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quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20389: Historiografia da presença portuguesa em África (188): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4): "Portugueses e Espanhóis na Oceânia", por René Pélissier (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
O historiador René Pélissier procede a uma comparação de duas colonizações ibéricas, face às resistências armadas em duas ilhas da Oceânia: Timor para os portugueses, Ponape para os espanhóis, contextualiza os dois impérios na curva descendente, a tentativa expansionista da Espanha nas Filipinas e a atitude portuguesa, de manutenção defensiva, Lisboa não podia ir mais longe, o foco vital, naquela altura, era a África e a situação financeira mantinha-se caótica. O historiador desvela o modo distinto como procederam os colonizadores espanhóis e portugueses, evidentemente a Espanha veio a perder as Filipinas, Guan e as Antilhas espanholas, o Timor português permaneceu incólume, a atitude da repressão portuguesa foi suficientemente brutal a ponto dos poderes gentílicos terem ficado definitivamente erodidos.
Uma obra para ler cuidadosamente, dá para entender esta faceta tão cara ao colonialismo português: as alianças gentílicas contra o insurreto, transformado em inimigo do colonizador e dos outros régulos.

Um abraço do
Mário


A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4)

Beja Santos

René Pélissier
O mais recente livro de René Pélissier em Portugal intitula-se “Portugueses e Espanhóis na Oceânia, duas formas de resolver insurreições”, Principia / Tribuna da História, 2018. O autor justifica assim a substância do seu trabalho: “Trata-se de examinar e comparar, durante um curto período (1887-1899), as atitudes e atividades militares de duas colonizações ibéricas, face às resistências armadas e rebeliões de sociedades ou autoridades indígenas que pretenderam subjugar em duas ilhas da Oceânia: Timor para os portugueses, Ponape para os Espanhóis”. Como é óbvio, o foco desta leitura passa pela questão colonizadora, os métodos usados para a pacificação de gente insubmissa. O autor compara o potencial militar espanhol e português no Pacífico, as duas potências coloniais estavam na curva descendente, com as finanças praticamente falidas, a Espanha sonhava com a expansão, Portugal com a retenção, os seus efetivos tinham recrutamentos diferentes, O efetivo português era multifacetado em termos de origem (muito poucos metropolitanos, indiano ou sino-portugueses de Macau e, após 1878, algumas tropas africanas vindas de Moçambique). O jogo de alianças tinha a ver com o génio colonial português baseado na manipulação dos chefes gentílicos, em caso de necessidade pagava-se ao inimigo dos insurretos nesta ou naquela ocasião, compensava-se o aliado com o saque, assim se procedia com os guerreiros das montanhas, os régulos (“liurais”) e os seus nobres, hostes sempre provisórias. René Pélissier lembra que na época Timor era uma ilha de cortadores de cabeças inveterados que adoravam bater-se pelo saque e guarnecer de crânios as fortificações das suas aldeias. A administração podia reunir, sob a sua bandeira, 15 ou mesmo 20 régulos, qualquer coisa como 10 mil homens armados, mais o milhar de moradores de choque e uma escassa centena de soldados regulares de apoio (moçambicanos e artilheiros). Para quem já estudou as campanhas de pacificação do Capitão Teixeira Pinto, há pouca novidade.

O governo português vivia num período singularmente crítico, tinha-se perdido o Brasil e a quase totalidade do seu primeiro império, o Oriental (salvo os entrepostos da Índia, Macau e uns pequenos retalhos na Insulíndia), apostava-se decididamente em África, ainda houve o sonho de criar um território homogéneo de Angola a Moçambique, mas a Grã-Bretanha lançou o Ultimato, encurtou-se o sonho para Angola e Moçambique. Os espanhóis sentiam-se inquietos com a presença britânica e alemã na vizinhança, houve mesmo um contencioso com Berlim, quando esta anunciou a posse das Carolinas, Madrid reagiu e mandou ocupar, assim se criou Ponape. Observa o autor: “Sem o saber, o governador das Carolinas Orientais tinha acabado de desembarcar num vespeiro a 3800 km de Manila, ou seja, a 15 dias de distância por navio-correio a vapor. A distância até à capital das Filipinas é quase igual à que separa Timor de Macau: aproximadamente 3600 km”.

1887 foi um ano sangrento para os governadores espanhol e português. A 3 de março de 1887, o governador de Timor foi morto pelos seus auxiliares, em Dili; a 4 de julho do mesmo ano o governador espanhol das Carolinas Orientais foi abatido pelos seus novos colonizados. Recorde-se a existência de diferenças nos dois processos coloniais. Em Ponape, a colónia era de fresca data, havia a ingerência de estrangeiros, desde os baleeiros aos comerciantes, contenda entre capuchinhos e missionários metodistas, era um poder colonial frágil que obrigou à mobilização de efetivos para um regresso em força. O novo governador de Timor, o Capitão-de-Fragata Rafael Jácome Lopes de Andrade possuía apenas um vapor em mau estado, duas companhias de soldados africanos, alguns soldados europeus e maratas (de Goa), num efetivo total provável de 250 homens. Empreendeu uma pequena campanha vitoriosa na Costa Norte e tomou medidas promissoras de apaziguamento, perdoou a vários régulos insubmissos. Em Ponape, andava-se a ferro e fogo, os governadores de Timor envolveram-se em companhas, agregaram auxiliares indígenas, intimidaram, incendiaram, usaram os métodos mais radicais. Em Lisboa, numa década de desespero financeiro, em que se chegou a pensar em confiar Timor a uma companhia majestática segundo o modelo moçambicano, seguia-se com admiração o que os governadores obtinham, a preços low cost.

