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segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339,(1968/69) > No final da comissão, em Novembro de 1969, o "autocarro do Amor" está pronto a deixar o "campo fortificado de Mansambo", como lhe chamavam os guerrilheiros do PAIGC, e embarcar no Uíge de regresso a casa...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339,(1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça, ao centro, num dos abrigos subterrâneos do aquartelamento, onde as fotos as estrelas de cinema (Catherine Deneuve ?) ajudavam os jovens, nos seus verdes anos, a alimentar e a sublimar o ardente desejo... de viver! Com Lisboa e o Porto, tão longe... e Bissau (1) pelo meio, mas só para alguns privilegiados....


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga> CART 2339,(1968/69) > No início da comissão, nos dias tranquilos, um guerreiro devidamente ataviado... E ainda havia, escondida, na camisa, a Manelinha, a 6.35, que fez jeito (ou melhor, deu alguma tranquilidade...) numa certa noite no Pilão, a oito dias do embarque no Uíge... É uma bela estória, Torcato! Se não a constasses, os teus filhos, os teus amigos, os teus camaradas, ficariam privados do conhecimento desta tua escapadela ao Pilão... e do prazer da tua escrita.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.

1. Texto do Torcato Mendonça. Enviado do Fundão com a nostalgia própria de um domingo outonal, 18 de Novembro de 2007.

Meu Caro aí vai o resto [da estória] do Pilão. Ao lado, a RTPN mostra A Guerra, em repetição. Que dizer? Digo boa noite ou bom dia…

Um dia falo disso, dos Estudos Ultramarinos, do Prof. Adriano Moreira, outras vidas de minha vida…


Um abraço,

Estórias de Bissau ( ) > O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô
por Torcato Mendonça


(i) Rotinas


Pela manhã ligar o computador, tomar o pequeno-almoço e voltar para espreitar o Blogue. Rotinas.

Hoje dez fotos, recentes, a mexerem comigo e certamente mais nos que por aqueles locais passaram. Trouxeram-me, não prazeres da memória, mas só, isso sim, memórias de um passado distante.

Sentei-me à mesa, com caneta, bloco e escrevo, como sempre ao correr da pena, nesta manhã fria, neste domingo com o Sol a entrar pela porta entreaberta da varanda aquecendo-me, a mim e ao Pluto, com os seus raios do calor de Outono. Ao fundo a Serra da Gardunha, o Monte de S. Brás e Alcongosta – capital da fruta – envoltas pela leve neblina do levantar da geada e orvalho.

Mais ao alto, muito mais alto, num céu muito azul, traços deixados por dois aviões, um vindo o outro indo para Lisboa. Cidade que foi Capital, dizem, de um Império glorioso. Paro em breve reflexão e abano a cabeça em discordância. Continuo a olhar o céu azul e o traço de dois, e mais um, três aviões, certamente a caminho dessa Europa ou sei lá.

Imagino viagem para terra distante. Para a Guiné? Porque não rever aquela terra, as suas gentes, sentir o calor e, nesta época, talvez ainda a chuva. Cumpriria assim a promessa feita em Amedalai, quando do regresso ao meu País. Eu volto. Nunca o fiz. Certamente não o farei. Sinto uma certa mágoa, um certo aperto no peito, uma vontade de voltar aos verdes anos. Hoje, já velho, iria em busca de outros velhos e velhas, mas em paz ou a acertar contas com ela, finalmente. São recordações de prazer e tormento. Fico aqui. Vou sempre ficando aqui, em tempo cada vez mais curto. Paro novamente. Sinto a tristeza do desejo não realizado e a solidão a entrar. Só. É isso, só. As dez imagens, o recordar outras, deixaram-me só.

Se passar à tecla e enviar aproveito para fazer a declaração de voto. Porque não recordar Bissau e o Pilão ? ! Agora não. Vou beber mais um café.


(ii) Declaração de voto

É difícil, muito difícil, pensar hoje como nos meus verdes anos. Regredir quarenta anos não é fácil. Depois, o medo de errar no relato dos factos ora passados. Hoje vejo tudo de forma diferente. Só que os relatos feitos são os do passado e analisados como tal. O ter durante tanto tempo recalcado na memória, bem lá no fundo, tudo isso não dará uma deformação ou erro ao relato actual? Assumamos contudo o que escrevemos hoje. Objectividade, honestidade e, sempre, a tentar relatar o que efectivamente aconteceu.


Difícil responder á sondagem sobre o Pilão!

Não sei se o azeiteiro, chulo ou proxeneta, não terá razão, ao avisar para os perigos da noite no Pilão. Todos, ou praticamente todos, os que passaram pela Guiné deram uma volta pelo Pilão. Qualquer graduado pediu aos militares que comandava para, no Pilão ou noutro lugar da “noite guineense”, terem cuidados redobrados. Desde que se seguissem as regras elementares, próprias daqueles “locais”, o perigo era menor. Todos conhecem as regras, a maioria visitaram cá em Portugal locais de diversão nocturna. Essas regras são estabelecidas pelos donos da noite.

É difícil votar em N/ discordo, N/concordo…. Voto em Discordo. Até porque não gosto de meias tintas e muita gente do Pilão e de outros Pilões são gente boa, igual á que habita por tanta cidade com a “noite”, ali ao lado.


(iii) Bissau e o Pilão


Bissau foi para mim uma cidade de passagem. Chegadas e partidas de e para a Metrópole e uma vinda até ao Hospital Militar. Ao todo, cerca de oito chegadas e partidas que certamente não totalizaram mais de quinze ou vinte dias de estadia. Não sei ao certo. Nesses dias confesso que procurei “viver”. Mas o que era viver numa cidade daquelas? Comer, beber e beber, ter encontros e fazer as visitas possíveis. Visitei pois o Pilão, o bordel, o hotel, a pensão, o quarto particular, o café, o restaurante e até, em Santa Luzia, a piscina.

Conheci gente boa e recomendável, gente, dita, menos boa e não recomendável. São factos que a todos aconteceram. Uns contam-se, outros ficam no arquivo da memória. Um do Pilão, quase no fim da comissão conto; de Santa Luzia, não.

Só um breve relato, certamente aconteceu a muitos, algum ou alguns desejos loucos. Já no fim da comissão tinha dois desejos: comer uma sandes de fiambre e manteiga, acompanhada com uma Cola gelada e depois beber um café duplo… lentamente. O outro era passar debaixo da Ponte do Tejo – 25 de Abril, hoje, pois nessa altura, era Salazar.

Levanto só um pouquito de outre desejo… comer uma branca…ponto!

Satisfiz os desejos?! Razoavelmente. O pão da sandes era bera e não vi bem a parte debaixo da ponte… Era arruivada… a ponte claro… por debaixo.


(iv) O Pilão em Novembro de 69

Bem. Fica para amanhã ou num outro dia qualquer. Nem só o sujeito dos conselhos era chulo. Este, o que me calhou na “rifa” no Pilão, tratava da vidinha por dez réis. Quantos, bem colocados, não a tratavam por milhares?

(…) Em finais de Novembro de 1969, vim para Bissau à espera do embarque. Devido ao Capitão L. Henriques ter menos tempo de comissão e o Alf Cardoso (2º Cmdt) estar no Hospital Militar, doente – felizmente esperava-nos em Lisboa – fiquei eu a comandar a Companhia.

Todos os dias, pela manhã, tinha que aturar o 1º Clemente com a papelada. Depois ia de jipe ver os militares e tratar de vários assuntos. O condutor, bom conhecedor de Bissau, encurtava viagem atravessando o Pilão. Eu ia vendo, fixando lugares e, confesso, ia sempre armado e atento. Foi isso que talvez me tenha safado, no mínimo de levar uma valente tareia, dias depois. Mantive esse costume.

No verão quente de 75, mesmo antes e depois, quando atravessava o Alentejo era mandado parar muitas vezes. Revistado por GNR, aprumados militares e civis, grandes defensores dos valores revolucionários e democráticos. Enojava-me. Só abri a boca, se bem me lembro, duas vezes. Uma para dizer a um GNR:
- Cuidado, esse saco tem fraldas com caca do meu filho… - E.a outra para “pedir” a um oficial, barba e cabelo grande, farda em desalinho:
- .Respeite o uniforme que enverga. - Olhou-me e calou-se. Nunca viram que eu estava armado. Mas que tem isto a ver com o Pilão? Pouco ou nada, a não ser o andar armado.

A tarde ou o fim dela, ficava livre para passear por Bissau. Eram horas então de lanchar/jantar nos lugares habituais. Ostras, camarão, mais um sólido ou outro e muito líquido. Seguia-se a digestão com auxílio de uísque e ida aos lugares de todos conhecidos. Um deles era A Meta. Ainda não ouvi aqui referência a ela. Não se entrava fardado, tinha uma pista de carros e pouco mais. Era do Viriato, ex- Fuzileiro ( como o meu amigo Sargento Fuzileiro “Piçarra” – alcunha devido a cantar bem – o nome era Ludgero e estava talvez na terceira ou quarta comissão). Outras vidas.

Em noite de bom consumo de bebida, acompanhado de dois amigos, fomos até ao Pilão. O taxista largou-nos junto a um dancing ou night-club qualquer. Por ali andei e, como a música não me agradava, vim apanhar ar. Aproveitei um táxi que largava”malta”. Pedi ao taxista para me levar onde houvesse uma cabo verdiana. È já perto. Parou pouco depois, saiu e voltou rápido. Tudo certo. Paguei bem a “corrida” e lá fui. Era jeitosa a Nônô. O resto foi o normal. Só que eu queria ficar mais um pouco, ela a dizer ser tarde e a ficar inquieta. De repente batem forte à porta. Ela olha-me a tremer. Sentei-me na cama, os últimos restos de álcool evaporaram-se. Puxei para junto de mim a cadeira onde estava a roupa. Pus a mão na camisa. Ela abriu a porta a um furacão. Um chulo branco.
- Que raio é isto ? - vociferou o matulão - Veste-te e desaparece.
- Ia já, respondi-lhe.

