf mil Maldonado, meu camarada desde Mafra e meu substitulo em Porto Gole, (...) faleceu em março de 1966, em consequência do rebentamento de uma morteirada IN que o atingiu em cheio, no aquartelamento de Porto Gole". De seu nome completo, António Aníbal Maia de Carvalho Maldonado, era natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada.

Foto (e legenda): © Jorge Rosales (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: João Crisóstomo / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Junto do monumento de Porto Gole,  (i) de pé, 
da esquerda para a direita, Alf Sousa; Alf Crisóstomo e furriel Bonifácio;  (ii) sentados da direta para a esquerda. Furriel Neiva e Alf Matos  e na esquerda  um condutor da CCaç 1439, de quem me não lembro o nome.


Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Sem desprimor para os aqueles que não posso identificar , pode-se ver no canto direito fazendo exercício de preparação o Furriel Eduardo, profissional de futebol em Portugal ; e em primeiro plano,  embora me lembro de todos eles , não consigo alguns nomes: de pé da esquerda para a direita : eu, Furriel Bonifácio, e no meio o Manuel Açoreano. Esta é a única foto que tenho dele, bem identificável. era o único soldado não madeirense e foi vítima duma mina no dia 6 de Outubro de 1966.



Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Um dos “abrigos' de Porto Gole ; o João, do Bombarral  (padeiro  em Porto Gole)  e eu numa altura em que tinha tempo para tudo, até para deixar crescer a barba…


Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) >  A cozinha e a padaria ( o edifício branco ) de Porto Gole . Na caso de dúvida, o indivíduo de pé , de mãos nos quadris sou eu.

Fotos (e legtendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)




CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, 
Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” 
como eu a lembro e vivi 
(João Crisóstomo, 
ex-alf mil, Nova Iorque)

Parte IXa:  Março de 1966: A CCaç 1439 em Enxalé (e seus destacamentos de Porto Gole e  Missirá)

Dia 3 de Março de 1966:  Ataque  do IN a Porto Gole 

 

Porto Gole e Missirá eram os dois “destacamentos” de Enxalé. Em princípio os quatro pelotões e seus alferes eram supostos revezarem-se -se em estadias de um mês nestes destacamentos.

Para o destacamento de Porto Gole porém  havia quase sempre um alferes de outras origens que não era o Enxalé, como se pode ver pela presença  do Alferes Jorge Rosales,  antes de nós  e durante o nosso tempo a presença do Maldonado, António  Carvalho e Henrique Matos. Quando por qualquer razão isso  não sucedia,  então a CCaç 1439 no Enxalé  preenchia a lacuna até esta ser de novo  atendida. Esta foi   a razão  porque estive em Porto Gole várias vezes durante a minha comissão na Guiné.   

Quanto às estadias, que supostamente eram de um mês, nunca sucedeu assim e  demoravam mais ou menos tempo conforme  a situação e  circunstâncias o permitiam ou exigiam. Houve mesmo ocasiões,  embora de pouca duração   em que tanto Missirá como Porto Gole estiveram algum tempo sem tropas regulares, ficando a segurança das mesmas entregues aos Régulos, os  respeitados Abna na Onça em Porto Gole e Malan Soncó em Missirá,  com  suas milícias de nativos.

Não sei sequer em que data estive em Porto Gole pela primeira vez. Da minha primeira estadia lembro da minha surpresa por ir encontrar em  Porto Gole várias casas tipo europeu, onde cabo-verdianos e mesmo portugueses que no passado faziam a sua vida aqui e  que agora apareciam ocasionalmente. Havia  um Posto Administrativo  que servia também de  residência para o encarregado deste,  um Cabo-verdiano e sua família; uma "Casa Gouveia"    para o comércio do arroz  que era  abundante  na região..  

 O Régulo de Porto Gole, Abna  na Onça era um indivíduo enorme em estatura e  importância:  a sua autoridade era respeitada  e temida  no grande número de  tabancas  da  vasta região predominantemente  da etnia balanta, embora a sua influência se estendesse mesmo em áreas de outras etnias e com outros régulos. Abna  na Onça  nunca perdoou que logo no início das hostilidades  as forças do PAIGC  lhe tivessem roubado duas  das suas dez mulheres e   elevado número de  cabeças de gado.  