René Pélissier desvela dois modelos militares e coloniais antagónicos, em Ponape uma política colonial amorfa ou inibida, em Timor um modelo de conquista impiedoso. E fala de José Celestino da Silva, um coronel de Cavalaria, como o grande obreiro desse processo de pacificação, um governador que se tornaria “rei de Timor”, uma invejável longevidade de governação, queria ser obedecido por todos, obrigar a população a produzir café, e foi bem-sucedido. O autor dá-nos um relato desenvolvido das campanhas, uma sequência de sucesso até se chegar ao maior desastre dos portugueses, o aniquilamento da coluna do Capitão Câmara, em 1895, o autor observa que foi o maior desastre dos portugueses na Oceânia e provavelmente de todos os exércitos coloniais do Pacífico Sul antes da II Guerra Mundial: 5 oficiais e 4 sargentos decapitados, juntamento com 19 soldados brancos, indianos ou africanos, uma boa centena de moradores e um número desconhecido de auxiliares deixaram igualmente os crânios no terreno, perderam-se espingardas, três canhões, um obus e muito mais. Celestino da Silvo recompôs-se e limpou a honra, foi implacável na punição. No ano seguinte obteve-se autonomia administrativa, Lisboa decretou que Timor passaria a ser um distrito autónomo separado de Macau, embora Macau continuasse a pagar um forte subsídio a Dili, o défice orçamental timorense era catastrófico.

A Espanha envolveu-se em mais guerras, os EUA deram-lhe o golpe de misericórdia, em dado momento, Madrid vendeu o que restava dos seus arquipélagos na Oceânia aos alemães por 25 milhões de pesetas, perdera as Filipinas, Guan e as Antilhas espanholas. O novo colonizador de Ponape revelou-se tão brutal como os portugueses em Timor. No somatório destas insurreições juguladas, tanto em Ponape como em Timor, os chefes gentílicos saíram diminuídos, o sistema quase feudal das duas ilhas não voltaria a erguer-se. O método de alianças e a brutalidade na repressão foram ingredientes da colonização portuguesa, os timorenses acataram a soberania e a bandeira, ficarão do lado português quando os japoneses ocuparem Timor, em fevereiro de 1942.
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Nota:
Informação do tradutor Daniel Gouveia:
A Editora Tribuna da História/Principia pode enviar por correio todas as encomendas com 10% de desconto e oferece os portes a quem encomendar indicando que vem da parte de Daniel Gouveia.
O procedimento é o seguinte: os interessados enviam um email para principia@principia.pt a dizer que têm interesse em comprar o livro “Portugueses e Espanhóis”, na sequência da informação que receberam de Daniel Gouveia. A Principia responde enviando as informações para pagamento por transferência bancária ou por Multibanco e pedindo a morada para envio. O preço do livro será 9€ sem mais custos.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20366: Historiografia da presença portuguesa em África (187): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (3): "Racismos, Das Cruzadas ao Seculo XX", por Francisco Bethencourt (Mário Beja Santos)

sábado, 20 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19701: Os nossos seres, saberes e lazeres (319): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte III: Pequim e Macau, out / nov 1982

1. Foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras. Viveu em Pequim e Xangai entre 1977 e 1983.  Ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com 230 referências. Vive em Cascais. É um cidadão do mundo, poeta, escritor e reputado sinólogo. Chama-se António [José] Graça de Abreu, nascido no Porto em 1947.


2. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (*)

por António Graça de Abreu



Pequim, 15 de Outubro de 1982
O António Graça de Abreu, em Pequim, na Praça Tianamen,
s/d, [c. 1977/83]

As autoridades chinesas deram-me o dia 26 de Outubro [de 1982] como limite da minha estadia na China. Vim com um visto de turista que já não pode mais ser prorrogado, a não ser que eu tenha uma actividade laboral que justifique a permanência no país. O embaixador Costa Lobo [ , embaixador em Pequim, entre 1982 e 1985], disse-me anteontem que tinha enviado, há dias, um telex para o Palácio das Necessidades, registando o meu pedido de trabalho na embaixada, mas que não obtivera qualquer reposta. Deve ser verdade.

A espada de Démocles suspende-se sobre a cabeça de um pacato cidadão das terras lusitanas. Ou talvez não, a espada pode cair mas, em vez do gume afiado ser de ferro, aparecerá revestido de uma lâmina de papelão. A ver vamos…

Ando preocupado, pois claro, como preocupado viajo pela vida há já não sei quantos anos. Sei que o ponto de viragem é a curva com mais curvas que encontrei desde que nasci. Todavia, fui eu que escolhi a estrada, sou eu que conduzo, acelero, travo, volteio. Os obstáculos no percurso são colocados por estranhos, não depende de mim o traçado da via, nem os buracos traiçoeiros, o piso escalavrado, os barrancos na berma, a lama ou a gravilha. Eu sabia que era sim e não tive receio da viagem. Agora só me resta continuar a conduzir e a manobrar. Que não me faltem forças para chegar vitorioso ao fim da prova mais dura de toda a minha vida. Como troféu, receberei não uma taça, não uma coroa de louros, mas uma mulher chinesa.


Pequim, 19 de Outubro de 1982

Estou com um pé no estribo para saltar para Hong Kong e Macau. Faço um pequeno balanço do que tenho escrito neste diário e há sempre mais vida do que a escrevinhação quotidiana mostra, as palavras saem inseguras, confusas, falhas de energia. Quando começarei a escrever bem, a escrever obra? Tenho montado o esquema, já levantei a arquitectura do romance a inventar “Chen Yuhua, a Menina de Jade”, mas não escrevo nada.

As minhas incapacidades capazes terão a ver com as raízes que mergulham de modo avassalador e profundo no húmus dos dias. Porém, em vez de árvore frondosa, nasce um caule enfezado e retorcido, rebentos e ramos que quase não se vêem.

