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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21313: Agenda cultural (753): Arte urbana: mural, da autoria do artista plástico cabo-verdiano, António Conceição, de homenagem às mulheres da seca do bacalhau, e aos demais ofícios da Faina Maior... Gafanha da Nazaré,Ílhavo, agosto de 2020 (Ana Aveiro / Valdemar Aveiro)








 


 





Ilhavo > Gafanha da Nazaré > Viaduto de acesso ao acesso ao Cais Bacalhoeiro > Agosto de 2020 > Mural do artista de origem cabo-verdiana, natural do Mindelo, António Conceição, 50 anos de idade,  que se licenciou em Belas Artes na Universidade do Porto em 2005. 

Homenagem aos ofícios da Faina Maior, a pesca do bacalhau, e dos seus antigos ofícios, com destaque para as ,mulheres, trabalhadoras da seca do bacalhau, mas também os pescadores, as peixeiras, os marinheiros.... Entre os "lobos" da Terra Nova, destaca-se o nosso amigo Capitão Aveiro, o Valdemar Aveiro, que é uma lenda viva desta epopeia, além de escritor de grande talento .(E continua a trabalhar, no setor,  aos 85 anos, agora na área da gestão!),

Destaque também, no mesmo pilar, para a escritora ribatejana Maria Lamas (Torres Novas, 1893 - Lisboa, 1983), autora de "As Mulheres do Meu País" (1947-1950).

Transcrição de uma das obras do Capitão Aveiro: "A vida dos homens da Pesca do Bacalhau é uma vivência de excessos pela negativa. Vivendo quarentenas prolongadas entre dois desertos infinitos - Céu e Mar - para eles um Oásis é sempr eum Porto e a Mulher é a Miragem suprema".

Fotos: © Ana Aveiro (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Valdemar Aveiro, um dos últimos capitães da Faina Maior. 
Justa homenagem do artista António Conceição.


1. O Valdemar Aveiro, ou capitão Aveiro, como é carinhosamente conhecido e tratado na sua terra, é nosso amigo, meu e do arquitecto  José António Paradela. Tem uma dezena de referências no nosso blogue, ligadas à sua atividade como escritor e às suas memórias da pesca do bacalhau. Tem seis livros publicados na Âncora Editora. Acaba de nos mandar estas fotos, tiradas pela neta ou filha Ana Aveiro.

Por sua vez, temos 30 referências, no nosso blogue, à pesca do bacalhau que, para nós, está também associada à guerra colonial. Par muitos jovens  a Faina Maior foi uma não menos dolorosa alernativa à "guerra do ultramar".

De facto, não é demais recordar que  desde 1927, do tempo da Ditadura Militar (que antecedeu o Estafo Novo), havia legislação que veio promulgar medidas de incentivo ao desenvolvimento da pesca do bacalhau, e nomeadamente facilitar (e tornar mais atrativo) o recrutamento do pessoal (vd. Diário do Governo, 1.ª série, Decreto n.º 13441, de 8 de Abril de 1927).

Uma dessas medidas era justamente "a dispensa do serviço militar aos pescadores e marinheiros que tivessem cumprido um mínimo de seis campanhas de pesca consecutivas na frota nacional bacalhoeira". Frota heróica, diga-se de passagem!...A pesca do bacalhau é conhecida também como a Faina Maior.

Havia ainda a possibilidade de os mancebos apurados para o serviço militar beneficiarem de "adiamento até aos 26 anos"... Além disso, "a falta à junta de recrutamento podia ser relevada desde que os faltosos fizessem prova de que estavam embarcados"...

Conclusão; a pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlândia, durante todo o Estado Novo, era um verdadeiro "desígnio nacional"...

O que este mural do artista António Conceição nos conta é, citando "O Ilhavense" ["Arte urbana está a ajudar a retratar antigos ofícios ligados à pesca do bacalhau", por Afonso Ré Lau, 30 de abril de 202'] , "um pouco da história não só das trabalhadoras das secas, mas de várias profissões ligadas à pesca do bacalhau" [dos pescadores aos marinheiros, passando pelas peixeiras].

(...) "O desafio de homenagear as mulheres que trabalhavam nas antigas secas partiu do empresário Leonardo Aires, da Frigoríficos da Ermida, empresa da Gafanha da Nazaré que se dedica à transformação e comercialização de bacalhau desfiado. O convite veio no seguimento de outra obra que António levara a cabo na fachada nascente do edifício-sede daquela empresa, mesmo ao lado do local onde surge, agora, este novo mural. " (...)

(...) "o que concerne a este mural de homenagem às mulheres que trabalhavam nas antigas secas de bacalhau, há um ponto prévio que António faz questão de esclarecer: 'Não fiz uma interpretação à luz de grande parte dos relatos que chegaram aos dias de hoje. Este é o meu olhar sobre o passado e é uma tentativa assumida de ‘fazer uma lavagem’ àquilo que parecia ser uma realidade muito triste, uma tentativa de corrigir essa noção de sofrimento e desgaste que nos transmitiram'.  

"Segundo o raciocínio deste criador, 'ao relatar tempos difíceis, o ser humano tem sempre tendência para choramingar e pintar cenários mais dramáticos do que a realidade'. 'Mas imaginem estas mulheres em grupo. Era uma alegria fantástica! Era impossível andarem todas consternadas', repara António. 'Para levarem a vida que levavam, aquelas mulheres tinham de ter muita força. Mas essa não era uma força de sofrimento, mas sim coragem e ânimo', acredita.

"Assim sendo, 'as mulheres aqui retratadas transpiram energia, juventude e até alguma bizarria – umas parece que estão a brincar, outras mais concentradas no trabalho. Quis criar essa combinação expressiva entre elas', conclui." (...)