E se a sua posição foi sempre a favor dos portugueses,  a partir desse momento declarou guerra sem quartel aos que queriam uma nova ordem e independência. Tinha uma milícia bem organizada, a nível  de pelotão  permanente em Porto Gole, alguns deles, se eram todos nunca o cheguei a saber, armados  com  espingardas Mauser fornecidas por Bissau. 

Do General Schul recebeu uma G3 e um relógio de pulso de ouro  que ostentava com orgulho, assim como  o título de "Capitão de Segunda.”  Exercia autoridade  completa  na grande    extensão  do seu domínio num total estimado de cinco mil balantas, passando julgamentos e veredictos que eram  respeitados e aceites sem qualquer discussão. Mais do que uma vez ouvi dizer da vinda de indivíduos que se apresentavam para receber os castigos impostos, por vezes   dolorosas reguadas nas palmilhas dos pés aplicadas com uma régua  especial que tinha para o efeito.

Não faltava espaço e lembro que havia mesmo um improvisado campo de futebol que nos ajudava a esquecer problemas e passar  o nosso tempo

 Não me recordo quanto tempo fiquei, mas ao fim da minha primeira estadia tinha já um bom relacionamento pessoal com ele. Vim a saber mais tarde que o mesmo sucedia já antes de eu chegar, a ajudar pelo testemunho deixado  neste blogue. No poste  P19517 lê-se:

"(i) o Jorge era muito amigo do mítico capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”;

(ii)  o prestígio, a  influência e e o carisma do Abna Na Onça eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC);

(iii) jovem (teria 72/73 anos se fosse vivo, em 2009), era um homem imponente, nos seus 120 kg.

(iv) Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços;

(v) mais tarde, seria morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias admin, todos eles residentes em Porto Gole"

 


Foto nº 6 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67)  > N
ão me lembro dos nomes: dois sargentos ( do quadro)  a meu lado;  do lado esquerdo furriel Tony e o filho do encarregado do posto.No lado direito de costas Abna na Onça, um cabo-verdiano, encarregado do posto e sua esposa 


Foto nº 7 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67) > Eu e o Abna na Onça em Porto Gole


Foto nº 8 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67) > O 
 Abna na Onça com o capelão militar do BII 1888  no dia em que a Cilinha  do MNF visitou Porto Gole .

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foi um choque grande para mim quando soube da morte de Abna na Onça.  Como  havia sucedido com o Alferes Rosales que me precedeu em Porto Gole,  também eu tinha já um bom relacionamento, direi amizade  com ele.  

Pelo que compreendi  a estadia  de Rosales em Porto Gole  era a título  permanente; depois de  Rosales acabar o seu tempo,  Enxalé continuou  encarregado de Porto Gole, mas como expliquei atrás,  em princípio  nós revezavamo.nos cada mês um pelotão à vez e houve durante o nosso tempo três alferes que não eram da CCaç 1439 que vieram para Porto Gole.  Na realidade os alferes da CCaç 1439  em Porto Gole eram mais um  "tapa buracos” ; mas como estes foram frequentes e longos , estivemos  lá bastantes vezes.

Antes de copiar o que consta sobre o primeiro ataque a Porto Gole, em 3 de março de 1966, quero deixar  algumas recordações   que tenho de Abna na Onça e outras memórias de Porto Gole que acho pertinentes.

Depois do  fatídico ataque IN a Porto Gole , durante o qual faleceu o Alferes Maldonado, o Capitão Pires chamou-me; que devido às circunstancias não tinha outra alternativa  senão que eu voltasse para Porto Gole  com o meu pelotão, até que o Batalhão  encontrasse solução definitiva.

Voltei e soube então que o Alferes Maldonado tinha pensado em construir uma pista de aterragem  mesmo junto a Porto Gole. Não sei se chegou a falar disso a alguém ou não. O  facto  é que havia uma grande superfície plana que se propiciava perfeitamente para isso.  Eu nunca tinha pensado nisso antes , mas via que era possível e muito útil. O correio que recebíamos em Porto Gole era  simplesmente  deixado cair duma  avioneta e  depois recuperado nessa área; e a construção de uma pista de aterragem além de  muitas outras vantagens,  ajudaria a  quebrar o sentido de muito isolamento a que estávamos sujeitos.

