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quinta-feira, 14 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19586: (D)o outro lado do combate (46): A Missão especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - Parte I: capa + pp. 1-3



Capa do relatório, de 11 (onze) páginas do relatório, policopiado que é uma versão portuguesa contendo a parte principal do "Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972)"... 



1. Ainda não encontramos, na Net,  o documento original, em inglês, do Comité Especial para a Descolonização, das Nações Unidas, que visitou as "áreas libertadas" da Guiné-Bissau, em plena guerra colonial, em abril de 1972, a convite de...Amílcar Cabral. Ou, melhor, temos encontrado excertos... Mas o relatório original, em inglês,  está documentado com fotos, mapas, itinerários, etc.

A cópia, em papel,  de que dispomos foi-nos fornecida há anos [, por volta de 2010, na sequência dos comentários ao poste P5680 (*), e não foram poucos: cerca de duas dezenas e meia!] pelo nosso camarada António Graça de Abreu, com vista a uma eventual publicação no blogue.

O documento é capaz de corresponder à seguinte referência bibliográfica que encontramos no portal das Memórias de África e de Oriente:

BORJA, Horácio Sevilla - A missão especial da ONU na Guiné Bissau, Abril 72 / Horácio Sevilla Borja, Folke Lofgren, Kamel Belkhiria. - [S.l.] : PAIGC, 1972. - 11 p.. - Corresponde a: Relatório [...]
Cota: BAC-135|CIDAC.

A iniciativa da sua publicação e divulgação, em Portugal, logo na época, deve ter pertencido ao CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral, com sede em Lisboa. Aliás, o o documento, de 11 páginas, consta da sua base de dados bibliográfica.

Logo na página não numerada, entre a capa e a página 1, se explica qual é  a natureza e a autoria do documento:

(i) o texto editado, em português,  é "a parte principal do relatório escrito e apresentado pela Missão Especial";

(ii) três membros do Comité Especial de Descolonização da ONU visitaram as "áreas libertadas da Guiné-Bissau" (sic), de 2 a 8 de abril de 1972, a convite do PAIGC;

(iii) nesse curto espaço de tempo (menos de um semana), terão percorrido 200 quilómetros (ida e volta), quase sempre a pé, visitando 9 localidades diferentes (o que, convenhamos, é obra para quem, como nós conheceu a Guiné, ou uma parte dela, a "penantes" ou de "viatura militar": Unimog, GMC, Berliet, Jeep...);

(iv) o objetivo da visita, que se fez à revelia do governo português de então, e sob protesto deste, era "assegurar informações em primeira mão sobre as condições nas áreas libertadas" (sic) e, simultaneamente, "averiguar as intenções e aspirações do povo no que respeita ao seu futuro";

(v) além de dois  funcionários da ONU (,1 secretário e 1 fotógrafo),  os membros da missão eram  os seguintes diplomatas: Horácio Sevilla Borja (Equador), Folke Lögfren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunísia); Borja foi o relator principal. (É hoje representante permanente do seu país na ONU, tendo sido até 2016, embaixador residente no Brasil.)

A edição do documento é atribuída. pelo CIDAC, ao PAIGC. Amílcar Cabral fez o que  lhe competia e convinha: tirou o máximo proveito  propagandístico desta polémica missão a que já nos referimos em poste anterior (*).
"
O documento, policopiado,  que agora reproduzimos tem a página 2 está pouco legível, as restantes estão com qualidade aceitável. Na página 2,  reconstituímos alguns parágrafos. O relatório foi digitalizado pelo nosso editor Luís Graça. Damos hoje início à sua publicação (, nove anos depois!...), esperando entretanto os preciosos comentários dos nossos leitores, e nomeadamente os que conheceram a região de Tombali, e em particular o "corredor de Guileje" por onde andaram os visitantes...vindos de (e regressados a) Conacri-Boké-Kandiafara. 

