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sábado, 7 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20708: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte V (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)


Inácio Soares de Carvalho [Naci,
Nacy ou Nassi Camará,
nome de guerra]
[foto: arquivo da família
]

Rafael Barbosa [Zain Lopes,
nome na clandestinidade]
 [foto de Leopoldo Amado,
Bissau, 1989]





Com a prisão de ambos, em narço de 1962, o PAI / PAIGC fica decapitado, na Zona 0 (Bissau) (*). Ao Naci Camará foi "fixada residência" no Campo de Chão Bom, Tarrafal, Santiago, Cabo Verde.  Zain Lopes ficou em Bissau, com a "obrigação" de se apresentar todos os dias na sede da PIDE...



Carta de Amílcar Cabral para Nacy [Nassi ou Naci...] Camará, com data de 1 de abril de 1962,  reagindo com muita emoção à notícia da prisão de Rafael Barbosa [Zain Lopes] e outros dirigentes do PAI [PAIGC] da Zona 0 [Bissau]... e dando instruções aos militantes que escaparam...

O destinatário, o Inácio Soares de Carvalho,  já não chegaria a ler esta carta, uma vez que também ele caira, quinze dias antes, em 15/3/1962, nas mãos da PIDE...  Foi um golpe duríssimo para Amílcar Cabral e para o seu partido, o PAI (mais tarde, já em 1962,PAIGC), que ficou decapitado, pelo menos na Zona 0 (Bissau) (**). Rafael Barbosa era o presidente do comité central, e figura de prestígio entre os mais jovens.

De entre as 10 ações que o secretário-geral, a partir de Conacri, preconiza, destaque para a nº 5:

"Levar o povo - todos os trabalhadores de todos os ramos -  a não fazer nada para os portugueses, a não trabalhar, a não pagar impostos, a desprezar os colonialistas. Começar a matar os agentes da PIDE. (sic")

Citação:
(1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37408 (2020-3-6) (Com a devida vénia...)


Fonte:
Portal Casa Comum
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04609.055.004
Assunto: Notícias sobre a prisão de Zain Lopes , Momo e Albino. 
Instruções em relação à prisão dos referidos camaradas.
Remetente: Amílcar Cabral
Destinatário: Nacy Camara
Data: Domingo, 1 de Abril de 1962
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1962-1964.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral


1. Recorde-se o que escreveu aqui  Leopoldo Amado (historiador e nosso grã-tabanqueiro: tem 86 referências no nosso blogue, )  a propósito destes acontecimentos de março de 1962, que foram um duro revés para o PAI (sigla reformulada em finais de 1962, em que passou a ser PAIGC)(**):

(...) "O estabelecimento da sede do PAI em Bissalanca data de 1959, tendo funcionado até Fevereiro de 1962, altura [, na madrugada do dia 13 de março de 1962,] em que foi detectada e tomada de assalto pela PIDE com a ajuda de elementos do Exército português, tendo aí sido presos Rafael Barbosa, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e outros elementos proeminentes do PAI surpreendidos em pleno sono. 

"Com a sede do PAIGC tomada de assalto pela PIDE e preso Rafael Barbosa, seu principal animador, foi desmantelada a rede clandestina do PAIGC em Bissau. 

"A alguns nacionalistas foram fixadas residência em Chão Bom, Tarrafal, excepto Rafael Barbosa que a troco de "colaboração", foi-lhe fixada a obrigatoriedade de se apresentar todos os dias na sede da PIDE em Bissau. Foi apreendido na sede do PAIGC imenso material de propaganda que incluía inúmeros panfletos, correspondências de Amílcar Cabral, para além de armas." (...)

Muitos destes factos, que hoje pertencem à Hustória dos nossos países (Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde),  são, ainda desconhecidos da grande maioria dos nossos leitores.


2. Continuação da publicação de excertos do manuscrito   "Memórias da Luta Clandestina" (entretanto publicado, na Praia, capital de Cabo Verde,e lançado, no passado dia 30 de janeiro) (***). 

A reprodução desses excertos, no nosso blogue,  foi-nos devidamente autorizada por Carlos de Carvalho, filho de Inácio Soares de Carvalho. 



 Inácio Soares de Carvalho (1916-1994)


Nasceu na Praia em 29 de Abril de 1916. Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa da colónia portuguesa. 

Trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. 

Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG – Movimento para Libertação da Guiné, por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

 Inácio Soares de Carvalho, que nunca viveu na clandestinidade, contrariamente ao Rafael Barbosa, será preso pela primeira vez pela PIDE, na filial do  BNU em Bissau, onde trabahava há mais de duas dezenas de anos.  É então deportado,  para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas), aonde chega no início de setembro de 1962, numa leva de 100 presos, guineenses. Três anos depois, em 16/10/1965 e transferido para colónia penal da ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós.

Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau, até conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974.  Há uma escassa meia dúzia de documentos no Arquivo Amílcar Cabral com o seu "nome de guerra", Nassi ou Naci ou Nacy Camará. 

Pertencia à "secção de informação e controle" do PAI (sigla original do PAIGC)  em Bissau, ele e o Rafael Barbosa (c. 1926-2007), reportanto diretamente a Amílcar Cabral, que vivia em Conacri. Em outubro de 1961, Rafael Barbosa, de etnia papel (Zain Lopes, na clandestinidade), é nomeado Presidente do Comité Central do PAIGC. 

Nos final dos anos setenta, Inácio Soares de Caravalho regressa à sua terra natal, Praia, Cabo Verde, e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em dezembro de 1994, sem ter visto publicadas as suas memórias políticas que comecçou a escrever, "após incessantes insistências dos filhos", e que deu por concluídas em 1992. 

"Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." 

(Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)

É possível haver um lançamento do livro em Lisboa. Em Cabo Verde, a edição é de autor e teve vários patrocínios.


3. Excertos do livro "Memórias da Luta Clandestina" - Parte IV (*)

(Continuação) 


A PIDE descobre a Base do Partido na Zona 0  (**)


No dia 11 de março de 1962, um domingo, o Pedro Ramos  teve a ousadia e o descuido de nos introduzir na Base o seu colega e amigo de infância, Carlos, mais conhecido por “Cacai Boca”. Esse facto acabou por constituir nossa desgraça.

Efectivamente, após o "Cacai" ter saído da Base, a sua primeira preocupação, como um “Bom Português”, foi dirigir-se imediatamente ao nosso inimigo e denunciar-nos. Estamos todos certos de ter sido ele, pois, tendo saído da Base no Domingo, 11, logo na madrugada do dia 13, terça-feira, surpreenderam Rafael Barbosa, Pedro Ramos, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e Jorge da Silva, proprietário do lugar onde tínhamos instalada a Base. 

