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sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22470: Meu pai, meu velho, meu camarada (66): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte IV


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Lazareto [?] > Novembro de 1941 > "Em diligência no paiol [?], eu e 30 colegas. Eu, ao centro”… Pormenor do grupo: ao centro. Luís Henriques está assinalado com um retângulo a amarelo. Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Num dos funerais que cá se realizou , ao passar nas salinas (?) em São Vicente. 1942. Luis Henriques" Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > No dia 15 de Fevereiro de 1942, os três amigos íntimos [, da direita para a esquerda,] Luís Henriques, António F. Delgado e José Leonardo... os três bigodinhos, à revelia do RDM,  querem é dizer que têm bigode... discreto, à Clark Gable (1901-1960)... [Eram três 1ºs cabos inseparáveis, todos da mesma companhia, sendo o José Leonardo, da Serra do Calvo, Lourinhã: emigrará depois para a América onde irá faleceu]. Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Duas secções [. Menos de um pelotão,] em diligência. No paiol, São Vicente, novembro de 1941. Luis Henriques". Foto: arquivo da família



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Duas secções [. Menos de um pelotão,] em diligência. No paiol, São Vicente, novembro de 1941. Luis Henriques". Pormenor da foto anterior: o 1º cabo inf Luís Henriques é o segundo a contar da direita para a esquerda. Foto: arquivo da família


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Novembro de 1941. "(Ao fundo, navio italiano) Para as refeições [ilegível] nos juntávamos todos os 30 [do pelotão]". [Ao lado esquerdo, um grupo de miúdos, à espera dos restos...]. Foto: arquivo de família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > 1941 > O primeiro Natal passado na ilha. Foto: arquivo de família.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


Lembrando, no centenário do seu nascimento,
 a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, 
o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte IV




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > 1941 > Luís Henriques.
1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5. unidade mais tarde
integrada no RI 2.  Esteve no Mindelo entre julho de 1941 e setembro de 1943.  
Foto: arquivo de família.



4.  Figura muita popular e querida da sua terra natal, Lourinhã, e ainda ali  lembrado com saudade, nasceu há 101 anos,  em 19 de agosto de 1920 e morreu com 91 anos, os últimos cinco dos quais passados no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, na Atalaia. Foi um pequeno empresário (sapateiro), seccionista e treinador de futebol de camadas jovens do SC Lourinhanse (, de que era,antes de morrer, o sócio nº 1). 

Devido à pandemia de Covid-19, a família e os amigos  tiveram  que adiar a singela homenagem que tencionavam fazer-lhe, no dia 22 agosto de 2020, no centenário do seu nascimento. Também não será ainda neste ano da (des)graça de 2021, que essa homenagem se fará. Mas a família, no próximo domingo, irá recordar, em cerimónia privada, a sua figura: faria ontem 101 anos, se fosse vivo. Vamos continuar a publicar uma série de postes que já preparados, há um ano,  sobre a sua história de vida,  para publicação no nosso blogue  (*)


 
O RI 23 foi constituído em Cabo Verde, na Ilha de S. Vicente, sob o comando do Brigadeiro Augusto Martins Nogueira Soares (Agosto de 1941 a Dezembro de 1944). Faziam parte deste regimento as seguintes unidades (**):

  • 1 Batalhão do RI 5 (Caldas Rainha) ( a que pertencia o Luís Henriques e outros camaradas, naturais do concelho da Lourinhã)
  • 1 Batalhão do RI 7 (Leiria)
  • 1 Batalhão do RI 15 (Tomar)
  • Bateria de Artilharia Costa 1
  • Bateria de Artilharia Costa 2
  • Bateria Artilharia Contra Aeronaves 9,4 cm
  • Bateria Artilharia Contra Aeronaves 4 cm
  • Bateria de Referenciação, a 2 Divisões
  • 2ª Companhia de Sapadores Mineiros do Regimento de Engenharia 2

Ao RI 23 pertenciam ainda os seguintes serviços de apoio:

  • Parque de Engenharia
  • Secção de Padaria
  • Depósito de Subsistências e Material
  • Laboratório de Análise de Águas
  • Hospital Militar Principal de Cabo Verde
  • Depósito Sanitário
  • Tribunal Militar

À semelhança dos Açores (cuja guarnição militar foi reforçada com 30 mil homens, bem como da Madeira, com mil homens), para a defesa de Cabo Verde, e sobretudo das duas ilhas com maior importância geoestratégica, a ilha de São Vicente e a ilha do Sal, foram mobilizados 6358 militares, entre 1941 e 1944, assim distribuídos por 3 ilhas (i) 3361 (São Vicente): (ii) 753 (Santo Antão); e (iii) 2244 (Sal).

Mais de 2/3 dos efetivos estavam afetos à defesa do Mindelo (, ou seja, do porto atlântico, Porto Grande, ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos).

Os portugueses, hoje, desconhecem ou conhecem mal o enorme esforço militar que o país fez, na época da II Guerra Mundial, para garantir a soberania portuguesa nos territórios ultramarinos. Cerca de 180 mil homens foram mobilizados nessa época.

Em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados. Quantas vezes me falava disso, o “meu pai, meu velho, meu camarada”... Ele, que simpatizava com os Aliados, falava-me da presença discreta dos alemães na ilha: chegaram a fazer um desafio de futebol com a tripulação de um navio alemão (, não posso afirmar se civil ou militar). E antes do reforço do nosso dispositivo de defesa da ilha de São Vicente e Santo Antão, o que só começa a ocorrer em meados de 1941, os submarinos alemãs eram com relativa frequência avistados ao la largo da ilha de São Vicente,e  das que estão mais próximas (Santo Antão, São Nicolau mas também Santiago) (Vd. Adriono Miranda Lima - Forças Expedicionárias  a Cbo Verde na II Guerra Mundial, edião de autor, Tipografia S. Vicente, Mindelo, 2020,  pp. 105 e ss.)

No Mindelo, tal como em Lisboa, havia espiões de um lado e do outro, alemães, italianos, ingleses, portugueses... E terá sido nesta época de fome, de guerra e de desgraça que se começou a desenvolver o nacionalismo cabo-verdiano que estará na origem do futuro PAIGC, fundado e liderado por Amílcar Cabral (a partir de 1956).

Só havia “vapor” (barco), com mantimentos e correio, de dois em dois meses… A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o furriel miliciano Caxaria, o Jaime Filipe, ambos da Atalaia, o Boaventura Horta, da Lourinhã, o Leonardo, da Serra do Calvo, e outros, que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44). 

Todos, infelizmente, já falecidos, o último, o António Caxaria, com 102 anos (**)... Já há não sobreviventes dessa geração... Para mais, foi uma geração sem cronistas. É uma pena que as suas memórias desapareçam com a sua morte física, a  morte física nossos pais, últimos soldados do império tal como nós... Mas todos eles trouxeram consigo algumas lembranças da ilha, e nomeadamente fotografias do célebre estúdio Foto Melo... 

Enfim, estas pequenas histórias que aqui se deixam, do Luís Henriques e outros "expedicionários",  fazem parte da história comum de Portugal e Cabo Verde (**)...

Numa época de elevado analfabetismo (, mais de 40% dos homens no grupo etário dos 20-24 anos, em 1940, eram analfabetos!), o Luís Henriques sacrificava, com gosto, os seus tempos livres, escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa (!) de alguns dos seus camaradas, dos seus nomes completos e até das moradas (!) para onde enviava as cartas.