Na capa vem um mapa da Guiné, com o território assim distribuído: (i) "áreas libertadas"; (ii) "áreas onde há luta"; (iii) "áreas controladas pelo exército colonial português"; e (iv) "aquartelamentos do exército colonial"... Presume-se que o mapa seja da autoria do PAIGC e se reporte à situação militar no 1º trimestre de 1972. 

Salta logo à vista que faltam, no que diz respeito às posições das  NT em 1972,  inúmeros aquartelamentos, destacamentos e tabancas em autodefesa, com pelotões de milícia, em todas as três grandes regiões: Norte, Leste e Sul...Logo no setor L1, que eu conheci: há só referência a Bambadinca e Saltinho, faltam 3 importantes aquartelamentos (Xime, Mansambo e Xitole), fora os destacamentos do exército e das milícias...


2. Recorde-se o que aqui, neste blogue, já foi dito em 2010, no poste P568o (*): esta missão decorreu no sul, na atual região de Tombali. Representou para Amílcar Cabarl e o seu Partido uma suas maiores vitórias diplomáticas. A Região de Tombali engloba, hoje, os sectores de Bedanda, Catió, Como, Quebo e Quitafine, tendo um total de cerca de 3700 km2 e 90 mil habitantes. Na época teria muitíssimo menos população.

A missão da ONU  restringiu-se à zonas de Bedanda,  Catió  e Quitafine. Os diplomatas  focaram a sua atenção nas estruturas militares, aldeias, escolas e armazéns, e fizeram depois apreciações, que constam no relatório, sobre "a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional".  Os membros da missão vestiam fardas militares, com insígnias das Nações Unidas, e tiveram escolta de um bigrupo reforçado do PAIGC (cerca de 60 homens armados) sob o comando do Constantino Teixeira.

O(s) autor(es) do relatório inclui(em), nesta síntese, excertos de um relatório de Amílcar Cabral sobre "a agressão [portuguesa] contra a Missão Especial da ONU" (pág. 5, vd. no próximo poste)... Os números que utiliza são fantasiosos,  e faz referência as meios, alegadamente utilizados pelas NT que já não existiam, ou não existiam de todo no CTIG: por exemplo, os aviões de combate F-86 F, a artilharia de 130 mm... (confusão com a peça 11.4 e o obus 14).

Sabe-se qual foi a musculada resposta de Spínola, alguns meses depois: a decisão de reocupar o mítico Cantanhez, que o PAIGC controlava desde 1966, em termos territoriais e populacionais... A Op Grande Empresa, conduzida pelo recém-criado COP 4, teve início em 8 de Dezembro de 1972, com desembarque de forças e a sua instalação nas tabancas de Cadique Ialala, Caboxanque e Cadique. Seria também ocupada a região de Jemberém e construída uma estrada táctica a ligar as duas margens da península do Cantanhez...

Na sua mensagem de Ano Novo 1973, Amílcar Cabral denuncia e reconhece as tentativas de reocupação do Cantanhez, aos microfones da Rádio Libertação, três semanas antes de ser assassinado (Oiça-se o registo aúdio, disponível no Dossier Amílcar Cabral, da Fundação Mário Soares).





Página não numerada, que antecede a página 1 do documento, de 11 págunas e que vem a seguir à capa.





[resta, pântanos e savana. Durate o percurso, a Missão atrvessou três ribeiros e rios e cruzou numerosos arrozais. Algumas horas antes do amanhecer de 3 de Abril, a Missão chegou ao seu primeiro destino, no coração das florestas do setor Balana, uma base do exército do PAIGC, fortemente guardada,  formada por várias tendas,  cabanas e barracas, que é o Quartel General do Comissariado Político para a Região Sul.  Aqui a Missão encontrou , entre outros, os seguintes líderes e membros do Comité Executivo:  João Bernardo Vieira (Nino), comandante do exército de libertação; Vasco Cabral, ideó.]



[feitos por atilharia pesada: as culturas tinham sido destruídas com napalm e havia muitas palhotas e celeiros destruídos. Durante o percurso a Missão visitou a aldeia de Ien-Kuntei que foi totalmente destruída no dia seguinte por bombardeamentos aéreos, e passou a 2 km do acampamento militar português de Bedanda.