Puxei a camisa e poisei as mãos na Manelinha (a 6.35,e coitada) e na Zézinha (faca com cerca de palmo e pouco de bom aço). O tipo olhou-me. Fundiram-se olhares de ódio ou de bestas. Ele foi-se, batendo fortemente a porta. Ela estava aterrada. Vesti-me e pedi-lhe:
- Baixa a luz do candeeiro e abre a porta.

Sabia que havia, frente à porta uma vala funda e um pequeno passadiço. Só depois estava a estrada.

Ela abriu, a medo, a porta. Empurrei-a para a rua e saltei, baixo, para o lado. Esperei pouco. Vim rua abaixo, coração a bater e sentidos alerta, pensamento a dizer-me:
- Parvo, a menos de uma semana do embarque.

Estrada com candeeiros de luzes fracas e postes muito distanciados. Aparece um mercado à esquerda e à direita vislumbro dois ou três tipos. Sinto que me olham. Sei onde estou e a estrada, Santa Luzia/Bissau estar logo ali. Chego lá rápido e espero pouco. Ao fundo vejo luzes de uma viatura. Quando se aproxima salto para a estrada com braços ao alto. Pára um jipe, com dois militares. Meto a mão ao bolso e identifico-me. Estava à civil e a custo levaram-me.

Voltei a Santa Luzia na carrinha que parava, salvo erro, próximo da Amura.

No outro dia depois do almoço vim, como era habitual, estar com a Companhia. Descobri a casa dela. Pedi para parar e fui lá. Bati à porta e ela abriu. Olhou-me admirada e recuou. Entrei e acalmei-a.
- Desculpa o empurrão. - Conversamos e fizemos as pazes. Voltei lá mais vezes.

Ela disse-me quem ele era. Encontrei-o junto ao táxi. Reconheceu-me e ficou expectante. Eu tinha as mãos nos bolsos. Sorrimos, porque compreendemos o ridículo da situação.

Falamos e disse-me ter ficado em Bissau a tratar da vidinha. Cá, em Portugal, não tinha grandes hipóteses. Prometeu, em palavra de chulo, não voltar incomodar branco. Ainda utilizei o táxi e bebemos um copo.

O resto arquiva-se.

Poucos dias depois, a 4 de Dezembro de , embarquei. Entrei no barco com medo de me virem buscar para a Comissão Liquidatária. Só pedia:
- Desatraca e anda, Uíge dum cabrão!… - E partiu finalmente.

Ficou o Capitão, para agrado dos Sargentos, a tratar da papelada. Coisas de profissionais.

___________

Notas dos editores:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

(2) Vd. posts de:

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

sábado, 31 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

Guiné > Bissau > 1969 > Cais de Bissau, Pijiguiti, com uma LDP (Lancha de Desembarque Pequena) e uma LDG (Lancha de Desembarque Grande) em fundo. "Do lado da cidade, onde há bem poucas horas era água, suja e barrenta, é verdade, aparecia agora no fundo escuro, lodoso e fedorento do rio, um misto de lama, detritos, resíduos e porcaria que exalava um cheiro pestilento e nauseabundo. Àquela argamassa com ar podre e pútrido se dava, como já referi, pomposamente, o nome de tarrafo" (Rui Alexandrino Ferreira).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.

Como foram as primeiras impressões da nossa chegada a Bissau ? Ainda pouco se escreveu sobre isso... Nesta série Estórias de Bissau cabe perfeitamente esta temática. Vejamos, por exemplo, como é que o angolano Rui Alexandrino Ferreira nos descreve Bissau: ele passou por lá em duas comissões, uma como alferes (CCAÇ 1420, 1965/67) e outra como capitão (CCAÇ 18, 1970/72). Já aqui fizémos uma referência ao seu livro de memórias, Rumo a Fulacunda, que já vai na 2ª edição (Viseu: Palimage Editores, 2003) (2). Aqui ficam alguns excertos do 2º capítulo, com o nosso apreço, amizade e agradecimento ao autor e ao editor:

Capº II - Guiné - Os primeiros contactos
por Rui Alexandrino Ferreira
(Subtítulos do editor do blogue)


Fundeados ao largo, frente a Bissau, do barco se avistavam as luzes da cidade. Para quem se extasiava com a imagem de Luanda à noite, com a beleza da sua extensa, profusamente iluminada e bem cuidada avenida marginal, confesso que as primeiras impressões não foram muito famosas.

Bissau parecia aquilo que na realidade era. Pequena, dava para logo antever. Dispersa, com muitos espaços devolutos pelo meio, desordenada, envelhecida e pouco cuidada, não foi possível perceber de imediato, mas rapidamente também disso me dei conta.

Como me dei conta igualmente que era uma cidade dominada pela presença da tropa e onde não se conseguia esquecer a realidade da guerra que se travava para o interior da província. Enquanto que em Luanda se olvidava por completo a guerra que decorria circunscrita ao norte de Angola, na Guiné a guerra chegava à capital. Em Bissau, ouviam-se ao longe os ruídos ora espaçados ora quase cadenciados dos rebentamentos provocados pelas armas pesadas. Eram os nossos aquartelamentos a ser atacados ou flagelados. Via-se inclusivamente, quem se virasse para sul para além do estuário do rio Geba, os clarões que eram produzidos pelo deflagrar das granadas.


Uma cidade dominada pela presença da tropa

Durante o dia, sobretudo às primeiras horas da manhã a cidade era constantemente sobrevoada por helicópteros que transportavam feridos para o Hospital Militar 241, onde por força das circunstâncias também acabei por ir parar, a primeira vez em 1966, com direito a repetição em 1972, de ambas as vezes ferido e helitransportado directamente do mato.

Era, na realidade, um estabelecimento hospitalar moderno e funcional, prático e adaptado às necessidades, com um corpo clínico excepcional, extremamente dedicado que ao longo dos anos conseguiu verdadeiros milagres. Tinha-se então um sentimento de extrema confiança na acção daqueles médicos (…)

Dizia-se então por lá, confirmando a absoluta confiança que neles se depositava que, «pouco mais era preciso que aí chegar com vida». Do resto, se encarregava quem lá estava.

Nos dois dias que se seguiram e antes de desandar para o mato, nos contactos iniciais que tive com a cidade, apercebi-me e cataloguei-a quase de imediato. Bissau era a prova real da escala proporcional de um para dez, ou seja, em dez indivíduos que passavam só um não era militar, uma em cada dez mulheres não era esposa ou filha de militar, de dez viaturas em trânsito só uma era civil, e quanto ao próprio comércio, fosse a retalho, de vestuário, calçado, de discos ou aparelhagens de som, de jornais, livros ou revistas, de bugigangas ou de miudezas, de fotografias, ou máquinas fotográficas, restaurantes, cervejarias ou simples tascas, apenas um não era prioritariamente destinado ao comércio com os militares e se manteria de porta aberta mal a tropa fizesse as malas.

Tudo vivia para a tropa e pela tropa e da tropa sobrevivia.Tudo em Bissau era dominado pela presença dos militares da Metrópole. E assim, era impossível esquecer ou passar ao largo da guerra.

O famoso tarrafo


A bordo do Manuel Alfredo ainda a alvorada do primeiro dia de Dezembro vinha longe e já eu estava a pé. O calor e a humidade à mistura com a curiosidade mas sobretudo com a ansiedade não me deixavam nem dormir nem permanecer no camarote, pois sentia-me invadido por um nervoso miudinho. Levantei-me e orientado pelo barulho e movimento das máquinas e dos homens fui observar as operações de descarga do pessoal e material.

Uma Companhia independente desembarcou directamente para uma LDG (lancha de desembarque grande) da marinha. Nem chegaram a pôr o pé em terra firme. Rumo ao seu destino, homens e imbambas, tudo amontoado conforme possível, lá tomaram a rota do sul, onde seguramente chegaram por um dos variados rios ou dum dos seus braços, que tal como rapidamente compreendi, constituíam o melhor e mais seguro meio de comunicação e penetrapara o interior.

Aos poucos foi-se fazendo dia. Olhei em redor, ainda mal se via e nem queria acreditar nos meus olhos. Dum lado a vastidão das águas, misturadas a doce e a salgada, era tal, o dito estuário do Geba era tão largo, que a olho nu, não se vislumbrava a outra margem. Do lado da cidade, onde há bem poucas horas era água, suja e barrenta, é verdade, aparecia agora no fundo escuro, lodoso e fedorento do rio, um misto de lama, detritos, resíduos e porcaria que exalava um cheiro pestilento e nauseabundo. Àquela argamassa com ar podre e pútrido se dava, como já referi, pomposamente, o nome de tarrafo.

Era quase impossível que uma qualquer acção ou operação na Guiné não obrigasse à passagem de bolanhas, rios ou zonas de tarrafo. Normalmente passei, vindo das operações onde tais travessias eram mais demoradas ou aprofundadas (no sentido, claro, do tempo que se teria de andar dentro delas ou da altura da zona de cambança ou local de passagem do que resultava ter ficado com maior ou menor parte do corpo enterrado no tarrafo ou no lama), a tomar um banho inicial com o camuflado vestido para lhe tirar o grosso da merda e só depois deste, esfregar, esfregar e voltar a esfregar, o camuflado e o corpo, para ver se o cheiro se atenuava. Mas custava a sair...

Rapidamente me apercebi também que, para determinadas travessias, deveria fazer anteceder cada elemento mais baixote de outro com altura suficiente, que lhe deitasse a mão em caso de necessidade. E muitas vezes isso teve aplicação prática.

Olhando para a ínfima espécie de cais, onde mesmo assim o calado do navio de reduzidas dimensões que nos transportara, não permitia a acostagem, comecei a calcular qual seria o desnível entre as marés. Para aí uns quatro a cinco metros, pensei. Era isso mesmo. Mais metro, menos metro...