Em nome do Fortunato Borda d'Água, do Cercal, Azambuja, por exemplo, chegava a escrever 22 cartas por semana... O Fortunato tinha duas namoradas, uma morena e outra loura, "uma que chorava ao pé da mãe dele, e outra que se ria, em plena rua" (sic)... O meu pai um dia teve que o ajudar a decidir-se:

- Ó Fortunato, afinal de quem é que tu gostas mais ? Com quem queres casar, quando voltares à terra ? Quem é que vai a ser a mãe dos teus filhos ? A que se ri, na rua, ou a que chora no ombro da tua mãe ?...

- Ó Luís, claro que é da que chora np ombro da minha mãezinha...que eu gosto mais.

Durante anos, visitaram-se mutuamente.

Lembrava-se também dos nomes e de algumas histórias dos seus oficiais, alguns, bem “prussianos, militaristas, germanófilos”, de acordo com figurino da época, um deles herói da Guerra de Espanha, "com as pernas todas furadas por balas" (sic)...

Lembrava-se até dos resultados dos renhidos torneios de futebol e de voleibol que se realizavam no Lazareto, entre o Mindelo e o Monte Cara, entre tropas de diferentes subunidades... e em que ele participava. 

Claro, lembrava-se das praias e dos tubarões, dos navios, e até dos espiões (que lá também os havia, como em Lisboa, ao serviço de um lado ou do outro das potências beligerante)... E a chegada de qualquer navio era uma festa, tanto para os expedicionários como para os naturais da ilha...Chegou a ir a bordo de um navio da marinha mercante para estar com um vizinho, membro da tripulação, que era natural de uma povoação vizinha da Lourinhã (, Atougia da Baleia, se não erro).

Ia a missa aos domingos, como bom católico. E tinha uma menina, uma "Bia", que gostava dele, encontravam-se na igreja de N. Sra. Luz... O sonho das raparigas da ilha era arranjar um namorado metropolitano e sair daquela miséria...

Tinha o bom hábito de ler. Tinha uma bela caligrafia e uma escrita com desenvoltura. Fez a 4ª classe com 9 anos, e começou logo trabalhar. Era bom em números... No Mindelo, escreverá centenas e centenas de cartas, em nome daqueles que na época (e eram muitos...) não sabiam ler e escrever... Escrevia uma média de 20 e tal cartas por semana...

Muitas vezes eram os próprios rapazes cabo-verdianos, engraxadores de rua, escolarizados, alguns estudantes do liceu Gil Eanes (o único que havia nas ilhas, e cujo reitor era um professor goês, culto...) que liam as cartas recebidas pelos expedicionários, metropolitanos, analfabetos... Que triste ironia!... 

Para mais numa época de pavorosa seca e epidemia de fome que roubou a vida a milhares de cabo-verdianos (cerca de 25 mil) (**)... Apesar de menos sentida na ilha de São Vicente do que nas outras ilhas, a fome foi também aqui mitigada graças à solidariedade dos "nossos pais, nossos velhos, nossos camaradas"...

Mas, coisa linda e fantástica, os ex-expedicionários de Cabo Verde desta época continuaram a encontrar-se durante muitos e muitos anos, até à década de 1990... O meu velhote costumava ir aos encontros do 1º Batalhão do RI 5, nas Caldas da Rainha... até que as pernas começarem a fraquejar  e a maior parte deles, dos seus camaradas, acabou por morrer.  O António Caxaria  costumava dar-lhe boleia,de carro (***). 

O mesmo se passava com os outros regimentos: RI 7 (Leiria), RI (11 (Setúbal), RI 15 (Tomar)... Cabo Verde ficou-lhes no coração para sempre...

Capa do romance de Manuel Ferreira (1917-1992), que fazia parte da exposição comemorativa
do 1º centenário do escritor Manuel Ferreira (1917-1992), também ele expedicionário em São Vicente, neste período, com o posto de furriel miliciano


O autor de "Hora di Bai" (1962) era natural da Gândara dos Olivais, Leiria, onde tenho amigos e familiares que o conheceram em vida. Morreu em Linda a Velha, Oeiras.

Expedicionário do RI 7 (Leiria), o fur mil Manuel Ferreira (1917-1992), futuro capitão SGE e escritor, conheceu, no Liceu Gil Eanes, aquela que virá a ser a sua muher e mãe dos seus filhos, também ela escritora, notável contista, Orlanda Amarílis (1924-2014). Ambos frequentavam este liceu. Orlanda era colega de turma do Amílcar Cabral (1924-1973) ... A família de Amílcar Cabral mudou-se para o Mindelo em 1937: é de todo provável que nos dois anos e tal que lé esteve, entre julho de 1941 e setembro de 1943, o meu pai se tenha cruzado com o futuro dirigente do PAIGC.

Manuel Ferreira acabou por ficar seis anos no Mindelo (1941-1947) e ser um dos cofundadores e animadores da revista literária "Certeza" (1944), de vida efémera mas com grande impacto na vida cultural da ilha.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Dia 14 de agosto [de 1942], data gloriosa para a nossa gente lusa (Aljubarrota). Recordando essa data em Mindelo com o içar da bandeira nacional junto ao liceu Gil Eanes e marchando o regimento de infantaria 5 nas ruas da cidade". Foto: arquivo de família.

É um edifício com história, hoje conhecido como Liceu Velho... A elite do Mindelo passou por aqui... O liceu Gil Eanes (antes, Infante Dom Henrique) funcionou aqui de 1938 a 1968. A sua construção data de meados do séc. XIX. Teve vários usos, além de estabelecimento de ensino, foi quartel e correios...



A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram milhares e milhares de mortos (inspirando o romance de Manuel Ferreira (1917-1992), “Hora di Bai”, publicado em 1962), tiveram impacto na consciência de bom português, bom cristão e bom lourinhanense, que era o 1º cabo Luís Henriques. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreria, de fome e de doença, em meados de 1943.

Ainda se comovia, passados tantos anos, ao dizer-me que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (c. de 16$00) - na altura, estava hospitalizado -, para ajudá-la nas despesas do enterro. 

Lembro-me de ele me dizer que um 1º cabo, em comissão em Cabo Verde, ganhava na época qualquer coisa como 130$00 por mês... De volta à metrópole, não terá mais do que 200$00 ou 300$00 no bolso. Para ele o dinheiro “nunca foi fêmea”...

Para se ter um ideia do valor do dinheiro nessa época de racionamento alimentar e especulação de preços dos géneros mais essenciais, podemos acrescentar o seguinte: 

(i) um quilo de bacalhau, em 1943, no Porto, custava 10$40, preço tabelado, ou 16$00, no mercado negro; 

(ii) um quilo de arroz, em 1941, na Guarda variava entre os 2$80, preço tabelado, e os 4$00, no mercado negro; 

(iii) o preço de um litro de azeite, em 1941, na Guarda, variava entre os 7$50 (azeite corrente) e os 8$50 (azeite extra), mas no mercado negro os preços podiam atingir 3, 4 ou 5 vezes mas;

(iv) um assalariado agrícola, na década de 1950, dez anos depois, não ganhava mais do que 20$00.