Pequim, 20 de Outubro de 1982

Seis horas da tarde no bar do hotel Yangjing. Espero o Tian Hu, meu aluno na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Xangai, colega da Yu Ping. O rapaz vive aqui na capital e chega para, no edifício ao lado do hotel, o Dian Hua Dianbao Dalou,  ou o seja, a Grande Central de Telefones e Comunicações, me ajudar na ligação telefónica para a Yu Ping, em Xangai, tudo falado em chinês para não levantar qualquer suspeita. 

O Tian Hu tem 23 anos, é arguto e esperto, e tem sido uma espécie de hongniang, a “casamenteira” na China clássica que costuma mexer habilmente os cordelinhos dos enredos pré-matrimoniais rumo à concretização de casamentos difíceis.


Pequim, 22 de Outubro de 1982


A Yu Ping chegou para se despedir de mim, pelos atalhos, via Hefei e Tianjin.

Fui buscá-la às sete da manhã à estação dos caminhos-de-ferro de Pequim. A festa nos nossos olhos, corações em alvoroço e entrámos no trolley 106, no percurso até ao Dongwu Gongyuan, o Jardim Zoológico. Não fomos ver leões, nem pandas, nem elefantes, tomámos logo o autocarro 332 até ao Yiheyuan, o Palácio de Verão. Não fomos ver o lago nem os aposentos da imperatriz Ci Xi, avançámos logo para o autocarro 333 até Wofusi, o Templo do Buda Deitado. Não fomos visitar o Mestre, nem acender pauzinhos de incenso no pavilhão dourado. Trocámos tudo pela caminhada pelo Jardim Botânico, até ao Vale das Cerejeiras, já em Xiangshan, a Colina Perfumada. Passámos pela casa onde Cao Xueqin (1715-1763) viveu e morreu, deixando inacabado o manuscrito do Hong Lou Meng 红楼梦,

O Sonho do Pavilhão Vermelho, uma fabulosa história que cruza amores possíveis e impossíveis e é o mais famoso romance de toda a literatura chinesa. Mais acima, escondido na vegetação, fica o Templo das Nuvens Azuis, numa curiosa arquitectura sino-indiana. Não era altura para mais visitas. Perto, num pequeno bosque de bambus, está o pavilhão com o ataúde de cristal destinado ao corpo de Sun Yat-sen [1866-1925], pai da República Chinesa. Uma saudação e continuámos o caminho.

Estamos agora em pleno Vale das Cerejeiras, deitados num leito de urze e folhas secas, escondidos na vegetação, a meia encosta, entre árvores baixas e arbustos, ignorados, esquecidos, enlaçados, um homem de um reino distante e uma mulher de Xangai, dois num só, envoltos em faiscantes novelos de ternura, o céu azul por cobertor, a terra tépida por leito e almofada. Gostar até à loucura, a China-mulher nos meus braços, sob o meu corpo, eu dentro dela, ela toda em mim, espasmos sublimes, nuvens e chuva caindo docemente no verde ondulante de colinas perfumadas.

Macau, 31 de Outubro de 1982

Cheguei a Macau há uma semana, esta singular península que é, há vários séculos, refúgio dos missionários no Império do Meio, os portugueses da religião alheia que, por delitos que não cometiam, recebiam ordens para abandonar a China e aqui se acolhiam, à espera de melhores dias, melhores meses, melhores anos. Quase todos davam a volta às proibições e acabavam por regressar à terra chinesa.

A minha situação é semelhante. Fixaram-me um prazo limite para sair da China e aí vim eu, recambiado até Macau. Em Pequim, naquele aeroporto frio e triste, ao entrar no BAC 111 chinês para voar até Hong Kong, sofredor de desconcertos e angústias, os olhos permaneceram secos, mas as lágrimas corriam por dentro, e encharcavam tudo.

Macau, 6 de Novembro de 1982

Na quinta passagem por Macau, estou a fazer uma mãozinha de jornalismo num novo semanário, o “Tribuna de Macau”, dirigido pelo José Rocha Dinis que veio do “Diário de Notícias” e já me conhecia das crónicas, muitas, que tenho publicado no DN, como correspondente em Pequim. Para sobreviver, necessito absolutamente de ganhar umas patacas.

Tenho a sorte de ter também como amigo o Jorge Neto Valente a quem devo, até ao resto dos meus dias, um agradecimento vasto como o delta do rio das Pérolas. Cedeu-me, como das outras vezes em que vim a Macau, sem eu pagar um avo, o 4º. andar do apartamento no Pátio da Casa Forte, ali defronte da igreja de S. Lourenço, quase sempre vazio porque o Jorge o destina a contabilistas de Hong Kong que, de quando em vez, vêm a esta cidade para o ajudar a tratar de assuntos e negócios. Tenho um mini-lar em Macau, sobrevivo, vivo em busca de melhor vida.


Macau, 15 de Novembro de 1982

Migram as aves,
em busca do calor, do grão ou da frescura.
Assim também os homens,
em busca do ouro, do pão ou da ternura.[1]

Por isso:

Regresso ao meu amor Macau,
após mil falas, dez mil silêncios.
Na foz de um rio de pérolas,
a cidade cicia segredos, envolta em bruma.


Macau, 19 de Novembro de 1982


Apesar de muitos destroços portugueses e chineses coalhando as águas barrentas em volta de Aomen 澳门, a Porta da Baía, gosto muito de Macau, sinto-me bem neste burgo, único em toda a Ásia. Por norma sou bem recebido e não me sinto em terra estranha. Tenho vindo sempre sozinho, a partir das paragens chinesas e aqui, diante de tanta mulher bonita, agiganta-se a minha pena por não ter nenhuma. Tem sido a minha sina sínica. Creio que sei como amar bem uma mulher, como na minha ingenuidade me entrego e desejo partilhar tudo. E habituei-me a receber tão pouco… O que é que falha em mim, no que ao feminino diz respeito?