(...) "Ao recuperar a memória destas mulheres e do seu ofício, António está a retratar um objeto cultural e patrimonial profundamente ligado à história pessoal de muitas das pessoas que por ali passam diariamente. Esta proximidade afetiva com a comunidade faz com que a obra se eleve, adquira um simbolismo especial e estimule uma participação cívica curiosa" (...)

(...) "Já nos anos de 1990, António pintava murais ligados à pesca artesanal, em Cabo Verde. Todavia, esta é a primeira vez que trabalha o tema da faina maior. Para conceber estes retratos, António fez pesquisa no Museu Marítimo, visitou antigas secas, mas também teve em conta a comunidade, as pessoas, os herdeiros diretos desta cultura e tradição. No fim, já não tem dúvidas, o imaginário da pesca do bacalhau 'é fascinante' " (...)

2. Nota biográfica sobre o capitão  Aveiro:

(i) Valdemar Aveiro nasceu em Dezembro de 1934, em Ílhavo, no seio de uma família
de pescadores;

(ii)  aos 15 anos concorreu à Escola Profissional de Pesca, ganhou uma bolsa de estudo que lhe deu acesso ao liceu e, posteriormente, à Escola Náutica, onde concluiu o Curso de Pilotagem;

(iii) embarcou como moço a bordo do lugre-motor Viriato para fazer uma viagem à pesca do bacalhau no sentido de suportar as despesas da sua formação;

(iv) em 1957 embarcou como praticante de piloto no navio Santa Mafalda, da Empresa de Pesca de Aveiro, sendo promovido no ano seguinte a piloto, a bordo do mesmo navio;

(v) pssou a oficial imediato, do navio Santa Joana, em 1960;

(vi) foi emigrante no Canadá, até que  em 1966 voltou à Faina Maior, embarcando no navio São Gonçalinho;

(vii)  no ano seguinte passou para um navio moderno, Santa Isabel, comandado pelo capitão David Calão;

(viii) assumiu, em 1970, o comando do mais velho arrastão português, Santa Joana, e, dois anos depois, foi convidado para comandar o navio Coimbra, então em construção nos Estaleiros de S. Jacinto;

(ix)  retirou-se por doença em 1988;

(x) após a sua recuperação, foi convidado a colaborar com a administração da Empresa de Pescas S. Jacinto, SA, sendo, desde 1991, membro do seu conselho de administração.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20922: Manuscrito(s) (Luís Graça) (184): Parabéns, amiga e camarada Giselda Pessoa (Lisboa); parabéns amiga M... (Costa Nova do Prado, Ílhavo)...


Capa do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas", org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2015 439 pp.; isbn: 9789898647351, preço. c. 19 €. A Giselda Pessoa, que tem vários depoimentos neste livro (*), foi a primeira camarada, no feminino, a integrar a nossa Tabanca Grande (**).



1. Mensagem de Luís Graça (***):

Giselda: É o nosso pequeno contributo para a tua festa... Só te faltava fazer anos em plena pandemia... Só te faltava, de resto,  uma pademia como esta para pores no teu currículo... 


Mesmo "aquarentenados", e sem podermos ir a Monte Real este ano,  temos que continuar a celebrar a camaradagem e a amizade. Luís & Alice

Giselda, a nossa querida enfermeira,
Não ficou no céu da Guiné (e)strelada (*),
É de há muito nossa grã-tabanqueira,
Por todos nós sempre acarinhada.

Com as demais, poucas, paraquedistas,
Abriu portas à mulher portuguesa,
Ninguém lhes diz que foram feministas,
Nem ela quer títulos de nobreza.

Faz hoje anos, mas aquarentenada,
Só lhe faltava uma pandemia,
Mas estará bem-apessoada,
P’ra nosso descanso e alegria.

Muita saúde e uma longa vida,
É o que a nossa Tabanca te deseja,
Toda a malta te está reconhecida,
E diz: “Que p’ró ano a gente cá ‘steja”.


Com um "balaio" cheio de telebeijinhos e telechicorações da malta toda!.

___________________

2. Também faz anos hoje uma amiga, nossa, do peito... Aqui vão uns versinhos para ela  que está, como todos nós,"em casa", por causa da pandemia de COVID-19... Este ano não podemos sentar-nos à mesa para celebrar. Tivemos que recorrer à videoconferência:


E Deus apontou na agenda… o teu pedido

(Soneto para a nossa amiga M…,
que hoje faz anos
e, que está, que pena, 
em casa de quarentena,
na Costa Nova do Prado, Ílhavo)

 

Quem nos diz que Deus castiga sem pau nem pedra,
Dev’ estar a pensar nesta nova pandemia,
Que me ameaça a vida e a alegria
Na Costa Nova, onde agora a doença medra.

Mas, meu Deus, porquê logo eu, confinada ?
Se o tal vírus é a tua ira divina,
Vou aplacá-la, mesmo no fundo de uma ravina,
Mas poupa-me, qu’eu sempre fui bem comportada!

Não, a doença não é castigo de um tal deus,
Que, a ser perfeito, não é cego, surdo e mudo,
E vai poupar-me a mim e a todos os meus.

E logo hoje: celebro mais um aniversário,
E pensava que tinha direito a tudo…
Mas, vá lá, só quero chegar… ao centenário!

29 de abril de 2020

Dos amigos Luís & Alice,

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20671: Agenda cultural (745): lançamento de mais um livro de um dos nossos últimos "lobos do mar", o capitão Valdemar Aveiro: "Apelos do Passado: Recordações da Pesca do Bacalhau"... Apresentação da obra: prof Álvaro Garrido. Local e data: Museu Marítimo de Ílhavo, 6 de março, 21h30.


Ficha técnica:
Apelos do Passado - Recordações da Pesca do Bacalhau
ISBN 978 972 780 714 7
Edição: 1.ª Edição - Fevereiro de 2020
Páginas: 98
Formato: 15x23cm
Preço de capa: €11,00


O autor: Valdemar Aveiro

Valdemar Aveiro nasceu em Dezembro de 1934, em Ílhavo, no seio de uma família de pescadores.