Numa população, como a do Mindelo, que não devia ultrapassar os 15 mil habitantes, a passar por graves problemas como o desemprego crónica, a seca, a fome e a emigração forçada, a presença de mais de 3300 “expedicionários” na ilha, entre 1941 e 1944, teve um grande impacto, com aspetos positivos e negativos (Vd. o livro do nosso camarada Adriano  Lima, 2020)(**). Manuel Ferreira, por ex., refere o seguinte, no seu livro “Morabeza” (1ª edição, 1958):

“Durante a última guerra, com a presença da tropa, o ritmo da vida do arquipélago, em muitos aspetos foi alterado, e daí terem surgido várias mornas alusivas a factos que mais chocaram a população, principalmente a de São Vicente [B.leza, pseudónimo de Xavier Cruz, compôs uma morna intitulada “punhal de vingança” onde refere que as moças agora só se encantam com “furrié”]. [p. 30]

 [ Citado por João Serra, in: 4 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17507: Memória dos lugares (361): Mindelo em plena II Guerra Mundial, visto por Manuel Ferreira (1917-1992) (João Serra). Disponível em https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2017/06/guine-6174-p175007-memoria-dos-lugares.html   ]

(Continua)
__________


Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

22 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21282: Meu pai, meu velho, meu camarada (65): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte III


(**) Vd. também:

14 de junho de  2021  > Guiné 61/74 - P22279: Notas de leitura (1361): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", de Adriano Miranda Lima; Março de 2020, Edição de Autor (Mário Beja Santos)

11 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21346: Notas de leitura (1306): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", livro de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, 2020, 241 pp.): a história escrita com paixão, memória e coração (José Martins)

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22279: Notas de leitura (1361): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", de Adriano Miranda Lima; Março de 2020, Edição de Autor (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Este livro chegou-me através de um jornal de Tomar onde colaboro, é uma narrativa marcada pela ternura, pelos bons afetos gerados por aqueles jovens que no auge da II Guerra Mundial arribaram numa cultura que os deve ter surpreendido pelas afinidades existentes com a nossa como pelo abismo das diferenças. Face ao contexto em que operaram estas Forças Expedicionárias, o autor é meticuloso a despeito de dizer sempre que não está a fazer historiografia, socorre-se de um acervo fotográfico impressionante, e aí entra o nosso blogue, o Luís Graça mimoseou-o com o acervo que dedicou à memória do seu pai, um dos atores presentes num dos períodos de calamidade mais devastadores que o arquipélago conheceu. E conta-se como as unidades militares e o corpo de profissionais de saúde tanto ajudou aquelas populações em calvário. Uma terna narrativa de cuja leitura só temos a ganhar.

Um abraço do
Mário



Forças expedicionárias em Cabo Verde (1941-1944):
Guerra não houve, a solidariedade foi grande com as horríveis secas, devastadoras


Mário Beja Santos


Adriano Miranda Lima, Coronel Reformado do Exército Português, nascido em S. Vicente de Cabo Verde, publicou em edição de autor, março de 2020, uma obra dedicada às Forças Expedicionárias que de 1941 a 1944 cumpriram missão em Cabo Verde, sob o espetro de uma invasão num ponto geoestratégico de grande importância para o Eixo e para os Aliados. (*)

O seu trabalho é dedicado à memória dos 24.473 cabo-verdianos que morreram por fome no arquipélago nos anos 1941, 1942 e 1943; e também à memória dos 68 militares das Forças Expedicionárias que morreram por doença e acidente, no período da II Guerra Mundial. Cabo Verde e Tomar estão no coração do autor. 

Até alguns anos atrás, principalmente soldados, cabos e furriéis tomarenses promoviam convívios para recordar aqueles tempos da sua mocidade. O Regimento de Infantaria 15 foi uma das unidades-mãe de forças militares integrantes daquela missão. 

Sendo cabo-verdiano de origem, Adriano Miranda Lima foi designado como elemento de ligação com as comissões de convívio dos antigos militares expedicionários. Não esconde a carga afetiva e emocional que envolveu o seu trabalho, dedicará parágrafos muito belos à solidariedade com os cabo-verdianos flagelados por temíveis secas. Meticuloso, exprime gratidão com quem lhe estendeu a mão para fornecer elementos. Concretamente, manifesta-se devedor ao Luís Graça e ao blogue (escreve: “Considero-o o mais completo e mais conseguido reportório nacional das memórias e experiências pessoais sobre a guerra colonial”), sobretudo graças às memórias sobre Luís Henriques, antigo expedicionário a Cabo Verde integrado no 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 5.

Começa por nos dar o quadro da decisão de Salazar e o seu governo, naquele contexto de neutralidade colaborante em mostrar às potências em conflito, tendo também presente que a Batalha do Atlântico tinha como cenário as ilhas atlânticas portuguesas, de enviar efetivos para os Açores, a Madeira e Cabo Verde. As forças mobilizadas para a Madeira foram pouco expressivas, 30 mil homens para a defesa dos Açores e mais de 5 mil homens para Cabo Verde. Estava dado o sinal de qualquer antecipação a apetências germânicas ou aos avisos norte-americanos de que aquelas ilhas de Cabo Verde podiam ter um papel crucial no desfecho da guerra.

Comprou-se material no Reino Unido (peças de artilharia, jogos para plataformas e munições respeitantes à artilharia de costa). Em 1941, foi criada na cidade de Mindelo uma Bataria de Artilharia de Costa e em fins de agosto do mesmo ano foi transferida para a mesma cidade a Sede da Repartição Militar. Mobilizaram-se várias unidades, e é assim que aparece o 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 15, foi nomeado comandante do Comando Militar de Cabo Verde o Brigadeiro Nogueira Soares, que estará no arquipélago em funções deste agosto de 1941 até dezembro de 1944. 

O autor dá-nos a relação das diferentes unidades (batalhões expedicionários, batarias de artilharia e um bom conjunto de unidades de apoio) que irão estacionar no Mindelo, em Santo Antão e na Ilha do Sal. O Batalhão Expedicionário de Infantaria 15 parte fracionado em três contingentes entre outubro de 1941 e janeiro de 1942, ficarão em Santo Antão e no Mindelo. É bem curiosa a imagem do transporte dos contingentes entre o navio Colonial e o cais de desembarque, não havia cais acostável, houve que se recorrer às enormes lanchas que eram normalmente usadas nas descargas de carvão das companhias carvoeiras.

O comandante que partiu de Tomar era o Major Nicolau de Luizi, que falecerá no ano seguinte, por doença. O material usado era predominantemente constituído por: metralhadoras de origem alemã, dinamarquesa e italiana, espingardas Mauser (de origem alemã), peças antiaéreas suecas, morteiros franceses. As Forças Expedicionárias arribam no arquipélago quando este está a ser assolado por uma prolongada estiagem, uma seca mortífera que matou aqueles milhares de pessoas, ficando por classificar os que se salvaram pelo humanitarismo de militares e unidades de saúde vindas de Portugal. Houve que instalar oficiais e sargentos em casas particulares e pensões e criar abarracamentos para as praças. No meio daquele deserto árido apareceram as habitações com arruamentos onde não faltou a graça de pôr nomes tomarenses, como Rua Direita ou Rua da Calça Perra ou Rua dos Estaus e mesmo no centro do aquartelamento a Praça da República. Importa nunca esquecer que o Coronel Adriano Miranda Lima é cabo-verdiano de nascimento, mas sente-se agora medularmente tomarense.

Adriano Miranda Lima insere um conjunto apreciável de imagens com cenas do quotidiano, mostrando instalações de artilharia, as diferentes atividades militares, o tipo de relacionamento entre militares e civis, mostra episódios de aparecimento de submarinos e até mesmo temos direito a conhecer uma cena de espionagem feita a favor dos Serviços Secretos Britânicos, os radiotelegrafistas tinham intercetado interferências, veio-se a descobrir uma antena estendida no telhado de uma casa, foram detidos um comerciante e a sua mulher, encontrou-se um moderno recetor/transmissor instalado numa mala.