Matutei sobre isso muito tempo: para fazer uma pista de aterragem eu ia precisar de  ajuda  pois haviam algumas árvores grande que era preciso arrancar  e isso ia exigir  maquinharia apropriada. E talvez eu devesse consultar  primeiro o Capitão Pires e mesmo o Batalhão. Mas pensei, se eu lhes falar depois de o terreno já estar limpo,  talvez eles aceitem a idéia  com  maior facilidade.    Sei que um  dia resolvi falar sobre isso  com Abna na Onça, não só porque precisava da ajuda dele no caso de querer concretizar a idéia , como para o fazer sentir que respeitava a sua autoridade; ao fim e ao cabo  ele era o Régulo  da região.

 Se ele já sabia da idéia não me disse, mas mostrou-se  entusiasmado. Perguntei-lhe o que pensava,  decidido a falar depois com o capitão Pires  para alguma ajuda.   Eu pensava que ele ia dizer que  pelo menos seria preciso dar de comer a quem quer que viesse trabalhar na capinagem da extensa superfície. Mas não era o caso. Que  Porto Gole era uma terra muito importante e com  um campo de aviação ia ser mais importante ainda. Que eu arranjasse maneira de dar água  para beber  aos  homens  e  que o resto era com ele.  Perguntei-lhe então e ele disse logo que sim à minha idéia de pôr  um jeep com um bidão   a acartar água da povoação para o local. E à minha sugestão de enviar uma secção de soldados para fazer segurança, ele respondeu categoricamente que não. Que  eu estivesse descansado que se o IN  viesse atacar ele ia saber antes disso acontecer.

No dia combinado, que foi três dias depois,  quando fui ao local já  aí estavam umas dezenas de  homens.  à espera e  continuaram  a aparecer mais e mais… Quando o capitão Abna na Onça apareceu havia uma multidão  que eu avaliei em cerca de duzentos a trezentos homens, todos  com catanas.    

No momento em que   ele falou fez-se  um silêncio total, mas mal ele acabou de falar foi um  sussurro geral, parece que todos falaram ao mesmo tempo. Eu não soube o que disse , mas o resultado foi formarem imediatamente uma linha numa extensão enorme e a descapinagem  e o corte de tudo o que era arbusto e  árvores de pequeno porte começou.  Eu só ouvia um  murmúrio aqui e ali  e a voz  forte de  Abna na Onça : Kuá , Kuá, Kuá… que ainda hoje não sei o que quer dizer, mas o que quer que fosse era um poderoso motivador.   Nos dois dias seguinte foi a mesma coisa e o campo ficou a secar. Passados algum tempo  o meu pelotão voltou a Enxalé sem termos  feito mais nada no terreno.  

Pelo que  soube ainda recentemente,  durante bastante tempo  não  sucedeu nada no respeitante ao campo de aterragem.   Mais tarde  houve “reorganização militar do terreno"  e   Porto Gole deixou de ser  dependente  de Enxalé,  passando a ser  a sede duma companhia e Enxalé passou a  depender de Xime.  Deve ter sido nesta altura que houve novos trabalhos de preparação do terreno, pois algum tempo depois houve uma “Dornier” que   fez uma aterragem de emergência nesta pista e depois conseguiu levantar   de novo e prosseguir voo.

 (Continua)

_________

Nota do editor:

Último poste da série > 18 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22210: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VIII: A partir de outubro de 1965, em Enxalé e seus destacamentos, Porto Gole e Missirá

terça-feira, 18 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22210: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VIII: A partir de outubro de 1965, em Enxalé e seus destacamentos, Porto Gole e Missirá

 



Guiné > Região de Bafatá > CCAÇ 1439 (1965/67) > 1965 > Bambadinca > Rio Geba > Cais fluvial e cambança, em canoa, para Finete (na margem direita)                         



Emblema da CC1439 que me foi dado na Madeira. Esteve comigo na Guiné 
e tem andado comigo pelos quarto cantos do mundo!

Fotos (e legtendas): © João Crisóstomo (2021. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)




CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, 
Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” 
como eu a lembro e vivi 
(João Crisóstomo, 
ex-alf mil, Nova Iorque)

Parte VIII: Dia 9 de Outubro de 1965: A CCaç 1439 em Enxalé (e seus destacamentos de Porto Gole e  Missirá)


Não foi de bom grado que recebi a notícia de que íamos para Enxalé na outra margem (,direita,) do Geba. No lado do Xime e Bambadinca havia pelo menos algumas possibilidades e certa facilidade de ir até Bafatá, pensava eu. Mas ir para Enxalé no outro lado do rio? Mas não tinha dizer na matéria e, resignado, para lá me mudei com a minha companhia.