Pedro Ramos conseguiu fugir, dando um forte golpe a um soldado que o tinha segurado. Os outros foram todos presos e levados para a cadeia.  Pedro Ramos conseguiu ainda alertar o Albino Sampa que dormia numa casa que se situava um pouco mais afastada. Assim, os dois conseguiram fugir, tentando nessa mesma madrugada me contactar, o que era obviamente impossível. Quando amanheceu, logo cedo, apareceu em minha casa um jovem a dar-me a triste noticia de que prenderam o Rafael [Barbosa] e os outros colegas que dormiam com ele na Base.

No dia 13 de março de 1962 , cerca das 9 horas da noite, apareceram-me lá em casa o Albino Sampa e o Pedro Ramos. Com a porta fechada e a minha mulher de vigilância durante todo o tempo em que estivemos reunidos, contaram-me então como tudo se passou e começamos a buscar soluções para sairmos da situação difícil em que nos encontrávamos.

[...] Aproveitei para fazer um comunicado para o nosso Líder, narrando-lhe os últimos factos ocorridos; determinei também que avisassem todos os responsáveis e militantes para retirarem imediatamente para fora das fronteiras da Guiné, porque cedo ou tarde a PIDE chegaria a eles também; caso fossem apanhados, seriam barbaramente maltratados e estariam na contingência de perderem a vida. Esta minha decisão, enquanto Responsável de Segurança, era para evitar todo o mal que podia vir a acontecer. Também aproveitei para lhes dar um pouco de dinheiro para as despesas que teriam na fuga.


A terceira leva de prisão de dirigentes 


Foram presos o Menezes [Alfredo Menezes d’Alva] e o João Barbosa, primo do Rafael; poucos dias depois, levaram o Rosendo. 

Com estas prisões, tudo paralisou de novo, pois, os três companheiros presos tinham muita influência no desenrolar de nossa luta clandestina. Como devem compreender, eu estava mesmo desesperado e desanimado com a situação.

No dia seguinte às prisões, fui ter com a D. Irene [Fortes, esposa do Fernando Fortes ] e contei-lhe o sucedido, mas ela notou na minha cara que mesmo eu mostrava desânimo com o acontecido. Ela então com gesto de coragem falou comigo de forma brusca:

- O Sr. Inácio tem que ter coragem e saber enfrentar todos obstáculos que nos depararem.

Amigos, quando uma mulher diz a um homem assim, por mais fraco de espírito que fosse, teria que ter coragem e reagir. Depois de contar ao Rafael a conversa que tive com a D. Irene, ele então como homem decidido disse-me que realmente é assim mesmo que tem de ser, é preciso não desencorajar, nem desanimar; a luta é assim mesmo.

Dali então, ainda mais encorajado, me empenhei totalmente para o desenvolvimento de nosso trabalho, contando sempre com o firme apoio dessa mulher que,  mesmo tendo seu marido preso, nunca se desencorajou. Foi seguramente das primeiras firmes e corajosas mulheres que desde a primeira hora incorporou os ideais de nossa luta de libertação. Ela, por seu lado, enquanto o marido esteve preso, teve sempre o apoio e encorajamento de seu cunhado, o Alfredo Fortes [1].

Tendo encontrado o lugar seguro e dava-nos grande confiança.


A primeira prisão de Nassi Camara 


No dia 15 [de março de 1962], antes das 8 horas da manhã, apareceram dois agentes da PIDE na Gerência do Banco [, BNU]. Esses agentes foram falar com o nosso Gerente, Sr. Arruda, a explicar-lhe que foram à minha procura, mandados por um Inspector da PIDE, o Costa Pereira. 

O Gerente mandou-me chamar com o Saco Cassama, servente do Banco. Ao passar pela secção das Correspondências, ele alertou-me que estavam lá dois brancos que lhe parecia que eram agentes da PIDE. Quando me apresentei ao Gerente Arruda, ele apontou-me os dois homens,  dizendo que precisavam de mim. Estes convidaram-me para os acompanhar.

[...] Assim foi a minha primeira prisão, no dia 15 de Março de 1962, uma 5ª feira.


1ª passagem pela Ilha das Galinhas 


Na madrugada de 1 de setembro [de 1962], foram buscar-nos em Mansoa para levar à ilha das Galinhas.

Via João Landim [no rio Mansoa] , fomos levados no porão do barco "Formosa". Chegamos à ilha das Galinhas cerca das 16 horas. De seguida, fomos levados para o acampamento, onde já se encontravam outros presos oriundos da Zona Sul.

Na noite de 1 de setembro, dormimos todos nós presos concentrados num pavilhão grande. Naquela noite tiraram dois irmãos e foram matá-los a tiro. Só nós, que vivemos na pele as atrocidades cometidas pelos salazaristas, podemos contar o sofrimento que passamos, nessa altura da luta.


Da ilha das Galinhas para destino desconhecido


No dia 2 de setembro, de manhã cedo, tiraram-nos num total de 100 presos e encaminharam-nos para o Porto da Ilha das Galinhas, onde tínhamos desembarcado no dia anterior; meteram-nos no porão do mesmo barco "Formosa", com o rumo à Estação de Pilotos em Pontom; de seguida, meteram-nos no porão do vapor "África Ocidental" com destino desconhecido por nós. 

Só viemos a saber onde estávamos quando chegamos ao Porto do Tarrafal [em Santiago, Cabo Verde] onde nos mandaram sair de porão como animais de carga. Passamos muito mal durante todo o caminho. 

[Revisão / fixação de texto, para efeitos de edição neste blogue / notas dentro de parènteses retos: LG]

(Continua)
________________

Nota de Carlos de Carvalho

[1] Alfredo Fortes, natural da Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, era na altura Chefe da Alfândega de Bissau. Na Guiné, foi também Presidente do grande clube desportivo UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau).

Após a independência, desempenhou as funções de Embaixador de Cabo Verde na Holanda. Foi Deputado pelo MpD [Movimento para a Democracia] na II República. Morreu na sua ilha natal nos anos 90.
________________

Notas do editor LG:

(*) Listagem das zonas do PAIGC (cada uma com o seu responsável):  

Zona 0 - Bissau; Zona 1 - S. Domingos; Zona 2 - Farim; Zona 3 - Gabú Norte; Zona 5 - Gabú Sul; Zona 6 - Bafatá Norte; Zona 7 - Bafatá Sul; Zona 8 - Fulacunda; Zona 9 - Bissorã; Zona 10 - Cantchungo; Zona 11 - Bedanda; Zona 12 - Bijagós; Zona A - A determinar (Documento manuscrito, s/d, Arquivo Amílcar Cabral / Casa  Comum / Fundação Mário Soares)

(**) Vd, poste de 25 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P569: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

(***) Vd. postes anteriores da série >

5 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20705: (D)o outro lado do combate (57): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte IV (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

3 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20701: (D)o outro lado do combate (56): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte III (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

terça-feira, 3 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20701: (D)o outro lado do combate (56): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte III (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)


Guiné-Bissau > Bolama > s/d  [ c. 2009] > Cais > Uma canoa nhominca, para transporte de passageiros. A sua lotação máxima são 100 passageiros...  E foram 100 "nacionalistas" ou "elementos subversivos" [, no dizer das autoridades coloniais da época, ao tempo do governador da Guiné, de triste memória, o oficial da marinha, António Augusto Peixoto Correia (1913-1988)],  que em 1 de setembro de 1962  foram tranferidos da Ilha das Galinhas, a ilha-prisão do arquipélago dos Bijagós, para o Campo de Trabalho de Chão Bom, no Tarrafal, ilha de Santiago Cabo Verde...