Espero supremos prazeres e viver com alegria, mas no fundo também sei que gosto de estar triste. Trata-se deste malfadado masoquismo afectivo que tanto compraz ao português puro, a começar pelo primeiro grande modelador da alma lusitana, o meu amigo Luís de Camões, continuado por outro enorme cultivador de paixões infelizes, Manuel Maria Barbosa du Bocage que em Macau, 1789, padecia igualmente de mal amar e de mal viver. Bocage que escrevia: “Camões, grande Camões, quão semelhante/ acho o teu fado ao meu.

E o meu fado também com parecenças com os maiores poetas, e eu, pobre vate coxo e inapto, com uma Dinamene lá longe, em Xangai. Eu, esquartejando-me pela China e por Macau, a viver pobremente da pena, do que escrevo e traduzo, e sempre tudo tão mal pago. Eu, rigorosamente como o Camões (ele em Moçambique) “a comer de amigos”, hoje o almoço pago pelo Joaquim Amaral, ontem o jantar pago pelo Rogério Beltrão Coelho. Eu, com setenta patacas no bolso.
______________

Nota do autor:

[1] Na tarde de 19 de Dezembro de 1999, no grande espectáculo comemorativo da transição de poderes, da devolução de Macau à China, que teve lugar no Centro Cultural de Macau, os alunos da Escola Portuguesa disseram poemas de Miguel Torga, Camilo Pessanha, António Manuel Couto Viana, Bai Juyi (por mim traduzido para português), António Gedeão, Eugénio de Andrade e, para meu completo espanto e surpresa, o primeiro poema declamado pelos jovens era este, da autoria de António Graça de Abreu, eu próprio.

[Fixação de texto e links; LG]

__________________

Nota do editor:

(*) Último poste da série >  20 de abril de  2019 > Guiné 61/74 - P19700: Os nossos seres, saberes e lazeres (318): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (1) (Mário Beja Santos)

Vd. poste de 19 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19698: Os nossos seres, saberes e lazeres (317): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte II: 12 de setembro de 1980: o 4º centenário da morte de Luís de Camões

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19693: Os nossos seres, saberes e lazeres (316): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte I: janeiro de 1980



República Popular da China > Pequim > s/d > O António Graça de Abreu na praça Tianamen [ou Praça da Paz Celestial]

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O António Graça de Abreu,  ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 230 referências. 

Nasceu no Porto, em 1947; é escritor, tradutor, poeta, sinólogo, com mais de duas dezenas de livros publicados; é professor universitário; licenciou-se em Filologia Germânica e é Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

Da sua experiência militar, no CAOP1 (1972/74),  escreveu um pessoalíssimo e original Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz, Editores, 2007), de que já publicámos inúmeros excertos no nosso blogue.

Dele publicamos também recentemente a série Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu).

É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

Menos conhecida, dos amigos e camaradas da Guiné, ou sejam, dos nossos leitores, é a sua obra de tradução,  para português, dos grandes clássicos da poesia chinesa bem como  a sua estadia na China, entre 1977 e 1983, onde leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai, tendo trabalhado nas Edições Pequim.

Do seu "diário secreto, ainda inédito", escrito nos anos de 1977 a 1983, enviou alguns excertos para as pessoas da sua "mailing list", incluindo o nosso blogue. Dado tratar-se de um camarada nosso com um papel conhecido e ativo no desenvolvimento das relações culturais entre Portugal e a China (incluindo Macau), e, portanto, da lusofonia,  achamos oportuno e pertinente publlicar, com a sua autorização, alguns desses excertos.

Publicamos hoje a parte I (Pequim, janeiro de 1980) e oportunamente a Parte II (Pequim, outubro de 1982; Macau, novembro de 1982) (LG)



Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito", escrito na China, entre 1977 e 1983

por António Graça de Abreu


Pequim, 22 de Janeiro de 1980


A minha danwei 单位, a “entidade de trabalho”, é as Edições de Pequim, mas tenho igualmente ajudado um pouco a profª. Conceição Afonso na leccionação no Curso de Língua e Cultura Portuguesa numa outra danwei, a Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim.

Sou professor, por formação, e tenho dado aulas aqui nas Edições aos chineses que comigo trabalham, e a muitos outros chineses que estudam ou estudaram português e vêm assistir e participar no nosso aprendizado com a língua portuguesa. Estou por isso, relativamente bem informado sobre o que se passa nestas paragens quanto ao ensino do português.

O nosso idioma começou a ser estudado na China no ano de 1961 e, singularmente, muitos dos primeiros alunos haviam estudado russo, passando depois para o português. Com o conflito ideológico entre soviéticos e chineses no final dos anos cinquenta, que levou à saída da China de milhares e milhares de técnicos russos, o conhecimento da língua de Tolstoi e de Lenin quase deixou de ter utilidade.

Para alguns, não muitos, jovens chineses, a língua de Camões e Eça passou então a ser uma alternativa de vida, e avançaram do russo para o português, e a mudança não terá sido tarefa fácil. Até 1975, os cursos ministrados em vários lugares de Pequim foram apenas de português do Brasil e funcionaram em condições precárias, inclusive os professores não eram propriamente mestres, mas refugiados políticos, cidadãos escapados à ditadura brasileira, com diversas profissões que nada tinham a ver com o ensino.

A Revolução Cultural, com o encerramento da Faculdade de Línguas Estrangeiras durante cinco anos, foi responsável pelo desmembramento dos cursos e pelo desinteresse criado nos alunos. O governo chinês teve, no entanto, o bom senso, em 1965, de enviar para Macau, quase em segredo, 60 jovens chineses que estudaram português durante quase três anos. Alguns deles trabalham hoje comigo nas Edições e tiveram um professor que nunca mais esqueceram, de nome Júlio Dinis.