Terminada a instrução primária, começou a trabalhar como aprendiz de barbeiro, passados 10 meses empregou-se numa oficina de serralharia civil e, mais tarde, na construção civil.

Aos 15 anos concorreu à Escola Profissional de Pesca, ganhou uma bolsa de estudo que lhe deu acesso ao liceu e, posteriormente, à Escola Náutica, onde concluiu o Curso de Pilotagem. Embarcou como moço a bordo do lugre-motor Viriato para fazer uma viagem à pesca do bacalhau no sentido de suportar as despesas da sua formação.

Em 1957 embarcou como praticante de piloto no navio Santa Mafalda, da Empresa de Pesca de Aveiro, sendo promovido no ano seguinte a piloto, a bordo do mesmo navio. Passou a oficial imediato, do navio Santa Joana, em 1960.

Emigrou para o Canadá, em Abril de 1964, na persecução de se licenciar em Medicina, um sonho que não logrou cumprir, tendo regressado a Portugal no ano seguinte. Em 1966 embarcou no navio São Gonçalinho e no ano seguinte passou para um navio moderno, Santa Isabel, comandado pelo capitão David Calão.

Assumiu, em 1970, o comando do mais velho arrastão português, Santa Joana, e, dois anos depois, foi convidado para comandar o navio Coimbra, então em construção nos Estaleiros de S. Jacinto.

Retirou-se por doença em 1988.

Após a sua recuperação, foi convidado a colaborar com a administração da Empresa de Pescas S. Jacinto, SA, sendo, desde 1991, membro do seu conselho de administração.


Fonte: Âncora Editora >Autores > Valdemar Aveiro

O Valdemar Aveiro,ou capitão Aveiro,  como é carinhosamente conhecido e tratado,  é nosso amigo, meu e do José António Paradela. Tem cerca de uma dezena de referências no nosso blogue,ligadas à sua atividade como escritor e às suas memórias da pesca do bacalhau. Tem seis livros publicados na Âncora Editora.

Temos, por sua vez, 30 referências, no nosso blogue,  à pesca do bacalhau. (*)

Recorde-se que, e como aqui escrevemos em tempos (**), "já desde 1927, do tempo da Ditadura Militar, havia legislação que veio promulgar medidas de incentivo ao desenvolvimento da pesca do bacalhau, e nomeadamente facilitar (e tornar mais atrativo) o recrutamento do pessoal (vd. Diário do Governo, 1.ª série, Decreto n.º 13441, de 8 de Abril de 1927). "

Uma dessas medidas era justamente "a dispensa do serviço militar aos pescadores e marinheiros que tivessem cumprido um mínimo de seis campanhas de pesca consecutivas na frota nacional bacalhoeira". Frota heróica, diga-se de passagem!...

Havia ainda a possibilidade de os mancebos apurados para o serviço militar  beneficiarem de "adiamento até aos 26 anos"...  Além disso, "a falta à junta de recrutamento podia ser relevada desde que os faltosos fizessem prova de que estavam embarcados"...

Conclusão; a pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlândia, durante todo o  Estado Novo,  era um verdadeiro "desígnio nacional"...
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Notas do editor:


quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20273: O Spínola que eu conheci (34): um testemunho, de um ex-combatente, Ângelo Ribau Teixeira (Angola, 1962/64), que mostra não ter sido inspiração de circunstância o conceito de “Por uma Guiné Melhor” que o meu saudoso Comandante-Chefe materializou na Guiné anos mais tarde (1968) (Morais da Silva, cor art ref, cmdt da CCAÇ 2796, Gadamael, 1970/72)


Capa do livro de Ângelo Ribau Teixeira, natural da Gafanha da Nazaré , Ílhavo,onde nasceu 1937,  fur mil op esp, CCE 306 / BCAÇ 357 (Angola, 1962/64), "Retalhos das memórias de um ex-combatente", presumivelmente edição de autor (2009, 167 pp.). 
Cortesia de Morais da Silva




1. Mensagem, com data de ontem,  do cor art ref António Carlos Morais da Silva , instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972, e que também conheceu o TO de Angola:


Assunto - Por uma Guiné Melhor

Bom dia

Tenho estado a ler o que este 2º sargento miliciano vivenciou em Angola nos primeiros tempos da guerra (1962) e encontrei este pedaço de prosa [, que a seguir se transcreve[

É mais um testemunho, de 1962,  que mostra não ter sido inspiração de circunstância o conceito de “Por uma Guiné Melhor” que o meu saudoso Comandante-Chefe materializou na Guiné anos mais tarde (1968). Há muito que ele sabia que respeitar as diferentes etnias e dar espaço à colaboração da administração com as autoridades tradicionais era o caminho fundamental para reduzir/anular o apoio da POP à guerrilha.

Interessante para o blogue?

Abraço

Morais Silva


(...) 10. HOMEM DO MONÓCULO

O homem de que vos falo chama-se António Spínola. Era, salvo o erro, Comandante do Sector em São Salvador, com o posto de tenente-coronel. Pessoa reservada, parecia estar sempre com cara de mau. Amigo dos seus soldados como poucos. Dava o exemplo seguindo sempre na frente das colunas, quer fosse motorizadas ou apeadas!

Uma vez tive a sorte de me cruzar com ele. Ele soube do acidente que tinha vitimado os nossos companheiros. Através das comunicações que havia entre as Unidades, sabia que nesse dia iríamos deslocar-nos a São Salvador. Esperava-nos à entrada da cidade, passeando de um lado para o outro, farda amarela vestida, a boina preta de cavalaria com as duas espadas cruzadas, o pingalim batendo na perneira das calças, e o indispensável monóculo. Parecia nervoso. A minha viatura era a primeira. Mandou-me parar. Parei e desci do Unimog, fazendo continência, que ele ignorou.