Como é evidente, o armamento disponível pelas Forças Expedicionárias não daria para resistir a um ataque vindo de cruzadores de batalha ou couraçados, completamente desigual o armamento utilizado pelas forças navais alemães, pelo menos até 1942. Descreve-se o plano de defesa para as diferentes unidades estabelecido pelo subsecretário de Estado Santos Costa e posto em prática pelo comando das Forças Expedicionárias. Dá-se realce ao papel desempenhado pelas transmissões e fica-se a saber que no final da guerra alguns dos radiotelegrafistas formados no Exército ficaram na corporação, mas a grande maioria foi para a Marinha Mercante Portuguesa ou para países como os EUA, o Canadá, o Reino Unido e a França.

Relevam-se efemérides, cerimónias e atividades festivas, não faltaram torneios de futebol e lembra-se que foi a comunidade inglesa de S. Vicente (pertencente às companhias carvoeiras e à exploração de Western Telegraph Company) que introduziu o futebol em S. Vicente e daqui para as outras ilhas. Lembra-se o desempenho dos profissionais de saúde, e numera-se os que faleceram por doença, caso do já referido Major Nicolau de Luizi. O autor visitou o cemitério do Mindelo onde estão campas dos seus familiares e depois dirigiu-se ao talhão militar português, junta-se imagem da homenagem feita pelos Presidentes da República e Primeiros-Ministros de Portugal em 10 de junho de 2019.

Inevitavelmente, fala-se dos anos terríveis da seca e faz-se uma citação de um vendaval na Ilha do Fogo extraída do romance de Teixeira de Sousa Ilhéu de Contenda: “Quando clareou o dia, a lestada já havia amainado. Eusébio saiu a averiguar os estragos. A verdura que na véspera cobria as achadas, os cutelos, as ribeiras, transformou-se da noite para o amanhecer num emaranhado de hastes e folhas ardidas. O milheiral que tanto prometia, as faquetas arremangadas prometendo fartura, encontravam-se agora alastrados no chão, de mistura com as cordas de abobreira e caules de feijoeiro. As árvores pareciam aves depenadas, os galhos contorcendo-se de desespero. O vento leste queimara tudo. Nada, positivamente nada, restava com o viço da véspera”.

E dá-se conta do modo como se procurava ajudar os esfaimados e os doentes e se fala do comportamento exemplar do médico Baptista de Sousa, um caso excecional de solidariedade que lhe valeu um cortejo de despedida como talvez não tivesse havido igual em Cabo Verde. Com ternura se lembra os convívios dos tomarenses a que não faltou um octogenário muito dinâmico, Francisco Lopes, o Chico da Concertina. E o autor despede-se de todos estes militares cuja memória da estadia em Cabo Verde perdurou até ao fim. Uma bela narrativa de que os tomarenses se devem orgulhar, também.

O leitor interessado encontrará um apreciável número de imagens do nosso blogue, amavelmente cedidas pelo filho do primeiro cabo Luís Henriques que tão carinhosamente aqui homenageou o seu pai.

10 de junho de 2019, Homenagem aos Militares das Forças Expedicionárias Portuguesas em Cabo Verde na Segunda Guerra Mundial, Presidentes da República de Portugal e Cabo Verde e respetivos primeiros-ministros

Peças antiaéreas em Alto Bomba, São Vicente (fotografia de 1943, publicada no blogue "Luis Graça e Camaradas da Guiné")
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Notas do editor

(*) - Vd poste de 8 DE SETEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21336: Agenda cultural (756): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", de Adriano Miranda Lima: o livro pode ser adquirido a 12 € por exemplar, incluindo portes de correio

O livro pode ser adquirido através do email do Coronel Adriano Lima: limadri64@gmail.com

Último poste da série de 7 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22262: Notas de leitura (1360): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (4) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22262: Notas de leitura (1360): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Lawrence James está muito longe de ter agido corretamente connosco, o que diz sobre o Império Colonial Português em África é residual e deformante. Chega ao cúmulo de reduzir a luta armada ao que se passou em Angola e Moçambique. Detém uma visão bem ampla no estudo a que procedeu sobre a Grã-Bretanha e a França, é muito mais parcimonioso com a Alemanha e a Bélgica, truculento com a Espanha e trata acessoriamente, insiste-se, as colónias portuguesas, cinge-se às duas principais. Mas o documento produzido tem o mérito incontestável de abarcar os dois séculos determinantes da ocupação e retirada, e é por esse caráter divulgativo que consideramos que merece ser lido.

Um abraço do
Mário


“Impérios ao Sol, A Luta pelo Domínio de África”, por Lawrence James (4)

Beja Santos

“Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James, Edições Saída de Emergência, 2018, põe em imenso ecrã as ambiguidades deste conceito de progresso e de missão civilizadora e de ocupação que se forjou a partir de 1830, aproximadamente; desvela uma luta sem quartel para tomar posse de domínios por todo o continente, entre 1882 e 1918, no Egito e no Sudão, na África Austral, no Congo, em combate religioso; assistimos à ascensão dos nacionalismos, a presença de contingentes africanos em duas guerras mundiais para medir as consequências do que se seguiu, aproveitando a boleia da Guerra Fria; e de 1945 a 1990 o continente africano foi mudando de look, todos os povos se encaminharam para a independência; e assim chegamos aos últimos dias da África branca.

Lawrence James explica de uma forma cativante como a II Guerra Mundial marcou o início do fim dos impérios coloniais europeus. Tudo oscilou e mesmo muita coisa desapareceu. A Itália deixou de ser uma potência colonial. A Grã-Bretanha saiu bem da guerra mas não tinha ilusões de que a morte dos impérios europeus estava a caminho. Nas eleições gerais de julho de 1945 o Partido Trabalhista ganhou as eleições graças a um programa que também prometia a independência para a Índia, Birmânia e Ceilão e “previa progressos” para as colónias. A penetração económica dos EUA em África foi o prelúdio do seu envolvimento na política do continente. O facto de ter havido terríveis combates no Norte de África redefiniu os sentimentos destas populações, Argélia, Tunísia, Líbia, Somália e Eritreia, Etiópia, Marrocos, o facto de ter havido centenas de milhares de africanos a combater, tudo fez gerar um sentimento de mudança. Com diferentes matizes, emergiu um novo espírito, soldados que regressavam a Tanganica ou à Rodésia do Sul queriam empregos mais bem remunerados, casas melhores, tinham comparado os seus modelos de consumo com os norte-americanos e os europeus.

A URSS continuava predisposta a apoiar movimentos revolucionários em África, isto quando o nacionalismo africano começa a triunfar, logo na Costa do Ouro com Nkrumah. Recorde-se que o comunismo foi responsabilizado pela revolta dos mau-maus no Quénia, em outubro de 1952, não obstante as provas extremamente inconsistentes reunidas pelos Serviços de Informações. Em Londres, em 1954, havia já previsões para a concretização das independências da Federação Centro-Africana (Niassalândia e Rodésia do Norte e do Sul), Serra Leoa, Uganda e Tanganica. A França tinha igualmente o sentimento de que se impunham grandes mudanças na África Ocidental. O Congo será o barril de pólvora, mudará tudo na África Austral, começará por envolver Angola e iniciar a luta pela independência na mais próspera das colónias portuguesas.

