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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24723: (Ex)citações (425): Ainda a propósito do Jornal Voz de Bissau, a atividade Política em Bissau no pós 25 de Abril (Victor Costa, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 27 de Setembro de 2023:

A atividade Política em Bissau no período pós 25 de Abril

Amigos e camaradas da Guiné.

Apesar de minha atividade profissional continuar intensa, acompanho as mensagens que os diversos camaradas vão escrevendo e por isso decidi escrever esta mensagem porque continuo a gostar da verdade, de História, Arquivo e papéis velhos.

Os artigos publicados no Jornal Voz da Guiné são interessantes e os factos e as questões colocadas pelo camarada Abílio Magro, ex Fur Mil Amanuense (CSJD/QJ/CTIG, 1973/74) no dia 16/09/2023 e seguintes, são pertinentes.

Se entenderem que o enquadramento desta mensagem fica mais explícita se for dividida em três, deixo à vossa consideração.

Apesar da esquerda e a direita serem duas maneiras diferentes de ver e viver a vida, há uma coisa comum que as torna iguais, trata-se da corrupção.

Com o passar dos anos verifiquei que a leitura evitou que eu perdesse o Norte depois dos 28 anos, como aconteceu a outros, hoje entendo que olhar para trás para o nosso passado Histórico, ler de tudo e comparar as políticas é o melhor remédio.

Li a "Mãe" de Máximo Gorky, mas também li também "O Sabor do Poder", traduzido Ladislav Mnacko do original Jak CHUTNÁ-MOC-1967, by Verlag Fritz Molden Viena-Munique.

O ano de 1948 anunciava-se particularmente agitado no plano internacional. A tensão crescia entre a URSS e os seus antigos aliados. O Golpe de Praga que expulsara do Poder o Presidente Benés entregava a Tchecoslováquia aos comunistas e não deixava dúvidas nenhumas sobre a vontade soviética de continuar uma política expansionista para Oeste. O chefe do Partido começou como revolucionário, organizou o partido e tomou o Poder à custa de corrupção, esta história acabou na chamada Primavera de Praga.

Os golpes de Estado correm sempre o risco de serem aproveitados por alguns em proveito próprio e por isso é um livro aconselhável.

Após o golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, os militares de bom senso tinham poucas possibilidades de vencer a tarimba e a atividade política pró-soviética, cujo objectivo visava minar, o dever e a disciplina, no seio das Forças Armadas, para tomar o Poder.

Consta da 1.ª página do Boletim Informativo n.º 1 de 1 de junho de 1974, publicado no Blogue em 22 de Abril de 2022, que o Sr. Tenente Coronel Almeida Bruno na sua deslocação à Guiné, em representação do MFA, dirigiu uma reunião sobre a reestruturação democrática do MFA e a preservação da disciplina e da hierarquia, que contou com a participação do Sr. Capitão Duran Clemente, nomeado entre outros para a Comissão Coordenadora do MFA na Guiné.

As ordens do MFA que o comandante Almeida Bruno tinha acabado de transmitir em Bissau no dia 7 de Maio de 1974 nunca foram cumpridas.

Tinham passado apenas 9 dias e já "aqueles soldados" da Guiné pediam ao diretor do Jornal Voz da Guiné, o Sr. Capitão Duran Clemente, que mandasse publicar um comunicado sem dizerem, quem eram, quando tinham sido eleitos, nem quem os tinha mandatado para tal.

Muita coisa se disse e diz em nome do Povo e dos soldados e não deixa de ser interessante o facto destes "soldados" escreveram um comunicado utilizando a letra "n" em vez de "m", mas não se esquecendo de terminar a mensagem, a 4.000 Km de distância do Povo com a devida palavra de ordem, "O Povo Unido Jamais Será vencido".

O Comandante Almeida Bruno e outros notáveis das nossas Forças Armadas eram homens de coragem, sabiam lidar bem com armamento e engenhos explosivos, mas infelizmente não conheciam o sistema de comunicações soviético nem o método e a forma de atuação destes engenhos políticos.

A publicação do artigo da LUAR no Jornal a Voz da Guiné merece o seguinte comentário:

O assalto ao Banco de Portugal realizado por Hermínio da Palma Inácio em de Maio de 1967 que contou com a participação de dois naturais da freguesia do Paião, um deles residente em França.

Parte do produto deste assalto, 1.500 contos foram encontrados debaixo da lareira de um deles, depois de serem recolhidos a seguir ao assalto numa das pontes de Maiorca da estrada nacional n.º 111 que liga a Figueira da Foz a Coimbra.

Que Operação cuidada esses "revolucionários" da LUAR fizeram, em vez de assaltarem os bancos capitalistas foram roubar o Banco do Povo, já só falta cruzar os cabos.

Abaixo os capitalistas, os seus Bancos e a democracia burguesa, vivam os Bancos do Povo e viva a União Soviética.

Junto cópia do artigo de António Jorge Lé, do Jornal Diário de Coimbra de 24 de Maio de 2023, sobre esta grande e cuidada "operação popular".

Clicar na imagem para ampliar


Ainda sobre o rebentamento da granada no Café Ronda:

Devido ao bom relacionamento da CCaç 4541/72 com o BCP12 eram frequentes as nossas deslocações conjuntas a Bissau, todos nós vestidos a rigor sem camuflados, que permitissem transportar "embrulhos" pesados e nocivos à vida.

Para evitar problemas em Bissau, a disciplina no BCP 12 em Bissalanca era clara, segundo o meu vizinho e amigo falecido (Sold. Pára) Américo Paiva, com quem me deslocava nestas andanças, não haviam máquinas de escrever nem papel no Quartel e as indisciplinas no BCP 12 eram tratadas no salão de treinos de Boxe, onde o seu comandante tinha fama de ser justo e bom lutador, nós seguíamos as regras.

Ao chegar a Bissau verificávamos que era mantido o bom o nível do alcatrão, ao longo da Avenida da República, que fazia soar o forte som das botas do render da guarda da PM desde a Amura até ao Palácio do Governador, mas não posso esquecer aquele furriel da PM que foi "condenado" a passar um mês de férias no mato, apenas para ver a diferença entre entre a vida no mato e o som do bater das botas na calçada da Avenida da República em Bissau. Assim, face ao "risco" que corríamos nas nossas deslocações a Bissau, não posso terminar sem enviar os meus sentimentos às famílias dos "soldados mortos em combate" na arriscada cidade de Bissau, nomeadamente desde o QG, passando pelo Quartel da PM na Amura, Avenida da República, onde se localizava o Café Ronda e o Cinema UDIB, e até ao Palácio do Governador.

Por isso, em nome da preservação da História, deve ser atribuído um louvor ao camarada ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QJ/CTIG,1973/74) Abílio Magro, por ter guardado esses recortes do Jornal "Voz da Guiné" publicados no dia 12 e seguintes do mês de Setembro de 2023.

Felizmente que ainda ficaram alguns "periquitos", que já liam livros de política e outros "velhos" que conheceram os locais, gostam de ler, vasculhar documentos e ainda conseguem manter o bom humor e rir dessas coisas.