Na manhã de  4 de Abril, a Missão chegou à escola  Areolino Lopes Cruz, no sector Cubucaré (região Catió), onde ficou duas noites. Esta escola, que tem o nome de um dos primeiros professores mortos durante um ataque dos portugueses, ministra o ensino primário a 65 alunos, entre os 10 e os 15 anos. A maioria dos alunos são órfãos ou filhos dos soldados do PAIGC. Por]




(Continua)

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de janeiro de  2010 > Guiné 63/74 - P5680: Efemérides (41): No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral, recordando o sucesso diplomático que foi a visita da missão da ONU às regiões libertadas, no sul, 2-8 de Abril de 1972


Na altura, em 22/1/2010, o António Graça de Abreu escreveu o seguinte, em comentário:

(...) Já havia esquecido, mas ontem fui aos meus papéis velhos sobre a Guiné e lá encontrei o relatório da "Missão especial da ONU na Guiné, Abril de 1972."

Está aqui comigo e recomendo a leitura e entendimentos a todos os que passámos pela Guiné na fase final do conflito. Esclarecedor, brilhante, também angustiante.As verdades dos factos. Talvez a publicar no blogue mas são dez páginas em A 4.

Em anexo ao texto dos homens da ONU, são publicados excertos do relatório então escrito por Amílcar Cabral sobre a visita dos homens da ONU.  No nosso blogue temos tido o gosto (eu não) de denegrir a capacidade militar das NT (Guileje, a guerra militarmente perdida, perdida em termos militares, etc.). Pois Amílcar Cabral faz exactamente o contrário, exalta e exagera a capacidade militar das tropas portuguesas em Abril de 1972.

Leiam as palavras de Amilcar Cabral no seu relatório sobre Missão da ONU:  "No dia seguinta da partida da missão (da ONU), o estado Maior Português, declarou o estado de prevenção para os 45.000 militares das tropas coloniais existentes no nosso país, dos quais 15.000 se encontram acampados no Sul (...) 10.000 homens das tropas especiais foram transportados durante alguns dias de Bissau para o Sul. Se juntarmos as forças da aviação e da marinha que operaram no decurso da agressão, o número total de homens mobilizados foi da ordem de 30.000."

Isto num pequeno país onde, segundo a missão da ONU,  3/4 do território eram "zonas libertadas pelo PAIGC" que dispunha de 5 a 6 mil combatentes, e onde (agora em Janeiro de 2010) segundo a opinião do diplomata equatoriano da ONU que fez parte da missão, os portugueses, "entrincheirados nos  seus quartéis" apenas "se deslocavam por via aérea."
Tanto dado falsificado! Difícil fazer a nossa História e a dos povos da nossa Guiné!" (...)


(**) Último poste da série > 27 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19536: (D)o outro lado do combate (45): A morte de Rui Djassi - II (e última) Parte - A Op Alvor, península de Gampará, de 22 a 26 de abril de 1964 (Jorge Araújo)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7259: Notas de leitura (168): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
As memórias do Luís Cabral chegaram ao fim.
Passo agora para a crónica dos feitos dos fuzileiros.
Até 17, não desarmo. Depois, lembrem-se de mim enquanto percorro os itinerários por onde andei. Vou falar com a lavadeira do Jaime Machado, procurar os amigos do Torcato, comprar uma morança em Finete para o Jorge Cabral (mais dama de companhia e duas meninas para ir às compras), levo roupa para bebés, o Humberto Reis já me anunciou que tem vários quilos de esferográficas e lápis para a escola de Bambadinca. É bom sentir que estamos vivos e enternecidos. Contem comigo se houver encomendas pequenas. Ninguém pode viajar com mais de 23 kg e um saco de mão (neste levo todos os livros que pretendo oferecer), não se esqueçam.