No Norte de África, o Coronel Nasser torna-se numa figura influentíssima, uma dor de cabeça para os norte-americanos e um aliado de Moscovo, cria um Estado laico, trava brutalmente a influência da Liga Muçulmana. Em 1954, Kruchtchev decidiu que os soviéticos iriam concorrer com os EUA na corrida para colmatar o crescente vazio de poder deixado pela Grã-Bretanha e pela França, não só em África como na Ásia, aproveitar-se-á de insucessos como o fracasso do Suez. A URSS ajudou o Egito, forneceu-lhe imenso equipamento militar, mas que foi insuficiente para que o Egito não sofresse uma tremenda derrota na Guerra dos Seis Dias, 286 dos 340 aviões fornecidos pelos russos ficaram em sucata. O sucessor de Nasser, Sadat, trocou de alianças, afastou progressivamente os soviéticos e asfixiou a oposição comunista, financiada pelo KGB e pela Liga Muçulmana. Entrava-se num regime assente em homens-fortes que se prolongou até 2013.

A guerra da Argélia foi o acontecimento colonial mais traumático para a França e Lawrence James explica com detalhe tudo quanto aconteceu.

A Guerra Fria seguia o seu rumo, como o autor explica:
“Tanto os EUA como a URSS precisavam da cooperação obediente dos novos Estados africanos: os seus votos eram preciosos na ONU, representavam mercados de exportação em crescimento e, acima de tudo, eram uma fonte de matérias-primas estratégicas e vitais, como o cobalto e os diamantes. Nenhuma das duas potências desejava governar diretamente os territórios africanos, preferindo superintender os assuntos de Estados soberanos através da persuasão e de ofertas de ajuda aliciantes. Com vista a controlar África, ambas inundaram o continente com legiões de conselheiros políticos, económicos e militares, técnicos e especialistas nos frequentemente sinistros mistérios da ‘segurança’, que ajudavam a manter os tiranos africanos no poder. As artimanhas soviético-africanas eram acompanhadas por tentativas, em grande medida pouco convincentes, para garantir a superioridade moral. As duas potências denunciavam, publicamente, os antigos impérios coloniais europeus, no âmbito das suas campanhas de propaganda destinadas a controlar a mente dos africanos. O capitalismo e o comunismo eram promovidos como escolhas que, se fossem adotadas, trariam a prosperidade e o progresso às nações pobres.”

E o autor faz um outro comentário que deve ser tido em conta:
“Os Estados de partido único e os ditadores autocráticos da direita e da esquerda necessitavam ainda mais de agentes secretos do que os seus antecessores do tempo da Era Imperial, pois viviam sob a ameaça permanente de revoltas e golpes militares. Estas condições e o comportamento dos que com ela prosperavam explicam por que razão, na década de 1960, quando a Royal Shakespeare Company realizou uma digressão por África, Macbeth e Ricardo III foram as produções mais populares e mais apreciadas.”

Caminhando para o final da obra, Lawrence James disseca cuidadosamente tudo quanto se passou no Congo e na Rodésia, no primeiro caso o drama da fragmentação de um dos países mais ricos do mundo aparece como uma calamidade enquanto a Rodésia se tornou num compasso de espera que levou a prazo ao fim da supremacia branca. Foram necessários mais de 30 anos de guerras intermitentes para derrubar a supremacia branca na África Austral. Tudo começou em Angola e terminará em 1990 com a ascensão de Nelson Mandela. Comprovadamente, Lawrence James não estudou a fundo o Império Colonial Português nem as suas lutas de libertação, liga o que se passou em Angola e Moçambique como as duas e únicas peças da sua retirada, explicação manifestamente ignorante e grosseira, espero que o editor português lhe faça o reparo porque o mais grave de tudo teve outro nome: Guiné. Seja como for, o autor dá-nos uma boa lambuzadela sobre os conflitos angolano e moçambicano, o que se passou na Rodésia e depois na África do Sul.
E conclui assim:
“A transição para uma democracia multirracial iria exigir paciência e tolerância a todos os envolvidos. Os objetivos foram alcançados com sucesso, pois, como bem sabiam De Klerk e Mandela, a alternativa era uma guerra civil racial e a anarquia. Este medo dominava o espírito de todos e os africanos reagiram bem aos apelos à tolerância e ao perdão feitos por Mandela, assim como à sua visão de uma África do Sul unida, justa e próspera. Em 1994, o ANC venceu as eleições gerais e, desde então, o país tem vivido num equilíbrio frágil.
A luta pela supremacia na África Austral terminara; a partir de então, os africanos passaram a ser responsáveis por tudo o que lhes diz respeito. Resta saber se este foi, ou não, um final feliz.”

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22242: Notas de leitura (1359): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22242: Notas de leitura (1359): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Na trajetória desta recensão ouvir-se-á falar na supremacia branca e nas doutrinas da inferioridade negra, no exato momento em que certas potências coloniais vão recrutar em África forças militares que eram consideradas destemidas e ferozes, serão muito úteis nas guerras mundiais que se seguirão. África foi um teatro de guerra e um reservatório de combatentes. O autor lembra-nos que pouco antes do início do conflito Londres e Berlim caminhavam para um acordo para retalhar Angola e Moçambique a seu favor. A I Guerra Mundial fez ascender o nacionalismo, o Egito tornou-se no farol das independências. No prelúdio da II Guerra Mundial, aspirava-se a novos impérios, Mussolini e Franco foram bons exemplos. As correntes a favor da independência foram minoritárias até à II Guerra Mundial, a partir de 1945, ninguém ignorava que se tinham levantado novos ventos.
Tudo começara em 1941, na Carta do Atlântico Roosevelt deixava bem claro que os velhos impérios iriam ter curta vida.

Um abraço do
Mário


“Impérios ao Sol, A Luta pelo Domínio de África”, por Lawrence James (3)

Beja Santos

“Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James, Edições Saída de Emergência, 2018, põe em imenso ecrã as ambiguidades deste conceito de progresso e de missão civilizadora e de ocupação que se forjou a partir de 1830, aproximadamente; desvela uma luta sem quartel para tomar posse de domínios por todo o continente, entre 1882 e 1918, no Egito e no Sudão, na África Austral, no Congo, em combate religioso; assistimos à ascensão dos nacionalismos, a presença de contingentes africanos em duas guerras mundiais para medir as consequências do que se seguiu, aproveitando a boleia da Guerra Fria; e de 1945 a 1990 o continente africano foi mudando de look, todos os povos se encaminharam para a independência; e assim chegamos aos últimos dias da África branca.

O africano, no momento exato em que se consolidavam os impérios europeus, ocupava um escalão inferior nos conceitos raciais. Inventaram-se as mais estrambóticas “doutrinas” para justificar estas considerações sobre o indígena ou autóctone: imperfeições genéticas, indolência, superstição, canibalismo, até a promiscuidade sexual. Serão postas em prática pseudodoutrinas antropológicas, medição da caixa craniana e das linhas do rosto, por exemplo. Depois, veio o assombro pelas manifestações da arte: estátuas, placas de bronze, máscaras, ourivesaria. Não chegou para demover o racismo, continuou-se a justificar o corte de mãos e de narizes e o chicote.

Retenha-se que estamos a caminho do nacionalismo chauvinista, instaurara-se a supremacia branca e a paranoia da pureza racial. O que os colonialistas admiravam era poder usar a ferocidade de africanos nas tropas. Em 1912, a França alargou o recrutamento militar obrigatório à Argélia e à África Ocidental como primeiro passo para a criação de um exército africano para servir na Europa.