Um abraço,
Victor Costa,
Ex-Fur Mil At Inf
CCaç 4541/72

____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24662: (Ex)citações (424): Nas nossas já bíblicas idades os planeamentos a longo prazo são sempre eivados de 'relativismo'. Daí que nada melhor do que as bolas de cristal (José Belo, Suécia)

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24493: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXII: Op Safira Solitária, na véspera do Natal de 1971, "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos a sofrerem 8 mortos e 15 feridos graves (pp. 212-224)


Furriel Mamasaliu Bari (pág. 213)


Esquadrilha de Allouettes-III na BA12. 
Imagem cedida por Vítor Barata, especialista da FAP (pág. 212)


Ussumane Seca, Abdulai Djalo Cula, Aliu Djaquite, Aliu Sana Sanhé 
e Sissau Candé, em Tite, 1971 (pág. 215)



O Alferes Tomás Camará e o Furriel Anastácio Ferreira (pãg.  216)


Momentos antes do embarque para Angola, em Outubro de 1963. Em primeiro plano o Furriel Mil. Mário Dias. Atrás, da esquerda para a direita, o Furriel Artur Pires, o Soldado Abdulai Djaló e o Alferes Justino Godinho. (pãg. 217)


Um grupo de Comandos na Base Aérea de Bissalanca, de partida para Bafatá. Abdulai Djaló, de joelhos, ao lado do soldado com o lança-roquetes. Foto de finais de 1965 (pág. 218)


Capitão Almeida Bruno, ajudante-de-campo do Brigadeiro António de Spínola, fotografado no decorrer da Op Ostra Amarga,  na mata da Cobiana, em 18 Outubro 1969 (pág. 223)



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves).


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXII:

Op Safira Solitária, na véspera do Natal de 1971: "ronco" e  "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  a sofrerem 8 mortos e 15 feridos graves (pp. 212-224)

Dezembro de 1971. A 1ª e a 2ª companhias foram em viaturas para a zona de Morés[1], enquanto um único grupo, o meu, ficou de reserva, em Bissalanca[2], na base aérea, à espera que algum grupo pedisse a nossa ajuda.

No primeiro dia não aconteceu nada para registar, mas no dia seguinte, dia 21, houve vários contactos com a guerrilha. Depois de ter terminado o bombardeamento da aviação, o grupo do furriel Mamasaliu Bari, que tinha tido vários feridos durante a manhã, dirigiu-se para um local onde tinha visto cair várias bombas e deparou com vários corpos esfacelados.

No momento em que chegou ao local deu-se uma troca de tiros entre o PAIGC e o grupo, sem consequências. A seguir o Mamasaliu disse alto ao fogo, um soldado, que tinha o dispositivo de dilagrama montado, procurou a cavilha da respectiva granada, viu-a e, no momento em que a recolhia do chão, inclinou o cano da G-3 para o solo. A granada defensiva caiu, explodiu e atingiu-o, a ele e o guia que o acompanhava, e feriu ainda vários companheiros. 

Em dificuldades para sair do local, Mamasaliu pediu reforço e foi, então, que foi dada ordem para o meu grupo avançar.

Quando acabei de ser lançado na zona, chamei pelo rádio o Demba, que me respondeu. O capim cobria-nos mas fizemos a junção dos dois grupos, cada um recorrendo a um tiro para o ar. Reunimos os dois grupos e, com o grupo dele à frente, começámos a progressão, com o objectivo de tirarmos o Bari do local.

Sempre a corta-mato, demos com um carreiro, com muitos sinais de passagem. Podia ser, pensámos, o caminho trilhado pelo Mamasaliu. Logo a seguir o Demba virou à esquerda e, quando cheguei a esse local com o meu grupo, seguimos atrás, virando também à esquerda. Fiquei com algumas dúvidas e consultei a carta topográfica. Pedi para se fazer um alto e fui ter com o alferes Demba.

Demba, não é por aqui!

–  É por aqui!

Bom, retomámos a marcha e, um pouco mais à frente, voltei a fazer um alto ao meu grupo.

–  O que se está a passar? 
–  perguntou o Demba.

– Eu não vou andar mais nenhum passo para a frente, sem pedirmos ao Bari para assinalar a posição dele com um tiro para o ar.

O Demba ligou o rádio e, então, pediu ao Bari que desse um tiro para melhor o localizarmos. E a resposta não demorou, o ruído do tiro ouviu-se bem, atrás de nós.

–  Estás a ver, Demba? Agora, temos que voltar para trás!

O Demba pediu desculpa e, sem demora, demos meia-volta e retomámos a marcha, agora um pouco mais rápida, até encontramos o grupo do Bari. Metemos o grupo no meio dos nossos dois, Demba à frente e o meu grupo atrás e continuámos a progressão em direcção aos cajueiros de Morés.

Eram cerca de 17h00, quando encontrámos o grupo chefiado pelo comandante da operação, o tenente Zacarias Saiegh.

Duas companhias juntas para passar a noite em Morés, num local[3] bem referenciado e muito conhecido em toda a zona. Fiquei junto ao tenente, que me disse que estava naquele sítio desde o meio-dia, à espera que os grupos se reunissem a ele. E que íamos dormir naquele local, que ninguém nem nada tirava os Comandos daqui.

–   Sabe quantos homens temos aqui? Duzentos e tal! Se nos atacarem hoje, nós vamos apanhar-lhes o material todo.

Não me faltava a confiança na força de tanta gente, mas não nos podíamos esquecer que, quanto maior é o número, maior pode ser também a derrota. Com boa pontaria ou sem boa pontaria, para acertar numa pessoa no meio da multidão basta apontar.

O que eu tinha era dúvidas, achava que havia tropa a mais naquele local, tanta que podia vir a atrapalhar.

Quando eu estava nos Comandos em Brá, no tempo do alferes Saraiva e dos outros, nós saíamos sempre em grupos pequenos e era mais fácil executar uma operação, havia menos barulho e menos riscos. Também só dávamos tiros quando era pela certa.

Quanto maior é o número de pessoas envolvidas, mais difícil uma operação ter sucesso. E ensinaram-me em Brá que sucesso era chegar de surpresa, atacar e retirar logo.

Mas, desta vez não estava a ser assim e a nossa dificuldade maior estava na coordenação dos nossos Comandos.

Fui juntar-me ao Demba, ao Vasconcelos e ao Sada e, com o seu guarda-costas Demba Demo, ficámos ali perto uns dos outros, cada um junto do respectivo grupo.

Por volta das 19h30, estávamos naquele local desde as 18 e pouco, ouvimos choros, que me pareceram de criança. E não paravam. Cada vez que menino chorava, o tenente mandava passar palavra, para ninguém abrir fogo, que devia ser população a regressar aos acampamentos, para arranjar comida para meninos

Um soldado chamado Djaquité, do grupo do Alferes Tomás Camará, trazia uma HK 21 com uma fita de balas muito comprida, que enrolava no corpo. Com o bipé montado apontou-a para fora dos cajueiros e a certa altura viu um grupo fardado que vinha na nossa direcção. Então, ele disse ao Tomás Camará:

–  Meu alferes, disse para não fazer fogo, vem um grupo armado na nossa direcção, e agora?

O Tomás respondeu que se vinha gente que abrisse fogo, o que o soldado fez, abriu uma rajada muito comprida para eles. Quando quis sair dali, para mudar de local, foi tarde de mais, uma roquetada acertou-lhe em cheio[4]. As morteiradas começaram a chover, umas atrás das outras, saímos todos dali, a correr. Não sei como foi, tinha deixado as minhas cartucheiras no local onde estivemos deitados. E agora, tinha que ir buscá-las lá. Resolvi voltar para trás.

Eu, muito antes de sermos atacados, quando ainda estava com o Saiegh, perguntei ao Abdulai Djaló o que é que ele achava de irmos dormir todos naquele local, onde o tenente tinha dito. O Abdulai respondeu-me que seria melhor não termos contacto com o IN durante a noite e não disse mais nada.

O Abdulai[5] era um soldado muito corajoso, bom combatente, era de 1961, tinha combatido sempre na guerra, desde o início.

Conhecemo-nos em Farim, éramos da mesma etnia, os nossos pais conheciam-se há muito tempo. Ele era mais antigo nos Comandos que eu, foi um dos que foi para Angola com o Alferes Saraiva e outros.