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(...) "Na madrugada de 1 de setembro [, depois da prisão, efetuada nas instalações do BNU em 15 de março de 1962, ainda ao tempo do governador, oficial da marinha, Peixoto Correia], foram buscar-nos em Mansoa para [nos] levar à ilha das Galinhas. Via João Landim, fomos levados no porão do barco Formosa. Chegamos à ilha das Galinhas cerca das 16 horas. De seguida, fomos levados para o acampamento, onde já se encontravam outros presos oriundos da Zona Sul. Na noite de 1 de Setembro, dormimos todos nós presos concentrados num pavilhão grande. Naquela noite tiraram dois irmãos e foram matá-los a tiro. (...).

"No dia 2 de setembro, de manhã cedo, tiraram-nos num total de 100 presos e encaminharam-nos para o Porto da Ilha das Galinhas, onde tínhamos desembarcado no dia anterior; meteram-nos no porão do mesmo barco Formosa, com o rumo a Estação de Pilotos em Pontom; de seguida, meteram-nos no porão do vapor África Ocidental com destino desconhecido por nós. Só viemos a saber onde estávamos quando chegamos ao Porto do Tarrafal, onde nos mandaram sair de porão como animais de carga. Passamos muito mal durante todo o caminho."(...)  

(Excerto de: Inácio Soares de Carvalho, "Memórias da Luta Clandestina", no prelo, 2020)


 Por Portaria nº 18539, de 17 de Junho de 1961, assinada pelo então Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, tinha sido reaberto o antigo campo de Tarrafal (que funcionou entre 1936 e 1954), agora designado Campo de Trabalho de Chão Bom, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, originalmente destinado aos presos políticos de Angola. 

Em 1962, após uma série de vagas de prisões de nacionalistas guineenses, que sobrelotavam os ass prisões e os quartéis militares de então, o governador da Guiné pede. por um simples ato administrativo,  a deportação para o Tarrafal dos 100 mais... "perigosos".  Juntam-se aos angolanos em 4 de setembro de 1962.

O governador  António Augusto Peixoto Correia viria a substituir o professor Adriano Morerra no cargo de ministro do ultramar.


Capa do livro "Memórias da Luta Clandestina", de Inácio Soares de Carvalho. Foto: cortesia de Expesso das Ilhas, 30/1/2020



1. Continuação da publicação de excertos do  livro "Memórias da Luta Clandestina" (que foi lançado, no passado dia 30 de janeiro, na Praia, capital de Cabo Verde, na Biblioteca Nacional.)  (*)

Dois meses antes, um dos filhos, do Inácio Soares de Carvalho , o  Carlos de Carvalho, arqueólogo e historiador, que coordenou o projeto editorial, pediu-nos autorização para reproduzir uma foto do administrador Guerra Ribeiro, da autoria de Paulo Santiago (***). Autorizou-nos, ao mesmo tempo, a reproduzir alguns excertos da obra, em fase final de acabamento.

Inácio Soares de Carvalho (ISC) (1916-1994)  trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939,  até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos continuar a publicar alguns excertos das suas memórias políticas, até há pouco inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho.

Nasceu na Praia (, temos dúvida sobre a sua data de nascimento: ele diz que em 29 de Abril de 1974, quando "terminou para sempre o nosso martírio e sofrimento na Ilha das Galinhas", ele completava "58 anos de idade"; terá então nascido em 29/4/1916 ).
 

Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa  da colónia portuguesa. Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG– Movimento para Libertação da Guiné   (**) por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

Seria preso pela primeira vez  pela PIDE em 15/3/1962. É então deportado, com outros "suspeitos", para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas). Três depois, em 16/10/1965, 
é transferido  para a  colónia penal da  ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós. 

Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau,  até conhecer a liberdade definitiva com o "golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 em Portugal". O seu nome na clandestinidade era Nassi ou Naci Camará. [O de Rafael Barbosa, de etnia papel (c. 1926-2007), era Zain Lopes.]

Nos final dos anos setenta, regressa à sua terra natal, Cabo Verde e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em 1994.

"Após incessantes insistências dos filhos, ISC resolve escrever suas 'Memorias', tendo-as dado por concluídas em 1992. Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)



Assinaturas em Relatório do PAIG sobre o dispositivo militar português em Bissau, e nomeadamente o Quartel General a "norte da cidade" [Santa Luzia].  Data: c. 1961. Relatório datilografado, em duas páginas, em papel branco. É assiando pelos eesponsáveis do PAI em Bissau: Latranco da Costa [Pedro Ramos], Zain Lopes [Rafael Barbosa] e Naci Camará [Inácio Soares de Carvalho, acrescentamos nós. (LG)]...

Citação:
(1961), "Relatórios do PAI em Bissau", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41679 (2020-3-3) (com a devida vénia...)

[No Arquivo Amílcar Cabral, há vários documentos, como este,  com a assinatura de Zain Lopes e N. Camará, da Secção de Controlo e Defesa, do PAI, em Bissau,  datados de 1961. Rafael Barbosa e Inácio Soares de Carvalho serão presos em Março de 1962. Pedro Ramos (, irmão do Diomingos Ramos,) consegue furar o cerco militar à base clandestina onde estava escondido  o presidente do PAI,nio Rafael Barbosa, na Zona 0, em Bissalanca, nos arredores de Bissau. Sabe-se que o Rafael Barbosa teve, na época, um papel fundamental na mobilização dos jovens para a "luta de libertação". Era considerado uma figura carimástica e respeitada pelos mais jovens até à sua  prisão em setembro  de 1962 e posterior libertação, em 1969, ao tempo de Spínola. A sua evental participação no conspiração para prender e/ou matar Amílcar Cabral, em janeiro de 1972, é ainda hoje motivo de controvérsia. Tornou.se um dissidente do PAIGC, sendo a sua memória, hoje, na Guiné-Bissau,  objeto de uma relação de amor-ódio.  Leopoldo Amado entrevistou-o e fotografou-o em 1989. (LG)]


2. Excertos do livro - Parte III (*)

(Continuação)

Rafael Barbosa – o regresso a Bissau

Estando o Alfredo Menezes d’Alva ainda em liberdade faz todos os possíveis para entrar em contacto com o Rafael  [Barbosa] que se encontrava já nas matas no interior da Guiné, em campanha de mobilização, com a ajuda de um nosso companheiro [1].