A questão sexual também será motivo de estudos, muitos artistas sentir-se-ão atraídos pelos temas do harém, das odaliscas, as paixões românticas. Em contrapartida, hábitos e influências de origem europeia ir-se-ão difundindo por toda a África, os seus mediadores serão os membros da classe média negra da África do Sul e o funcionalismo africano.

África e as suas riquezas não foram a questão central que levou à eclosão da I Guerra Mundial, os Impérios Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria e Turquia) e os Aliados (Grã-Bretanha, França e Rússia) disputavam influências mundiais, precisavam de cereais, de petróleo, em primeiro lugar. E precisavam de gente para combater, que foram igualmente buscar a África, num cenário de guerra total. A Grã-Bretanha, a França e a Alemanha recrutaram mais de dois milhões de africanos, queriam reforçar os seus exércitos na Frente Oriental e no Próximo Oriente. Senegaleses e argelinos combateram em Gallipoli, milhares de fellahin egípcios foram recrutados para defender as bases e linhas de comunicações britânicas. África foi um teatro de guerra, a Alemanha estava numa posição fragilíssima, não podia contar com a sua Marinha de guerra, as parcelas coloniais estavam entregues à sua sorte e em 1916, os Camarões, a Togolândia e o Sudoeste Africano estavam em poder dos Aliados. O que restava do Exército Alemão nos Camarões retirou-se para a pequena colónia espanhola do Rio Muni. O autor recorda que nos meses que antecederam a deflagração da guerra os governos britânicos e alemão haviam discutido entre si a repartição das colónias portuguesas.

As campanhas em África foram bem planeadas. As forças alemãs opuseram uma forte resistência em todas as suas colónias, distinguiu-se na África Oriental o General Paul von Lettow-Vorbeck cujas colunas invadiram Moçambique e a Rodésia do Norte.

E não se pode iludir que a guerra no Norte de África e na África Ocidental estava imbuída de uma forte componente ideológica, guerra religiosa, o forte sentimento nacional egípcio, a manipulação de árabes contra turcos. Com tanta participação numa guerra mundial que não lhes pertencia, foi fermentando o nacionalismo, recorde-se que no tempo da guerra entravam em propulsão o comunismo, o fascismo e o nazismo, as democracias parlamentares apareciam desacreditadas. Hitler não sonhava com África, limitou-se a examinar o projeto que podia levar à expulsão de todos os judeus da Europa para Madagáscar; Mussolini queria um império à porta, a Líbia, a Abissínia e a Somália e o comunismo soviético encarava o africano como um potencial revolucionário. Estas novas ideologias foram invadindo uma África que possuía uma nova cartografia depois do confisco das colónias alemãs.

O Egito apareceu na vanguarda da independência, encontrou pela frente a intransigência britânica. Só que o exemplo do Egito foi uma inspiração para os nacionalistas indianos. Apareceram de forma incipiente movimentos nacionalistas em Marrocos e na Argélia, o Islão era um aliado desses movimentos. Os senegaleses começaram a manifestar-se, o movimento pela independência encontrou figuras de proa em George Padmore, natural da Trindade, Jomo Kenyatta e mais tarde Nkrumah (Costa do Ouro), Julius Nyerere (Tanganica), Lamine Senghor (Senegal), Kenneth Kaunda (Rodésia do Norte), Nnamdi Azikiwe (Nigéria) e Hastings Banda (Niassalândia), todos eles educados em missões. O embate foi inevitável, as forças imperiais sabiam que tudo mudara, estes movimentos eram minoritários, a independência total parecia distante. Só que uma nova Guerra Mundial acelerou as mentalidades, o processo imperial entretanto estava a viver más experiências. Primeiro a Espanha, perdera praticamente todo o seu império, lançou-se numa atividade colonial em Marrocos, em 1904 Espanha e França acordaram secretamente em partilhar Marrocos, com os franceses a ganhar. 

É aqui que se vai estrear Francisco Franco, daqui partirá logo no início da guerra civil de Espanha, em 1936. É bem interessante o capítulo que Lawrence James consagra a esta força marroquina e a estes oficiais devotos e reacionários que ficarão à espreita de uma oportunidade para entrarem em guerra com os republicanos. Franco sonhava com um império colonial. “Em 1940, solicitou aos alemães que lhe cedessem a Córsega, a Tunísia, o Djibuti e as bases navais de Toulon, Ajaccio e Mers-el-Kébir, na costa argelina, planeando invadir o Sudão e a Somalilândia britânica”. Pretensões que deixaram Hitler indiferente, tais como as de Mussolini, que pretendia anexar o Quénia, o Egito, a Nigéria e a Libéria. Não menos interessante é o capítulo que o autor dedica a África das vésperas da guerra. E assim chegamos a uma guerra que quando findou em 1945, deixara os africanos numa expetativa de liberdade, tinham andado a combater a favor da liberdade dos europeus e da sua independência, e em prol dos valores democráticos, queriam o mesmo para si. E vão tê-lo.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22221: Notas de leitura (1358): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 25 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22034: Memória dos lugares (419): Ilha do Sal, ao tempo da CART 566 (17/10/1963 - 25/7/1964) (José Augusto Ribeiro, 1939-2020)


Brasão da CART 566, "Bravos e Sempre Leais" 
(Ilha do Sal, Cabo Verde, e Olossato, Guiné, 1963/65), "



1. Reproduzimos, agora com melhor resolução, um texto já antigo (*) do nosso saudoso José Augusto Miranda Ribeiro, falecido há 3 meses (**), e que foi fur mil at art, CART 566, tendo estado  9 meses na Ilha do Sal, antes de ser colocada no Olossato, região do Morés, Guiné.  

O texto merece ser divulgado: o Ribeiro era um homem e um militar com sensibilidade sociocultural acima da média, até pelo facto de ser professor do ensino primário, e a sua descrição das condições de vida na ilha têm interesse documental para se poder cotejar com a dramática experiência vivida pelo 1º batalhão expedicionário do RI 11 (Setúbal) que lá esteve duas décadas antes, ao tempo da II Guerra Mundial (junho de 1941 / março de 1943, acabando a comisão, em dezembro desse ano, na ilha de Santo Antão). (***) 

Em comentário,que também reproduzimos no final, o Ribeiro confirmava, citando uma fonte local, aquilo que já sabíamos: além de 16 mortos, o batalhão do RI 11,  teve cerca de metade de baixas por doença, devido à fome na Ilha do Sal... Tudo isto são malhas que o Império teceu... [A esse batalhão da fome pertenceu o pai do nosso camarada Augusto Silva Santos, o então 1º cabo Feliciano Delfim Santos (1922-1989)].(****)

Vinte anos depois ficamos a saber que a ilha do Sal (*****) funcionava, na logística da guerra colonial, pelo menos em 1963/64,  com uma espécie de plataforma de reserva do CTIG: várias das primeiras companhias colocadas no TO da Guiné, passaram por Cabo Verde, e em especial pela Ilha do Sal...Além da CART 566 (1964/65),vieram de Cabo Verde a CART 349 (1963/64), a CCAV 353 (1963/64), a CCAV 678 (1964/66)... A CCAÇ 414, por seu turno, esteve primeiro na Guiné e depois foi para Cabo Verde (1963/64).