Nunca foi graduado porque era o indisciplinado número um, em todos os grupos por onde tinha passado. Nenhum comandante de grupo o aguentava mais que um mês. Levavam-no ao comandante a dizerem que não o podiam comandar, o comandante de companhia mandava-o para outro grupo e foi assim conhecendo quase todos os grupos, sempre a fazer as mesmas coisas.

Até que um dia, o comandante da 1ª Companhia ficou com ele. Quando o Saiegh saía, o Abdulai saía com ele, era o guarda-costas do tenente. Quando o comandante não saía, se o Abdulai não quisesse também não saía. Por isso ele nunca foi graduado.

Quando cheguei ao local, o Abdulai estava sentado ao lado do Tenente Saiegh e, depois de ouvir a ordem de passar a noite naquele local, fui juntar-me aos meus colegas.

Quando começou a chuva de morteiros levantámo-nos para abandonar o local. Mas já era um pouco tarde, devíamos ter abandonado aquele local mais cedo. Quando voltei atrás para recuperar as cartucheiras, o pessoal do PAIGC lançou dois “very-lights” seguidos. De trás de um cajueiro, com a iluminação, consegui ver onde as cartucheiras estavam. Quando a luz do “very-light” se apagou, corri para o local e agarrei-as. Na altura em que estava a regressar ao local onde estava antes, caíram duas morteiradas seguidas, entre o local onde eu me encontrava e o sítio onde estavam os meus companheiros. Continuei a andar até à saída dos cajueiros, quando vi um corpo deitado à minha frente, que na precipitação de sair dali nem reparei quem era. Depois voltei atrás. Nesta altura, ainda não sabia que era o cadáver do Demba Demo, guarda-costas de Sada Candé.

Soube depois, que também Sada Candé tinha perguntado ao Demba do que pensava ir acontecer nessa noite. Mas ele não respondeu, nem uma, nem duas vezes. Só à terceira vez que o Sada perguntou se ele não tinha ouvido, então Demba disse que não tinha ouvido, mas que pedia a Deus, que nessa noite não houvesse confronto.

Estendido no chão ali à minha frente, estava um cadáver. Vi dois soldados a rastejar e perguntei-lhes de que companhia eram. Da 2ª, responderam.

–    Vocês estão feridos? Não estão? Então deixem-me passar!

Puseram-se a pé e começaram a correr à minha frente. E quando já estávamos a sair da zona dos cajueiros, onde a chuva de granadas de morteiro continuava a cair, ouvi um gemido.

A voz parecia-me do Abdulai Djaló. Quando eu andava à procura, perguntando quem era que gemia, ouvi a voz do Abdulai a dizer que estava ferido. Encontrei-o sentado. Disse-me que tinha as pernas partidas.

Quando me pus a observar o que ele tinha, estava muito escuro, apalpei-lhe as pernas para ver da gravidade do ferimento e reparei que o Abdulai tinha as pernas feridas, dos pés às ancas, tudo esfacelado e partido. Pensei que não iria viver mais que alguns minutos.

–  Não me deixem aqui   
–  disse-me ele.

–  Não te deixo cá, ficas garantido, vou buscar reforço para te levar para um local mais seguro.


Corri para o Saiegh e disse-lhe que o Abdulai estava com feridas muito graves e que estava também um corpo perto dele, não descobri quem. Arranjei sete homens que foram comigo até ao local, sempre a corrermos, e quando olhei para trás só estava um comigo, o 1º cabo Mussa Djamanca, da 1ª CCmds.

Que é que aconteceu aos outros? Voltámos ao Saiegh, eu e o cabo, à procura dos outros. Esta história repetiu-se e da última vez ouvimos alguém chamar o comandante, pelo nome que era chamado em casa, pelo irmão e parentes da sua mãe.

Quando chegámos junto do tenente,  disse-lhe que tinham fugido todos, só estava eu e o Mussa. E acrescentei que tinha ouvido alguém chamar pelo Zick, o nome por que era tratado o Saiegh em família.

 
–  Onde ouviste? –  perguntou o Saiegh.

 –  Nos cajueiros!


Então, ele perguntou se alguém tinha visto o irmão dele, depois do ataque. Ninguém tinha visto. Passou para a frente e disse:

–   Porra, vamos embora, ninguém fica!

Segui-o até ao local onde estava o Abdulai Djaló e um corpo, o do Demba Dembo. Mostrei-lhe o local e, como não se via nada, ele perguntou-me de quem era esse corpo.

–  Não sei, não se vê nada com esta escuridão é difícil reconhecer de quem é o corpo. 

Quando estávamos nesta conversa, ouvimos chamar Zick. Então, ele, rápido, disse:

–  Amadu, levem daqui o Djaló e o corpo, enquanto nós vamos buscar o ferido aos cajueiros.

Para levarmos o Abdulai eram precisos quatro homens. Como os pés estavam desfeitos, não podíamos arrastá-lo pelo chão, duas pessoas pegaram nos braços e levámo-lo até debaixo de um mangueiro, onde estava o Saiegh. Quando o depositámos no chão, o Abdulai perguntou-me quando vinha o heli buscar os feridos.

–  Agora não pode ser, Abdulai, só de manhã.

–  Não aguento, vou morrer aqui!

–  Por que não aguentas, Abdulai?

–  Estou a perder muito sangue!

Na altura, tínhamos três feridos deitados neste local. Eram eles, o Abdulai Djaló, o Samba Bangura e o Vicente Malefo, todos atingidos nas pernas. Como gemiam alto, pedi ao enfermeiro, que era um Comando também, chamado Samba Tala, para dar umas picadas neles todos, para parar a hemorragia e para lhes tirar as dores. 

 Abdulai foi o primeiro a quem o enfermeiro deu uma injecção e ouvi-o dizer:

– Allahu Akbar,Allahu Akbar,Allahu Akbar!!! (**)

Quando acabou de falar no nome de Deus três vezes, calou-se de uma vez, boca e olhos abertos, olhando fixo. Abdulai tinha acabado de morrer.

Então, abandonei o local e fui ao encontro do Zacarias Saiegh. Nem me deixou sentar.

–  Trata-me aí do Malefo, está a fazer muito barulho.

Fui para junto dele, voltei a chamar o Samba Tala e pedi-lhe para lhe dar uma picada. Momentos depois, calou-se, não gemeu mais, já não devia ter dores. Isto tudo passou-se entre as 19h30 e as 21h00. A partir desta hora houve um silêncio total.

Entre as 02 e as 03h00[6], o PAIGC tentou acabar connosco. Tiros de canhão sem recuo e de armas automáticas amarraram-nos ao chão, ninguém conseguia levantar a cabeça. Quando o tiroteio acalmou, vi um militar da nossa companhia a correr. Insultei-o e mandei-o voltar para trás. Regressou para o pé de mim, a dizer:

–   Meu sargento, já foram todos, o comandante não está ali. Venha ver se está lá alguém nosso!

Levantei-me, fui atrás dele até ao local onde estava o comandante. Ninguém, ninguém estava ali, só os corpos. Continuámos a sair dali, a pouca distância um do outro e encontrámos um pequeno grupo de quatro companheiros. Éramos um grupo de sargentos: eu, os 2ºs Sargentos Vasconcelos e o Damo Baldé e os Furriéis Mamadu Djaquité, Facene Sama e Abu Seide. Corremos uma curta distância, talvez 100 metros. Parámos, não podíamos ir mais longe, os feridos estavam para trás.

–  Vamos para o lado das bananeiras 
–   disse-me o Vasconcelos. 

–  Para as bananeiras, não  –  disse eu. –  Se eles passarem por aqui, para onde podiam fazer fogo? Para as bananeiras, que é um local bom para pessoal se esconder, ou não?

–  Então, para onde vamos?

–  Ficar aqui, neste local descampado, sem árvores. Não tem nada, nada que leve a desconfiar que está aqui gente!