O complexo de Santa Luzia, conhecido por o Seiscentos


E assim, divagando e entretendo o tempo, lá chegou finalmente a minha hora de desembarque. Da mesma maneira que os demais, a bordo de uma pequena embarcação, lá fiz os metros que nos separavam da terra firme. E daí para dentro de uma viatura rumo ao Quartel-General, situado na altura no seiscentos como vulgarmente era conhecido o conjunto de aquartelamentos de Santa Luzia. Seiscentos porque fora aquele o número do primeiro Batalhão que o ocupara e para sempre lhe dera o nome.

A viagem até ao Quartel-General acabou por me trazer novas surpresas. A viatura, cujo trajecto normal seria subir a avenida principal que desembocava no largo onde se situava o palácio do Governador, virou dessa feita à direita e subiu uma avenida paralela daquela, que se iniciava junto ao rio e atravessava uma zona praticamente desabitada. Passamos por meia dúzia de tabancas e casas de pau a pique e entramos directamente pela zona do Quartel-General a dentro.

De tal modo aquilo foi, que quando perguntei candidamente onde era a cidade e me responderam que a já tínhamos passado, fiquei completamente estupefacto.

Já tínhamos passado a cidade!?
- Valha-me Deus! Aonde é que tinha ido parar! Se aquilo era Bissau como seria o resto!? Aquilo tudo começava a parecer-me muito pior do que o que tinha imaginado.

Embora mentalmente preparado para o que desse e viesse e pensando que, logicamente não poderia ser nada de bom, era a segunda vez, num curto espaço de tempo que sinceramente me espantava.

A 1ª Rep ou o primeiro contacto com a guerra do ar condicionado

Chegados ao Quartel-General, lá fomos encaminhados para a 1ª Repartição a fim de fazer as apresentações. Aos poucos, toda a gente que ia comigo foi sendo despachada e eu nem por isso...
Lá andava a minha guia de marcha às bolandas, de mão para mão... De vez em quando chegava um e cochichava alguma coisa ao ouvido do outro e olhavam para mim, o que me levava a pensar que era eu o objecto do cochicho. E iam embora...

Comecei, pois, a ficar preocupado... que raio de trapalhada teria eu feito!? Mas por mais que tentasse nada me ocorria.

Arrisquei a pergunta a um sargento que ali estava sentado a uma secretária.
- Oh! Nosso primeiro, o que é que se passa!?
- Não sei, meu Alferes. Não é nada comigo!

E o rapaz Rui lá se entreteve a olhar para os quadros da parede, controlo de efectivos existentes na província, Batalhões, recompletamentos, baixas por isto e por mais aquilo, etc. e tal... Até que não havia mais quadros para ver... E ninguém me ligava nenhuma! Qu'os pariu!!!...

Aquilo é que ia bonito! Mas, - pensava eu -, já não podem demorar muito mais, pois daqui a pouco são horas do almoço. E assim foi. Mais uma meia-hora e lá se chegou a mim um Tenente do serviço geral.
- Alferes Ferreira?
- Sou eu.
- Venha comigo ao nosso Tenente-Coronel Vilela.

E lá fui eu, a pensar que raio de mosca teria mordido naquela gente. Ninguém tinha tido a honra de ir à presença do chefe... Logo eu...

Rapidamente o assunto se esclareceu. Segundo o citado senhor Tenente-Coronel Vilela, chefe daquela repartição, superiormente alguém acima dele, havia decidido que, apesar de ser destinado à guarnição normal e portanto desde logo colocado no Centro de Instrução Militar de Bolama, teria de ir em diligência, provisoriamente, claro estava, para uma Companhia de Caçadores que infelizmente se encontrava bastante desfalcada em oficiais, pois tinha perdido duma assentada o Capitão e um dos Alferes, o que sendo quase cinquenta por cento do seu efectivo, era preocupante. Mas que não me preocupasse, pois os recompletamentos dos Oficiais em questão já estavam pedidos para a Metrópole, e assim, a situação além de transitória era uma questão de poucas semanas, talvez mesmo menos de um mês, unicamente o tempo da sua chegada à província.

Claro que nem valia a pena argumentar contra a lógica militar. Nem agora vale a pena, que fará naquele tempo... Podia, na realidade, ter referido que já fora mobilizado sem que fosse destinado a qualquer vaga efectiva. Poderia ter argumentado que a bordo do Manuel Alfredo tinham chegado mais alferes em rendição individual, mais modernos e portanto em condições idênticas à minha, para ocupar a vaga que ele considerava vital. Poderia ter dito fosse o que fosse, mas nem uma palavra me saiu da boca, o que, segundo me apercebi, além de ter espantado o referido senhor teve o condão de pôr ponto final na entrevista.(...).

Fonte: Rui Alexandrino Ferreira - Rumo a Fulacunda, . 2ª edição. Viseu: Palimage Editores. 2003. 69-73.
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Notas de L. G.:

(1) Vd. último post da série Estórias de Bissau > 10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

(2) Vd. de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

Guiné > Bissau > Brá > Companhia Caçadores Paraquedistas 122 > Emblema








Guiné > Bissau > Brá> 1970 > Os meus grandes amigos da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº. 122: O Hoss e o Rodrigues. Em cima: O primeiro a começar da esquerda é o famoso Hoss, assim conhecido por todos incluindo os familiares, e julgo também o staf dos CTT, porque bastava escrever na carta ou no aerograma no endereço HOSS Paraquedista, sem SPM nem nada, que a correspondência lhe ia chegar às mão. Era 1º Cabo Enfermeiro (julgo eu). O segundo era o Soldado Manuel Conceição Rodrigues, que era meu amigo desde há muitos anos, quando ele esteve a trabalhar na construção dos Estaleiros da Lisnave. Daí quando ía a Bissau, em vez de ficar no Depósito Geral de Adidos, ía comer, beber e pernoitar no quartel de Brá com estes meus grandes amigos. O terceiro da fotografia sou. Na fotografia do meio, vê-se o Hoss a aparar um murro no estômago, como mandavam as regras. Na terceira foto em grupo, estou (à esquerda) e o Rodrigues (à direita).

Também tinha amigos nos Fuzileiros, pois sou natural da Cova da Piedade, onde está instalada a Base Naval do Alfeite, e por esse facto conhecia alguns. E enquanto estive em terras da Guiné, eu era... Parafuso... Sabes o que é ? Vou-te contar uma estória, mais uma estória de Bissau (1).

Fotos: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.

Paraquedistas, Fuzileiros e... Parafusos
por Tino Neves (2)


Camarada Luís Graça:

Já há algum tempo que não participo no envio de histórias ou simplesmente a comentar algum assunto/tema, mas não tenho deixado de ler todos os e-mails para mim enviados, assim como visitar o blogue sempre que posso.

Desta vez, vou contar uma, aliás duas numa só, ou seja uma está inserida no contexto da outra. Vou tentar ser objectivo, pois o tema é um pouco complicado. É sobre duas Forças Especiais, de muito respeito: à parte dos Comandos, os Paraquedistas e os Fuzileiros foram as Forças mais sacrificadas no teatro de guerra da Guiné. Tem-se falado pouco nelas, pois na nossa Tertúlia não consta nenhum elemento dessas mesmas Forças (julgo eu) (3).

A estória é-me contada em 3ª ou 4ª mão, foi-me contada por uns amigos paraquedistas, portanto é a sua versão (deles, paraquedistas).

Então é assim:

Não tenho a data do acontecimento, mas julgo ter sido em 1968.Houve um jogo de futebol de onze no campo do Benfica. Não me recordo, ao certo, do nome completo do clube de futebol. Sei que era de Bissau, só me lembro que era do Benfica.

Os contentores eram obviamente os Fuzileiros contra os Paraquedistas, o jogo estava a correr muito bem, mas a um dado momento gerou-se uma troca de mimos, na assistência, entre as claques que chegaram mesmo a vias de facto (ou seja pancadaria).

Os Fuzileiros, estando relativamente perto do aquartelamento deles, correram a armarem-se, ou pedir reforços, não sei, mas os Paraquedistas aperceberam-se disso e foram em seu encalço. A praça que estava de guarda na porta de armas do quartel, apercebendo-se do que se estava a passar, chamou o Cabo da Guarda e perguntou-lhe o que deveria fazer neste caso. Foi-lhe dada ordem de disparar, o que fez, originando a morte de um Paraquedista.

A partir daí, qualquer Fuzileiro não se podia relacionar com Paraquedistas, e vice-versa, pelo que acontecia muitas vezes pancadaria entre ambos e, quando acontecia, cada um ia chamar o seu Camarada protector. O Protector dos Fuzileiros era um Cabo (julgo eu) chamado Lages, e da parte dos Paraquedistas também havia um Cabo, Enfermeiro,conhecido por Oitenta.

Em café, esplanada ou qualquer espaço onde houvesse confrontos entre Fuzileiros e Paraquedistas com os seus respectivos Protectores, não restava nada que ficasse de pé.
Quando os dois Cabos se encontravam no mesmo passeio, um deles tinha que mudar , porque ambos não se podiam cruzar.

Uma dada altura os Fuzileiros resolveram vingarem-se do Cabo 80, e sabendo que o 80, quase todos os dias antes de se recolher no quartel de Bissalanca, ia visitar a sua bajuda, que ficava relativamente perto, mas tinha que passar por alguns sítios isolados, resolveram fazer-lhe uma espera.

No dia combinado, o Cabo 80 quando já estava de regresso ao quartel, ouviu um cão a ladrar e, como o seguro morreu velho e o acautelado ainda é vivo, ele agarrou num pilão, não viesse o cão morder-lhe, mas para grande espanto dele, não foi o cão que apareceu, mas sim sete ou oito Fuzileiros armados de facas de ponte e mola.

Ele percebendo-se que também estava armado (e bem armado) com um grande pilão na mão, foi só despachar os Fuzileiros e, quando chegou ao quartel, telefonou para o Hospital para que os fossem buscar.

Após todos estes acontecimentos, os meses foram passando, e foram chegando novos militares para ambas as Forças, e esses novos militares começaram a confraternizar com amigos, vizinhos ou familiares vindos da Metrópole. Esses foram alcunhados de PARAFUSOS, o que eram uma grande desonra porque não eram PARA(quedistas) nem FUZ(ileir)OS... Eram uns híbridos, PARAFUZOS...