Fiquei surpreendido por encontrar várias casas normais, construídas por antigos comerciantes que, adaptadas, ofereciam instalações razoáveis. Graças a este blogue, viria mais tarde a encontrar a dona das casas que aí nos serviram de messe, escritórios e residência, a Sra Helena do Enxalé, a Maria Helena Carvalho, que, além de membro da Tabanca Grande, se tornou uma amiga querida de todos os que têm a sorte de a conhecer.

Considero os primeiros meses aí passados quase que um tempo de aprendizagem, reconhecimento e adaptação. Os destacamentos de Missirá e Porto Gole “pertenciam ao Enxalé", pelo que os pelotões e seus respectivos comandantes, Alferes Freitas, Crisóstomo e Sousa se revezavam.

Porque não tive o cuidado de registar em agenda as datas certas das nossas “andanças", não tenho sequer maneira de poder dizer com certeza quem estava num lado ou outro em alguma data específica nos primeiros meses. Sei que estive destacado em Porto Gole em Janeiro/Fevereiro de 1966, mas não sei as datas certas; em fins de Fevereiro eu estava no Enxalé, pois não esqueço que fazia parte de uma operação onde sofremos muita sede , como consta no “Relatório”.

Como disse já, depois de 55 anos passados, não tenho dados suficientes , nem memória suficiente que me permita muito mais do que o que vem descrito no ‘Relatório”, a partir de fins de Maio de 1966. Por isso apenas mencionarei com maior detalhes ou destaque alguns casos “ especiais" na medida em que a minha memória ainda me permite fazê-lo. De resto farei um resumo de datas, dados e informação como vem no "Relatório#, para que conste.
  

   


Guiné > Região de Bafatá > CAÇ 1439 (1965/67) > Enxalé > Setembro de1966 >  Na messe”: 1-Cap Mil Amandio Pires; 2 Alf. Sousa 3 Alf Zagalo 4 Alf medico Paulo Petracki; 
5 Alf Henrique Matos, Cmdt Pel Caç Nat 52; 6 Alf mil Marchand, Matos Cmdt Pel Caç nat 54; 7 fur. Mil Antunes; 8 e 9 fur Monteiro e Altino, Pel Caç nat 52

Foto de fur Viegas. Legenda de Herique Matos  (editada por João Crisóstomo)



No  canto esquerdo  está o Sargento  Bicho; eu estou ao fundo de camisa branca



Ainda no Funchal, em vésperas do embarque para a Guiné,  Capitão Pires, que vai partir mais cedo,  espede-se dos seus quarto oificiais  Freitas, Crisóstomo. Sousa e Zagalo

O Monumento/recordação deixado em Enxalé... Na foto, Alferes Freitas, Capitão Pires e Alferes Sousa. O alferes Zagalo estava na altura em Missirá e o alferes Crisóstomo estava em Porto Gole


Novembro de 1965: dia 9


Patrulha de reconhecimento e batida ao Chão Balanta. durante este patrulhamento foi assinalado o clima de colaboração entre a populança balança e o IN, colaboração que se supõe ser devida à ameaça do IBN à população. Procurou-se cativar a simpatia da mesma população.

Novembro de 1965: dia 19

A CCaç 1439 realizou a Operação Fama, patrulha de reconhecimento e combate à região de Madina. O relato é extenso e pouco claro; antes confuso.

De facto o relato que se segue parece ser um jogo de "gato e rato” ou "agora atacas tu, agora ataco eu” sem qualquer encontros sérios a destacar. Não me recordo se fiz parte desta operação, mas creio que não. Não me iria com certeza esquecer do que consta deste relatório, um vez que menciona resultados de alguma envergadura , como seja a destruição de um acampamento de 70 casas (sic):

(...) " As nossas tropas foram detectadas por um sentinela avançado , tendo alertado o IN com disparos de P.M. (..). As nossas tropas aproximaram-se do objectivo sem encontrar qualquer resistência. O IB tinha-se furtado ao contacto, tendo dispersado. Destruído todo o acampamento IN, constituido por 70 casas e, batida toda a região, foram destruídas todas as culturas IN de mandioca,milho, arroz e bananeiras".