Concordaram. Aqui ficámos até às 05h00, mais minuto menos minuto. Estava a romper a aurora, tirei um cigarro, raspei um fósforo e disse para o lado que ia fumar um cigarro, que já era de manhã. Pediram todos logo licença para fumar também. Desloquei-me para o local onde tínhamos deixado os feridos.

Eu tinha ouvido tiros dirigidos para o local onde estavam os feridos e, mais tarde fogo sobre a zona dos mangueiros. Foi nesta altura que acabaram com Malefo, deram-lhe um tiro no peito. E, no regresso, fizeram a mesma coisa, abriram fogo na zona das bananeiras, que até começou um pequeno incêndio, que não durou muito, felizmente.

Fomos avançando, para ver se descobríamos algum companheiro nosso. Ouvimos alguém responder à nossa chamada, era o Samba Bangura.

Dirigi-me ao frriel Mamadu Djaquité, muito conhecido entre nós por Pélé e pedi-lhe para o irem buscar, enquanto eu ia procurar o Malefo. Encontrei-o morto, com um tiro no peito.

Naquela ocasião estava a chegar-se a nós, um grupo de cerca de vinte companheiros, com o respectivo comandante, que andava também à nossa procura e se vinham reunir a nós.

Eram quase 06h00, quando ouvimos o ruído de uma avioneta a sobrevoar a  zona. Chamaram-nos por rádio, pedindo que assinalássemos a nossa posição. E depois, ouvimos da avioneta chamarem o helicanhão, indicando-lhe onde nós estávamos. 

Apareceu no ar outro heli, que vim a saber que trazia o major Almeida Bruno, eram para aí 06h30, os dois helis no ar, em cima de nós. E foi, a partir desta altura, que o major Bruno tomou conta das operações. Em primeiro lugar as evacuações dos feridos, depois os mortos e a seguir recuperar o pessoal das companhias.

O major virou-se para mim e disse:

–  Amadu, ficas com o teu grupo a montar a segurança, enquanto trato da retirada das companhias para Mansabá, para seguirem depois, em coluna, para Bissau.

Montei a segurança e, quando estavam a entrar os últimos, avisou-nos:

–   Como estão a ver, a partir de agora somos só um grupo, estamos sem segurança. Portanto, temos que ser muito rápidos, quando chegarem os helis, corremos todos, ocupamos os lugares, sem hesitações.

Quando os helis levantaram com o penúltimo grupo, preparámo-nos e ficámos à espera. Depois, quando pousaram, arrancámos ordenadamente. Quando o heli em que eu ia estava a levantar, fiquei a olhar cá para baixo, para os cajueiros, até desaparecerem de vista. Da minha vista desapareceu, da minha memória não, ficou lá gravada aquela noite, até hoje.

O erro cometido pelo tenente Saiegh e pelos quadros todos foi fatal para todos nós. Para os que morreram foi completamente fatal, morreram ingloriamente. Para os que sobreviveram, como eu, foi fatal porque foi um momento que não recordo como glorioso. Saí dali com o sentimento de que tinha sofrido uma derrota. Mas é a guerra e a guerra é mesmo assim.

As nossas normas de Comandos foram completamente violadas. Um pequeno alto, um alto provisório, um bivaque clandestino. Tudo o que gastarmos, nem que sejam horas e horas na preparação, tem que ser respeitado. Se não respeitarmos, se cometermos um erro, pode perder-se uma vida.

Nós cometemos vários erros naquela noite. Tivemos cinco mortos[7] nos cajueiros, um ferido muito grave, catorze graves e vários[8] ligeiros, que nem contámos. Os mortos, sim, contámos: Aliu Djaquité, Quintino Gomes, Demba Dembo, Abdulai Djaló e Vicente Malefo. O ferido grave foi o Sam Bangorá. Dos feridos ligeiros não importa falar, nem me lembro quem foram.


Eu saí dali sem uma arranhadura.

Conforme escrevi atrás, o meu grupo ficou com o major Almeida Bruno no terreno. Íamos ser os últimos a retirar. Era perigoso, o local estava bem no centro de Morés, perto do quartel-general do PAIGC, segundo se dizia e, à volta, havia dezenas de pequenos acampamentos. 

Era uma boa altura para eles concentrarem todo o fogo em cima de tão pouca gente. Força para isso, eles tinham. Morteiros, armas pesadas, canhões sem recuo, armas automáticas, naquela área não lhes faltava material. Por isso, eu estava consciente que a retirada nos poderia custar algumas vidas mais. Mas, para além de nós, que estávamos numa clareira e com pouca natureza para nos abrigarmos, tínhamos em cima de nós, pronto a disparar o helicanhão. E ainda os bombardeiros, mortos por entrarem na guerra.

Mas eles deviam estar satisfeitos com os estragos que nos causaram, para além do que devem ter sofrido também. Certo é que, numa guerra destas, nem há vitórias nem derrotas completas. O Oio foi uma das primeiras zonas, onde o PAIGC reclamou área libertada, quase ainda no início da guerra.

Quando os helis levantaram para Bissau, íamos calados a olhar para os cajueiros até desaparecerem da nossa vista, mas as imagens da noite estavam gravadas definitivamente nas nossas memórias. 

Para mim, o dia 24 de Dezembro de 1971, é uma data inesquecível. Uma data amarga, para mim e para muitas famílias. A tristeza invadiu as nossas famílias, os nossos amigos e a gente de Bissau, que nos conhecia.

Chegámos ainda antes do meio-dia, com os familiares à nossa espera. Dos que ainda vinham em coluna de Mansabá, não tínhamos ainda resposta para lhes dar. Mesmo que os acalmássemos e disséssemos que estavam bem, não acreditavam. Assim era melhor ficarmos calados e esperarmos a chegada deles.

Não pude deixar de pensar e recordar, no voo de regresso do meu grupo a Bissau, nos companheiros que terminaram as carreiras e as suas vidas naquele local, chamado Morés.

O inimigo mereceu esta vitória sobre os Comandos? Se encararmos a negligência com que foi escolhido o local para passarmos a noite naquele local dos cajueiros, onde o Saiegh nos aguardava desde o meio dia, se pensarmos bem na desobediência às nossas regras de combate, então foi bem merecida a nossa derrota.

Os nossos instrutores nunca nos disseram para nos sentirmos mais confiantes se fossemos muitos. A nossa preparação era para nos tornar homens mais duros, mais fortes, mais eficazes. Mas que nunca nos devíamos considerar nem melhores nem piores, apenas diferentes. Numa palavra: Comandos. (***)

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Notas do autor ou do editor literário (VB)


[1] Nota do editor: operação “Safira Solitária”, 20/24 Dezembro 1971.

[2] Base aérea em Bissalanca, arredores de Bissau.

[3] Nas imediações do itinerário entre Bissorã e Mansabá.

[4] Nota do editor: o Soldado Aliu Jaquité, da 1ªCCmds, “na noite de 23/24 Dezembro, após receber ordem para retirar, respondeu que um Comando só retira pelos braços de um camarada. Tendo avistado alguns elementos IN a meia dúzia de metros da sua posição, abriu fogo com a sua arma ligeira, abatendo-os, tendo sido por isso referenciado, sendo morto de seguida por uma granada de RPG-2.” Relatório da operação “Safira Solitária”.

 [5] Em árabe, Abdulai quer dizer “Escravo de Deus”

[6] Nota do editor: 22 Dezembro 1971.

[7] Nota do editor: oito no total, segundo o relatório da operação “Safira Solitária” (***)

[8] Nota do editor: quarenta e cinco, segundo o relatório.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.] (****)

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(**)  Deus é Grande, em árabe.