Espero que esta triste estória não passe disso mesmo, uma estória, e que tanto os FUZOS como os PARAS não levem a mal eu vir aqui contá-la, e que a vossa amizade hoje e sempre esteja bem FORTE e bem APARAFUSADA.

Pois como disse atrás, os Fuzileiros e os Paraquedistas foram (e são) umas grandes e respeitáveis Instituições, e com Grandes Homens e Valorosos Guerreiros. Dos Fuzileiros, só conheci - aliás vi várias vezes em Bissau, sempre à civil - um rapaz novo assim como nós, lourinho e sempre bem acompanhado. Tentei saber quem era, e alguém me contou que era um Fuzileiro e que só tinha uma farda, (um camuflado e um chapéu de palha). Era o Setúbal.
E da parte dos Paraquedistas, conheci vários entre eles, o Hoss assim era conhecido por todos: a correspondência que recebia dos amigos e própria família só dizia Hoss - Paraquedista, mais nada, nem sequer o SPM ou Guiné, e ela chegava-lhe semopre às mãos.

Junto fotos - eu com o meu amigo de longa data, desde a Metrópoloe, o Rodrigues, mais o Hoss, no aquartelamento de Bissalanca (Companhia Caçadores Paraquedistas nº. 122) em 1970. O Hoss assim como o Oitenta, ambos Cabos Enfermeiros, foram bastante condecorados. O Oitenta não cheguei a conhecer mas conheci (vi várias vezes em Bissau) também um grande Homem e combatente que na altura também diziam que ele tinha a cabeça a prémio. Estou a falar do Capitão na altura, hoje Coronel na reforma, Terra Marques.
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último post desta série: 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

(2) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).

(3) Tino, não é verdade: O Jorge Santos, que é um tertuliano da primeira hora, pertenceu a uma companhia de fuzileiros, embora tenhfa estado em Moçambique. O Vitor Tavares e o Manuel Rebocho foram paraquedistas...

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > Bajuda Balanta > Série de postais ilustrados do tempo da Guiné Portuguesa, s/d nem editor... Colecção do nosso amigo e camarada José Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1973/74).

Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados.


Um estória do Albano Costa (ex-1º cabo da CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74), que já está em arquivo há uns dois ou três meses... Ele vive e trabalha hoje em Guifões, Matosinhos. Se lá forem perguntem pela FotoGuifões... O Albano é a gentileza em pessoa.

Caro Luís:

Quando cheguei à Guiné, fomos logo directos para o Cumeré. Lembro-me de termos chegado a um sábado de manhã. Tudo era diferente, tudo era estranho. Fomos em coluna militar, mas nada parecido com as que fazíamos no mato. A viagem foi feita numa Berliet, íamos acomodados como os porcos, todos a monte. A população local fez uma grande festa no trajecto de Bissau até Safim, a chamar piu-piu, periquito vai pró mato...Para mim tudo era novidade.

Depois de acomodado no Cumeré, uma das minhas primeiras prioridades era vir à cidade encontrar-me com um colega que tinha a informação de estar na Manutenção Militar. E então, quando me encontrei com o velhinho, meu amigo, pedi-lhe para me levar ao Pilão, às bajudas...

Então lá fomos os dois, e no caminho fui avisado sobre os preços que na altura eram praticados:
- Se for guineense, são 50 pesos; se for caboverdiana, são 100 pesos.

E lá fui eu, cheio de vontade. Quando lá cheguei, o meu amigo foi dar a volta dele e eu fiquei um pouco à deriva, sem saber o que fazer...

É que eu estava há 24 horas na Guiné e num sítio que era sempre preciso ter cuidado e, para mais, dava para perceber que era periquito... Então esperei pelo meu amigo, até que ele entretanto chegou e eu falei do que estava a ver, nenhuma me interessava a não ser aquela com quem ele foi mas essa, eu não a queria naquele momento, por razões óbvias...

Fomos a outro bar e aí eu acabei por escolher uma guineense que parecia mais caboverdiana do guineense, mas como o meu amigo me tinha dito que guinenese era só 50 pesos, eu ao puxar pelo dinheiro, lembro-me que não tinha ainda pesos mas sim escudos... Só que, como o apetite era grande, eu não me importava nada de pagar em escudos, mesmo sabendo que valia mais qualquer coisinha...

Guiné > 1971 > Cópia de nota de 50 escudos (pesos) da Guiné. Frente. Banco emissor: BNU. Imagem gentilmente enviada pelo Sousa de Castro (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74):
Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.



Entretanto, a companheira furtiva, ao ver notas de 50 e 100 escudos, vendo que eu era periquito, pede-me 100 escudos... Aí eu disse:
- Não, se quiseres são 50 escudos; se não quiseres, vou-me embora.

Ela disse que não, e aí eu vim embora a seco.O meu amigo. quando chego à beira dele tão rápido ficou admirado, e disse
- Já ?! ... Nem deu tempo para tirar a roupa!...

Então, eu contei-lhe o sucedido e ele disse-me:
- Fizeste bem, vamos a outro bar.

Ora bares era o que não faltava no Pilão ou Cupilon... Eu respondi-lhe:
- Agora já perdi a vontade, amanhã eu venho cá outra vez para saciar o desejo... - E assim aconteceu.

Cambiei os escudos por pesos, a diferença não era assim muito mas era alguma coisa, e lá fui com a caboverdiana por cem pesos.

Depois fui para Guidaje, não havia nada, era como já disse uma terra de ningém, só lá existíamos nós e a população civil quase toda ligada aos militares da CCAÇ 19. Era um pouco difícil, não se passava nada, uma autêntica pasmaceira. Mas eu, como fotógrafo, consegui arranjar uma lavadeira, e para todo o serviço. Nunca lhe paguei propriamente os favores sexuais, embora me tivesse ficado mais cara... Julgo que era também por prazer que ela vinha ter comigo ao meu quarto...

Estava só com um colega, ele já sabia, pelo que quando ela vinha buscar a roupa ele ia dar uma volta. E por isso todo o tempo que estive em Guidaje, foi sempre a mesma. Ela era casada. O marido tinha mais de uma mulher e, por motivos de saúde, esteve um tempo ausente, e aí eu estive sempre à vontade.

Quanto ao pré, sei que, como 1º cabo, recebia 750$00, os outros 500$00 ficavam na metrópole, mas eu tinha mais dinheiro que ganhava a tirar fotografias, e dava para tudo, só não deu foi para trazer para casa, mas isso já é outra estória.

Um abraço, Albano Costa

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça))


Guiné > Bissau > Grande Hotel > 13 de Julho de 1973 > Factura
Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados.
1. Estou a organizar a correspondência do Zé Casimiro, relativa ao ano de 1973. Ele teve a gentileza - melhor, a nobreza - de confiar os seus álbuns de fotografias e as cartas que escrevia a seu pai, bem como a outros familiares e amigos. Mas ainda não sei o que é ele fazia exactamente em Bissau em Julho de 1973. Provavelmente gozava o justo repouso do guerreiro ou então convalescia dos ferimentos recebidos em Gadamael, em 1 de Junho, se não me engano, acabando por ser recolhido pela LFG Orion, cujo oficial imediato era o nosso Pedro Lauret (2).
Recorde-se que, de 18 a 22 de Maio de 1973, o José Casimiro esteve submetido a um situação-limite no aquartelamento de Guileje, cercado pelas forças do PAIGC (Op Amilcar Cabral), o que obrigou a sua unidade, CCAV 8356, a abandoná-lo, juntamente com cerca de 600 civis .
2. Prometo conhecer melhor a estória. De qualquer modo, uma estadia no Grande Hotel custava os olhos da cara: uma noite, 165$00, incluindo a taxa de serviço de 10%. Só não sei como é que o nosso ex-furriel miliciano de operações especiais conseguiu infiltrar-se no Grande Hotel...
Há tempos o Carlos Vinhal enviou-nos uma factura referente à estadia de dois dias no Hotel Portugal (3)... E lembrou-nos que em Bissau, naquele tempo, também havia segregação socioespacial em matéria de hotelaria: "Como te deves lembrar, podíamos ser muito ricos, que mesmo assim nos estava interdito o acesso ao Grande Hotel, onde só podiam ficar Oficiais (por mais labregos que fossem) e civis. Nós, os furrielitos, praças e demais maltrapilhos estávamos confinados ao melhor que havia, nomeadamente o Hotel Portugal ou o Chez-Toi ".
Talvez o Zé Casimiro queira (e possa) dar algumna explicação adicional sobre este documento, que vinha acompanhado de uma nota lacónica: "Velhos tempos"... É um bom começo para uma estória de Bissau (L.G.).
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Notas de L.G.:

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: NPR Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > Fevereiro de 2005 > A viagem de todas as emoções, começada pelo Paulo Santiago em Fevereiro de 2005, continua no nosso blogue... Hoje, reconstituindo, por exemplo, um raide nocturno ao Pilão... Uma noite de copos em Bissau era um dos poucos luxos que um tuga , a caminho do mato, se podia permitir: não eramos santos nem heróis, também não eramos meninos de coro nem escuteiros... Tínhamos vinte anos, muita adrelina, muita vontade de viver e nenhuma de morrer... Em Bissau, longe do Vietname, como eu costumava escrever...no meu Diário de um Tuga (*).

1. Na minha companhia (a CCAÇ 12) tínhamos uma espécie de acordo tácito, nós, os milicianos e o sargento Piça, que nos arranjava a guia de marcha.

Todos os pretextos era bons, médicos ou não médicos, para se fugir do Vietname: o mais vulgar, era ir a Bissau mudar o óleo (sic), tratar dos dentes, arranjar os óculos, ir a um consulta hospitalar, marcar a tão sonhada viagem de férias à Metrópole, beber uns copos, comer umas ostras e uns camarões, enfim, espairecer as ideias… De quem andava por Bissau, assim sem destino, dizia-se que estava ou era desenfiado... A verdade é que não havia muito mais sítios para um gajo fugir à merda da actividade operacional...