E o "agora atacas tu, agora ataco eu” continua sem qualquer gravidade de notar parece , embora mencione que "encontraram-se vestígios de baixas IN que posteriormente foram confirmadas por prisioneiros". E depois diz-se que "não houve baixas nas NT""-

Embora mencione a captura de tês prisioneiros, sendo um deles o próprio chefe da tabanca IN Albino Có, diz a seguir que "ss magros resultados obtidos são consequência da falta de um bom guia" e que "Nnesta operação houve uma perfeita colaboração com a forca aérea".


Novembro de 1965: dia 27

Patrulha de reconhecimento a Colicunda, Hafo(?) e Chombé . "Em Colicunda foram capturados dois indivíduos suspeitos, sendo um deles posto em liberdade e(o)outro feito prisioneiro."


Novembro de 1965: dia 29

Patrulha de reconhecimento, seguida de batida à zona de Cherel (sic): "por exploração imediata de notícias, a CCAL 1439 deslocou-se à regina de Cherel onde se suspeita existir uma tabanca não apresentada sob controle directo do IN. tendo-se detectado uma Tabanca fez-se o cerco e batida, capturando dois homens, três mulheres e quatro crianças.. Foi capturado o seguinte material: 1 pistola Ceska; 1 pente de munições de espingarda Mauser.

Foram destruidas 10 casas de mato além de varios utensílios domésticos que se tornavam impossível transportar bem como um campo de milho e arroz."

Dezembro de 1965: dia 22


"Realizou-se a Op Prova, patrulha de reconhecimento e combate à região de Madina, saindo de Missirá, picada de Bissá até Madina. Não foi detectado qualquer elemento IN nem vestígios de acampamento."

Fevereiro de 1966: dia 25

Lembro bem esta “operação” em que eu e o meu pelotão tomámos parte. O descrito no relatório é bastante objectivo e esclarecedor:

(...) "No dia 25 de Fevereiro de 1966 a CCaç 1439 realizou a Op Vigor que consistiu numa patrulha de reconhecimento e combate na região a N de Cherel. (...) O guia prisioneiro utilizado, ou mentiu ou não estava actualizado. (...)

De facto quase nada de extraordinário aconteceu, salvo ter-se encontrado um “acampamento IN ” abandonado havia muito tempo e logo a seguir outro acampamento que devia ter substituído o anterior, mas que também já estava abandonado há algum tempo.

(...) "Foi uma das operações que obrigou todo o pessoal a um grande desgaste físico devido à falta de água naquela região."

Esta Operação mereceu do Agrupamento 24 a seguinte referência: " Dadas as condições difíceis em que se desenvolveu a Operação— sob temperaturas escaldantes , --solicito que transmita às NT intervenientes o reconhecimento pelas suas boas qualidades militares e o espírito de muita compreensão e sacrifício."

Nota: Não foi só o calor e a falta de água. Foi também o seu longo tempo/duração, pois pernoitamos no mato e depois o caminho de volta não acabava mais. Recordo-me do quase desespero de todos, na ânsia de encontrar água, fosse de riacho ou um simples poço. 

Eu bem tentava motivar e inspirar confiança, mas eu próprio sofri a sede nessa operação. E não é fácil inspirar ou convencer alguém quando nós próprios somos os primeiros a precisar de acreditar e ser “convencidos”.  

Creio que foi nesta operação ( pois a situação de sede e falta de água sucedeu mais do que uma vez ) que encontrámos uma pequena, mas funda depressão no terreno, como que um lagosito pequeno; a cor da água era escura e num canto estava um macaco já em decomposição. Mas não houve hesitações: felizmente que, junto com a ração de combate toda a gente trazia os comprimidos para "purificação” de água, cujo nome não me lembro,. E foi encher os cantis e dar graças a Deus…



Junto estas duas fotos  quase como”homenagem" ao meu valente  guarda-costas de quem, acabado o meu serviço militar,  nunca mais soube  nada.  Pelo que lembro dele, opinião esta partilhada por outros que  o conheceram,  era um indivíduo de uma lealdade, altruísmo  e coragem  únicas; para mim mais do que um simples soldado guarda costas ele era um amigo. Jamais o  esquecerei.