- Qual é o teu posto?

- Sargento miliciano!

- Quem é o Comandante deste destacamento?

- O Alferes Miliciano Miranda. Vem na segunda viatura.

Nesta altura já o Alferes se encaminhava para nós. Fez continência e perguntou ao tenente-coronel se havia problema.

- Não há problema nenhum mas sei que a vossa Companhia [, CCE 306,]  teve há dias uma chatice e queria dizer-vos que todos lamentamos o sucedido. Tem de ter paciência e fazer como nós temos feito. Só tendo as populações do nosso lado conseguirá vencer. Só a "psico" nos ajudará. Não é com tiros que ganharemos esta guerra. Informem os vossos soldados que devem respeitar os autóctones.

Soubemos, por informação dos próprios, que militares da Unidade de Spínola tinham sido castigados por faltarem ao respeito aos pretos, como eles diziam.

- E qual foi o castigo que ele vos deu? – perguntei, curioso.

- Nem imaginas! Logo que havia uma operação, e durante uma série delas, eram chamados os “voluntários à força”. E lá tínhamos de ir, mesmo que não fosse a vez do nosso pelotão. Era um grande gozo para os que ficavam no acampamento." (...)

[Excerto do livro "Retalhos das memórias de um ex-combatente", de Ângelo Ribau Teixeira, edição de autor, 2009, p. 60. O livro está reproduzido na página do AEJE - Agrupamento de Escolas José Estêvão, Aveiro]

2. Comentário do editor Luís Graça:

Caro amigo e caramada Morais da Silva:

Claro que tem todo o interesse para os leitores do nosso blogue. Vou-lhe pedir que me mande, se possível, a "ficha técnica" do livro: editora, local, ano, nº páginas, etc. Se é que se trata de um livro...Pode ser uma brochura, um documento mimeografado...

Não encontro, na PorBase - Base Nacional de Dados Bibliográficos, referência ao seu autor, Ângelo Ribau Teixeira, mas há académicos com este apelido, Ribau Teixeira... Será que é uma edição de autor ? Se sim, ele não terá feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (, costumam ser as editoras ou as tipografias a tratar desta tarefa)...

Inclino-me mais para um documento policopiado... que formal e tecnicamente não é um livro, mas de qualquer modo é "literatura cinzenta" , relevante para a história da guerra de África, como os textos que publicamos no blogue... Ou as nossas Histórias de Unidade.

Encontrei no portal UTW - Ultramar TerraWeb uma referência ao autor e ao batalhão, com transcrição de excertos... Mas pode ser de outra fonte (que não é citada).

Quanto ao nosso general Spínola, também meu comandante-chefe, vi-o umas três vezes, a última no início do ano novo de 1971, eu já com quase vinte meses de comissão... Estava enfiado num buraco, com um grupo de combate. a defender a ponte do Rio Udunduma, na estrada Xime-Bambadinca. Veio lá desejar-nos bom ano e saber se precisávamos de alguma coisa... Veio de heli, a nova estrada Xime-Bambadinca ainda estava em construção, obra da TECNIL.  Eu estava com o cabelo e a barba já grandes...Não me disse nada, mas um dos oficiais superiores que o acompanhavam, penso que um coronel,  fez-me o reparo...e uma discreta sugestão para ir ao barbeiro quando regressasse a Bambadinca... Bons tempos, em que éramos todos mais novos, eu ia fazer dentro de dias, a 29 de janeiro,  os 24 anos...e dias depois desta visita, caí/caímos, uma viatura GMC com 2 secções, da CCAÇ 12, numa mina anticarro no reordenamento de Nhabijões, ali perto, a 13 de janeiro de 1971...

Um alfabravo, Luís

3. Nota sobre o autor,  Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012)

 O Morais da Silva mandou-me, em formato pdf, uma cópia do livro ou documento em questão: na ficha técnica, há apenas referência ao título "Retalhos das memórias de um ex-combatente" e ao autor: Ângelo Ribau Teixeira, de que se publica, a seguir,  uma foto e uma nota curricular.

O autor, nascido em 1937, na Gafanha da Nazaré, Ílhavo (e, infelizmente,  já falecido em 2012),   foi fur mil op esp., pertenceu à CCE 306, um das companhias de quadrícula do BCAÇ 357 (Norte de Angola, 12/5/1962 - 22/6/1964). Não há menção a editora ou tipografia nem ao ano de edição. O livro ou documento (ou melhor o ficheiro em pdf) tem 167 páginas numeradas, e ilustradas com várias fotos.

Pormenor biográfico  curioso mas revelador do tremendo sacrifício desta 1º geração de combatentes que foi chamado para ir para Angola, "rapidamente e em força": o autor foi para a tropa em 1958 e passou à peluda, seis anos depois, em 1964, a escassos meses de fazer 27 anos... Pela leitura, na vertical, que fiz ao livro, fico com a ideia que o Ângelo Ribau Teixeira, oriundo do meio rural, terá estudado num seminário diocesano ou de algum instituto religioso... Percebe-se sobretudo pelos seus diálogos com o capelão, Arnaldo, e pelas citações bíblicas. Por outro lado, quando partiu para Angola, no T/T Quanza, era já casado, deixava a mulher com um filho na mão e outro na barriga.

Há um índice com mais de 30 pequenos capítulos, alguns muito pequenos. O que acima reproduzimos é o "10. O homem do monóculo", e corresponde à página 60.

Um dos seus companheiros de armas, do seu pelotão (o 3º), J. Eduardo Tendeiro, assinou um curto prefácio (p. 6). Local e data: Covilhão, outubro de 2009. Presume-se que o livro seja uma edição de autor, e tenha saído nesse ano,  2009.