Obrigado ao Paulo por esta estória de copos - que felizmente acabou em bem (afinal, eramos todos bons rapazes e não nos comportávamos como ocupantes...) - e sobretudo por nos reconstituir o roteiro de Bissau by night... Na Orion, nunca pus os pés, mas a chungaria do Chez Toi e a tabanca grande do Pilão tive que as conhecer... Aliás, para além das ostras, dos copos e das verdianas, o que é que havia mais em Bissau ? (1)... Seguramente, que muito mais: nós é que não tivemos tempo (nem imaginação) para o descobrir...

Os protagonistas desta estória são o Paulo e os seus amigos: o comandante Rita, da Orion; um tenente da reserva naval, Alves da Silva; o Martins Julião, nosso tertuliano, alferes da CCAÇ 2701; mais o Cap Tomás, ajudante de campo do Com-Chefe...

 Se quisermos, devemos ainda acrescentar à lista mais três figurantes: o automóvel da D. Helena (Spínola); um alferes em fim de comissão, o Domingos; mais um tenente dos comandos, o Oliveira... Como amigos que são (ou eram) do Paulo, não são (ou não eram) gente de cerimónia... Além disso, são pessoas públicas e o Pilão era o mais público dos sítios públicos de Bissau... Enfim, uma estória que, naquela época, bem se poderia ter passado em Lisboa, entre o Cais do Sodré e o Bairro Alto... Uma estória, em todo o caso, digna de figurar numa antologia (portuguesa) das crónicas dos bons malandros... (LG)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 1971 > "Na foto junta, eu e o Tomás estamos bem direitinhos... era de manhã" (PS)... O Cap Tomás, de pingalim, está atrás de Spínola, a quem o Paulo Santiago bate a pala.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 24 de Dezembro de 1971, vésperas de Natal > O Caco - alcunha por que era conhecido o Com-Chefe - passa revista. O Alf Santiago segue atrás com o Cap Tomás, ajudante de campo do general Spínola.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.




Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > NRP Orion > O comandante Rita, "um grande homem, um grande comandante", na opinião de Pedro Lauret, oficial imediato da LFG Orion (1971/73). Na foto, vemos os dois na ponta do navio, a navegar no Cacine. O Cmdt Rita está em segundo plano. O Lauret segura os binóculos.

Foto © Pedro Lauret (2006) . Direitos reservados.


2. Continuação da série Estórias de Bissau (**)

Uma ida ao Pilão

por Paulo Santiago


Foi aí por volta de 30 ou 31 de Março de 1972 que os acontecimentos se passaram. Estava eu em Bissau, de passagem, para mais um mês de férias na Metrópole, embarcava no avião da TAP em 2 de Abril.

O NRP Orion (***) foi onde jantei naquela noite, a convite do Comandante Rita, sendo também convidado oTen RN [reserva naval] Alves da Silva, conhecido entre nós pelo petit-nom de Eduardinho. Não me lembro da ementa, mas foi excelentemente acompanhada pelos belíssimos néctares existentes na garrafeira daquele navio.

O Martins Julião estava em Bissau a chefiar a comissão liquidatária da CCAÇ 2701 [, Saltinho, 170/72]: sabendo que me encontrava a bordo da Orion, apareceu no fim de jantar, ainda a tempo de beber uns uísques.

Por volta da meia-noite, ou ainda mais tarde, resolvemos ir ao Chez Toi, um cabaré chungoso, o que se chama agora casa de alterne. Apanhámos um táxi no porto e lá seguímos para a má vida. O Rita, como habitualmente, ainda poderia beber mais uma garrafa nas calmas, eu, o Alves da Silva e o Julião já estávamos um pouco mal tratados. O cabaré estava repleto, já não cabia mais ninguém. Convencemos o empregado a trazer-nos uma Old Parr, mais quatro copos e ali ficámos encostados ao muro a dar conta da garrafa.

Subitamente chega um carro em alta velocidade, Peugeot 404 preto, que faz uma travagem maluca ali em frente, e donde sai o Cap Tomás, ajudante do Caco. Vinha bastante encharcado, mas deitou a mão à nossa garrafa bebendo uma boa golada. A única pessoa que ele conhecia bem era o Rita. Queria ir para as gaijas, não sei fazer o quê, naquele estado. Convenceu o Comandante e lá entrámos os quatro para o 404, era o carro da D. Helena [Spínola], onde o único meio sóbrio era o meu amigo Rita.

Seguimos em direcção ao Pilão, com o Tomás a fazer uma condução à maluca. Falou numa cabo-verdiana que nenhum de nós conhecia, que ficaria perto da casa da Eugénia, essa conhecia eu bem. Corremos imensas ruas e ruelas do Pilão, eram tantos os saltos que o carro dava que o Rita já dizia estar a apanhar mais pancada que numa tempestade no mar. A determinada altura, uma das rodas do carro cai num buraco com grande violência, ouve-se um barulho de latas e ficamos com menos luz. O Tomás pára o Peugeot e símos para verificar o sucedido. Com a pancada, um dos faróis saltara do encaixe, ficando virado para o solo, preso pelos fios de ligação.

Nenhum problema, continuamos às voltas, à procura das gaijas que nenhum conseguia dizer onde ficavam e o farol acabou por cair, ninguém soube onde. Aí pelas três da manhã, chegamos a um local do Pilão onde se encontrava um grande aglomerado de pessoas, em estado de grande exaltação. Paramos, saímos do carro e vemos no meio daquele maralhal o Alf Mil Domingos, de braço engessado ao peito, prestes a levar, na melhor das hipóteses, uma grande carga de pancada.

O Comandante Rita, graças à sua estatura, vai furando, connosco atrás até chegarmos
ao Domingos, também de cabeça perdida. O que se passara?
- O caralho do Oliveira trouxe-me para aqui, bateu à porta daquela gaja, ela diz que está ocupada, o cabrão manda um pontapé na porta, rebenta-a, a tipa grita, começa a juntar-se este maralhal e o gajo deixou-me sózinho.

Foi complicado acalmar aquela gente mas conseguiu-se. Foi mais um passageiro para o maltratado 404. O Tomás ficou no Palácio e, nós os cinco, viemos beber mais um copo ao Orion. O Domingos embarcava nessa manhã para Lisboa, em fim de comissão.

PS - O Oliveira era Tenente dos Comandos. Pertencera à 26ª e estivera em Fá com o Miquelina Simões a formar a 2ª CCA [Companhia de Comandos Africanos]. O Domingos fora Fur Mil na 4ª CCmds em Moçambique e Alf na 26ª, até apanhar uma porrada e ser transferido para Teixeira Pinto onde teve um acidente do qual resultou um braço partido. Tive com ele várias histórias.

Paulo Santiago
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(...) "Decididamente não queria falar-te de mulheres (e, muito menos, das brancas que, aqui, no cu do mundo, povoam os nossos delírios palúdicos)… Mas como não, se elas são o único antídoto contra a angústia da morte ?!... As paredes das nossas casernas no mato estão forradas de posters de gajas nuas, loiras, de olhos azuis, formas esculturais e pele acetinada, que é “para um gajo não se esquecer da carne branca” (sic)…
"Em contrapartida, a pomada antivenéria (e, claro, a penicilina, em doses de milhões) é o que mais se gasta nos nossos postos de caserna. O bordel é talvez a única instituição castrense verdadeiramente respeitável… Mas se os franceses mandavam para a Argélia putas de campanha juntamente com os seus legionários, nós, tugas, não temos esse problema: fornicamos sem preconceitos raciais, ou não fossemos “um país, muitos povos, uma só Nação”! (...).
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

(***) Sobre a LFG Orion, vd. os seguintes posts:

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)


22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)


5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)


4 de OUtubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)


2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1143: Parabéns, comandante Pedro Lauret, é uma honra tê-lo a bordo (Paulo Santiago)


1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)

sábado, 18 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Missirá > 1971 > Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63. "Um exemplar único da fauna dos milicianos que passaram pela Guiné" (LG)...

Foto: © Jorge Cabral (2006)


Pilão: os 10 Quartos

por Jorge Cabral

De Bissau (1) conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?

Para sempre ficou marcada na memória a cena dessa noite. No chão a ressonar e de pistola à cinta, um grande fuzileiro e, encostado a ele, todo enrolado em panos, um bebé. Na cama, ela, semi-adormecida, ordenando uma actuação silenciosa…

Esta a minha última imagem da Guerra e da Guiné, a qual merecia, penso, um Postal Ilustrado.
Naquele dia comprara para os meus sobrinhos um pijama chinês e uma boneca. Pois não é que lá deixei o respectivo embrulho ?!...

Em Julho de 2004, fui a Bissau e muito estranhou o Senhor Reitor, que eu quisesse visitar o Cupilon. Mas quis. E visitei. E lá permaneci a olhar as mulheres e os homens. Qual delas terá brincado com a boneca? Qual deles terá usado o pijama?

Ter-me-ei mesmo esquecido do embrulho? Ou, sem total consciência, ofereci na altura duas prendas ao Futuro?

Jorge Cabral
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosimos (Sousa de Castro)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 > Candamã > 1969 > Uma misteriosa bajuda... fotografada à luz do fim de tarde... Presumo que em Candamã (1) ... A foto faz parte de um lote de trinta e tal fotos... falantes. Curiosamente, esta - a 24 - não vinha acompanhada de legenda. (LG).

Texto e foto: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados.

Luís Graça:

Isto é tramado. Leio o blogue e regresso aos prazeres da memória!...

De tarde descobri o telefone da Palimage Editores. Aí vem o livro, não de Viseu mas de Braga, Rumo a Fulacunda (1).

Agora leio as estórias dos dinheiros, bajudas, bebidas, etc. Não sabia que só oficiais e civis se acoitavam no Grande Hotel (2). Essa agora?!... É, melhor, foi infame. Passou-me muita coisa ao lado.

Lembro-me de alguns preços. São esses. Em Bambadinca não conheci restaurantes. Tabanca com serviço especial. Dormi lá… dias antes do ataque [28 de Maio de 1969].