Entretanto, esse companheiro nosso acabou por ser informado por nossos agentes de ligação do que se passou em Bissau. Dali então tomou a precaução de pôr o Rafael Barbosa na clandestinidade sob a vigilância de um dos nossos responsáveis em Bissorã que, do seu lado, tudo fez para entrar em contacto com o Menezes. 

Como não havia lugar seguro onde se podia esconder o Rafael, a única solução que foi encontrada foi metê-lo numa horta de mandioca enquanto, durante a noite, se procurava um lugar definitivo para o pôr a salvo da PIDE. Foi efectivamente muito complicado tirar o Rafael de Bissorã e pô-lo em Bissau, ainda mais sendo ele um deficiente físico [2].

Com a prisão de nossos companheiros, responsáveis do Partido, e crentes de que o Rafael se encontrava em Dakar, os agentes e informadores da PIDE deram uma festa para comemorar porque estavam presos todos os principais responsáveis do Partido no interior da Guiné e contavam que o Rafael estivesse em Dakar. Esta convicção dos agentes da PIDE de que o Rafael estava em Dakar foi uma grande sorte para nós.

A minha grande preocupação nessa altura era que a PIDE não soubesse que o Rafael já estava dentro da Guiné, porque se soubessem desencadeariam uma perseguição até o encontrarem, o que seria uma desgraça, pois seria um grande atraso para a nossa luta, sobretudo nessa fase muito difícil.

Estando o Rafael em Bissorã, o nosso maior problema agora é fazê-lo entrar em Bissau, tendo em conta o aumento do número de informadores que a PIDE fez em toda a Guiné, principalmente em Bissau, capital da província.

A entrada do Rafael Barbosa em Bissau só foi possível devido à vontade e muita coragem do Alfredo Menezes d’Alva e alguns jovens companheiros de luta como Nicolau Cabral [3], Mandu Biai [4] e Albino Sampa [5].

Amigos leitores, não fazem ideia da minha grande satisfação quando o Alfredo Menezes foi ao Banco [, o BNU, ]  dar-me a notícia de que o Rafael já se encontrava em Bissau e o sítio onde se encontrava escondido. Ele foi levado e escondido em casa duma prima dele que se situava na margem esquerda da ponte de Cobornel [6] ], para os lados do futuro Bairro da Ajuda ?, (LG)].  Informou-me ainda a forma como chegar ao local onde estava escondido.

Mas para ver o Rafael,  o Menezes recomendou-me para fazê-lo só a partir das 3 horas da tarde, pois, é uma zona muito movimentada e tinha que ter muita atenção. Mais me disse que o Rafael estaria à janela à minha espera, pois, já estava tudo combinado com ele. Assim, não foi difícil localizar a casa e encontrar o nosso companheiro de luta.

Tudo aconteceu num sábado à tarde e, caros leitores, passámos toda a tarde até às 9 da noite a conversar sobre os últimos episódios de nossa luta; mas, como tínhamos muitos assuntos a discutir, acertamos continuar a conversa no dia seguinte, visto que já era tarde e a vigilância da PIDE era apertada e não podíamos correr risco.

No encontro do dia seguinte, começamos logo a pensar na melhor maneira de recomeçarmos as nossas actividades e Rafael contou-nos como passou na vinda de Bissorã para Bissau, dado o seu estado físico.

Caros leitores, podem imaginar um indivíduo fisicamente deficiente e debilitado conseguir fazer um trajecto de aproximadamente 70 kms, tudo dentro do mato até chegar a capital porque não podia andar por via normal, controlada pelos agentes da polícia e da PIDE. Todo este episódio foi contado pelo Rafael na presença do Menezes, Nicolau Cabral, Albino Sampa e mais outros companheiros de luta.

Depois deste acontecimento entrei em contacto com D. Irene Fortes, esposa do Fernando Fortes, e informei das últimas novidades, sobretudo a entrada do Rafael em Bissau. Quando lhe contei toda a estória, ela ficou ainda mais contente do que eu próprio. De seguida, fui levar a mesma informação ao Sr. Rosendo que ficou muito admirado ao saber que o Rafael já estava em Bissau, pois ninguém esperava naquelas horas muito difíceis que isso pudesse acontecer.

Aproveitamos para falar, mas não por muito tempo, pois andava sempre desconfiado com a PIDE porque os companheiros estavam quase todos na prisão.

Com o Rafael já em Bissau, a nossa maior preocupação consistia agora em arranjar um sítio mais seguro para o esconder porque a casa da prima, como dito antes, ficava na beira da estrada e não nos oferecia segurança para montarmos a nossa base, mas sobretudo porque o marido dela já estava com medo porque a PIDE lançou a propaganda de que a casa onde for encontrado o Rafael, este seria preso com toda a família que o escondia.

Assim, para ultrapassar essa situação e encontrarmos um lugar com segurança, fizemos uma pequena reunião da qual saiu a decisão de encarregar Nicolau Cabral, Albino Sampa, Abdulay Bary, Martinho Balanta que é cunhado do Epifânio, Mandu Biai, Abdul Dja [7] e mais outros jovens de procurar um lugar seguro para instalarmos Rafael e “construir” a base para o recomeço de nossas actividades.


A primeira leva de prisões de responsáveis do PAIGC

Todo aquele desentendimento e confusão, em Dezembro do mesmo ano [, 1960 ?], originou a prisão de alguns de nossos companheiros, como o Quintino Nosoliny, o Estevão Tavares e o Lassana Sissé, todos eles responsáveis do Partido em Bissorã. Estes responsáveis faziam parte dos responsáveis que estavam de acordo para se trabalhar conjuntamente com os cabo-verdianos.

A segunda leva de prisões de responsáveis do PAIGC

Nesta leva de prisões [, em abril de 1961 ], foram presos, entre outros, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo, Epifânio Souto Amado, Júlio d’Almeida e João Rosa. Só o Alfredo Menezes d’Alva escapou. (**)

Estes nossos companheiros foram levados e ficaram detidos nas celas na 2ª Esquadra da Policia. A situação deles como a de todos os prisioneiros políticos era desagradável porque eram sujeitos a muitas injúrias pelos agentes da PIDE portugueses e também de alguns dos nossos irmãos africanos que se encontravam ao serviço da Policia portuguesa na referida Esquadra. Depois da prisão destes companheiros, as actividades paralisaram quase completamente.

(Continua)

_________________

Notas do Carlos de Carvalho:

[1] ISC não explicita o nome desse companheiro. Mas, com certeza, trata-se de um dos muitos dirigentes / militantes que o Movimento/Partido tinha já espalhado em todas as zonas do interior da Guiné-Portuguesa, como se poderá constatar aquando das prisões ocorridas em [março de]  62.

[2] Rafael era deficiente da perna esquerda. Segundo a filha Helena Barbosa esse problema foi consequência duma deficiente administração de uma vacina, em criança, contra a meningite, tendo piorado já homem, após ter sido mordido por uma cobra.