(***) O "pessimismo" do Amadu Djaló contrasta com o louvor dado, já em 1972, à 1ª e 2ª CCmds Adricanos,  pelo gen Spínola pelo seu brilhante e audacioso desempenho operacional, até então, com destaque para a Op Safira Solitária...Oportunamente faremos um poste com o teor desse louvor.

(****) Operação "Safira Solitária" - 20 a 24Dez1971:

Na região de Morés-Santambato- Tambato-Gã Farã- Talicó-Cambajo--larom-Siure, 04 e COP 6, forças da lª e 2CCmds Afr efectuaram ma nomadização. O ln reagiu por 21 vezes à penetração e progressão das NT, com maior intensidade nas regiões de Cubonge e Morés.

Foram causados ao ln 54 mortos confirmados, bastantes feridos e 83 elementos da milícias locais, todos armados, também mortos que reagiram à acção das NF. 

As NT sofreram 8 mortos, 15 feridos graves e 44 ligeiros. Recuperados 28 elementos da população, 2 esautom "Simonov", 2 eautom "Kalashnikov" com cinco carregadores, 1 esp
"Mosin-Nagant", 1 ml "MG-42", 1 "longa" e 2 gran lgfog "RPG-2".

Foi destruído um acampamento ln.

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 293-294 (Com a devida vénia...)

domingo, 11 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24387: História da CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) (Coordenação: Raul Albino, 1945-2020) - Textos avulsos - Parte III: O segredo do comandante dos "Lynces de Có". cap inf Mário Vargas Cardoso

 

Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) >A tabanca de Có, incendiada, na sequência do segundo ataque ao aquartelamento, em 12 de Outubro de 1968. O brig António Spínola observando os destroços nas zonas atingidas, ladeado à sua direita pelo seu ajudante de campo, cap cav Almeida Bruno, e à sua esquerda, o cmdt da CCAÇ 2402, Vargas Cardoso.(»)

Foto (e legenda): © Raul Albino (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  O nosso saudoso camarada e amigo Raul Albino (1945-2020), ex-alf mil at inf, MA, CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), publicou ainda em vida dois volumes com a história da sua unidade. 

O Raul Albino com a ajuda do fotógrafo Maurício Esparteiro, ex-1º cabo,  concebeu e realizou uma ideia original: um livro da CCAÇ 2402 onde todos e cada e um são gente... Do capitão ao soldado básico, toda a gente teve lá a sua foto, o seu espaço (**)... 

Além disso, cada um dos camaradas da CCAÇ 2402 podia ter uma versão única e original do livro, com registos exclusivos sobre a sua pessoa... Com uma pontinha de orgulho, o Raul e o Maurício mostraram-me, no encontro em Pombal, em 2007,  um exemplar do seu livro: cada exemplar saíu da tipografia a 8 euros, sendo vendido a 10 euros, para cobrir as quebras e as borlas ...

No II Volume, que continuou a ter  a coordenação fotográfica do Maurício Esparteiro, o Raul contou ainda com a participação especial do ex-cmdt da companhia, Vargas Cardoso, e do ex-fur mil SAM, João Bonifácio (que vove hoje no Canadá).  

Hoje publicamos mais uma pequena história (***) do Mário Vargas Cardoso (1935-2023), ex-cor inf ref, que há dias nos deixou,  e e, que fez uma confidência: terá sico em Có que o "periquito" do brigadeiro António Spínola, inspirando-ase no exemplo  dos "Lynces de Có", que se reuniam regulamente com os "homens grandes" e restante população local, decidiu criar os famosos "Congressos do Povo".

No nosso blogue, o Raul Albino também já havia publicado, no devido tempo, 18 postes com episódios da história da CCAÇ 2402 (*).

Mário Vargas Cardoso (1935-2023)


Spínola: "Ó Vargas, deste-me uma ideia: vamos lá fazer essas reuniões de Có mas a nível de toda a Guiné, e chamar-lhe Congressos do Povo"

por Vargas Cardoso

Uma das atividades dos "Lynces de Cõ" em que fomos originais, e que muito contribuiram  para o êxito no cumprimento da nossa missão, foram as reuniões no domingo logo pela manhã.

(...) Pela manhã dos domingos, ao içar da Bandeira Nacional, o comandante da CCAÇ 2402 dava indicação a todos os "homens grandes", chefes da tabanca (...) para comparecerem no quartel, e, às crianças da escola primária, para virem ao quartel também, juntando-se todos próximo do mastro da bandeira.

(...) À hora indicada, formava-se o pessoal de guarda; ao lado as crianças da escola, e o Vargas com os "homens grandes" atrás da formatura.

A bandeira era içada, o corneteiro tocava, os "homens grandes" descobriam a cabeça, e os miúdos da escola, algum tempo depois, já cantavm o hino nacional.

Após a cerimónia, o comandante com os "homens grandes" iam para o refeitório, onde se servia um pequeno almoço, café e pão com marmelada, aos chefes da tabanca. Depois com os oficiais e sargentos com funções de "governar" na nossa área, decorria uma reunião, onde os chefes da tabanca colocavam os pedidos de ajuda que precisavam: transporte de mancarra ou coconte para Bissau, apoio sanitário, escola, proteção para colheitas, etc. 

O nosso furriel Coelho, ou depois o Vieira (salvo erro), tinha a função da atividade psicossocial, tomavam nota dos pedidos e depois era a nossa vez de pedir a colaboração das populações. Por exemplo:  tantos homens para capinar; na 3ª feira, 40 galinhas; noutro dia, outro produto que nos fizesse falta. etc.

(...) Logo em outubro de 1968, já depois do ataque a Có (*). nós estávamos numa dessas reuniões quando chegou o héli com o nosso general Spínola [na aitura ainda brigadeiro]  (****), o qual convidei para assistir ao que estávamos a fazer.

Nunca vos contei o que agora  resolvo tirar do segredo da História. Como sabem, quando ia Bissau, normalmente o nosso "Homem Grande", convidava-me para almoçar no palácio do Governo com outros oficiais de passagem por Bissau. (...)

Depois dessa visita o gen Spínola disse-me um dia: "Ó Vargas, deste-me uma ideia. Vamos fazer essas reuniões que tu fazes lá em Cõ, mas com toda a Guiné. Vou-lhes chamar Congressos do Povo". (...)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos / Parèntses retos: LG]

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Notas do editor

(*) Vd. poste de 31 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2016: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (6): O grande ataque a Có, em 12 de Outubro de 1968

(**) Vd. postes de:

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1105: Como escrever um livro de memórias de guerra 'à la carte' (Raul Albino, CCAÇ 2402)

4 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1246: O meu livro Memórias de Campanha da CCAÇ 2402 (Raul Albino)


6 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24372: História da CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) (Coordenação: Raul Albino, 1945-2020) - Textos avulsos - Parte II: A imaginação que era preciso ter para se comer "atacadores da PM com estilhaços"!... Trocando carne do restaurante "Solar dos 10", em Bissau, por produtos locais de Có (camarão, ostras, tomate...) (Mário Vargas Cardoso, 1935-2023) 

(****) António Sebastião Ribeiro de Spínola, então brigadeiro, assumiu as finções de Governador e Comandante-Chefe da Guiné, em 24 de maio de 1968, em substituição do gen Arnaldo Schulz. Foi promovido a general em 4 de julho de 1969. Cessou funções em 27 de agosto de 1973.

O I Congresso do Povo da Guiné realizou-se em 1970. O IV em 1973... Baseava-se em cinco princípios: (i) direito absoluto de justiça social; (ii) respeito pelas nossas instituições tradicionais africanas; (iii) desenvolvimento económico e social;   (iv) participação ativa das gentes da Guiné, progressivamente mais elevada,  na administração dos seus própios interesses; (v) restabelecimento da Paz.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24146: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXII: Selecionado para a 1ª Companhia de Comandos Africanos, em finais de 1969

Lisboa >  2009 >  Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten general 'comando' ref Almeida Bruno  (1935-2022) (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos da Guiné, e ambos Torre e Espada) e o nosso saudoso grã-tabanqueiro Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital,  do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote,  facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri,  começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii)  depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido,  por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757; 

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló.