Quando havia Ronco deixavam-nos, em qualquer dia da semana, ter um fim-de-semana em Bafatá. Lá estava a piscina, o cinema, a Transmontana. Vendia um presunto caríssimo. Mas o principal era a tabanca. Lá estava a Madame Ana Maria e suas virgens, a Solemato.Um dia conto. E uma branca, a quinhentos pesos? Dizem! ... Bom, bom.

No Pilão, [em Bissau,] a verdiana Nônô. Tive lá problemas quase a embarcar. A Manelinha (a 6.35, pessoal) e a Zézinha (faca de mato, de estimação) ajudaram.

Pois é, isto são prazeres da memória – frase roubada – mas que me dão prazer, o de recordar tempos de menino e moço. Faz-me ficar mais novo e alegre.

Grandes vidas!... E o 1º Sargento que faz contas comigo, a dois ou três dias do embarque, e me dá mais de vinte contos?! Foi a vingança do chinês, neste caso do nosso primeiro.

Tudo isto dá muita estória. Tantas vidas – outra frase roubada...

Não chateio mais. Obrigado a vocês, principalmente a ti, por estes prazeres da memória.

Um abraço,

Torcato Mendonça
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

(2) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

(3) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosimos (Sousa de Castro)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > Serviços dos Correios, Telégrafos e Telefones da Guiné > 12 de Junho de 1972 > Dois recibos comprovativos do envio de valores declarados.


Mensagem do Sousa de Castro (que me acaba de telefonar, depois de regressar a casa do trabalho, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e ver as notícias do dia no blogue)... Gosto sempre de lembrar que ele é o tertuliano nº 2, se calhar o principal responsável pela animação toda que vai nesta caserna, já desde há ano e meio... Bom, aproveito para lhe dar os parabéns por esse casamento que é sinónimo de amor eterno... Sempre admirei os camaradas que tinham a coragem de se casar na véspera do embarque para Guiné ou durante as férias, a meio da comissão... (LG)

Texto e fotos: © Sousa de Castro (2006)

Estava lendo as notícias do dia, no blogue, e achei curioso o Carlos Vinhal (1) apresentar várias facturas da vida em Bissau, nomeadamente gastos que fez em 1972. Fez-me lembrar que, estando eu a cumprir o meu dever de cidadão ao serviço da Pátria (como se dizia naquele tempo), consegui enviar para a minha esposa, em valor declarado, algum dinheiro que consegui juntar... Conforme documentos que anexo, fui a Bafatá, aos correios.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 3494, BART 3873 (Jan 1972/ Abr 74) > Natal de 1972 > 1º Cabo TRMS Radiotelegrafista Sousa de Castro: tinha-se casado no verão de 1971.

Sim, eu casei na tropa, antes de ir para a Guiné, e este casamento ainda dura e durará. Abdiquei do meu direito às férias na Metrópole, gozei quinze dias em Bissau, em casa de um amigo sargento de TRMS, cá da minha terra, Vila Fria. Naquela altura achava eu (e ainda acho) que não fazia sentido vir à Metrópole gozar férias. Para mim tropa era tropa até ao fim.

Se me permitem digo-vos que, apesar de tudo, gostei de andar na tropa, conforme diz a canção: Anda prá frente, mostra que és gente e sabes andar na tropa....

Sousa de Castro

PS - Reparem na assinatura, a vermelho, da funcionária africana que me atendeu, nos correios de Bafatá.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)






Guiné > Bissau > 1972 > Diversos documentos de despesa, remetidos pelo Carlos Vinhal, relativos às suas estadias em Bissau: (i) Pensão, bar e restaurante Chez Toi; (ii) Hotel Portugal; (iii) Agência de Viagens Correia; (iv) Mamaud Elawar & Cia Lda.

Foto: © Carlos Vinhal (2006)

Recebi vários e-mails do Carlos Vinhal, com documentos em anexo que nos dão indicações, interessantes, sobre o custo de vida em Bissau no nosso tempo. O Carlos Vinhal foi Fur Mil Art e Minas e Armadilhas da CART 2732 (Mansabá,1970/72). Reside na Leça da Palmeira e é um dos tertulianos activos... Com este post do Carlos, damos continuiddae à série Estórias de Bissau (1).


1. Luís: Junto envio uma factura referente à compra de um rádio-gravador que curiosamente há poucos dias foi parar ao ecoponto. A compra foi efectuada numa daquelas casas de comerciantes libaneses que enxameavam Bissau e arredores. Dir-se-ia que eram os chineses lá do sítio.


2. Luís: Junto envio uma factura referente à estadia de dois dias no Hotel Portugal, onde estive na companhia dos camaradas Furriel de Alimentação Costa e Cabo Maciel. Como te deves lembrar, podíamos ser muito ricos, que mesmo assim nos estava interdito o acesso ao Grande Hotel, onde só podiam ficar Oficiais (por mais labregos que fossem) e civis. Nós, os furrielitos, praças e demais maltrapilhos estávamos confinados ao melhor que havia, nomeadamente o Hotel Portugal ou o Chez-Toi.

A propósito do ChezToi, eles tinham um desdobrável, do qual junto parte, que sucessivamente ia aparecendo: Abra com cuidado, Desdobre de vagar e leia com atenção, Vá..., comer..., no..., CHEZ TOI... Especialidade em Cachupa Rica, etc.

Uma curiosidade...


Guiné > 1971 > Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no nosso tempo.

Foto: © Jorge Santos (2005). Direitos reservados


Guiné > 1971 > Cópia de nota de 5o escudos (pesos) da Guiné. Frente. Imagem gentilmente enviada à nossa tertúliua pelo Sousa de Castro.

Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.


3. Luís: Junto envio, por fim, uma cópia da factura do pagamento da minha viagem à Metrópole. Dei 6.000$00 (dos de cá) à Agência de Viagens Correia para pagar a despesa de 6.430$80 e ainda recebi de troco cerca de 170 pesos.

Mando-te esta e outras facturas por as achar históricas, mas farás delas o que quiseres que eu não tomarei a mal. Juro que comigo podes estar à vontade. Aquilo que, indo da minha parte e no teu critério não acrescentar nada ao blogue, podes arquivar no ficheiro morto (vulgo cesto de papéis), sito por baixo de qualquer secretária que se preze.

4. Comentário de L.G.:

Carlos: Eu admiro o teu espírito de coleccionador! Como é possível teres guardado, estes anos todos, estes documentos, relativos a compras ou despesas efectuados em Bissau em 1972, numa moeda que já não existe mais... A não ser que já na altura tu tivesses a visão premonitória da criação do nosso blogue!!!... Para muitos camaradas nossos, estes papéis já não têm qualquer sentido ou significado. Seguramente, para ti, que os guardaste, eles têm algum valor, sentimental ou documental... E ainda bem que os guardaste e quiseste partilhá-los connosco... Eles fazem parte das nossas memórias e das nossas estórias de Bissau por onde todos nós - pessoal do mato - éramos obrigados a passar, nem que fosse por umas horas ou por uns dias; dão, além disso, informações preciosas sobre a economia de guerra... Obrigado, camarada. Aqui nada vai parar ao caixote do lixo, garanto-te. E, quanto mais não seja, podemos vir a entregar os documentos originais ao Arquivo Histórico-Militar...

Já há tempos, na anterior edição do blogue, eu tinha lançado um desafio aos membros da nossa tertúlia, para tentar saber o que se comprava na altura com... cem pesos... Chegámos à conclusão que era... manga de patacão! (Carlos, fico a saber que, já no teu etnpo, em 1972, uma nota de 100 não chegava para pagar uma noite no Hotel Portugal... E obrigado por me teres trazido à memória do Chez Toi: também tenho lá uma ou duas estórias para contar...).

Aqui ficam alguns excertos desses posts do Blogue-fora-nada (2):

Luís Graça:

"Eu tenho ideia que [cem pesos] era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula, recatada e virtuosa…

"Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

"Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano…

(...) "Ainda em matéria de comes & bebes, um quilo de camarões tigres, do Rio Geba, comidos na tasca do tuga que era turra (ou, pelo menos, suspeito de vender e comprar vacas aos turras), em Bambadinca, com uma linda vista para o rio, custava cinquenta pesos… Um bife com batatas fritas e ovo a cavalo (supremo luxo de um operacional como eu ou o Humberto) na Transmontana em Bafatá já não me lembro quanto custava (talvez vinte a vinte e cinco? ).

"Ainda me lembro, isso sim, de o vagomestre comprar uma vaca raquítica por 950 pesos, depois de bater não sei quantas tabancas da região de Bambadinca… Nas tabancas, fulas, por onde passei e onde fiquei, uma semana ou mais, era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, mas já não me lembro quanto pediam pelos bichos de capoeira (sete pesos e meio?)… As ostras em Bissau custavam 20 pesos (uma travessa)… E por aí fora.

(...) "De qualquer modo, o que comíamos e bebíamos [, em Bissau,] era praticamente tudo importado...O grande ventre de Bissau era alimentado por uma economia de guerra que deu dinheiro a ganhar a muita gente... Manga de patacão, pessoal! ... Desde as rachas de cibe e o cimento para os reordenamentos (a construção de aldeias estratégicas, como a de Nhabijões, deve ter ajudado a dourar a reforma de muita gentinha mais patriótica do que eu) até aos transportes (civis) em comboios militares, sem esquecer os efeitos (mais nefastos do que benéficos) que a guerra teve na pobre economia natural dos guinéus.

Um deles foi a sua própria militarização. Nos últimos anos da guerra, tudo girava à volta (e vivia) da guerra. A guerra tornou-se, ao mesmo tempo, o ópio e a grande sanguessuga dos guinéus (e dos próprios tugas). E a prova disso, trinta e tal anos depois, é a bidonvilização, a lumpenproletarização da população que engrossou Bissau" (...).