[3] Nicolau Cabral foi seguramente dos mais activos militantes do PAIGC na clandestinidade. O seu nome aparece em todos os principais momentos da luta clandestina. Preso em 1962, foi enviado, como ISC, para a Colónia Penal do Tarrafal. Segundo ISC, era pedreiro de profissão.

Segundo informações de Almiro de Carvalho, depois da independência, Nicolau trabalhou na UNTG.

[4] Mandu Biai foi preso em [março de ] 1962 e enviado com ISC à Colónia Penal do Tarrafal, em Cabo Verde, donde terá saído em liberdade em 1969. Segundo ISC, Biai era Empregado Comercial.

[5] ISC fala do Albino Sampa durante todo o decurso da luta. É de se supor que Albino tenha sido mobilizado por Rafael para a luta, pois, na sua “Descrição Biográfica”, uma espécie de “Autobiografia Política”, fornecida por um sobrinho de nome Paulino, Albino escreve que: “Aderiu às fileiras do PAIGC em 1957 com idade muito jovem, tendo cumprido a sua primeira Missão de Serviço em 01/05/61, que lhe fora incumbida pelo Sr. Rafael de Paula Gomes Barbosa, no sentido de efectuar uma viagem para o Senegal, Dakar, portador de correspondências para Luís Cabral, naquela cidade, e para o Sr. Marcelo em Cundará”

Foi um dos principais agentes de ligação entre a Zona 0 e o exterior. Muito seguro e convicto, granjeou respeito no seio de seus companheiros de luta. Ainda após a luta ISC se lembrava com frequência desse incansável lutador pela independência da Guiné e de Cabo Verde.

Ainda segundo sua “Descrição Biográfica” e informações recolhidas junto de vários companheiros de luta (Paulo Pereira de Jesus, Brígido, Constantino, entre outros), Albino, depois da independência, trabalhou como Agente de Guarda nos Empreendimentos dos Serviços Portuários. Morreu em 2014, quase completamente abandonado pelos companheiros de luta. (Ver nos Anexos alguns documentos sobre este herói quase desconhecido da maioria de seus compatriotas).

[6] Cobornel era, na altura, um bairro em construção. Ficava a uns poucos quilómetros do centro da Cidade de Bissau, portanto, uma zona quase que desabitada. Na verdade, a cidade de Bissau quase que terminava na zona situada logo após a “Chapa-de- Bissau”. [Mais tarde ter-se-á construido ali o novo bairro da Ajuda; segundo o Leopoldo Amado, seria em Bissalanca. (LG).

[7] Sobre Abdul Djá,  ISC falará posteriormente.

(Continua)
____________

Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série

2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

(**) MLGC ou só MLG?... Não confundir com o PAI (futuro PAIGC). Um e outro entram em rutura antes do início da luta armada..

Vd. poste de 25 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P569: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

(...) Aliás, salvo raras excepções, d
e 1958 a 1961, numa amálgama inextricável, alguns destacados dirigentes do MLG e do PAI, indistintamente, partilharam, voluntária ou involuntariamente o mesmo espaço político (...)  coincidindo essa fase com o período em que ainda se acreditava ser possível, a breve trecho, sobretudo da parte do MLG, o início do processo que havia de conduzir a Guiné "dita portuguesa" à independência.

Na verdade, a criação em Bissau, em 1958, do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), a par das perseguições das autoridades coloniais, constituiu-se no mais sério problema para os propósitos unitários que Amílcar Cabral postulava na luta contra o colonialismo português na Guiné. O MLG, que desenvolvia acções numa perspectiva política pouco elaborada, cedo hostilizou Amílcar Cabral, a quem alcunhou pejorativamente de "cabo-verdiano".

Este movimento acusava os cabo-verdianos de terem ajudado os portugueses na dominação colonial da Guiné e, perante a iminência de independência, pretenderem substituir os colonialistas. A miragem de uma independência prestes a concretizar-se, à semelhança do que ocorreu nas colónias francesas da Guiné "dita francesa" e do Senegal, precipitou nas hostes do MLG a tendência para a organização de um movimento que procurasse congregar no seu seio alguns poucos guineenses ilustres, dando assim primazia a necessidade de sublimação das inquietações mais personalizadas que colectivas, relegando para um plano secundário a preparação para a luta armada e a estruturação do movimento em termos populares. (...)

(...) Como quer que seja, é dado adquirido que o PAI, enquanto tal, até pelo hiato referido que caracterizou a sua quase inacção entre 1956 e 1959, não teve, pelo menos directamente, uma acção ou influência decisivas nas acções que viriam a desembocar em Pindjiguiti. Diferentemente do PAI, a mesma asserção já não pode aferir-se relativamente ao MLG que teve, de facto, uma assinalável e directa participação directa nos acontecimentos. Efectivamente, activistas do MLG tais como César Mário Fernandes (empregado do tráfego do cais de Pindjiguiti), Paulo Gomes Fernandes e José Francisco Gomes tinham-se há muito empenhado em acções de discreta mobilização e consciencialização política dos trabalhadores portuários em geral e dos marinheiros e estivadores do cais de Pindjiguiti em particular (...)

Das pessoas referidas pelo Elisée[Turpin] (...) recordo-me perfeitamente de:

- Benjamim Correia, que tinha uma loja de bicicletas e acessórios e era um conceituado comerciante muito estimado e considerado entre a população da Guiné, "colonos" incluídos;

- Rafael Barbosa, que era funcionário das Obras Públicas e tinha uma pequena deficiência numa perna que o obrigava a mancar;

- Quanto ao Inácio Semedo, o único Semedo de que me recordo era o guarda-redes do Sporting de Bissau, alcunhado de "Swift"; talvez não seja o mesmo;

- Luís Cabral, irmão do Amílcar, trabalhava na Casa Gouveia.

Porém, aqueles de quem melhor me lembro - por com eles ter lidado mais de perto - são:

- Fernando Fortes que era funcionário dos Correios em Bissau: tinha um irmão (Alfredo, salvo erro) que nos meus tempos de Farim (1953/55) era o Delegado Aduaneiro naquela localidade;

- João Rosa foi meu colega de trabalho na NOSOCO. Era o guarda-livros. Fui muitas vezes a casa dele no Chão Papel (...). Era muito meu amigo e fui visitá-lo ao hospital quando ali foi internado, já sob prisão da PIDE;

- João Vaz era o alfaiate dos serviços militares. A oficina era na Amura e era ele que fazia o fardamento para os recrutas e demais militares. Ainda tenho comigo um camuflado que ele me fez sob medida.(...)

