Alcobaça vista do Castelo
1. Em mensagem de 17 de Setembro de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos mais uma das suas estórias, esta a do Vilela.
ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO
62 - O VILELA - NUM CONTO COM BOLINHA VERMELHA
O Vilela era o rapaz do nosso grupo, amigo das paródias, dos matraquilhos dos bailaricos. Adorava anis escarchado e um dia, pregamos-lhe um piela em minha casa. O problema foi quando o foi preciso leva-lo a casa pois tinhas as pernas que pareciam gelatina e não se punha em pé de maneira nenhuma. Quando finalmente o conseguimos levar, a mãe só faltou bater-nos para além dos nomes que nos chamou.
Aprendiz de alfaiate, viu-se impedido de acompanhar os pais que se mudaram para a América, uma vez que estava na idade militar, e assim despediu-se da mãe chorosa e do pai emocionado, porque os homens que eram homens não choravam, e por cá ficou, não sei se me recordo bem mas tenho ideia de que assentou arraiais em casa de familiar próximo.
A partir daí o herói deu-se a ares de magnata e nunca mais parou de exibir belos fatos com colete a condizer, sobretudos e botas que se usavam naquele tempo, à moda dos Beatles. Quem daquele tempo não se lembra das cobiçadas botas com bocadinho de cano e biqueira muito fina, que ficavam a matar com as calças à boca-de-sino. Era rara a semana que não aparecia com uma “encadernação” nova.
Eu, os Pedrosas, o Rego, o Joaquim e José António, todos os dias tínhamos ponto de encontro no café Portugal, onde ele sobressaía mais parecendo o Al Capone e nós os acólitos, mas ele era cómico e nós riamo-nos com as coisas que fazia e dizia.
Está claro que deixou de trabalhar e o dinheiro era como quem abana a árvore das patacas, não parava de chover, porque aos seus pedidos os pais talvez com peso na consciência por o cá ter deixado, abriam os cordões à bolsa no vão intento de que a sangria parasse, que a tropa o viesse buscar rapidamente e desse um fim ao calvário porque passavam, afastados do seu menino que custava os olhos da cara e muitas horas extraordinárias nos empregos que arranjaram lá nos states.
Por cá o Vilela acabou por se indispor com o familiar onde se hospedara e, como os dólares pingavam sempre, hospedou-se nos Corações Unidos, a melhor pensão de Alcobaça, por onde passava toda a gente que era gente, que visitava a linda vila, desde industriais e artistas, músicos e até engates de caixeiros viajantes.
O Vilela estava na maior. Passava dos pedidos de roupas para um anel visto numa ourivesaria, ou para uns óculos Ray-Ban que lhe trouxeram da base americana das Lajes nos Açores, é que lhe faziam muita falta porque cá havia muito Sol. Pudera era só escrever a pedir à mãe, que lá vinham os benditos dólares que não tardou a queixar-se sem grandes resultados.
Assim o grupo de amigos acabava por olhar para a situação com algum misto de incredulidade e não foram poucas as vezes que lhe dissemos que talvez devesse parar com aquilo. Nada feito, dos gastos com roupa e sapatos passou ao gosto desenfreado pelos jogos de alcova, tornando-se assíduo em certo estúdio de fotografia, que o dono transformava em bordel algumas noites por semana. Ora o nosso Vilela parecia um catraio numa loja de doces e passou a assediar o proprietário para que arranjasse mais “meninas”. Vivia num frenesim, o seu aspecto cuidado passou a apresentar algum desleixo, bem como um ar cansado e a rarear nos convívios com o grupo.
Uma bela noite o Rego bateu-me à porta com um ar suspeito a pedir-me para ir com ele, pois o Vilela precisava de ajuda. Lá vou eu direito ao estúdio de fotografia, e ao fundo das escadas lá estava o bom do Vilela embrulhado num lençol com um ar meio esgazeado. Assim que vi o que aconteceu, fui buscar um táxi, e ala para o hospital que se faz tarde.
Quando o enfermeiro lhe retirou o lençol mais o papel higiénico do corte que tinha na glande, foi um mar de sangue. Dizia o enfermeiro Torres que nunca tinha visto uma gaita tão escangalhada e perguntava como tinha acontecido aquilo. Ele contou que se tinha cortado a fazer sexo num cabelo, que estava atravessado à entrada e não vale a pena pôr mais na escrita, pois para bom entendedor meia palavra basta.
Está claro que aquilo foi motivo de muito riso e para mais como é que o Vilela ia estar quieto sem pensar em nada que o fizesse arrebitar, quando ele se tinha transformado viciado em sexo.
Entretanto curou-se e voltou ao mesmo, mas afastou-se de nós que não tínhamos capacidade de o acompanhar em tonteira nem financeiramente.
Finalmente foi para a tropa como nós todos e eu terei sido o último. Mobilizados uns para cada lado, eu e os irmãos José e Joaquim António fomos para a Guiné, um dos Pedrosa foi para Timor e o Luís Pedrosa foi Operações Especiais em Moçambique, o Rego ficou cá como amparo de mãe, o nosso Vilela não faço a menor ideia, mas penso que acabado que foi o seu serviço militar, deve ter ido para a América ter com os pais e nunca mais o vi.
No regresso encontrei os irmãos, soube que o Pedrosa se tinha suicidado em Timor, o Luís contraiu um vírus, que se veio a revelar uma poliomielite infantil tardia, ficando coxo até à sua morte.
Felizmente fui ao casamento do Rego e do José António, que continuam de boa saúde pois têm perguntado por mim aos meus irmãos.
O Vilela é uma recordação que me faz recuar aos tempos de alguma irresponsabilidade e loucura, que cá continuam bem num cantinho e que de vez enquanto acordam misturados com a saudade daqueles tempos, agora que vamos adiantados nos “entas”.
O Vilela nunca lerá esta estória mas se ler, lembrar-se-á e deve dar uma gargalhada, embora eu tenha ficcionado o nome, vai-se reconhecer de certo nela.
Uma abraço
Juvenal Amado
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Nota do editor
Último poste da série de 10 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18912: Estórias do Juvenal Amado (61): Um pouco de todos nós - "Difícil foi libertar-me do abraço", por Carlos Paz