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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18927: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte II: Em combate (n=139) (Jorge Araújo)


Lisboa > Olivais Norte > A Rua Furriel João Nunes Redondo / Morto na Guiné ao Serviço da Pátria / 1963 ficou na Rua F da Zona dos Olivais Norte.

"João Nunes Redondo (Ílhavo /? – 22.03.1963/Guiné), era um Furriel Miliciano que quando estava no sul da Guiné, na Tabanca do Cubaque, a proceder ao levantamento de minas, verificou que o dispositivo de disparo de um dos engenhos fora inadvertidamente acionado por um dos sapadores que o auxiliavam na tarefa e, deliberadamente, lançou-se sobre a mina prestes a explodir, que o vitimou de imediato evitando a morte dos camaradas próximos. A título póstumo, foi agraciado com o grau de Cavaleiro com Palma da Ordem Militar da Torre de Espada e foi promovido a Sargento Ajudante, a 12 de março de 1964. O seu nome consta também na toponímia da sua terra natal como Rua Sargento Nunes Redondo." (Fonte: Toponímia de Lisboa > 13 de fevereiro de 2017 > Mortos na Guiné e Angola, em 1963, na toponímia de Olivais Norte) (Foto: Sérgio Dias, com a devida vénia... Reeditada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue


OS 221 FURRIÉIS QUE TOMBARAM NO CTIG [1963-1974] (POR ACIDENTE, COMBATE E DOENÇA) - Parte II: Em combate  (n=139)

Sinopse:

Na sequência da actualização da lista dos camaradas «Alferes» que tombaram no CTIG (1963-1974), publicada no P18860, anexo agora a referente aos camaradas «Furriéis», apresentando-a ao Fórum organizada segundo a mesma metodologia anterior, ou seja, por quadros de categorias (acidente, combate e doença) e por ordem cronológica.

Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como é timbre do nosso blogue, eis os quadros estatísticos dos 221 (duzentos e vinte e um) furriéis, nossos camaradas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, por diferentes causas: combate (n=139), acidente (n=68)  (*) ou doença (n=14).


2- QUADROS POR CATEGORIAS E ORDEM CRONOLÓGICA (Continuação)




















Jorge Araújo

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18924: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte I: Por acidente (n=68) (Jorge Araújo)

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18010: Agenda cultural (612): Ílhavo, Biblioteca Municipal, domingo, 26 de novembro, 17h00, lançamento de "O Livro das Santinhas de Apegar: textos poéticos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário do nosso amigo José António Paradela, arquiteto)









1. O meu amigo José António Bóia Paradela  é daqueles que eu considero do "peito", um dos "manos" que eu não  tive, já que nasci rapaz, o primeiro, num família de três raparigas. É bom ter amigos do "peito",  manos não pelo sangue mas pelo coração, os afetos, as cumplicidades, a amizade. (*)

Ainda há dias lhe escrevi um extenso (12 páginas) texto poético, celebrando as suas maravilhosas e frutuosas 80 primaveras... Começava assim:

"Tratado sobre a amizade, para o meu amigo do peito
José Paradela, arquiteto, ilhavense,
que tem um “alter ego”, de nome Ábio de Láparo.

Sobremesa literária
em jantar comemorativo de uma bela amizade
que não precisa de pré-textos."


E acabava assim:

Antes de começares o trabalho ciclópico de mudar o mundo,
ao quilómetro oitenta da tua picada da vida,
dá três voltas dentro de tua casa de Miraflores...

E sobretudo não esqueças a lição
sobre a parábola da Sabedoria e da Asneira:
Para os erros alheios temos os olhos do lince;
para os nossos próprios, os olhos da toupeira.

(Com um xicoração fraterno…
Reserva-me um lugar, a mim e à Alice,
na tua festa dos 100 anos,
com vista de mar)

Luís, teu amigo, teu mano.


2. Pois, o meu amigo do peito, o meu mano Zé António vai lançar o seu quarto ou quinto  (já não sei ao certo) livrinho, desta vez sobre as "santinhas de apegar"... Eu sabia que ele era um grande colecionador destas "santinhas de apegar", à laia das decalcomanias do nosso tempo de infância, que usávamos para "personalizar" os nossos cadernos escolares. 

Na introdução do livro ele escreve (, aliás, o seu "alter ego", Ábio de Lápara, vd aqui a sua sempre surpreendente página do Facebook):

(...) "Na Vida, cada um escolhe as suas Santinhas como pode e usa-as para personalizar os cadernos das  contas que ajusta com Ela"...

É um livro, original, de textos poéticos (não "poemas"), muitos deles  audiovisuais,  interativos (alojados no You Tube). É uma belíssima edição de autor, ilustrada, de que foi feita uma tiragem de 300 exemplares. O livro, de 125 pp, teve a execução gráfica de Oficina Digital - Impressão e Artes Gráficas Lda, com sede em Aveiro.

O lançamento do livro é este fim de semana em Ílhavo, na Biblioteca Municipal, às 17h00. O livro é apresentado por Paulo Costa, antigo vereador da cultura da Câmara Municipal de Ílhavo,

Tenho pena de não poder lá estar, no domingo, em Ílhavo. Além do seu imenso talento e da sua vasta cultura, o Zé António é uma pessoa de grande sinceridade, honestidade e encanto.  Estar com ele é sempre um  prazer.  Espero que alguns dos nossos amigos e camaradas da região de Aveiro possam representar a nossa Tabanca Grande na sessão de apresentação de mais este "filho" do nosso Ábio de Lápara...

Do penúltimo livro, lançado em 2015, "A Rua Suspensa dos Olhos", reproduzimos, em três postes, o capítulo 7 ("O mar por tradição"), com a descrição da viagem de seis meses que ele fez aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau...