Vd. também postes de:


sábado, 18 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20569: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (68): Fotos da "colónia penal e agrícola" da Ilha das Galinhas (Carlos de Carvalho / José António Viegas)


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Colónia Penal e Agrícola > c.julho/setembro de 1968 > O José António Viegas. sentado,  à entrada do "edifício principal" das instalações da "colónia"...  Era o comandante de um pequeníssima guarnição militar, encarregue da segurança (menos de uma secção: 1  furriel, 1 cabo, 3 praças...) (*).  Não tinha contacto com os "presos", que viviam  em dois barracões que serviam de camaratas, que eram paralelos, e que ficavam numa "parada grande", Alguns viviam em palhotas. O carcereiro era o "chefe Joaquim"... [Temos 16 referências, no nosso blogue, à Ilha das Galinhas]

Foto (e legenda): © José António Viegas (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Colónia Penal e Agrícola > c.julho/setembro de 1968 > Da esquerda para a direita, o chefe Joaquim e o fur mil Viegas, posando com um tubarão capturado
.
Fotos do álbum do um único camarada, da Tabanca Grande,  que fez serviço na Ilha das Galinhas, o José António Viegas: fur mil do Pel Caç Nat 54 (Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68).

Foto (e kegenda): © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Carlos Carvalho, nosso leitor (e indigitado membro da Tabanca Grande), Carlos de Carvalho, historiador e arqueólogo , Praia, Cabo Verde:

Data: segunda, 30/12/2019 à(s) 08:49

Assunto: Memorias-autorização

Caro Luís,

Bom dia.

Antes de mais meus desejos de Boas Festas e um Novo Ano cheio de novidades boas e sucessos pessoais, mas sobretudo com muita saúde.

Venho mais uma vez para um outro pedido.

Estou a cata de imagens das casernas dos prisioneiros na Ilha das galinhas. Claro que fui ao seu / "nosso" blog a procura de imagens / fotos mas não encontrei. Mas vi que o vosso colega José António Viegas passou por lá uns tempos.

Gostaria que me pusesse em contacto com ele a ver se por acaso não tem fotos das casernas e, ou não tendo,  se sabe me orientar de como as encontrar.

Como é urgente,  são as poucas imagens que me faltam para enriquecer o livro (*).

Aceite meus melhores cumprimentos.

Carlos


2. Pronta resposta do José António Viegas, ao meu pedido, em 30/12/2019, 15h55:

Caro Luís:

Gostaria de ser prestável mas do tempo que lá estive, ee Junho de 68 a Setembro de 68, não tenho fotos dos dois barracões que serviam de camaratas aos prisioneiros, e eu não tinha contacto com eles.

Tínhamos o edifico principal que é o que estou na foto e os barracões paralelos numa parada grande. Havia alguns prisioneiros que viviam nas palhotas.

A única pessoa que poderia dar alguma informação era o chefe Joaquim ,comandante do campo, não sei se ainda será vivo.

Um abraço
Bom Ano


3. Resposta de Carlos de  Carvalho, 31/12/2019, 08:16

Caro Luís Graça,

Bom dia e bem recebida a resposta do colega Viegas. Pena não poder ajudar mais. Pior é que parece que não ficou nada para a historia. Tudo abandonado e degradado/destruído.

(...) Mais uma vez meus desejos de Bom Ano a si e a todos os amigos e camadas da Guiné.

Abrasu ben forte


4. Excerto de mensagem do José António Viegas, publicada no poste P13452 (****):

(..) Na parte central na ilha, chamado o campo, havia uma casa colonial e uma parada grande com dois barracões que era onde viviam os presos. Na altura estavam lá perto de cento e tal prisioneiros entre os de delito comum e os presos político. Pessoalmente, não não sabia quais deles eram, não sabia distuingui-los, pois o chefe [Joaquim] não falava comigo nesse aspecto.

O chefe Joaquim que está comigo na foto com o tubarão, esteve na GNR com o Spínola e depois foi chefiar o campo. Penso que estivesse ligado à Pide.

Os presos circulavam à vontade. Alguns mais antigos viviam em palhotas junto ao campo, faziam trabalho agrícola, não havia problema com a população e poucas hipóteses tinham de fugir.

A vida da guarnição era fazer umas rondas pela ilha no Unimog pequeno (Pincha) [, o 411] e pesca. Nada mais.

A comida dos prisioneiros era na base do arroz, algum peixe e carne.

Naquele tempo eu não estava bem dentro dos assuntos, não fazia muitas perguntas ao chefe que ele, sempre de má cara com a sua úrsula [,úlcera], pouco respondia.

Só falei com um preso político, que eu saiba, quando fui mordido por uma cobra verde, não sei se era médico ou enfermeiro , sei que tinha estado na República Checa [, na altura Checoslováquia,] e que veio tratar de mim. (...)

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)


(***) Último poste da série > 15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20559: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (67): pedido de autorização para uso de fotos de Guerra Ribeiro, em livro de memórias do "tarrafalista" Inácio Soares de Carvalho (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, Cabo Verde)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15767: Agenda cultural (465): Encarceramento colonial no século 20: uma abordagem comparativa no 80º aniversário do campo do Tarrafal (Cabo Verde) | Conferência Internacional, Museu do Aljube, Lisboa, 21-22-23 Julho 2016: chamada de comunicações até 28/2/2016



Encarceramento colonial no século 20: uma abordagem comparativa no 80º aniversário do campo do Tarrafal (Cabo Verde) > Conferência Internacional, Museu do Aljube, Lisboa, 21-22-23 Julho 2016


1. Mensagem de ontem, de Helena Pinto Janeiro

Caro Luís Graça

Após a muito proveitosa troca de ideias sobre o campo prisional da Ilha das Galinhas (*), volto ao contacto consigo para pedir a preciosa ajuda do seu blog para a divulgação desta chamada para comunicações junto de colegas que tenham investigações em curso ou estejam interessados em desenvolver investigação sobre prisões e prisioneiros políticos nos impérios britânico, francês, holandês, belga, alemão e português, no século 20.

São especialmente bem-vindos olhares transversais e transnacionais sobre o encarceramento político em situação colonial. 

As propostas de comunicações podem ser enviadas, em português ou em inglês, até 28 de Fevereiro de 2016.(**)

Muito obrigada!


Campo de São Nicolau, Angola, maio de 1974 (Foto do Arquivo Nacional da Torre do Tombo)



2. Apresentação [, com a devida vénia...]

Em inglês / English version

A historiografia sobre o encarceramento colonial no período do colonialismo europeu moderno, de finais do século 19 até às independências do século 20, tem manifestado uma vitalidade assinalável nos últimos anos, com uma explosão de estudos empíricos e novas abordagens teóricas. Um dos casos mais estudados é o da África do Sul, onde se criaram os primeiros campos de detenção de prisoneiros políticos no seguimento da guerra Anglo-Boer. A investigação sobre outros contextos coloniais europeus no império britânico, francês, holandês, belga e Italiano também revelou a utilização frequente de campos em África e Ásia para o encarceramento de membros da oposição política perseguidos em contextos metropolitanos e coloniais.