 

Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  

Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um    luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXII:   

Selecionado para a 1ª Companhia de Comandos Africanos, 
em finais de 1969 (pp. 153-157) 

Nos inícios de julho de 1969, estava eu em Bafatá [1], chegou uma ordem, a mandar recolher todos os militares africanos [2] que tivessem sido Comandos.

Quando cheguei a Bissau, já lá se encontravam os meus antigos companheiros, o Braima Bá e o Tomás Camará. Mandaram-me apresentar ao capitão Almeida Bruno [3], no Comando-Chefe, junto ao palácio do Governador.

 Entrei com o capitão Bruno para uma grande sala e, momentos depois, regressou com dois oficiais superiores e um deles deu-me um papel para eu escrever a minha identificação completa.

Depois, perguntou-me se eu era capaz de comandar uma companhia com 150 homens. E, se cada um deles tinha uma arma, cada arma 5 carregadores, cada carregador 18 balas, quantas balas eu precisava de levantar da arrecadação. Fiz as contas rapidamente e entreguei o papel, que, depois de verificado, estava com o resultado certo. Logo de seguida, mandaram-me apresentar em Brá, à 15ª CCmds.

Estive cerca de 5 dias. em Brá, até se apresentarem todos os que tinham sido convocados. Depois, iniciou-se um curso com um instrutor, o capitão Barbosa Henriques.

Foi um curso muito acelerado, de cerca de quarenta e cinco dias. Acabámos em setembro de 1969, depois regressámos às respectivas companhias e, eliminados os que chumbaram nas provas, ficámos à espera que chegasse o mês de janeiro, para dar início à formação da Companhia.

Em novembro, fui transferido para o D. B. de Intendência, por trás da Amura, em Bissau. Como era meu desejo passar a época de Natal em casa,  fui autorizado a ficar mais uns dias em Bafatá.

Quando regressei a Bissau voltei a procurar o capitão Almeida Bruno. Disseram-me que tinha mudado para a Amura.

 Passei por lá e encontrei-o a matar o bicho na cantina. Depois de o cumprimentar, apresentei-lhe o meu problema e pedi que me transferisse para a 15ª CCmds, em Brá. O capitão telefonou para o QG, deu o meu nome e nº e depois agradeceu-me por o ter vindo ver.

Uns dias depois, voltei a encontrá-lo e disse-lhe que ainda não havia resposta ao meu pedido. O capitão voltou a ligar para o QG, para a 4ª Rep e fiquei a saber que o pedido de transferência já tinha sido deferido e que faltava apenas a publicação em Ordem de Serviço. Lembro-me de o ouvir dizer que tratassem do assunto com urgência.

Quando entrei ao D.B.I., a sentinela disse-me que, no dia anterior, na distribuição das prendas de Natal, tinham chamado por mim e que o capitão disse que se calhar tinha morrido e ninguém sabia. Dirigi-me ao gabinete do capitão, comandante da companhia, e ele perguntou-me por que ainda não tinha aparecido. Expliquei as razões, que tinha estado de manhã na Amura, mas não ficou muito convencido que eu estava a falar verdade. E depois, virou-se para mim e perguntou:

  Mas quem é o teu comandante, o capitão Almeida Bruno ou eu?

Repreendeu-me e disse para eu nunca mais ir ao Comando-Chefe. Também não fiquei muito satisfeito e dirigi-me à Amura, para falar com o capitão Bruno e pedi-lhe que esclarecesse o assunto com o meu comandante de companhia do D.B.I.. Depois, quando ia a sair pela porta de trás da Amura, vi o capitão, o meu comandante do D.B.I. a olhar para o relógio. Já estou arrumado, pensei, mas continuei a andar em passo calmo.

Quando cheguei ao Depósito, D.B.I., a sentinela disse-me para ir ao gabinete falar com o capitão. Assim fiz e quando lhe pedi licença para entrar, o capitão respondeu:

  Não dou, mas entra! Onde é que estiveste?

 Fui à Amura.

 E o que é que acabámos de falar, ainda há minutos? Por que foste à Amura?

Depois de eu lhe explicar as razões, ele disse que tinha homens disciplinados e rematou:

–  Não me venhas agora dar mau exemplo. Podes sair.

As coisas aqui nunca correram muito bem. O capitão andava desconfiado de mim, e eu nunca soube as razões de tal procedimento.

 Uma vez, estava eu de sargento de piquete, apresentei-me na parada ao alferes, oficial de dia e ele olhou para mim dos pés à cabeça, sem nada dizer. Assim, voltei a pedir-lhe licença e ele respondeu que não dava, porque não me conhecia. 

E tu conheces-me, perguntou-me?

 Eu também não o conheço, mas é minha obrigação apresentar-me ao oficial de dia. 

Ele disse que eu tinha razão, de facto. Chamou o 1º sargento, apontou para mim e perguntou-lhe;

  Quem é este gajo? Desde quando está cá? Chega cá um militar transferido, fica aqui na parada para se apresentar! Qualquer dia vem cá um terrorista matar-me na parada!

Quando acabou, perguntei:

  Meu alferes, dá-me licença? Apresenta-se o 1º. cabo tal e tal, nº tal, que está de sargento de piquete.

Então ele avisou que nenhum de nós podia sair, fosse para onde fosse.

No dia seguinte dirigi-me ao gabinete do capitão, para lhe solicitar uma dispensa de três dias para me deslocar a Bula. O capitão perguntou-me se a transferência já estava resolvida. Que sim, senhor, que estava, respondi. Então, ele pediu o meu nome e nº e disse-me que não me queria lá mais na companhia.

Todos os elementos de identificação conferidos, na secretaria bateram à máquina a guia de marcha e às 10h00 entregaram-ma. Apanhei um táxi para Brá e fui apresentar-me à 15ª CCmds.

 Depois da concentração de todo o pessoal, fomos para o Cumeré, frequentar um curso de quadros com a duração de 15 dias. Regressámos a Bissau e começámos a preparar a formação da 1ª CCmds da Guiné, que iria ser comandada pelo capitão João Bacar Djaló.

Foi no Estádio Lino Correia [5], a apresentação da companhia [6], num dia histórico da minha carreira militar.

Quando a cerimónia terminou, regressámos ao quartel e, no dia seguinte embarcámos na ponte-cais. Uma imagem inesquecível. No porto estavam uma centena de donzelas a despedirem-se de nós. Depois o barco arrancou. Íamos para Fá Mandinga, fazer 4 meses de curso de comandos e dois no terreno operacional. Ao todo, meio ano de sacrifício.
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Notas do autor ou do editor literário, VB:

[1] Nota do editor: no BCaç 2856?