Deste último livro, reproduzo, com a devida vénia, o texto "O Verde", que evoca a primeira vez, em 1955, em que o nosso autor se meteu num dóri, num mar de aicebergues...  Tal como na guerra, na pesca do bacalhau também havia uma distinção entre os "verdes" (periquitos, maçaricos, checas) e os "maduros" (velhinhos")... O "verde" era um pescador ou marinheiro da frota do bacalhau que embarcava pela primeira vez...
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Notas do editor:

(*) Vd. 30 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10596: Memória dos lugares (194): Ilhavo, Costa Nova... a terra do meu amigo e irmão mais velho e, porque não ?, meu camarada, o arquitecto Zé António Paradela, que hoje celebra 3/4 de século de existência, antigo marinheiro da pesca do bacalhau, último representante de um povo que tem o mar no ADN!... (Luís Graça)

(...) O Zé António, como bom ilhavense, é, também ele, filho e neto de gente do mar, tendo passado, aos 16 anos, pela pesca do bacalhau, na Terra Nova... Foi verdadeiramente a sua tropa, a sua guerra da Guiné... Uma experiência, duríssima, de seis meses, que o marcou para sempre... Homem de múltiplos talentos, também ele acabou de escrever um livro - a pensar nos amigos - a que deu o belíssimo título Uma Ilha no Nome: Crónica dos Dias Líquidos, e que eu tive a honra e o prazer de prefaciar. (...)

(**) Último poste da série >  22 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18003: Agenda cultural (611): O nosso camarada José Ferreira da Silva, autor dos Volumes I e II de "Memórias Boas da Minha Guerra", vai apresentar os seus livros na sua terra natal, Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, no próximo dia 2 de Dezembro

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17646: Agenda cultural (577): "Heróis que o tempo não apaga", palestra de capitão Aveiro, o escritor Valdemar Aveiro, Clube de Vela da Costa Nova (CVCN), Costa Nova do Prado, Ílhavo, 18 de agosto de 2017, às 21h30


Palestra baseada no livro do ilhavense Valdemar Aveiro, mais conhecido por Capitão Aveiro, "Heróis que o tempo não apaga: um conto real de vida", obra que acaba de ser editada, em maio último, pela Fundação Gil Eanes, com sede em Viana do Castelo.

São histórias e memórias da faina diária a bordo de um lugre bacalhoeiro, contadas na primeira pessoa do singular, por quem viveu de perto esta nossa odisseia coletiva, a pesca do bacalhau à linha.

Apresentação a cargo de Artur Aguiar.

Local, data e hora: Clube de Vela Costa Nova (CVCN), av José Estevão, Costa Nova do Prado, Ílhavo, tele 234 369 300... No dia 18 de agosto de 2017, às 21h30.

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de julho de 2017 >  Guiné 61/74 - P17627: Agenda cultural (576): Montemor o Novo, Biblioteca Municipal, Clube de Leitura, ciclo temático "A guerra colonial", 2ª sessão: "África na Literatura Portuguesa - Um tema de uma geração", por Carlos Matos Gomes, 4 de agosto, às 18h00. Entrada livre, aberta e incentivada à participação de todos/as.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15554: Notas de leitura (792): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau: III (e última) parte


Ílhavo > Costa Nova > Popa do navio bacalhoeiro Novos Mares onde andou o meu irmão, Tibério Paradela, após o Cavaco Silva ter negociado a demolição da frota.


Lisboa > Rio Tejo > s/d > O mítico lugre Argus, um dos mais (senão o mais) emblemátricos navios bacalhoerios da frota portuguesa: "Na Primavera de 1950 o dapitão australiano Alan Villiers e reporter da National Geographic, a convite do Embaixador Teotónio Pereira embarcou com os pescadores portugueses numa campanha do bacalhau, cujo relato resultou no livro “A Campanha do Argus” (...)  , um clássico da literatura marítima mundial, que teve tradução em mais de uma dezena de línguas, e que relata a pesca do bacalhau por 'homens de ferro em navios de madeira', a mítica 'frota branca', a última grande actividade económica que fazia uso da navegação à vela para viagens transoceânicas." (...) (Fonte: Wikipedia).



S/l> s/d > "Lugre bacalhoeiro de casco de aço e com quatro mastros construído em 1923 na Dinamarca (...). Navegou com carga geral até 1935, ano em que foi adquirido pelos armadores portugueses da Sociedade de Pesca Oceano Lda, da Figueira da Foz. (...)  O lugre de 1935 apresentava 687 toneladas de arqueação bruta e media 60 metros de comprimento fora a fora por 9,90 metros de boca por 3,50 metros de pontal. Podia carregar mais de 11 000 quintais de peixe salgado. Foi-lhe adaptado, em 1937, uma máquina Deutz de 480 bhp de potência. A sua tripulação compreendia 69 homens entre marinheiros e pescadores. Foi seu primeiro comandante (até 1939) o capitão João de Deus. Depois de muitos anos de serviço útil nos longínquos mares do Canadá e da Groenlândia, o «José Alberto» perdeu-se -durante a campanha de pesca de 1968- na zona de Virgin Rocks (Terra Nova), devido a um incêndio que se declarou a bordo e que não foi possível extinguir. Felizmente todos os seus homens puderam colocar-se a salvo antes do soçobro deste malogrado navio bacalhoeiro, que deixou imensas saudades na população figueirense". (...) (Fonte: Alernavos)



Canada > Torra Nova > "O  Gil Eanes em St. Jonh's em 1975. O figurante não sou eu, mas a foto foi tirada por mim" (JAP).




Porto >  c. 1918 > "Uma foto lindíssima do meu pai, embarcado com 12 anos com o cão ao colo por trás da boia do Pátria, o navio em que embarcou. O capitão era o pai do Mário Castrim, o cap Fonseca, de Ílhavo." (JAP)

Fotos (e legendas): © José Amtónio Paradela  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Terceira (e última) parte da publicação do capítulo 7 (A viagem “O Mar por Tradição”, pp. 91-107), do livro A Rua Suspensa dos Olhos, de Ábio de Lápara (edição de autor, Aveiro, 2015, 164 pp.) (*)...