No caso do III Império Português, o encarceramento de opositores é geralmente identificado com a Ditadura Militar e o Estado Novo, que criou campos especiais de detenção para este efeito nas colónias de então. O campo de prisioneiros do Tarrafal na Ilha cabo-verdiana de Santiago é o caso mais notório, denunciado internacionalmente como o primeiro campo de concentração português. Pese embora os africanos que também aí estiveram detidos já em plena guerra colonial, é a sua ligação à política metropolitana que lhe tem conferido um maior peso simbólico e visibilidade. Se alargarmos o foco a todo o império, verificamos que, exceptuando alguns estudos recentes, a história dos campos coloniais portugueses de detenção política no século XX se encontra ainda largamente por explorar. A historiografia crescente do encarceramento colonial tem-se sobretudo focado outros impérios europeus em África e Ásia.

O Instituto de História Contemporânea (Universidade NOVA de Lisboa) e o Museu do Aljube – Resistência e Liberdade pretendem marcar o 80º aniversário da abertura do campo do Tarrafal em Cabo Verde através da organização de uma conferência sobre o encarceramento político em colónias europeias durante o século XX. São bem-vindas propostas com investigações em curso sobre prisões e prisioneiros políticos nos impérios britânico, francês, holandês, belga, alemão e português, bem como olhares transversais e transnacionais sobre o encarceramento político em situação colonial. Uma selecção das comunicações apresentadas será incluída num número especial de uma revista internacional de revisão por pares.


Campo do Tarrafal, Ilha de Santiago, Cabo Verde, s/d  (Foto de José Gabriel L. de Magalhães,  Arquivo Nacional da Torre do Tombo). Sobre o Tarrafal temos doze referências no nosso blogue.
______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

16 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14370: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (26): Letra (em crioulo e português) e vídeo da canção "Djiu di Galinha", de José Carlos Schwarz (Helena Pinto Janeiro / António Estácio)

16 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14374: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (27): Ainda sobre o cantor José Carlos Schwarz (Bissau, 1949 - Havana, 1977) e a letra da canção "Djiu di Galinha" [, Ilha das Galinhas] (Helena Pinto Janeiro, historiadora)

(**)  Último poste da série > 12 de fevereiro de 2016 >  Guiné 63/74 - P15740: Agenda cultural (464): Lançamento, em Paris, no Museu de Arte e História do Judaísmo (MAHJ), dia 18, 5ª feira, da edição francesa do livro de Samuel Schwarz (1880-1963), "Os cristãos-novos em Portugal no séc. XX" (1ª ed, 1925) (João Schwarz)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15654: Memória dos lugares (331): Procissão do Corpo de Deus em Bissau no ano de 1967 (José António Viegas)

1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas (ex-Fur Mil Art do Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68), com data de 11 de Janeiro de 2016:

Caro Carlos Vinhal
Depois de um interregno em virtude de mudanças na minha vida, deixei de morar em Loulé e moro agora em Olhão, vim fazer companhia ao nosso camarada Henrique Matos.
Dia 30, Dia de Corpo de Deus, lembrei-me dessas fotos a vida na Guiné, que não era só guerra, retratando a procissão descendo a avenida.
Assim que tiver mais tempo vou preparar outras fotos e histórias da Guiné.

Um grande abraço
Viegas



 Bissau, 25 de Maio de 1967 - Procissão do Corpo de Deus
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15609: Memória dos lugares (330): A aldeia de Brunhoso é uma importante produtora de cortiça (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15618: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (14): O Prisioneiro da Ilha das Galinhas

1. Ainda em mensagem do dia 8 de Dezembro de 2015, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense da CSJD/QG/CTIG, 1973/74), traz-nos desta vez a história de um prisioneiro da Ilha das Galinhas, que se fazia acompanhar de um símio que parece ter tido um fim trágico.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé

(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)


14 - O Prisioneiro da Ilha das Galinhas

A azáfama fazia lembrar uma tarde de fim de feira numa qualquer terra do interior de Portugal, onde as embalagens vazias de cartão se amontoam ao lado de cada tenda e os feirantes se apressam a recolher os artefactos e produtos não transacionados para, na madrugada seguinte, regressarem à estrada e ocupar novamente as “montras” numa outra feira qualquer.

Estávamos em finais de Setembro de 1974 e o recinto da “feira” era a pequena “parada” defronte do edifício do QG/CTIG.

Com efeito, havia muita movimentação de pessoas e bens e o asseio parecia ter sido algo descurado. Notava-se algum nervosismo e pressa em fazer malas. Lembrava o términos de um qualquer período de férias de Agosto no Algarve em que havia necessidade de andar lesto, a fim de se evitar as longas filas de trânsito das estradas algarvias daqueles tempos.

As entradas e saídas do Quartel-General eram constantes e respirava-se, efectivamente, um fim de feira com desfazer de tendas. A grande maioria das Unidades Militares que tinham estado sediadas no interior do território, já tinha regressado à Metrópole e era agora chegado o momento dos últimos “moicanos”, nomeadamente os militares metropolitanos que se encontravam presos na Ilha das Galinhas.
A pequena Ilha das Galinhas, com apenas 50 km² de área é uma das oitenta e oito ilhas que compõem o Arquipélago de Bijagós.

Durante o período colonial funcionou nesta ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas".
Esta colónia estava destinada, essencialmente, a presos políticos, incluindo elementos do PAIGC, alguns dos quais ali estariam em trânsito para a prisão do Tarrafal (Ilha de Santiago - Cabo Verde).

Os prisioneiros andavam soltos pela ilha e a maioria trabalhava na bolanha (cultivo de arroz) e nas plantações de ananás e mancarra (amendoim) que havia pelo campo.

Nos finais de Setembro de 1974, um desses prisioneiros, militar metropolitano, andava por ali no recinto da “feira” do QG/CTIG a aguardar não se sabia muito bem o quê.
Fazia-se acompanhar por um corpulento macaco-cão que segurava por uma trela de corrente de aço.
Este “prisioneiro à solta” apresentava uma tez bastante avermelhada, indiciando excesso de sol recente (ou algum excesso de aguardente) e trajava de um modo demasiadamente informal para um militar naquele local; camisa, calções e sapatos de ténis militares. Na cabeça, sempre descoberta, ostentava uma farta cabeleira arruivada e encaracolada e, nas pernas e coxas, várias tatuagens “pornográficas” a necessitarem de “bolinha vermelha”.

Era de poucas falas e parecia andar por ali apenas com o intuito de desafiar “altas patentes”, digo eu.

Com efeito, dava-me um certo gozo ver majores, ten-coronéis, coronéis, etc., que entravam ou a saíam do QG, depararem-se com aquela figura acompanhada do “seu animalzinho de estimação” e, pasmados, fitando o “moicano”, receberem em troca um olhar ostensivamente desafiador que os desarmava por completo e os “aconselhava” a prosseguir o seu caminho, o que faziam sem pestanejar.