Um abraço do
Mário



“Crónica da Libertação” (5), por Luís Cabral

Beja Santos

Do ataque a Conacri ao assassinato de Amílcar Cabral

A nova realidade a partir de 1970 eram os foguetões, o jato do povo. Mansoa, a cerca de 60 quilómetros de Bissau, foi o primeiro aquartelamento a experimentar a nova arma. Os comandantes eram Manecas e Baro, originários de Cabo Verde. 

Por essa época, tinha-se ganho a consciência de que o PAIGC adquirira uma grande capacidade de lutar e vencer. Por isso, os militares do Estado-Maior, em Bissau, planearam uma destruição do PAIGC dentro da República da Guiné. Escreve Luís Cabral: 

“Esta aventura sem precedentes na história africana contemporânea foi cuidadosamente preparada por Spínola. Apoiados por representantes em Conacri de outros países da Europa Ocidental interessados na queda do regime de Sekou Touré, este plano, que seria executado com a cumplicidade de altas personalidades do Governo e do Exército guineense, não tinha, segundo a opinião dos seus organizadores, qualquer hipótese de falhar”. 

São hoje sobejamente conhecidas as fases do ataque e a orgânica do seu planeamento. Houve desaires inesperados, resistência, desencontros e deserções. Tudo conjugado, a situação internacional ainda se tornou mais hostil com o regime de Lisboa.

Depois de descrever os redobrados ataques ao Morés e um grave acidente em que se afundou um barco do PAIGC no porto de Boké, o autor refere o novo encontro de Amílcar com os dirigentes do partido, a seguir ao ataque a Conacri. Era crucial mexer nas estruturas, alterar os estatutos do partido, encontrar novas orientações para o Partido-Estado. Para Amílcar, a situação tinha carácter temporário, na devida altura haveria uma separação entre funções partidárias e funções estatais. Foi criado o Conselho Superior da Luta, de onde se elegeria o Comité Executivo da Luta e este órgão incluiria os Membros do Conselho de Guerra, o Secretário-Geral, os Comités Nacionais das Regiões Libertadas do Norte e do Sul e os Comandos das três Frentes. 

Houve referências muito directas à vida pessoal dos quadros e dirigentes do partido e a certa altura terá ido directo ao assunto: 

“Ninguém dorme à noite como bom militante e se levanta de manhã disposto a trair, disse o Secretário-Geral. As condições muitas vezes subjectivas que levam o quadro à traição vão-se acumulando pouco a pouco sem que ele tenha sequer consciência disso. Até que um belo dia sente que tem todas as razões para ser contra o partido ou contra a sua direcção”. 

Amílcar mostrava-se muito crítico sobre o comportamento de alguns dirigentes e justificou algumas desorientações pelas características da luta: grandes distâncias, carências de meios de comunicação, sérias dificuldades numa verdadeira coordenação das forças ao nível nacional.

Nas páginas seguintes, Luís Cabral dá conta da vida organizativa do PAIGC a partir do Senegal. Mais adiante, refere os acontecimentos de 20 de Abril de 1970, em que, em pleno chão manjaco morreram três majores, um alferes e alguns acompanhantes. Para Cabral tinha sido urdido um plano para levar uma parte significativa das forças do PAIGC na região entregar-se às autoridades portuguesas. André Gomes, o dirigente local, limitara-se a dirigir fogo sobre os oficiais. Como se sabe, esta versão é uma descarada mentira, os oficiais foram pura e simplesmente chacinados, não ofereceram qualquer resistência, vinham parlamentar e foram retalhados com armas brancas.

Os relatos seguintes prendem-se a acontecimentos vividos por Luís Cabral na região de Zinguichor. Depois relata a vinda a territórios libertados de uma missão especial da Comissão de Descolonização da ONU. Não deixa de aludir à passagem por Zinguichor de dirigentes fugidos da colónia como Momo Turé e Aristides Barbosa, que faziam parte do grupo de Rafael Barbosa. Para Luís Cabral, Momo era conhecido pelas suas actividades contra o partido (que tipo de actividades e com que práticas de sabotagem, nunca ficamos a saber).