O artista quando jovem marinheiro, a nordo do "Lousado", em 1955



Capa do livro, da autoria de José A. Paradela. O livro não está no mercado livreiro,
tratando-se de edição de autor  Mas, contra reembolso (10 euros, preço de capa + 2 euros, para portes de correio), pode ser pedido autor, através do seu endereço pessoal. Ver igualmente a sua página pessoal no Facebook.


2. A Rua Suspensa dos Olhos > 7. A viagem “O Mar por Tradição”, de Ábio de Lápara (2015) > III (e última) Parte (pp. 99-107) (*)


A Viagem 

 (...) Todas estas situações de extrema dureza eram agravadas pelas erráticas condições meteorológicas que impediam a pesca: ora ventos, ora nevoeiros e, sobretudo, pela aleatória presença de peixe nos pesqueiros. A tensão gerada por essas circunstâncias era de molde a criar situações explosivas de conflito, nem sempre evitáveis e nem sempre… no interior do navio!

Um certo dia, após vários outros de mau tempo e pescas nulas, amanheceu radioso um mar estanhado, característico da Groenlândia, sem um risco de ave ou ligeira brisa.

Largados os botes, passadas poucas horas começam a chegar os sintomas de um abundante dia de pesca com alguns deles a regressarem carregados muito antes da hora de chamada, que costumava ser por volta das cinco da tarde. Eis senão quando, alguns dos pescadores nos botes mais afastados, desataram a fazer sinais para o navio acenando com o casaco oleado enfiado num remo!

Estávamos na hora de almoço. Chamado o capitão à ponte, ao observar pelo binóculo apercebeu-se imediatamente do que se passava: Um arrastão norueguês cruzava a sua rede de arrasto por cima das linhas de pesca estendidas no mar, obrigando os nossos pescadores a cortá-las para não serem rebocados.

Então… ah, homem de uma figa!
– Levantar ferro! – ordenou ao imediato.
– Máquina a toda a força!– gritou para a casa das máquinas.
– Prepara a lancha! – altifalou para o contramestre.

Chegados a uns duzentos metros do arrastão, praticamente imobilizado pela rede cujo saco estava a chegar à borda, mandou arriar a lancha e, completamente fora de si, meteu-se lá dentro com o Armindo Verdade ao leme do motor fora de borda. Entretanto pedira a espingarda ao piloto, mas este, ciente da gravidade potencial da situação, tivera o bom senso de a esconder.

Abordado o navio norueguês, saltou destemido para o convés sem ponderar a imprudência do acto…
– Where is the captain? Where is the captain? [Onde está o capitão ? Onde está o capitão ?] – pergunta aos estupefactos marinheiros do arrastão, atarefados na recolha da rede.

Uma silhueta “viking”, de cabeleira loira, observava cautelosamente por trás do vidro numa janela da ponte de comando.

Esbracejando sozinho sobre o convés, incitava-o a vir cá abaixo ajustar contas. De pé sobre parte da rede já recolhida no convés do “inimigo”, a figura do nosso capitão recortava-se sobre o fundo azul do céu boreal como uma silhueta imponente, desmedida e trágica… agora, sobretudo trágica na solidão do seu gesto. Como, após várias tentativas de chamamento, não conseguiu obter resposta, colocou as mãos em campânula à volta da boca, e gritou para o nosso navio:
– João, corta-o ao meio! João, corta-o ao meio!

E, ritmando o gesto, apontava a mão direita estendida ao meio da palma da outra.

João, era o imediato, Morais de Almeida, a quem seria fácil executar a ordem. Bastava pôr a máquina avante, porque estávamos aproados pelo través de bombordo do arrastão e este seria rapidamente abalroado e afundado.

Em extremo desespero perante a lentidão propositada do imediato, e sem resposta do capitão norueguês, saltou novamente para a lancha gesticulando com os braços, indicando o saco da rede ainda à borda. Formulou então uma alternativa menos radical mas que seria talvez suficiente para acalmar o seu desejo de castigar o insolente “viking que estragara o único dia de pesca boa em muitas semanas de resultados nulos e de sofrimento pela ausência de peixe no porão.
– Larga-lhe o ferro em cima da rede, João! Larga- lhe o ferro, João…

Esticando o tempo, o imediato manobrou de modo a recolher a lancha de regresso, permitindo ao arrastão colher o saco.

De novo no navio, retomou o comando e lançou-se na peugada do norueguês, mas o Lousado era menos veloz e a perseguição pouco durou, até porque era necessário minimizar os prejuízos e apoiar a situação dos pescadores atingidos pelo infeliz episódio.

Homem com porte poderoso, um dia o contramestre comunicou-lhe que já não tinha mais linhas para substituir as estragadas na faina. Feitas as contas,  achou que alguma coisa estava errada. Esperou que todos os homens regressassem ao navio e, pelas seis da tarde, ordenou-me que pedisse a marreta ao contramestre e fosse com ele ao rancho, onde a tripulação se preparava para jantar.

Ali, existiam cacifos e “locas” junto aos beliches, atribuídas a cada tripulante, para que guardassem os seus parcos haveres. Indicando os cacifos um a um, pergunta:
– De quem é este cacifo?

Alguns respondem:
– É,  meu senhor capitão…
– Abre!

Se nada houvesse de suspeito, passava à frente e voltava a fazer a pergunta perante novo armário. Quando não obtinha resposta, ordenava-me:
– Rebenta-lhe a porta!

Com duas marretadas, assunto resolvido… Outro moço ao meu lado, esvaziava o cacifo e as linhas iam aparecendo!

Não foi necessário castigar ninguém, porque para castigo aquela vida já era bastante e os filhos em terra não tinham culpa. E nunca mais faltaram linhas na viagem.