Humberto Reis:

(...) "Das chamadas meninas & vinho verde não me lembro, mas dos produtos que eu mais consumia, entre 69 e 71, não me esqueci: Um maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato levava 3 a 4 maços para 2 dias); uma garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos; idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto, Dimple, Antiquary: 98,50; idem, de 15 anos, Monks, Old Parr: 103,50; um whisky, no bar da messe, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos...

"Quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar (valor médio) 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.

(...) "Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos e nós ganhávamos cerca de 5.

"O pré dos soldados era de 600 pesos os de 2ª, 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção.

(,..) "Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola : 2,50 simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.

"Não se riam, meus amigos, com a expressão frigoríficos a petróleo, pois era assim mesmo que funcionavam, visto que o gerador eléctrico [de Bambadinca] só trabalhava à hora de almoço e depois durante a noite" (...).

A. Marques Lopes:

"Interessante também esta reflexão (fez parte da nossa vida). No entanto, eu, pessoalmente, muito pouco posso dizer. Lembro-me que pagava 5 pesos quer à minha lavadeira de Geba quer à de Barro; além da lavagem também trabalhavam com as mãos (eram fulas, pois).

"Quanto a tainadas e saber o preço delas, é um bocado difícil pois nunca tive tempo para muitas... Só sei que, quando em Bissau à espera de embarque, paguei 5 pesos aos miúdos que andavam perto do Bento (a 5ª Rep...) a vender sacos de camarão.

(...) "No Pilão, frequentei várias vezes a Fátima, que não era caboverdiana mas sim fula, e dava-lhe 50 pesos de cada vez. Uma rapariga esperta: uma noite, a Fátima propôs-me que eu trouxesse uma grade de cervejas do QG para ela vender aos visitantes (era giro ouvi-la gritar da cama: Está ocupado!, quando os páras ou os fusos batiam à porta dela), dava-me metade da venda (não entrei nisso, claro) " (...).

Sousa de Castro:

"Quero dizer-vos que no meu tempo (1972/74) não era muito diferente: os preços que se praticavam eram mais ou menos os mesmos...

(...) "Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.

"A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974.

"Recordo que, com um peso, comprava quatro ou cinco bananas. Os uísques novos como o Johnnie Walker (cavalo branco) e outros custavam, em 1972/74, cinquenta pesos; o Dimple 100 pesos; o Old Parr 150 pesos; e havia o Monks, a 250 pesos" (...).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

(2) Vd. post de:

1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2) (Luís Graça / Humberto Reis)

28 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1) (Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Luís Carvalhido / Jorge Santos)

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)


Lisboa-Guiné > A bordo do T/T Niassa. Maio de 1968. Grupo de oficiais que viajaram com o A. Marques Lopes (o segundo a contar da direita, de óculos escuros e papéis debaixo do braço) , e entre eles o Almodôvar (o quarto a partir da direita), amigo do Torcato Mendonça e do Paulo Raposo. O Marques Lopes regressava do Hospital Militar Principal, em Lisboa. Depois de ter estado, em Geba, em 1967, na CART 1690, onde foi ferido, acabou o resto da sua comissão em Barro, na CCAÇ 3.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem do Torcato Mendonça ao A. Marques Lopes, em resposta ao post de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes):

Porque respondo hoje? Não é por ter chegado à Guiné em Janeiro de 1968 - no Ana Mafalda- , nem por ter passado pouco tempo em Bissau. É porque falas no Almodôvar. Ora se o Almodôvar era um Alferes, baixo, gorducho, sorriso fácil e bom jogador de poker, então é ele. Mas o tipo esteve no mato. Levou uma porrada. Se bem me lembro.

Claro que pode ter ficado esquecido em Bissau. Se é quem eu penso, sinteticamente digo: estudámos (6º e 7º) no Liceu de Beja, tirámos a especialidade juntos, estivemos no RAL 3 em Évora, em Lamego no CIOE e lá trocámos – com dois camaradas – e viemos formar Companhia para Évora, eles para Penafiel (?). Só que ele teve um problema num pé. Nós viemos para a Guiné, ele deve ter ficado na Estrela (Hospital Militar Prinicpal). Foi para a Guiné em rendição individual, um dia encontramo-nos lá. Já lá vão muitos anos…! É bom rapaz.

2. Resposta do A. Marques Lopes:

Respondi-lhe que o Almodôvar que eu conheci tinha, de facto, as características pessoais que ele refere. E admiti que posso ter sido mal informado sobre o destino que ele teve na Guiné, desejando, até, que o Torcato me facilitasse um contacto com ele para esclarecer a questão. E transmito-vos isto para que considerem também que me posso ter enganado, ou ter tido informações incorrectas.

A. Marques Lopes

3. Nova mensagem do A. Marques Lopes, enviada a toda a tertúlia:

Caros camaradas:

Enviei esta fotografia (ver acima) ao nosso amigo Torcato Mendonça e esta mensagem:

"Descobri esta fotografia, onde estão os oficiais que desembarcaram comigo em Bissau em Maio de 1968. Diz-me lá se algum destes é o Almodôvar que tu conheces. Eu sou o segundo a contar da direita (com papéis de baixo do braço). Estou muito interessado, pois não quero levantar falsos testemunhos sobre o Almodovar."

E a resposta dele foi a que deixo abaixo. Fiquei mais sossegado. E quero transmiti-lo a vós todos. E, já agora, vejam se conhecem alguém dessa fotografia. Abraços

4. Resposta, por fim, do Torcato Mendonça:

"É o 4º a partir da direita. Mais magro, o sorriso brincalhão e o olhar gozão.Não estás a levantar qualquer falso testemunho ou erróneo juízo de valor. Calma. Ele é bom rapaz. Quem o não é? Eu, tu, ele… tivemos azar, chutaram-nos para a Guiné. Não te preocupes. Obrigado pelas fotos.

Sabes, eu nunca mais volto à Guiné. Por várias razões. Talvez um dia escreva sobre isso. Respeito quem lá foi ou quer ir. Tudo bem e devemos fazer, tanto quanto possível, o que gostamos.

Meu caro amigo um abraço do

Torcato Mendonça

sábado, 11 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

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Guiné-Bissau > Bissau, capital do país. Planta da cidade, pós-independência.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Alguns camaradas aceitaram, de imediato, a minha provocação para contar estórias de Bissau (1), as impressões (necessariamente breves e fragmentadas) de quem, como a maior parte de nós, por lá passou, a correr, a caminho do mato, ou do regressso do mato (leia-se: da guerra)...
Mesmo os que fizeram a guerra do ar condicionado têm direito à palavra, embora eu não me lembre de ter aparecido até agora, na nossa tertúlia de amigos e camaradas da Guiné, nenhum felizardo que tenha estado toda a comissão em Bissau, na guerra dos papéis... Se quiser aparecer, posso assegurar que não será hostilizado... Eu sei que, já naquele tempo, uns eram filhos e outros enteados: era o caso, por exemplo, do Almodôvar, aqui evocado por Marques Lopes. Vieram juntos no mesmo barco: um, o felizardo ficou no QG; o outro, o desgraçado, foi para Barro...

Já tenho aqui duas mensagens, a do Humberto Reis, meu camarada da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) e do A. Marques Lopes que, para chegar a coronel, teve que comer o pão que o diabo ia amassando, de Geba a Barro: nove meses de Hospital Militar Principal foi quanto demorou o parto (distócico) que o levou à sua... segunda comissão, em Barro, na região do Cacheu!

2. Mensagem de Humberto Reis:

Luís:

Comprei a minha 1ª máquina fotográfica, uma Petri, na Foto Serra em Bissau, em 1969. Nessa altura a Foto Serra era numa esquina mesmo em frente ao Forte da Amura, onde se apanhavam os transportes para o QG.

Um abraço
Humberto

Comentário de L.G.: Bendita compra. Apanhaste o gosto da fotografia e hoje, graças a ti, temos excelentes provas, irrefutáveis, da nossa passagem pela Guiné...

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Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Região do Xime > O Humberto Reis, assinalado com um círculo a vermelho, numa das muitas piscinas de água aquecida que havia no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole... (Aqui, com o seu pelotão, o 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 , deslocando-se numa bolanha em zona controlada pela guerrilha do PAIGC)...
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.



3. Texto do A. Marques Lopes:

Caros camaradas,

Vou responder ao desafio do Luís e falar sobre a minha experiência em Bissau. Foi curta, porque de alguns dias apenas, lá passados: (i) antes de embarcar para o puto (quando cheguei à Guiné passei do Ana Mafalda (2) para uma LDG e fui de imediato rio Geba acima...); (ii) quando esperei para ser colocado em Barro, depois de regeressar do HMP; e (iii) quando lá estive de passagem no final de 1968... Mas foi uma experiência intensa, porque aproveitada como primeira oportunidade de esconder mágoas e frustrações, porque tive necessidade de, também ali, dar largas à loucura que se apossara de mim durante todo o tempo em que estive no mato.

Nesse período, conheci pouco de Bissau, apenas restaurantes, o QG e o Pilão. Muito boas recordações dos restaurantes, onde fiz grandes tainadas e apanhei grandes bebedeiras com outros camaradas, tão necessitados como eu. Mas, quanto a nomes, só me lembro do Bento - a famosa 5.ªRep -, centro de conversas dos velhinhos regressados do mato e de histórias das suas guerras, perante os olhos e, sobretudo, os ouvidos atentos dos miúdos que ali engraxavam as botas dos militares por 1 ou 2 pesos.

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Guiné > Região de Cacheu > Barro CCAÇ 3 > Barro > 1968 > O Alfero Lopes, despois do seu regresso do HMP, com alguns dos elementos do seu novo grupo de combate, Os Jagudis, de etnia balatanta.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Óptimas lembranças da Fátima, uma fula do Pilão, em cuja casa (um quarto apenas...) dormi algumas noites, numa cama onde dormia também o bébé de um ano. Boa rapariga, que fazia pela vida e que, por isso, me fez, uma noite a proposta de eu trazer umas quantas cervejas do QG para ela vender aos seus visitantes:
- Estou doido, filha, mas não tanto. Nem penses nisso.