[2] Nota do editor: unidades de Comandos compostas na totalidade por militares oriundos da Guiné. Teve início em 14 de Julho de 1969 um estágio/instrução para preparar e seleccionar os futuros graduados da que viria a ser a 1ª. Companhia de Comandos da Guiné. A instrução decorreu em Brá e esteve a cargo do cap art Comando Barbosa Henriques (1ª.Fase) e do cap inf Comando Garcia Lopes (2ª.Fase). Frequentaram este estágio 36 militares com experiência de combate e 18 soldados recrutas do CSM. Terminou em 06 de setembro de 1969. Em novembro e dezembro de 1969 foi feito o recrutamento e selecção das praças para a formação da 1ª. Companhia de Comandos e em 11 de Fevereiro de 1970 teve início o 1º. Curso de Comandos destinado à formação de Companhias de Comandos da Guiné, que se realizou em Fá Mandinga, sendo responsável pela instrução o cap inf Comando Garcia Lopes, coadjuvado por instrutores e monitores da 15ª Cª. Comandos

Extraído de “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África”, 14º Volume, Comandos. Em “Resenha (...)” vol.7, t.II, pg.648: 

“Foi [a 1ªCCmds] organizada em Fá Mandinga a partir de 09 Julho 1969, exclusivamente com pessoal natural da Guiné e foi formada com base em anteriores Grupos de Comandos existentes junto dos batalhões, tendo iniciado a sua instrução em 06 Fevereiro 1970 e efectuado o juramento de bandeira em 26 Abril 1970. A sub-unidade ficou colocada com sede em Fá Mandinga, (...) após ter terminado o seu treino operacional na região de Bajocunda, de 21 Junho a 15 Julho 1970.”; e ainda, segundo o mesmo título, a págs. 531, no que respeita à 15ª CCmds, “em 04 Maio 1969 regressou a Bissau, já com os efectivos reduzidos a 2 Gr Combate, onde se manteve para recuperação e colaboração (...), de 14 Julho 1969 a 11 Fevereiro 1970, na instrução ministrada em Brá a graduados e praças de outras subunidades», vindo a embarcar de regresso à Metrópole em 10 Março 1970.

[3] Nota do editor: o capitão cavalaria comando João de Almeida Bruno foi ajudante-de-campo do Governador e CCFAG general António de Spínola, entre maio de 1968 e julho de 1970, data em que regressou a Lisboa. Em março de 1971 foi promovido a major e voltou à Guiné, assumindo a chefia do COE. A partir de 14 de Julho de 1972 acumulou a chefia daquele COE com o comando do Batalhão de Comandos da Guiné, cargos que desempenhou até 27 de julho de 1973.

[4] Nota do editor: Fortaleza construída em 1696 pelo Capitão-Mor José Pinheiro e reconstruída em 1753. A muralha voltou a ser reconstruída em 1946, era então Governador-Geral o Almirante Sarmento Rodrigues. A fortaleza tem um terreiro quadrado com cerca de 150 metros, rodeado de mangueiras.

[5] Nota do editor: na 6ª feira, 6 fevereiro 1970. (O estádio, inaugurado em 1948, chamava-se Sarmento Rodrigues antes da independência. )(LG)

[6] Nota do editor: “A nossa força militar africana tem-se afirmado gradualmente e inclui agora uma unidade de elite, a 1ª. Companhia de Comandos Africanos, formada exclusivamente pelos filhos nativos da Guiné... A vossa ascensão à posição de Comandos do Exército português marca uma etapa significativa no progresso de todos os Guineenses.” General António de Spínola, discurso em 11 de fevereiro de 1969.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo: LG]

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24131: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXI: Finalmente, Bafatá, a minha linda princesa do Geba...

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23942: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVI: Op Faena e Açor, abril de 1965, no sector de Buba


Guiné > Região de Quínara > Subsector de Buba > Grupo Comandos Fantasmas > Abril de 1965 > De regresso a Bissau. Amadu Djaló, de sumbiá 
[12] na cabeça, ao lado do Tomás Camará, de quico. (Foto publicada na pág. 122. Não é indicada a fonte.)


Guiné > Região de Quinara > Sector de Buba  > Grupo Comandos Fantasmas > Abril de 1965 > O grupo em Antuane. Amadu Djaló é o segundo da direita para a esquerda, na fila dos ajoelhados. (Foto publicada na pág. 119. Não é indicada a fonte.)

Comentário adicional do VB: "Nestas duas primeiras fotos aparece já o João Parreira. Na 1ª foto está na fila de cima , é o 3º a contar da direita; aparece também na 2º foto e é também o 3º da direita, fila de pé."
 

Lisboa >  2009 >  Da esquerda para a direita, (i)  o cor inf 'comando' ref Raul Folques e  (ii) o ten general 'comando' ref Almeida Bruno (1935.2022) (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné, e ambos Torre e Espada) e ainda (iii) o nosso saudoso   Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015)

Comentário adicional do VB: "A foto com o cor Folques e o ten ben. Bruno foi tirada por mim em Monsanto no restaurante do Clube de Caça, quando lhe fomos entregar o projecto do livro para que procedessem à revisão dos temas em que apareciam e corrigissem os erros que detectassem".

O Amadu tornou-se membro da Tabanca Grande em 16 de maio de 2009.  Um mês antes, em 15 de abril de 2010  realizou-se a sessão de apresentação do seu livro de memórias  livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.). Na altura, o Amadu foi apresentado como; (i) um grande contador de histórias, dotado de uma prodigiosa memória; (ii) como um homem bom, recto e profundamente religioso; (iii) bem como um grande operacional que serviu, com coragem e dedicação o exército colonial português, a partir de 1962, até ao fim (já como alferes comando graduado, na CCAÇ 21,  Bambadinca, 1973/74).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuamos a reproduzir excertos das memórias do Amadu, neste caso  relativas ao tempo em que integpu o Gr Comandos "Fantasmas" (comandado pelo alf mil cmd Saraiva, entretanto promovido a tenente e depois capitão).  

Estamos em abril de 1965 e o Amadu está prestes a abandonar o grupo. Depois da participação na Op Ebro (março de 1965), seguem-se as Op Faena e Açor (em abril de 1965), (*)

A fonte continua a ser o ser livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), de que o Virgínio Briote nos disponibilizou o manuscrito em formato digital. 

A edição, que teve o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está há muito esgotada. E muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro.

O  nosso coeditor jubilado, Virgínio Briote (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) fez generosa e demoradamente as funções de "copydesk". É já aqui em tempos  relembrou  o "making of" deste livro.  

(...) "Boa noite, Caros Camaradas Carlos e Luís: Obrigado pelo excelente trabalho de edição que tem sido feito sobre o livro do Amadú. E naturalmente trazem-me à memória o ano que levou a preparar o livro. Quase todos os dias o Amadú tocava à campainha para mais um dia de trabalho. Almoçava comigo (não era grande garfo, por falta de dentes) e muitas vezes prosseguíamos pela tarde fora até o levar ao comboio em Entre-Campos. Foram uns tempos muito interessantes que me fizeram recuar mais de 40 anos.

Lamentavelmente o negócio não foi devidamente esclarecido entre as partes e julgo que a pressa em levar por diante o projecto (as folhas já tinham passado por mais que uma mão) interferiu com o desentendimento que se seguiu. Mas levámos a peito o projecto e fomos até ao fim, o lançamento do livro. (...)



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.


 Crachá do Gr Comandos Fantasmas



Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVI: Op Faena e Açor, abril de 1965, na região de Quitafine, sector de Buba (pp. 118-123)

por Amadu Bailo Djaló


(i) O alerta dos javalis


Em abril [1] de 1965, deslocámo-nos para Buba, num barco carregado com géneros.

O tenente Saraiva  
[será capitão mil 'comando' em junho] deu as instruções. Nós abandonávamos o barco, entre Buba e Antuane. Nesse local, onde deveríamos sair do barco, como não havia porto, o barco encostava à margem e nós devíamos entrar na água e internarmo-nos na mata.

Eu ia à frente, era o primeiro homem. Quando acabámos de abandonar o barco, cada um ia-se amarrando aos ramos das árvores para sairmos da água. Depois de todo o pessoal estar em terra firme, começámos a marcha, com cuidado, até darmos com a estrada que ligava Buba a Empada.

Ia connosco um guia, o Amiro [2] que,  segundo o que o tenente nos disse, tinha abandonado a guerrilha.

Alcançada a estrada, seguimos nela até ao cruzamento de Bantael Silá. Aqui, entrámos na picada com o sol a desaparecer. Estava tudo a correr conforme o que fora planeado. Fomos andando até darmos com a entrada para a tabanca de Bantael Silá, que estava abandonada. Rodeámos a zona e entrámos na bolanha de Fran Roncante, local escolhido para montar uma emboscada.