Competia-me contar estas histórias em memória deste capitão, um homem de craveira excepcional, profundamente conhecedor dos tripulantes e dos seus problemas, o que lhe permitia ter uma palavra de estímulo ou censura, sem nunca necessitar de aviltar ninguém.

Estimulava os seus homens um a um, tratando-os pelo nome, e ia ao convés apoiar a tripulação quando entendia ser necessário fazê-lo. A mim tratava-me, em tom que me parecia afectuoso, pelo nome próprio. Conhecedor através do imediato, de que talvez um dia eu pudesse vir a ser seu colega, chamava-me para a ponte em “impostas” mais longas. Eu não o conhecia antes e nunca mais o vi depois desta viagem.

Era de Ílhavo e morreu muito novo. Seu nome: António Capote Teiga, para que conste.

Bastante tempo mais tarde, no Armazém da Memória, encontrei um poema:

O Captain! My Captain!
Our fearful trip is done, …

Walt Whitman


Oh Capitão, meu capitão!
Irmanados na loucura,
Nossos olhos pairam além do horizonte,
Na pátria amarga, incerta sepultura.

Capitão, meu capitão,
Cavalga rumo ao norte
E põe de capa
O poema ancorado em noite escura!
Neste oceano de morte,
Nem a liberdade escapa…
Ao viscoso braço da ditadura.

Capitão, meu capitão,
Cavaleiro involuntário do regime,
Cavalga a onda e o mistério
Da prática consumada deste crime,
Tecido em malhas negras do império.

Oh Capitão, meu velho capitão.
Sobre o deque esquecido
Entre bandeiras e multidão
Ficou o prémio devido
No adeus do coração cansado e triste
Quando inanimado caíste

Oh, Coração! Coração,
A viagem acabou
para todo o sempre!
Navio destroçado, voga indómito,
Adornado nos temporais
Entre espasmos de agonia
Como um vómito!

Capitão, meu velho capitão
Mata a tua solidão no vinho da nossa fonte,
Irmão da sorte avara, atado por cegos nós!
Se Deus está por aqui, dorme na ponte!
Vivos ou Mortos, estaremos sempre sós!


Quando o Lousado regressou ao cais, em Lisboa numa amena manhã de meados de outubro [de 1955], sobre o convés amontoavam-se os sacos de marinheiro e todos os presentes comprados para os filhos e as namoradas durante as estadias em St Jonh’s para reabastecimento ou simples abrigo em dias de ciclone no mar.

Feitos os pagamentos a cada um segundo aquilo que tinha pescado, a alegria transbordava dos rostos agora ressuscitados para o mundo habitado, enfeitados com o boné novo e o fatodomingueiro guardado no cacifo desde a última estadia em terra.

Abraços de despedida aos mais chegados na amizade, talvez algo desatentos pela ansiedade instalada no desejo de pôr os pés em terra para abraçar os seus.

Como de costume, porque eu evitava dizer quando partia ou chegava, a mim ninguém me esperava. Gostava de surpreender quem amava e me amava. Tal como o meu pai fazia por vezes, aumentando a nossa ansiedade e o prazer de o ver chegar!

Aqueles últimos momentos gastei-os a relembrar em rápida sucessão, os sonhos de amor gravados com a minha “faca de trote” nas pedras que vinham presas nos anzóis e que depois devolvia ao mar onde ainda hoje moram; as saudades dos meus familiares, que não via há mais de sete meses e que em breve abraçaria; os laços de forte amizade que criara; as aventuras que vivera tão intensamente; o desejo imenso de pisar terra, que me levou um dia a enveredar pelos montes de St. Jonh’s com saudades dos silvados e das amoras, até ver o navio lá muito longe, tão longe que me parecia um brinquedo flutuando na água do banho… mas também os momentos de violento sofrimento físico causado pelos dedos gelados, trilhados nos roletes, quando o mar estava picado e era necessário “dar amor à boça” para que o pescador não caísse ao mar!

E, súbito, a recorrente imagem dela, ali presente, o meu amor adolescente, desmedido, enchendo todo o espaço sobrante dentro de mim e o medo permanente de que se tornasse evanescente ao primeiro sopro… o meu doce martírio.

Alguns moços tinham preparado na véspera uns embrulhos com a habitual “caldeirada” para os tripulantes da proa – umas caras de bacalhau salgadas – extraídas por nós durante toda a viagem enquanto os pescadores estavam no mar, e que depois salgávamos no interior das barricas vazias da farinha com que se fizera o pão.

José António Paradela, hoje.
Foto: LG
O imediato, já vestido a rigor, acompanhava agora a entrega e despedia-se dos que iam saindo para o cais ao encontro dos familiares que os esperavam. Quando chegou a minha vez, entregaram-me um pequeno “atado” com quatro caras de bacalhau!… A mim, um jovem moço de convés, que tinha preparado milhares de caras, e outros subprodutos do bacalhau nas horas sobrantes das tarefas de preparação do navio para novo dia de pesca, aolongo de mais de seis meses no mar! A Viagem terminara!

À minha frente, um imenso sentimento de esperança no futuro pela possibilidade de redenção do meu curto passado de mau estudante. Um novo oceano, de contorno inexprimível, que ansiava por explorar com a indómita vontade dos meus 17 anos…

De olhos húmidos, com voz presa na garganta, ainda consegui articular,
– Obrigado, senhor Imediato. Não tenho como levá-las… junte-as à sua caldeirada!

E saltei para o cais correndo para um táxi que me levaria a Santa Apolónia, tomar o comboio para Ílhavo, onde celebraria a alegria dos reencontros.

[Revisão e fixação de texto, ilustrações, links e notas, exclusivamente para efeitos de edição deste poste: LG]
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Nota do editor:

(*) Vd. psotes anteriores:

23 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15531: Notas de leitura (791): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1954, aos bancos de pesca do bacalhau: Parte I

29 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15551: Notas de leitura (791): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau: II parte