Neste momento funcionam na Faculdade de Línguas Estrangeiras, Departamento de Estudos Ibero-Americanos, dois cursos de Língua e Cultura Portuguesa, com quarenta alunos, uma professora portuguesa e sete professores chineses. Os alunos têm uma média de 20 anos e foram escolhidos para frequentar os cursos através de um exame especial, após terem terminado o secundário. 

Os cursos, além da língua portuguesa, literatura portuguesa, História de Portugal, debruçam-se também sobre outros temas como literatura clássica chinesa, política, etc. Prolongam-se por quatro anos e funcionam em regime de internato. Equivalem ao nosso Ensino Superior, embora o nível geral seja inferior ao do das nossas universidades, quando acontece elas em Portugal funcionarem bem. Após terminarem o curso, os estudantes não têm opção de escolha e são distribuídos por diferentes lugares, departamentos ou serviços. Alguns irão trabalhar nas embaixadas da China nos países de língua portuguesa, outros no turismo, como guias-intérpretes, outros como tradutores, intelectuais ligados ao mundo cultural da língua portuguesa.

Os alunos são trabalhadores e ao fim de um ano de aprendizagem começa a ser possível conversar com eles em português. Temos falta de materiais de ensino. É uma pena que sendo a nossa língua a quinta mais falada do mundo, não exista um bom manual, feito em Portugal, destinado ao ensino do português no estrangeiro.

Também não temos ainda um verdadeiro leitorado de português em Pequim, dado que as relações diplomáticas são recentes e não foi assinado nenhum acordo cultural entre os nossos dois países, mas eu próprio, de férias em Lisboa, no Verão passado, fiz a ligação com o ICALP, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa e com a Fundação Calouste Gulbenkian que já nos enviaram duas bibliotecas básicas de clássicos portugueses, uma para as Edições e outra para a Faculdade. 

Também temos recebido outros livros, jornais, revistas, diapositivos e discos. É pouco, mas estes materiais já estão a ser utilizados das mais variadas formas. A Fundação Calouste Gulbenkian, através do seu Serviço Internacional, prometeu bolsas de estudo em Portugal para cada um dos professores chineses que ensinam português na Faculdade de Linguas Estrangeiras de Pequim.

Em Xangai, cidade com 10 milhões de habitantes, na também Faculdade de Línguas Estrangeiras, funciona igualmente um curso de português, com 12 alunos e uma professora brasileira, a Drª. Yuko, por acaso de origem japonesa, mas nascida em São Paulo. Já me convidaram a ir a Xangai dar duas semanas de aulas, o que, creio, acontecerá ainda este ano.


Pequim, 25 de Janeiro de 1980

Original visita à Escola de Trabalho, Estudo e Reeducação no distrito de Lugoujiao,fundada em 1978, nos arredores de Pequim.

No nosso Portugal chamavam reformatórios ou casas de correção a estes estabelecimentos, tutorias destinadas a jovens transviados, problemáticos, de difícil inserção na sociedade.

Aqui, a Escola tem quase trezentos alunos, quarenta dos quais são raparigas, jovens oriundos de famílias desagregadas, não funcionais. Estavam habituados a provocar distúrbios nas escolas que frequentavam. Dizem-me que aqui se procura disciplinar os rapazes e raparigas, através do exemplo, do estudo e do trabalho físico que lhes ocupa 1/3 do tempo lectivo. Os temas ensinados são os mesmos do ensino secundário, mas com menor carga horária.

Os trezentos alunos estão distribuídos por dez classes, fazem trabalho manual, cultivam arroz e trabalham numa fábrica de plásticos integrada na escola. Quando têm família que os receba, vão a casa de quinze em quinze dias. Têm também duas semanass de férias por ano.

Muitos destes jovens cometeram delitos graves, mas não são criminosos. 10 a 20% deles reincidiram nos erros, mas a maioria aceita e gosta da Escola. Não existe uma vigilância apertada, não há muros altos, alguns alunos já fugiram, regressaram e voltaram a fugir. Não é fácil o labor dos professores e empregados.

A Escola é recente e o director que nos recebe, e vai dando as explicações, diz que tem pouca experiência de lidar com estes jovens problemáticos. Procura-se incutir um ideal na mente de cada um, explicando-lhes que eles não são os principais responsáveis pelos erros que cometem. Claro que eles também terão algumas culpas, no entanto não os devemos acusar directamente. É necessário fazer-lhes compreender porque cometeram erros, quais as causas, próprias e alheias, até que ponto são eles as vítimas.

Trata-se de salvar os adolescentes e de procurar formar jovens úteis à sociedade. Os professores têm obrigação de gostar dos alunos, de os compreender e orientar, os jovens necessitam de sentir que são amados, o seu comportamento não atraiu o amor, mas os afectos são importantíssimos na melhoria permanente de todos. Tenta-se ajudá-los a compreender melhor a sociedade, a dar-lhes interesse pela vida, a trabalhar pelo colectivo. Todos recebem um pequeno salário de 7 yuans por mês e já desfilaram orgulhosos na grande Avenida Chang’an no 1 de Outubro, o Dia Nacional da China.

Depois da extensa e didáctica conversa introdutória, fomos visitar a Escola. Instalações muito deficientes, salas de aula espartanas e nuas, à moda da China, camaratas para duas dezenas de jovens, cada uma, tudo muito feio, frio e pobre.

Os rapazes e raparigas não nos vieram saudar com a jovialidade de quem encontra amigos. Os rostos marcados pelo rasgar das vidas, ainda tão breves, sentindo-se observados, peixes fora do aquário, quase nenhum sorriso. Interessante, mas deprimente e triste esta passagem por uma casa de correção de jovens, em Pequim.

Como disse o director do reformatório “são flores em mau estado, estragadas pelos bichos.” E os “bichos” seremos todos nós.