Com muito custo lá conseguimos chegar à fala com o “moicano” e, segundo recordo, ele aguardava autorização para trazer o “companheiro” para a Metrópole, mas, confrontado com a nossa convicção de que isso não seria possível, logo afirmou que: “então cortava o pescoço ao símio!”

Eram dias de muita rebaldaria e, lá fora, na estrada que passava em frente ao QG/CTIG, era constante o movimento de negros alombando para suas tabancas “troféus de guerra” diversos, tais como: colchões, frigoríficos, aparelhos de ar condicionado, etc.
Alguns capitães conduziam jipes bastante “mal-tratados” que avariavam constantemente e era vê-los a empurrar a “sucata” com a ajuda de um ou outro militar…, imagens vivas do fim do Império Colonial Português.

Uns dias depois é chegada a hora do meu regresso a casa e lá estava no aeroporto de Bissalanca o “moicano”, sem macaco.

Viajou connosco e disse-nos que o tinha matado (??).
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15593: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (13): Um Herói à Minha Porta

terça-feira, 21 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14906: (De)caras (23): Chefes de posto administrativo, no Cacheu, lembro-me de dois, com quem convivi, naturais de Cabo Verde, como eu: (i) Vicente Andrade; e (ii) Jorge Miranda Lima, casado com uma sobrinha do Amílcar Cabral; ambos tiiveram problemas com a PIDE/DGS, e o segundo conheceu a Ilha das Galinhas (António Medina, ex-fur mil, CART 527, 1963/65)


Foto nº 1 


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > 14 de Fevereiro de 2005 > Imagens da cidade de Cacheu (fotos nº 1 e 2) e do forte quinhentista (fotos nº 3 e 4),  depois de restaurado e reabilitado. O forte,  na margem sul do rio Cacheu, no século XVI, dava protecção a uma das mais importantes feitorias no Noroeste da Guiné.

Álbum fotográfico do José Couto (ex-furriel milicano de transmissões, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego). As fotos chegaram-nos através do Constantino (ou Tino) Neves, camarada do José Couto, e nosso grã-tabanqueiro de longa data.

Fotos: © José Couto / Tino Neves (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem: LG]

1. Mensagem do nosso camarada, que vive nos EUA, António C. Medina

[, foto à direita,  o camarada Antonio C[ândido da Silva]. Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu,Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, foi funcionário do BNU, Bissau, de 1967 a 1974; vive hoje nos EUA desde 1980; é nosso grã-tabanqueiro desde 1/2/2014]


Data: 17 de julho de 2015 às 03:43
Assunto: Memória dos lugares.


Para Luís Graça e António Bastos:

Até que enfim,  acabo de sair desse meu ostracismo, esperando poder ser útil em esclarecer o assunto levantado pelo nosso camarada Bastos. (*)

Claro que sim, o Bastos afirma,  e com razão,  que, para se deslocar a Coboiana [, ou Caboiana], se passaria por Churro onde se seguia a picada para se deslocar àquele local, depois de muita caminhada passando por outras tabancas que de memória já não me lembro dos nomes.

Quanto a Chefes de Posto Administrativo,  apenas me lembro apenas de dois naturais de Cabo Verde:

(i) Vicente Andrade,  colocado em Cacheu, no ano de 1964,  que depois passou para o quadro das Alfândegas em Bissau, preso por algum tempo pela PIDE/DGS; e outro

(ii) Jorge Miranda Lima, casado com uma sobrinha de Amílcar Cabral, preso por boa temporada na Ilha das Galinhas,  no Arquipélago de Bijagóss  pela PIDE, onde foi torturado,  para depois ser nomeado Chefe de Posto em Cacheu. 

Crachá da CART 527 (1963/65)
Com esses dois mantive sempre bom relacionamento,  sem política pelo meio, até que regressei em 1965 para Lisboa.

Concordo plenamente que prestemos uma devida vénia às nossas mulheres que, com o seu trabalho no Movimento Nacional Feminino, contribuiram para minimizar ao soldado as dificuldades com que vivia numa guerra indesejada.

No que diz respeito às "más línguas",  não me recordo de nenhum Chefe de Posto em  Cacheu casado com portuguesa de Lisboa, com quem andasse eu em petiscos e copos quase que diariamente, até porque fui sempre respeitador e respeitado, seguidor dos deveres militares.

Para os camaradas Luis Graça e António Bastos um grande abraço do Medina.



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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14871: Memória dos lugares (304): Sobre a tabanca de Caboiana, e sobre o chefe de posto de Cacheu, que era caboverdiano, o nosso camarada António Medina (,ex-fur mil CART 527, 1963/65, a viver nos EUA,) pode dar esclarecimentos adicionais (António Bastos, ex-1º cabo, Pel Caç Ind 953, 1964/66)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14856: Cusa di nos terra (17): Uma raridade, o disco "Djiu di Galinha", do pai fundador da música moderna guineense, José Carlos Schwarz (1949-1977)


Capa do disco de José Carlos [Schwarz], "Djiu di Galinha" [Ilha das Galinhas], Bissau, 1979.  José Carlos no palco com a Mama Afrika, a sul-africana Miriam Makeba. Gentileza do António Estácio, guineense nascido no chão de papel, de ascendência transmontana, meu querido amigo e camarada,  que me permitiu fotografar a capa e a contrapa. (As fotos são de fraca qualidade, tiradas em cima do joelho, no nosso último encontro anual, em Monte Real. O Estácio e o Zé Carlos foram colegas de liceu). 

Este disco é hoje uma raridade.  Foi editado, em 1979,  pelo Departameno de Edição-Difusão do Livro e do Disco, do Comissariado de Estado da Guiné-Bissau da  Informação e Cultura.




Contracapa > Nota biográfica



Contracapa > Palavras de Miriam Makeba (1932-2008)










José Carlos Schwarz
 (Bissau, 6 de dezembro de 1949 - Havana, Cuba, 27 de maio de 1977)



Letra (em crioulo e português) do "Djiu de Galinha". Ouçam aqui as vozes fabulosas do José Carlos e da Miriam Makeba, numa atuação conjunta de 1976,,,  Vídeo (a  preto a branco) disponível no You Tube, na conta de Vital Sauane (a quem agradeço)... Há também uma interpretação, do tema "Djiu di Galinha", a solo, pela Miriam Makeba, em 1979. Confesso que prefiro o original... A morte prematura do Zé Carlos foi uma perda brutal para a música guineense e africana, eu diria mesmo, para a música do mundo...

Sobre a Ilha das Galinhas, no arquipélago Bolama-Bijagós, e sobre a curta passagem (3 meses) do José Carlos pela "colónia penal e agrícola" da Ilha das Galinhas, ver aqui várias referências no nosso blogue.

Fotos (e legendas): © António Estácio / Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados {Edição: LG]

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