Havia uma grande operação[3] na zona[4], com forças de Fulacunda, Buba e Empada[5]. Paraquedistas tinham sido lançados a oeste da bolanha e nós posicionámo-nos a leste da mesma.

O objectivo era apanhar os elementos que estivessem em fuga da batida que as outras forças estavam a fazer, cada uma a entrar pelo seu lado. Estávamos bem escondidos, próximos da bolanha, junto a um carreiro que vinha de Antuane para Fran Roncante. Ficámos ali, toda a noite, sem termos visto ninguém a passar. Passaram perto da zona onde estavam os páras e ouvimos tiroteio nessa direcção.

Deslocámo-nos para a tabanca de Antuane, onde, conforme as instruções devíamos permanecer até a operação terminar. Quando avistámos as casas, abrimos em linha e avançámos, cautelosamente. Malas arrombadas e muitos objectos espalhados, foi o que vimos. Tinha sido a tropa que por aqui tinha passado, tinham devassado tudo, à procura de armamento. Ocupámos este local e mantivemo-nos lá durante dois dias [6], até que ao terceiro dia, fomos recolhidos e regressámos a Buba.

O tenente Saraiva quis aproveitar a nossa estadia em Buba, para fazermos outra operação. Descansámos uns dias e,  depois do tenente regressar de Bissau, onde tinha ido tratar dessa operação [7], preparámo-nos para a saída.

Era dia da festa dos carneiros e os milícias rejeitaram a ideia de saírem connosco nesse dia, por causa de ser um dia santo. Então, adiámos a saída dois dias, o que foi bom para nós porque aproveitámos para presenciar e gozar também a festa.

No dia combinado [8], logo pela manhã, pusemo-nos em marcha, de viaturas até Nhala, e aqui ficámos a aguardar a tropa que vinha de Quebo. Nós e esse pessoal deveríamos caminhar juntos até um certo local e aqui separávamo-nos e cada um seguia para o seu objectivo.

O pessoal de Quebo chegou por volta das 17h00 e duas horas depois, começámos a marcha. O nosso objectivo era a tabanca de Portugal e o da companhia [9] do capitão Lacerda era a tabanca de Canconte, que era maior. Segundo os planos, o pessoal de outra companhia ficaria encarregado de picar a estrada que ia para Incassol. Quando chegámos ao cruzamento para a tabanca de Portugal, o nosso grupo meteu para a esquerda, em direcção ao nosso objectivo. Eram mais ou menos 03h00 da madrugada, quando nos separámos da companhia que ia connosco.

Não havia a indicação sobre o lugar exacto onde ficaria o nosso objectivo. Evitando fazer barulho, caminhámos com muita precaução até ao meio da tabanca. Javalis que ali estavam, alarmados com a nossa chegada, levantaram-se todos de uma vez, com enorme barulho, até nós apanhámos um susto. 

Instintivamente, deixámos o caminho, entrámos pelo lado esquerdo, andámos sempre paralelos, até darmos com o objectivo. Devem ter ouvido também o barulho dos javalis, porque,  de repente, uma rajada de tiros passou por cima de nós. O yenente Saraiva, que ia à frente, atirou logo no sentinela, o Kássimo passou para a frente e eu era o terceiro do grupo. Depois passámos ao ataque, demos com um corpo caído, começámos a passar revista às casas e não descobrimos nada de interesse, para além da arma do sentinela.


(ii) Cozinhando um caldeirão cheio de arroz, 
óleo de palma e um pouco de piripiri

Nesta altura, deviam ser 06h00. Prosseguimos a marcha até uma tabanca grande, chamada Gã Maligue. Nesse momento, pela rádio deram-nos a indicação para nos mantermos naquele local até nova ordem, porque na nossa direcção vinha o pessoal da companhia do capitão Lacerda. Tínhamos ouvido tiroteio, que vinha da zona de Canconte, por onde eles andavam. Revistámos as casas de ponta a ponta. Encontrámos arroz, óleo de palma e sal e preparámos uma refeição.

O Tomás Camará e o Braima foram buscar água, eu arranjei um pote que estava ali e aproveitei para cozinhar um caldeirão cheio de arroz, óleo de palma e um pouco de piripiri. Tivemos comida para o dia todo. Para os europeus arranjei uma tigela, para os africanos um prato e para o Tenente Saraiva um prato só para ele. Os europeus não gostaram muito, comeram pouco, mas o tenente comeu o prato todo.

Chegou depois o capitão Lacerda e perguntou pelo Saraiva, que estava ali perto. Convidámo-lo também a provar o nosso arroz. Como o prato do tenente já estava vazio, enchemo-lo de arroz e o Sabali Camará, que era um soldado dele, deu-lhe o prato cheio. Ele comeu mas não gostou muito.

Continuámos no local, à espera de instruções, até às 17h00[10], quando recebemos ordem para retirar. Fomos para Incassol, que não era longe. Já ouvíamos o ruído das viaturas, mas andámos ainda cerca de uma hora. Então, o tenente Saraiva perguntou ao capitão se não seria melhor o nosso grupo ficar ali, a patrulhar a zona. Procurámos um local para passarmos a noite. E aqui vou contar uma pequena história que se passou comigo e com o Braima Bá, meu amigo e companheiro dos Comandos.

Quando eu, o cabo Tomás Camará e o Kássimo estávamos a arranjar um local para passar a noite, vimos o Braima procurar um lugar para ele, um pouco afastado de nós. Eu perguntei-lhe por que é que ele ia ficar tão longe de nós e foi então que ele veio para a nossa beira.

Estávamos a começar a dormir, começámos a ser atacados com morteiros. A primeira granada caiu perto de nós, mesmo no local onde o Braima esteva a procurar lugar para dormir. A granada causou-nos três feridos. O Aquino foi um deles, terminou aqui a carreira militar.

O pessoal de Buba começou a responder ao ataque, mas houve um azar. Um dos milícias, que estava connosco, disparou a bazuca contra um ramo de uma árvore grande, que estava mesmo à frente dele e os estilhaços da granada causaram-lhe morte imediata[11] e atingiram ainda vários outros companheiros.

Passámos a noite no local, até que de manhã chegaram helicópteros para procederem às evacuações. Regressámos em direcção às viaturas e chegámos a Buba ainda de manhã. Passámos lá o resto do dia, despedimo-nos dos companheiros e na manhã seguinte[13] regressámos de barco a Bissau.

(Continua)
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Notas do autor ou do editor (VB):

[1] Nota do editor: 11/12 abril de 1965.

[2] Um fula, que tinha abandonado a guerrilha e que, acompanhado de 10 pessoas, se apresentou às nossas tropas com dez armas.

[3] Nota do editor: Operação “Faena”.

[4] Nota do editor: zona do Batalhão Caçadores 513.

[5] Nota do editor: das CCav 703, CCaç 594, CMil 11 e Pel Fox 888.

[6] 11 e 12 abril 1965.

[7] Nota do editor: operação “Açor”.

[8] Nota do editor: 20 Abril 1965

[9] Nota do editor: CCav 703

[10] Nota do editor: 21 abril 1965.

[11] Nota do editor: o nome deste milícia não consta no obituário geral da guerra no Ultramar.

[12] Barrete fula. Eu preferia usá-lo porque a água da chuva, mesmo que fosse muita, não entrava e aproveitava para meter dentro dele o maço de cigarros e os fósforos.

[13] Nota do editor: 23 abril 1965.


[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]
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Nota do editor:

(*) Vd, poste anterior da série > 29 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23928: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XV: Op Ebro, março de 1965, ajudando o BCAV 490 a reocupar Canjambari