Iniciou-se um processo eleitoral para seleccionar os candidatos a conselheiros regionais, e Cabral considera que todo este processo deu alento à consulta popular que veio a desaguar na declaração unilateral de independência, em 1973. De 1972 para 1973, aumentou a projecção internacional de Amílcar Cabral, presente em conferências em três continentes. A ONU, através de uma resolução adoptada pelo Conselho de Segurança, consagrou o reconhecimento do PAIGC como representante legítimo da Guiné e Cabo Verde. 

Em Moscovo, Amílcar Cabral obteve armamento susceptível de destruir a Força Aérea, os mísseis denominados Strela. No regresso, Amílcar encontra-se com Luís e confessa-lhe que há problemas graves nas fileiras do partido. Na noite de 31 de Dezembro, Cabral dirigiu a tradicional mensagem de Ano Novo aos combatentes. Referiu-se às eleições para Assembleia Nacional Popular e à necessidade de proceder a modificações na estrutura da direcção do partido com o fim de dar a um certo número de camaradas a possibilidade de se dedicarem inteiramente ao desenvolvimento da luta das ilhas de Cabo Verde.

No fim da tarde de 21 de Janeiro de 1973, Luís Cabral chegou a Dakar, vindo de Zinguichor. É aí que recebeu a notícia do assassinato de Amílcar, na véspera. Em estado de choque, recebe pêsames de representantes do Governo, dos seus familiares, dos colaboradores mais íntimos. Recordou a sua infância e juventude e tudo quanto devia ao irmão, não lhe saia da mente aquela inteligência viva, a sua infatigável capacidade de trabalho, a sua alegria de viver. São páginas de saudade incontida, é impossível lê-las a não ser com profundo respeito e aceitar a sinceridade da dedicação. Por exemplo: 

“Era espantoso como conseguia fixar os nomes dos seus camaradas. Podia passar meses sem ver um combatente, mas ao reencontrá-lo na sua base ou na fronteira, chamava-o quase sempre pelo seu nome. Se tratasse de alguém que vira doente ou ferido, num hospital, queria logo saber da sua saúde com o sincero interesse que consagrava à vida de cada militante do partido, de cada elemento da nossa população”.

Luís Cabral parte para Conacri, não sem antes ter feito uma declaração dizendo que o crime não poderia parar o avanço da luta que ia continuar vitoriosamente. E termina: 

“Fui surpreendido pelas minhas próprias palavras. E compreendi que não podia haver dúvidas de que o partido de Amílcar Cabral seria capaz de ultrapassar a maior prova da sua história. Nós, seus companheiros, tínhamos de encontrar forças para serrar fileiras, e, no caminho por ele traçado, levar o partido e os nossos povos para as vitórias por ele tantas vezes anunciadas”.

É um livro muito importante, não se pode descurar este entusiasmo e esta devoção a Amílcar Cabral. O PAIGC, goste-se ou não, foi edificado à semelhança da imagem que lhe deu Amílcar Cabral. Foi esta a sua grandeza, foi esta a contingência de tanta ambiguidade e das roturas que chegaram, não muito tempo depois.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7241: Notas de leitura (167): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (4) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 29 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)

1. Texto do ex-1º cabo paraquedista Victor Tavares , do BCP 12 / CCP 121 (1972/74) (1)


OPERAÇÃO MURALHA QUIMÉRICA

Acção desenrolada entre 27 de Março e 8 de Abril de 1972, no sul da Guiné (Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael).

Esta operação, na qual participaram as CCP 121, 122, 123 e outras forças, com resultados excelentes, nas zonas operacionais de Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael Porto, foi uma das muitas operações importantes em que intervieram os Paraquedistas do BCP 12 durante o ano de 1972.


Zona de acção: uma 'zona libertada' do PAIGC

A zona de acção situava-se numa região que o PAIGC considerava libertada e onde os guerrilheiros se movimentavam com relativo à-vontade conforme se viria a constatar.