Pequim, 31 de Janeiro de 1980

Sugeri às Edições [Pequim] uma viagem especial, duzentos e cinquenta quilómetros de bicicleta desde Shijiazhuang, capital da província de Hebei até Anyang, já na província de Henan e importante centro histórico. No século XIV a.C., Anyang foi capital da dinastia Shang-Yin e um dos grandes centros urbanos da China antiga. Há imensos vestígios arqueológicos, mal conhecidos, a visitar absolutamente. Pedi para ir comigo como intérprete, auxiliar de logística, a pedalar a meu lado pela China abaixo um dos jovens camaradas que trabalha comigo nas Edições onde não estamos muito ocupados e há tempo de sobra para outras actividades. 

O objectivo da viagem passa também por conhecer outras paragens da China, pedalando gloriosamente por dentro do mundo camponês, fotografar e escrever depois umas crónicas que poderão ser publicadas na revista onde agora trabalho, a China em Construção. A minha sugestão de publicação estende-se a outras revistas das Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, não importa qual seja o idioma.

Aguardo desenvolvimentos.[1]
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[1] Esperei meses e meses por uma resposta que acabou por chegar, diplomaticamente negativa.

[Links da responsabilidade do editor LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19675: Os nossos seres, saberes e lazeres (315): Viagem à Holanda acima das águas (19) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18317: Bibliografia de uma guerra (86): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,

Não é de mais insistir, ao findar estas notas de recensão, que se trata de um estudo profundíssimo, rigoroso, porventura o melhor pano de fundo que possuímos na historiografia portuguesa contemporânea sobre a política externa portuguesa no pós-guerra face aos novos ventos da História - o surto independentista que se difundiu nos grandes e pequenos impérios coloniais.

Trata-se de uma organização admirável dos principais factos, respostas, hesitações, manobras de adiamento, quebra de alianças, informações alarmantes que chegavam ao Estado Novo por via de vozes autorizadas. Tudo em vão, a doutrina era inflexível, ou tudo ou nada, "a pátria não se discute". É neste ecrã de 15 anos de espera e turbilhão que em 1961 eclode a guerra colonial que levou o regime urdido por Salazar ao fundo. Demorará décadas a aparecer ensaio tão qualificado como este de Valentim Alexandre.

Um abraço do
Mário


Contra o vento: uma obra-prima da historiografia portuguesa (4)

Beja Santos

“Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017, é indubitavelmente um dos principais acontecimentos da edição historiográfica de 2017.

O investigador Valentim Alexandre tem sobejas provas dadas na área da história colonial, este seu opulento (e a partir de agora incontornável) levantamento é o fecho de abóbada, a consagração da sua carreira. Passamos a dispor, a partir deste trabalho, de uma sequência bem articulada para a cronologia os principais eventos que contextualizam o Império Português no pós-guerra, ressaltando a primeira ameaça, a crise de Goa (1954-1955), segue-se a pormenorização dos dados da grande veja da descolonização e a resposta dada pelo Estado Novo: o luso-tropicalismo – a política indígena, uma incipiente industrialização, as formas precárias de deslocação da população branca, nomeadamente para colonatos, a ONU como a principal arena a confrontar o império português, os atritos com o Vaticano, a reorganização dos dispositivos militares; e a manutenção das inquietações no Oriente, um tanto à semelhança de que ocorrera no decurso da II Guerra Mundial, mas agora fruto das descolonizações: Goa, Macau e Timor, devido ao aparecimento da União Indiana, da República Popular da China e da República da Indonésia.

Este último apontamento passa em revista, no período compreendido entre 1955 e 1960, como se procuravam superar riscos, ameaças e tensões no Oriente (Goa, Macau e Timor) e ter em consideração a matérias das conclusões apresentadas pelo autor.

Quanto a Goa, a diplomacia portuguesa sentia que já pouco podia contar com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. No encontro entre Foster Dulles e Paulo Cunha, o Secretário de Estado norte-americano recordou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português a posição do país em relação ao colonialismo: direito à independência, evitando-se a todo o transe independência prematuras para quem ainda não estivesse preparado para assumir as inerentes responsabilidades.

Em 1956, Salazar prepara um documento para o Conselho de Estado, não ignora que no Conselho Legislativo goês, a maioria dos membros eleitos constituía uma verdadeira oposição ao governo. Silva Tavares, Secretário-Geral do governo da Índia enviará uma carta a Sarmento Rodrigues onde escrevera:

“Continuo a pensar que a ideia da integração é impopular. Porém, não se pode inferir que todos sejam pela unidade com Portugal. Desde os partidários de uma restrita autonomia até aos partidários da independência e aos que só sentimentalmente gostam de falar em autonomia sem no fundo a desejarem, há as mais variadas cambiantes”.

Salazar sublinhou esta frase. Orlando Ribeiro também elaborou um extenso relatório sobre a sociedade da Índia Portuguesa, documento bastante pessimista: Goa aparecera a seus olhos “como a terra menos portuguesa de todas as que vira até então, menos portuguesa do que a Guiné”.

E, mais adiante:

“Ao contrário da África portuguesa, onde há o maior cuidado em empregar expressões como Metrópole e metropolitano, em Goa opõe-se esta província a Portugal e o Goês cristão opõe-se a português. É corrente sermos assim designados por gente muito próxima de nós na fala e nos usos, mas alheia ao nosso sentido de pátria. Pátria para o Goês é Goa”.

Valentim Alexandre detalha a evolução das tensões, a euforia efémera da sentença do Tribunal Internacional de Haia no processo interposto por Portugal contra a União Indiana em 1956, por alegada violação do direito de passagem entre Damão e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, dando razão a Portugal. A vitória durou pouco tempo, em Dezembro de 1960 as resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre a “outorga da independência aos países e aos povos coloniais” constituíram um momento de viragem, as posições coloniais tinham os dias contados.