Boas noites lá passei, uma ou outra com emoção, quando os comandos ou os fuzos batiam à porta e ela respondia:
- Está ocupado! - e eu a ajudava dizendo:
- Estou eu, vão pra outra!

Houve uma noite, não nenhuma destas nem a da proposta dela, que tive de sair a meio. É que o bébé borrou-se todo. Enquanto ela tirava água do pote para lavar o filho e os lençóis, tive de lhe dizer:
- Fatinha, já não dá. Vou-me embora.

Nesta ordem de lembranças, havia também, junto ao estádio do UDIB, um branco que tinha uma filhas mulatas (não me lembro do nome dele). A sua casa era um local aberto à frequência dos militares, com muitas bebidas, e as filhas lá estavam para o que desse e viesse. Fui lá uma ou outra vez, só para beber, porque, perante aquela situação, senti que o raio da consciência ainda me zurzia.

Quanto ao QG, poucas coisas agradáveis. Extremamente desagradado fiquei, como não é difícil calcular, quando, depois de vir do HMP [Hospital Militar Principal] (3), procurei que não me enviassem para o mato, que estava mal dos ouvidos, etc...
- É pá, há um gajo que tem de ser substituído lá em cima. - E mandaram-me para Barro. Mas o Almodôvar (o nome por que eu o tratava), um gajo que tinha chegado comigo, filho de um latifundiário alentejano, ficou no QG.

Depois, quando por lá passei em finais de 1968, fui encarregado, na passagem de ano, de montar uma emboscada perto do aeroporto de Bissalanca. Pensava-se num ataque do IN. Deram-me um grupo de maçaricos recém-chegados, com alferes e tudo. Achei por bem esvaziar os carregadores de todos, menos os dos furriéis e o do alferes. Mas o desagradável foi outra coisa: antes de partirmos para a missão, fui até ao bar da messe de oficiais do QG beber umas coisas. Estava calmamente assentado num maple com as bebidas em cima duma mesita e eis que o gerente da messe, o tenente-coronel Lavrador (assim lhe chamavam por se preocupar muito com a horta da messe), se me dirige:
- Você não pode estar aí.
- Porquê!? - espantei-me eu.

Apontou e criticou-me a camuflado sujo, debotado, com alguns buracos:
- Está a sujar o maple.

Bem - foi a bebida, foi a raiva, foi o desprezo?... - levantei-me e virei-me a ele. Não chegámos a vias de facto porque o Major Fabião, que estava ao balcão, veio prestes separar-nos. Acabei as bebidas e arranquei para levar o grupo para o aeroporto. No caminho, quando passámos junto da Associação Comercial, vi que havia lá grande festa, muita música e, pensei, com certeza bailarico. Ali estão os gajos que me fazem estar aqui. Mandei parar as viaturas. A minha primeira ideia foi ir lá e foder aquilo tudo (assim pensei, sic). Mas acabei por estar alguns minutos a falar sobre o que íamos fazer e como actuar. Fraqueza ou bom senso, ainda não sei.

Mas houve algumas coisas giras quando passei pelo QG, antes do regresso à metrópole. Algumas noites, eu e mais alguns farrantes dos restaurantes de Bissau, pegávamos em algumas garrafas das bebidas que de lá ainda tínhamos trazido, gritávamos Ataque!, e lançávamo-las sobre os telhados de zinco das camaratas ao pé da messe de oficiais. Era um grande gozo ver o pessoal a sair esbaforido e em cuecas!

E, um certo dia, o Almeida Santos (não é esse!...), meu amigo e parceiro de borgas, requisitou um jipe e convidou-me para dar uma volta por fora de Bissau. E lá fomos os dois até Nhacra. Aí parámos numa baiúca para nos atestarmos. Bem comidos e bem bebidos, decidimos que podíamos ver mais coisas, e decidimos ir estrada fora. E fomos, fomos sempre... até chegar a Mansoa! Vimos um jogo de futebol entre os elementos da companhia que lá estava. Entrámos na festa no fim do jogo e bebemos mais umas coisas.

Quando se fez tarde, achámos por bem regressar a Bissau. Demos boleia a um fuzileiro que lá estava (a fazer não sei o quê), o Almeida Santos a conduzir, eu no banco ao lado e o fuzileiro no banco de trás. Foi uma viagem agradável, pôs-se escuro rapidamente, era melhor acelerar e eu achei por bem animar o pessoal, levantei-me e, com as mãos no pára-brisas, comecei a cantar algumas canções do festival de San Remo. Estava giro. Só que, antes de chegarmos à base aérea, o Almeida Santos perdeu o controle do jipe e foi contra uma árvore que estava a dez metros da estrada.

Eu fui projectado, voei e aterrei dentro do capim, não desmaiei e tomei consciência de mim, passados alguns segundos. Olhei para trás e vi o jipe a arder. Levantei-me e fui lá para ver. Havia dois corpos ao pé: o fuzileiro gemia, o meu amigo não dizia nada. Peguei-lhe na cabeça e fiquei com as mãos cheias de sangue. Merda! O fuzileiro disse-me que lhe doía o peito. Que vou fazer? A resposta foi-me dada pelas luzes de duas viaturas que vi aproximarem-se vindo da base aérea. Tinham visto o fogo e vinham ver o que se passava. Foram eles que nos levaram para o HMR 241. Como eu não tinha nada fui mandado em paz. O fuzileiro ficou lá com duas costelas partidas, o Almeida Santos com um lanho na cabeça e uma ferida grossa na barriga da perna.

No dia seguinte, fui contactado para ir ao local com um major que fora encarregado de instruir o processo de acidente. Eu era testemunha. O Almeida Santos, que requisitara o jipe, que ia a conduzir e que era mais antigo do que eu, era o arguido. Quando lhe disse que o jipe saíra da estrada porque tinham falhado as luzes, o major riu-se muito. Fiquei a saber, mais tarde, que o arguido tinha levado 10 dias de prisão disciplinar, teve de pagar o jipe (cerca de 300 contos na altura) e, o pior, não embarcou quando devia embarcar. Antes de apanhar o barco de regresso, fui ao hospital visitá-lo: estava de cabeça ligada, uma perna pendurada ao alto e (estava sempre na maior!) a beber uma cerveja pelo gargalo.

E uma que me deu muito gozo. Tinham-me dado o processo de um cabo que fora apanhado a tomar banho na piscina da messe de oficiais do QG. Escandaloso, claro, inadmissível. Na véspera do meu embarque de regresso, ao preparar as minhas coisas, olhei para o processo e achei que não devia ter futuro. Rasguei-o aos bocadinhos e meti-o num caixote de lixo. Ninguém me perguntou por ele, sequer.

Muitas considerações e reflexões há a fazer sobre o que vos conto. Eu já as fiz, mas prefiro, agora, contar-vos os factos friamente. Até porque sei que todos pensarão nos quês e nos porquês de tudo isto.

Um abraço
A. Marques Lopes
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1264: Postais Ilustrados (10): Bissau, melhor do que diz o fotógrafo (Beja Santos / Mário Dias)

(2) Vd. post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)
(A. Marques Lopes)

(...) " Às 16h00 do dia 15 de Abril de 1967 o Ana Mafalda chegou ao porto de Bissau. A 16 de Abril a companhia passou directamente do navio para LDGs e seguiu pelo Geba acima até Bambadinca.

"Foi engraçado e giro, como devem calcular, para o pessoal que ia enfiado, ouvir os fuzileiros que nos levaram ir dizendo, em cada curva ou ponto mais apertado do rio:
- Olhem que aqui costuma haver ataques!...

"A 17 de Abril seguimos de Bambadinca para Geba em coluna auto. E fomos render a CCAÇ 1426, do Belmiro Vaqueiro" (...)

(3) Vd. posts de:

30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara (A. Marques Lopes)

(...) "E já agora, aqui vai um exemplo das dificuldades para chegar a Banjara. Digo-vos também que foi no caminho para lá que eu fui ferido e fui, por isso, para uma estadia de nove meses no Hospital Militar Principal da Estrela [,em Lisboa] "(...)

5 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLVI: Em memória dos bravos de Geba... (A. Marques Lopes)

(...) Sempre que possível, fiz-me acompanhar de um atirador-fotógrafo, que atirou algumas fotografias sempre que pôde. E pôde poucas vezes, é claro, como podem calcular. Algumas das fotografias não corresponderão, provavelmente, às operações relatadas, porque já não as consigo situar, mas servem de ilustração do que era normal em todas elas [vd. também Banjara e Cantacunda].

"Era uma zona muito propícia a azares, como têm visto. Também me calhou a mim (não era mais que os outros, claro, apesar de ter estado 24 horas no campo do inimigo... "teve de ser assim", como disse o Comandante Gazela). Um dia, quando ia no caminho de Geba para Banjara, fui ferido (e sortudo, mais uma vez), assim como o soldado Lamine Turé, do meu grupo de combate ; na mesma altura morreu o comandante da CART 1690, que quis ir comigo nessa viagem, o capitão Manuel C.C. Guimarães (tinha 29 anos, era filho de um sargento-ajudante e sobrinho da Beatriz Costa), e morreu o soldado Domingos Gomes, também do meu grupo de combate.

"Levei o corpo do capitão, porque me pareceu que estava ainda vivo, e o Lamine, directamente para Bafatá... porque em Geba não havia médico, vejam lá! Não levei o do Domingos Gomes, porque ficou aos bocados, não deu tempo nem tive condições para os recuperar. De Bafatá fui evacuado para o HM241 [em Bissau], primeiro, e para o Hospital Militar Principal,[em Lisboa], passada uma semana.

"Lá se foi, pois, o régulo de Geba... (gostei desta, amigo Luís Graça!). Não há relatório desta situação, obviamente, uma vez que não ficou quem o pudesse fazer.

"Falar-vos-ei, depois, da CCAÇ 3 [Barro, 1968], onde fui colocado depois da minha estadia no HMP, embora dela não tenha senão a minha lembrança e as fotografias que um outro atirador-fotógrafo teve oportunidade de atirar" (...).