O rio Balana separava o corredor de Guileje, que se estendia a sul entre a fronteira e ia até Salancaur Jate. A outra, a norte do mesmo rio, onde se movimentavam os grandes efectivos do Primeiro Corpo do Exército do PAIGC e que se incluía no troço do corredor de Missirá.

Para esta operação, além das Companhias de Paraquedistas, também fizeram parte duas Companhias de Comandos Africanos assim como duas Companhias do Exército, as CCAÇ 3399 e 3477, mais a CCAÇ 18 além de um grupo especial do COE. Todas estas forças estavam sob o comando do Tenente-Coronel Paraquedista Araújo e Sá, Comandante do BCP 12, tendo como adjunto o Cap Paraquedista Nuno Mira Vaz.

Todas estas forças estavam organizadas em vários agrupamentos operacionais.

A Operação iniciou-se no dia 27 com o deslocamento de parte dos efectivos a serem colocados por via aérea em Aldeia Formosa e Gadamael Porto, para no dia seguinte serem lançadas várias acções simultâneas na região.

Logo após a helicolocação de dois Grupos de Combate de Parquedistas, estes detectaram um grupo de guerrilheiros com quem tiveram um forte contacto, causando-lhe dois mortos e a captura de 1 Kalashnikov e de 1 LGF-RPG 7 assim como vários carregadores e 4 granadas de RPG 7.

Horas mais tarde este mesmo Agrupamento teve contacto com outro grupo IN, abatendo um dos seus elementos, capturando 1 Metralhadora ligeira Degtyarev e provocando alguns feridos conforme se veio a confirmar pelos vários rastos de sangue existentes no local das suas posições.


10 guerrilheiros e 4 civis mortos na sequência dos bombardeamentos dos Fiat


Entretanto os Paraquedistas que compunham este Agrupamento, vieram a emboscar durante a noite num local perto de uma picada e de uma zona bombardeada pela nossa aviação.

Manhã cedo, 5 horas e pouco, foi levantada a emboscada, seguindo a direcção do local bombardeado na véspera pelos Fiat 91. Nesse local detectámos um acampamento IN, parcialmente destruido. No seu interior encontravam-se 10 guerrilheiros do PAIGC mortos, todos fardados, e 4 civis da população.

O bombardeamento do dia anterior tinha sido feito com grande precisão e rapidez, não dando possibilidade de se protegerem nos vários abrigos subterrâneos que os mesmos aí dispunham.

Passada revista ao aldeamento foi apreendido o seguinte material de guerra,:

  • 1 canhão SB-10, com o respectivo aparelho de pontaria;
  • 1 morteiro 82 completo;
  • 1 bipé de morteiro 82; 
  • 1 espingarda semiautomática Simonov;
  • 1 pistola metralhadora PPSH; 5 granadas de LGF-RPG 7;
  • 4 granadas de LGF-RPG 2:
  • além de várias peças de fardamento e muitas munições de vários calibres.

Durante a revista, um grupo de guerrilheiros atacou as nossas forças, que prontamente responderam pondo-os em debandada e provocando-lhe mais 1 morto e a perda de 1 Kalashnicov.

No mesmo dia por volta das 14 horas este agrupamento foi visitado na zona de acção pelo Comandante Chefe [gen Spínola].


A actuação dos Comandos Africanos


A 1 de abril [de 1972] outro Agrupamento, formado por três Grupos de Combate de uma das Companhias de Comandos Africanos, detectou um grupo inimigo estimado em cerca de 35 elementos, que se deslocava em direcção à fronteira.

Foi então movida a perseguição, vindo a ter um forte contacto de cerca de 15 minutos, causando-lhe 4 mortos e a apreensão de 2 Kalashnikov assim como vários equipamentos destes elementos abatidos.

Por sua vez outro Agrupamento, este constituído por 2 Grupos de Combate também de uma das Companhias de Comandos Africanos, quando nesse mesmo dia procedia a evacuação de um militar doente, foi atacado por um grupo da força inimiga que, fazendo largo uso de morteiros e LGF-RPG 2 e 7, lhes veio a provocar 1 morto e 5 feridos, embora durante a reacção das nossas tropas os guerrilheiros do PAIGC tenham sofrido 3 mortos e vários feridos e perdido os equipamentos destes.