O autor igualmente explica como a política da República Popular da China assegurou temporariamente a posição portuguesa em Macau, mesmo sujeita a restrições e todo o processo timorense é detalhado.

 Atenda-se ao valor das conclusões desta vastíssima obra. Tendo saído indemne da II Guerra Mundial, o regime sabia que a ordem internacional estava radicalmente alterada, o sopro anticolonial não só rapidamente se espalhara pela Ásia, era ínsito à Carta das Nações Unidas e constituía elemento de referência nas políticas norte americana e soviética.

Portugal começa por não estar isolado na conceção da independência às colónias, mas deu-se uma evolução nas políticas britânica e francesa, os seus impérios desagregaram-se. Numa tentativa de atualização, o Estado Novo substitui as colónias por províncias ultramarinas, procura ir abolindo o conceito de indígena e do trabalho forçado, como o autor observa:

“Fruto da Repressão e da ausência de liberdades, a pax lusitana era um dos temas prediletos da propaganda do regime, que nela via a comprovação da excelência da colonização portuguesa e da sua especificidade”.

Dá-nos conta da ameaça que impendia sobre Macau e quanto a Goa, Lisboa recusava a mínima cedência de soberania, quais que fossem as garantias de respeito pelas identidade de Goa e pela influência cultural nela exercida pela metrópole.

Chegados a 1955, ninguém na cúspide do Estado Novo ignorava as crescentes ameaças que se avolumavam sobre o império. Até 1958, prevalecia a noção de que sob os territórios de África era um perigo a longo prazo. Subitamente, esfumou-se a ilusão. O regime procurava remoçar a mística imperial, confortar a tese da especificidade de Portugal como nação pluricontinental, foi alimento para consumo interno.

Perante um perigo iminente de diferentes contestações dos movimentos independentistas, o regime monolítico procurou modificar as forças armadas e a PIDE passou a ter muito mais trabalho em África. No campo da política interna, Salazar nunca aceitou hipóteses de entendimento com grande parte da oposição que até poderia ter cooperado numa frente comum na defesa do Ultramar. O mais longe que Salazar quis ir constou na sua aceitação de um plano de reformas, mostrou-se aberto a modificações da estrutura administrativa do Império, como sempre tudo muito lento e aferrolhado.

E assim termina este valiosíssimo trabalho:  

“Só o abalo produzido pelo início da Guerra Colonial, em 1961, dará o impulso necessário a reformas de fundo, com a abolição legal do indigenato e do trabalho forçado. Ainda em 1959-1960, avultam, mais do que o reformismo, o acréscimo da repressão, com as vagas de prisões, nomeadamente em Angola, e os massacres, na maior parte já com intervenção das Forças Armadas, que então marcam a vida das colónias portuguesas do continente africano, bem como Timor. Longe de se contraporem, reforma e repressão não passavam de duas faces das mesma política, tendente a preservar a soberania nacional sobre o Império – como os tempos iniciais da guerra em Angola, em 1961, tornariam evidente”.

Esta notável investigação é de leitura obrigatória, como se depreende.
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Notas do editor:

Vd. postes anteriores de:

10 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18198: Bibliografia de uma guerra (82): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

17 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18221: Bibliografia de uma guerra (83): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (2) (Mário Beja Santos)
e
24 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18246: Bibliografia de uma guerra (84): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 31 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18271: Bibliografia de uma guerra (85): “O céu não pode esperar”, por António Brito; Sextante Editora, 2009 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17974: Historiografia da presença portuguesa em África (99): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte I: (i) preâmbulo e (ii) generalidades




V Encontro Nacional da Tabanca Grande, Leiria, Monte Real, 2010 > António Estácio, 


1. Por  expressa autorização do autor, o nosso amigo e camarada António [Júlio Emerenciano ] Estácio, que tem 44 referências no nosso blogue:´

(i) é lusoguineense, nascido em 1947, e criado no chão de Papel, em Bissau, com raízes transmontanas, tendo vivido também em Bolama;

(ii) formou-se como engenheiro técnico agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, onde foi condiscípulo do Paulo Santiago), depois de frequentar o Liceu Honório Barreto;

(iii) fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72); 

(iv) trabalhou depois em Macau (de 1972 a 1998); 

(v) vive há quase duas décadas em Portugal, no concelho de Sintra; 

(vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2010; 

(viii) tem-se dedicado à escrita, dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "Mulheres Grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959);

(ix) o seu livro mais recente (2016, 491 pp.), de temática guineense, tem como título "Bolama, a saudosa", edição de autor;

(x) a comunicação que agora se reproduz foi feita no âmbito da V Semana Cultural da China, de 21 a 26 de Janeiro de 2002;


2. O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte I:  (i) preâmbulo e (ii) generalidades (pp. 431-439)

In: Estácio, António J.E. (2002) – O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense, in: Actas, V. Semana Cultural da China, Centro de Estudos Orientais, ISCSP/UTL: 431‑66

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17755: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (46): A "mindjer grandi" Maria da Graça de Pina Monteiro, nascida em 1900, e que viveu em Bissau e em Bafatá (Ludmila Ferreira, Cabo Verde)

1. Três menagens de Ludmila Ferreira, nossa leitora, que vive em Cabo Verde:

7 set 2017
Boa tarde

Muito obrigada pela vossa rápida resposta (*) espero que o Leopoldo Correia consiga alguma informação. A última que tivemos é que havia também um português em Bissau cuja avós eram de Macau e o apelido dele era Vieira. Mas quem informou não sabe mais nada sobre ele.

Saudações,
Ludmila Ferreira


8 set 2017 12:41

Bom dia

Muito obrigado pelo vosso apoio, tivemos uma última informação de que havia um português em Bissau, de origem asiática (Macau), e ele era Vieira.

Já não estou no Brasil, a minha mãe é cabo-verdiana e o meu pai é guineense. Vivo actualmente em Cabo Verde.