Outro apontamento não menos interessante: o nosso camarada, aproveitou a estadia de 9 meses na Ilha do Sal, para  levar a exame da 4ª classe muitos dos homens da sua companhia (e e em especial do 2º pelotão)... (LG)

 
 















Texto (e fotos): © José Augusto Miranda Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentários ao texto (que infelizmente não teve a continuação prometida) (*):

(i) Hélder Sousa:  

Caros camaradas: É interessante conhecer estas passagens. Como temos (tinha) o pensamento na Guiné,  não ocorria pensar nas permanências em Cabo Verde. Para mim, Cabo Verde era qualquer coisa que tinha tido tropa durante a 2ª Guerra Mundial... Afinal, agora acabei de recordar que as divisas de Furriel e o dolmen me foram cedidos por um amigo e antigo colega de escola em Vila Franca, que fez a sua comissão de serviço em Cabo Verde. (...)

(ii) Augusto Silva Santos:

Camarada e Amigo [Ribeiro], é sempre com alguma emoção que leio relatos da nossa passagem por terras da Guiné, por aquilo que efectivamente nos toca, mas essa emoção é para mim ainda mais forte, quando se relata algo sobre Cabo Verde, nomeadamente sobre a Ilha do Sal. Se tiveres tempo e oportunidade, sugiro-te que consultes no nosso blogue o post P9674 (Meu pai, meu velho, meu camarada - Feliciano Delfim dos Santos) (***)e  vais perceber o porquê. 

Se nos anos sessenta foram essas as condições que a vossa Companhia  foi encontrar, imagina o que não foi viver uma situação idêntica 20 anos antes, portanto nos anos 40. Devido à minha actividade profissional entre 1968 / 1970, tive ocasião de conhecer bem algumas ilhas de Cabo Verde, e também um pouco da ilha do Sal, e sei bem dar o valor o que terá sido a vossa passagem por aquelas paragens. (...)

(iii) César Dias:

Também eu na ida para a Guiné fiz escala na ilha do Sal, e recordo-me dessa imagem da mulher que empurra o barril de água, penso que salobra, pois não foi fácil fazer a barba nesse dia com aquela água. (...)

 (iv) José Augusto Miranda Ribeiro:
 
Caros amigos e Camaradas:  (...) Fiquei bastante admirado ao ter lido o que escreveram sobre a Ilha do Sal. Em 1963 conheci um velho funcionário da Companhia francesa que extraia sal. Ele trabalhava na secretaria daquela empresa, na Pedra do Lume e com ele falei muitas vezes sobre assuntos sérios, passados ali no Sal. 

O batalhão  [ do RI 11, Setúbal] que esteve naquela ilha (****) , segundo dizia o tal amigo cabo-verdiano de cabelos todos brancos, tinha ido para Cabo Verde, por castigo, tinham feito um levantamento de rancho numa unidade militar em Lisboa. 

Seria assim ou não? Não sei, mas talvez fosse uma forma de seleção. Falou-me numa grande epidemia que matou mais de metade dos militares ali estacionados. Naquela altura ninguém podia entrar nem sair do Sal, para que a epidemia não alastrasse às restantes ilhas. Um dia apareceu uma equipa de médicos que fizeram o diagnóstico a todos os doentes. Esse diagnóstico foi enviado para Lisboa e era igual para todos. Causas da doença: FOME, FOME, FOME... 

Naquele tempo, em plena II Guerra Mundial não era facil mandar um navio pelo Atlântico, por isso viviam mal e mal alimentados. Mas parece que, com isto, o Salazar resolveu, finalmente mandar esse navio. No cemitério de Santa Maria havia uma zona reservada para os militares, daquele batalhão que iam morrendo diariamente. No dia de Finados de 1963, a CArt.566 foi prestar honras militares naquele local, onde se ouviu um discurso do representante do comandante do CTI de Cabo Verde. 

Sei que a estrada entre a povoação de Espargos (Aeroporto) e a capital Santa Maria foi construída e calcetada por esses nossos camaradas. Era a única estrada da ilha com cerca de 20 quilómetros, embora com muitas zonas degradadas pelas ondas do mar e pelas dunas de areia que apareciam de um dia para o outro. Muitas histórias ouvi sobre esses militares, que contarei oportunamente. (...)



 Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Foto nº 27 > "A fome, a miséria"... A grande seca de 1943 foi evocada no romance de Manuel Ferreira, ele próprio expedicionário, "Hora di Bai"... O título diz tudo sobre o dramático dilema que enfrentava o cabo-verdiano de ontem (e de hoje): a vontade de ficar, a necessidade imperiosa de partir.

Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:


(***) O batalhão expedicionário do RI 11, Setúbal, com pessoal basicamente originário do distrito, partiu de Lisboa em 16 de junho de 1941 e desembarcou na Praia, ilha de Santiago, no dia 23. 

Esteve em missão de soberania na ilha do Sal cerca de 20 meses (até 15 de março de 1943), cumprindo o resto da comissão de serviço (até dezembro de 1943) na ilha de Santo Antão.

Para além de 16 mortos, o batalhão expedicionário do RI 11 terá tido um número impressionante de baixas por doença, cerca de metade, segundo o depoimento do  José Rebelo. Ao fim de 20 meses de permanência na Ilha do Sal, e na véspera de partir para a Ilha de Santo Antão, os expedicionários do Onze estavam reduzido a 16 oficiais, 22 sargentos e 460 praças..

Vd. em especial os seguintes postes da série:


26 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17284: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte XII: O "cancioneiro" da Ilha do Sal

4 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17205: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte X: Foram mil e regressaram menos de quinhentos... Recordações do Fernando Pais, emigrado nos Estados Unidos da América

16 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17147: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte VII: Quando o Onze foi castigado, por portaria de 26/6/1941, por alegada falta de galhardia e aprumo na marcha para o embarque, ficando inibido de poder ostentar a bandeira do exército...

13 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17133: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte VI: 16 mortos, devido a doença e desnutrição, ficaram no cemitério da vila de Santa Maria

23 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17076: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte IV: por castigo ("falta de brio e aprumo" de alguns militares no desfile de embarque!...) , o 1.º Batalhão do Onze é impedido de ostentar a Bandeira do Exército Português... (O cmdt do Onze era o cor inf Florentino Coelho Martins, um português da "escola de Mouzinho")... Na ilha do Sal, "a vida e a morte lá iam decorrendo"...

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21346: Notas de leitura (1306): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", livro de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, 2020, 241 pp.): a história escrita com paixão, memória e coração (José Martins)


Cabo Verde > Ilha de S. Tiago > Praia > Junho de 1941 > O 1º cabo Feliciano Delfim Santos, da 1ª companhia do 1º batalhão expedicionário do RI 11 [Setúnbal], na linha da frente, é o terceiro a contar da direita para a esquerda. (*) Este batalhão foi  colocado na Ilha do Sal, integrado no RI 24. 

Foto do álbum do pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete,  1971/73). 

Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo >  Praia da Matiota > RI 23 > c. 1943/44 >  Foto do álbum do 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, pai  do nosso camarada Hélder Sousa [ex-fur mil Trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72), e que deveria pertencer ao 1º Batalhão Expedicionário do RI 7 (, proveniente de Leiria), estacionado no quartel de Chã de Alecrim. (**)



Cabo Verde > São Vicente > MIndelo > RI 23 > 1º Batalhão Expedicionário do RI 7 (Leiria) > 10 de setembro de 1944 > Chão de Alecrim > O 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, recordação da despedida de Cabo Verde, com dois 2ºs cabos nativos, seus amigos. (**)

Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cabo Verde > São Vicente > Regimento de Infantaria 23 > Hospital Militar Principa de Cabo Verde > O sold aux enf, Porfírio Dias, de joelhos, em primeiro plano, à porta de um enfermaria, om outros camaradas enfermeiros e com o allferes médico (o que não tem bata branca). (***)

Foto do álbum do pai do nosso camarada Luís Dias [ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872,´Dulombi e Galomaro,1971/74]

Foto (e legenda): © Luís Dias (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





José Martins, nosso colaborador permanente;
ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos" (Canjadude, 1968/70);
profissionalmemnte foi revisor oficial de comtas, 
vive em Odivelas, 

1. Mensagem.com data de ontem, José Martins,   ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos" (1968/70), nosso colaborador permanente:

Proposta de leitura do livro "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", da autoria de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 2020, 241 pp.) (****)

Se me fosse proposto resumir, numa simples frase, o livro “Forças Expedicionárias a Cabo verde, na II Guerra Mundial”, seria:

A história escrita com paixão, memória e coração.

Cabo-verdiano de nascimento e nabantino ou tomarense por opção, Adriano Moreira Lima, coronel da situação de reforma e nosso camarigo, transmite-nos, ao longo das quase duas centenas e meia de texto e fotografias da época, a forma de vida e sentimentos de dois povos: o metropolitano, na medida em que foi representado pelos militares que para o arquipélago foram destacados; e o povo cabo-verdiano, nas populações que tão bem souberam receber os que ali aportaram.

No início dos anos quarenta do século XX, com o eclodir da II Guerra, numa atitude dissuasiva do governo português, apesar da neutralidade declarada, enviou para as ilhas atlânticas milhares de militares, não deixando de continuar a embarcar para África – Angola e Moçambique – destacamentos de reforço às guarnições locais.

            O maior contingente foi destinado ao arquipélago dos Açores, com cerca de 30.000 militares, sendo o envio para a Madeira de uma força de mais ou menos 1.000 militares, como reforço das unidades recrutadas localmente.

            Cabo Verde foi o destino de quase 6.000 militares, a serem distribuídos pelas ilhas de S. Vicente, cerca de 3.000; para o Sal, em número de mais de 2.000; e para Santo Antão, mais de 700 militares.

            Não podemos esquecer que a plataforma continental poderia ser, aliás como se veio a provar, pretendida não só pelos espanhóis como pelos alemães, para expansão do território no primeiro caso, apesar da Tratado Ibérico, e na segunda hipótese, para obstar o desembarque, de forças inglesas, nas costas de Portugal.

            Caso algum desses cenários se verificasse, o governo português rumaria para os Açores, mas havia que assegurar um efectivo militar que activasse o retardamento das tropas invasoras, quer pela destruição de estradas e pontes com utilização de explosivos, pela engenharia, quer pela utilização de forças combinadas, infantaria e artilharia, em acções de emboscadas 

[Ver Rós Agudo, Manuel –  A Grande Tentação, Os Planos de Franco para Invadir Portugal - Casa das Letras, Setembro de 2009, páginas 228 e 328 a 333, e «https://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Felix» (consultado em 10/09/2020)].

No aspecto social, não há duvida alguma do impacto que a chegada dos militares teve na vida das populações. A população da ilha de São Vicente, estava estimada em cerca de 15.000 habitantes; com a chegada de 3.000 militares, houve uma alteração demográfica, ainda que temporalmente, de mais 20% dos habitantes.


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Como indica no texto, inicialmente, Adriano Lima, tinha em mente descrever a acção do seu RI 15, mas acaba por fazer menção às outras unidades, a tal ponto que, tendo eu investigado sobre o batalhão do RI 7 (Leiria), acabarei por encontrar mais elementos e fotos que, ou me escaparam ou não me “empenhei” tanto quanto devia, apesar da minha investigação não ser só sobre o período de 1941 a 1944. Há referências aos batalhões de infantaria saídos de Tomar (RI 15), Caldas da Rainha (RI 5), Leiria (RI 7), Setúbal (RI 11) e Abrantes (RI 2), assim como de outras armas, mormente artilharia, que foram guarnecer Cabo Verde.

No serviço de saúde, que além de servir a população militar foi estendida à população civil, havia além das enfermarias regimentais, Hospitais Militares em São Vicente e Sal, tendo como Hospital de retaguarda, o Hospital Militar da Estrela, para onde seriam enviados os militares que necessitassem de cuidados mais especializados ou prolongados.

            Os que morreram devido a doença ou acidente, e que foram inumados nos cemitérios locais, lá estão todos enumerados. Porem o número de baixas mortais poderá ter sido superior, pois pode ter havido casos de morte nos evacuados para o .HMP [, Hospital Militar Principal, Lisboa].

Os “protagonistas” deste livro, é a geração imediatamente anterior â nossa. Daí haver entre os combatentes, que fazem parte da Tabanca Grande, membros cujos pais ou tios, estiveram nesta expedição.

O livro refere que não há muita informação, oficial ou oficiosa, que nos permita estudar a presença de militares portugueses nesta expedição. Tal facto pode resultar da destruição ou extravio da documentação gerada nesse período, Os batalhões expedicionários ao serem constituídos, passavam a ter “Ordens de Serviço” autónomas às dos regimentos; por outro lado, no caso da infantaria que era para ser constituída em “Comando de Batalhões”, evoluiu para a constituição de dois Regimentos de Infantaria, os números 23 (São Vicente) e 24 (Sal), agregando as forças dos batalhões, originando nos arquivos militares, novas cotas.

   Faço votos para que, com o aparecimento deste livro, os descendentes destes militares – nós, os nossos filhos/sobrinhos e netos – recuperem dos baús da memória, e óptimo seria com fotos com legendas, a documentação que “está ali” à espera de uma oportunidade para ver a luz do dia. Sim, porque memórias na primeira pessoa já não deve haver, mas há, ainda, quem se recorde de factos contados nas reuniões de família, ou naquelas alturas em que vinham à memória “as mornas de Cabo Verde”, e a saudade «falou para os mais novos», na altura.

Apesar de ter sido esse a solicitação do Luís Graça, por não estar tão envolvido nestes factos como o Luís pois, os seus escritos e o acervo fotográfico foram, sem dúvida, uma “mais valia” para o texto que nos é apresentado, sendo também, uma homenagem a quem, até ao fim dos seus dias, sempre recordou a sua passagem por aquelas paragens agrestes.

Não me achei com a capacidade de escrever a recensão do Livro (*****), mas tão só uma pequena nota a incentivar a leitura do mesmo. E não estou tão “longe ou afastado” deste tema, apesar de não ter tido familiares à época, em condições de ser mobilizado. Porém, as “buchas” que introduzi neste apontamento, são fruto, de alguma forma, devidas, ao estudo da matéria em questão.

O livro “Forças Expedicionárias a Cabo Verde”, reúne e amplia alguns textos do blogue “Praia do Bote”, assim como se suporta no excelente espólio de “Luís Graça e Camaradas da Guiné” através da rubrica “Meu pai, meu velho, meu camarada”.

Resumindo: Dentro de vinte anos comemorar-se-á o centenário desta expedição.

A História Militar deste país pouco tem sobre a matéria, mas os homens que escreveram estas páginas de glória, não podem ficar no esquecimento.

Esperemos que as entidades militares e civis, unam esforços, recuperando nos arquivos que existem – ordens regimentais, cadernos de recenseamento, processos individuais – o nome de quem foi para as ilhas atlânticas, e se possa dar à estampa, novos factos e nomes de Portugal.

 José Martins
10 de Setembro de 2020 
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