A 3 de Abril o Agrupamento Onça 0, formado por dois Grupos de Combate da CCP 122, detectou um acampamento na Região do Xitole, onde recolheu 4 granadas de canhão s/recuo e 12 granadas de RPG 2.

Continuada a batida, foi encontrada na zona do Corredor de Missirá, outro acampamento IN, este já abandonado à pressa, onde foram encontradas 5 granadas de RPG 2, 1 carabina Zbrojovska, além de 30 mochilas contendo artigos de fardamento e munições em grandes quantidades.

Foi ainda este Agrupamento que no dia 5 de Abril detectou outro acampamento do PAIGC na região de Guileje, onde foram apreendidas 22 granadas de morteiro 82, 3 de RPG 7 assim como diversos equipamentos com munições.

No dia 8 de Abril foi dada como terminada esta Operação, alcançando os seus principais objectivos, neutralizando a organização que o PAIGC tinha naquela região, pelo menos durante algum tempo, o que viria a acontecer, até porque o PAIGC já possuía algumas estruturas, tais como um hospital e uma Loja do Povo, destruídos pelas nossas tropas na região de Guileje.

Este cenário veio entretanto a ser alterado, porque as forças de guerrilha do PAIGC acabaram por se reorganizar e, passados alguns meses, estavam com uma dinâmica operacional incrível, bastará recordar o que se passou em Guileje e Gadamael um ano depois. Nnguém que passou por aquele sector operacional esquecerá o inferno porque passou...


Balanço das perdas do PAIGC

Nesta grande Operação as Tropas Paraquedistas tinham obtido os seguintes resultados totais: 30 mortos, 17 guerrilheiros feridos e capturados, além de muitos feridos causados durante os vários contactos tidos, capturando também o seguinte material:

1 canhão s/recuo B-10,
1 morteiro 82 completo,
2 metralhadora ligeira Degtyarev,
4 espingardas automáticas Kalashnikov,
2 espingardas semiautomáticas Simonov,
1 espingarda Mauser,
2 pistolas-metralhadoras PPSH (costureirinhas),
1 carabina Zbrojovska,
5 granadas de mão defensivas,
24 granadas de morteiro 82,
22 granadas de RPG 2,
14 granadas de RPG 7,
6 granadas de canhão s/recuo,
2 cunhetes de munições 7,62,
além de muito fardamento e equipamento militar.

Por seu lado a CCP 121 sofreu 2 feridos provocados pela explosão de uma granada da nossa artilharia que rebentou a boca do cano.

Quanto às restantes forças que participaram nesta operação, os Comandos Africanos tiveram 1 morto e 7 feridos.


Louvor ao Batalhão de Paraquedistas 12

O Comandante Operacional das Forças Terrestres Tenente-Coronel Paraquedista Araújo e Sá, no Relatório de Operações, fez uma destacada citação às tropas participantes não pertencentes ao BCP 12, designadamente às duas Companhias de Comandos Africanos e às Companhias de Caçadores 3477, 3399 e CCAÇ 18 pelo seu espírito de missão, assim como aos Pilotos da Força Aérea com saliência para o Alferes Trindade Mota, Piloto de Helicanhão.

Também relacionado com a Op Muralha Quimérica, o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné concedeu ao Batalhão de Paraquedistas um Louvor que relevava a forma valorosa como, uma vez mais, as Tropas Paraquedistas do BCP 12 se tinham batido neste Teatro de Operações.(2)

Findo este período as nossas forças regressaram em LDG ao BCP 12 para retemperar forças e preparar-se para novas missões.

Victor Tavares


______________

Notas de L.G.

(1) Vd. posts do Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)(3)

18 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1610: Ao meu pai, Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 (Osvaldo Tavares)

8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)(4)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

(2) Vd. poste  de  26 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19623: (In)citações (127): A Comissão Especial da ONU e outros embustes… (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)