Mais uma vez obrigado pelo vosso apoio.
Ludmila A. Ferreira


09 set 2017 8:12 

Bom dia Sr. Luís Graça

Recebemos uma informação ontem a noite:

Um casal,  Emílio Martins e Eugénia Hopffer Martins,  seriam parentes da Maria da Graça Pina Monteiro.

O informante disse que da última vez que a filha Anna Malaval foi ver a mãe na Guiné, isso em 1948,  ela teria ficado na casa dos tios (os Martins) e estes moravam frente do porto de Bissau. A Maria também morava nessa mesma zona.

O Emílio trabalhava para uma sociedade francesa (não sabe ele dizer o nome da empresa).

Obrigado
Ludmila Ferreira

2. Comentário do editor:

O António Estácio, lusoguineense, nosso amigo e camarada, talvez nos possa dar um ajuda em relação à pesquisa sobre a origem da família Vieira, que teria raízes chinesas (Macau).  O Estácio, escritor e colaborador do nosso blogue, foi nado e criado no chão de papel, em Bissau, em 1947. Está reformado como engenheiro técnico agrário (tendo-se formado em Coimbra, 1964-1967, na Escola de Regentes Agrícolas). Fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72), tendo trabalhado depois em Macau (de 1972 a 1998). Tem um estudo sobre as famílias guineenses de origem chinesa ou macaense (**)... Talvez ele saiba algo mais sobre os antepassados dos Vieira.

Ele vive há mais de duas décadas em, Portugal, no concelho de Sintra. É membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2010. Tem-se dedicado à escrita, é autor de dois livros que narram as histórias de vida de duas "mulheres grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959). E publicou mais recentemente um livro sobre  Bolama.

Quanto a casas comerciais francesas, nos finais dos anos 40/década de 50, do século passado... uma delas, creio que a principal,  era a NOSOCO - Nouvelle Societé de Commerce, mas havia ou houve mais: CFAO - Compagnie Française de l'Afrique Occidentale... a ainda a SCOA – Sociedade Comercial do Oeste Africano_

Enfim, Ludmila, vou pô-la em contacto com mais algumas pessoas do nosso blogue que conheceram Bissau desse tempo (***)...

Continuação de boa sorte para as suas pesquisas...
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de setembro de 2017  > Guiné 61/74 - P17739: Em busca de... (278): informação sobre uma senhora cabo-verdiana, Maria da Graça de Pina Monteiro, nascida em 1900, e que teve 3 filhas: (i) Ana Gracia Malaval, nascida em 1918, em Bafatá, de uma união com o sr. Edmond Malaval; e (ii) Judite e Linda Vieira, em Bissau, de uma outra união com um sr. português ou cabo-verdiano, de apelido Vieira (Ludmila A. Ferreira)

(**) Vd. por exemplo Philip J. Havik e António Estácio - Recriar a China na Guiné: os primeiros chineses, os seus descendentes e a sua herança na Guiné Colonial. "Africana Studia", nº 17, 2001, pp. 211-235. (Revista publicada pelo Centro de Estudos Africanos, Universidade do Porto)

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17261: (In)citações (106): Macau e Guiné-Bissau, dois pesos e duas medidas... Deu-se a nacionalidade portuguesa a cerca de 100 mil macaenses, a grande maioria incapaz de trocar meia dúzia de frases na língua de Camões... Em contrapartida, milhares e milhares de guineenses que lutaram (e muitos morreram ou ficaram feridos), nas fileiras do exército português durante a guerra colonial, foram votados a um destino cruel... (Manuel Amante da Rosa, cabo-verdiano, diplomata, ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

1. Do nosso amigo, camarada e grã-tabanqueiro, 
ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau,1973/74, Manuel Amante da Rosa, embaixador plenipotenciário da República de Cabo Verde em Itália desde 16/1/2013, e agora também em Malta [, foto, acima, de 2013; cortesia da RTC - Radiotelevisão Caboverdiana]



Data: 13 de abril de 2017 às 12:23
Assunto: Público-2017/04/13 (*)


Meus Caros,

Um desabafo estritamente pessoal, que não seja somente a de partilhar convosco esta reflexão, bem fora do âmbito de qualquer polémica ou publicação.

Há muito que venho seguindo este sistema de "dois pesos, duas medidas" usados pelas autoridades lusas ao tempo da descolonização. O diário português "Público", de hoje, trás nas suas páginas 12 e 13, no quadro do 30º Aniversário da transferência de Macau à China, o tratamento diferenciado dado aos africanos e, mais tarde, os dados aos residentes chineses daquele diminuto território asiático.

Curtos onze anos após as negociações para a Independência das Colónias africanas, foram concedidos nacionalidade portuguesa a cerca de uma centena de milhar de pessoas residentes em Macau. Por iniciativa negocial e visão acertada dos negociadores lusos em confronto directo com o estatuído na lei chinesa.

80% ou mais deste contingente que era visado nem a primeira estrofe do Hino Nacional de Portugal conheciam para não dizer cumprimentar e/ou trocar algumas frases na língua de Camões.

E ainda hoje, para aqueles que permaneceram na RAEM [ Região Autónoma Especial de Macau], este desconhecimento é total.

A língua portuguesa, apesar dos onerosos montantes alocados pelo Executivo macaense, continua como francamente residual e raramente usado fora das repartições e do núcleo da comunidade lusa.

Este assunto, da atribuição pertinente e massiva da nacionalidade portuguesa, foi seguido por mim com especial interesse e interrogações por ter sido militar do exército português, no seu último ano e meio e ter convivido com a violenta guerra, desde criança, porque tudo se relacionava a ela, ao fim e ao cabo. Não havia como se estar à margem do ambiente bélico.

De uma maneira geral, em todas as colónias havia forte contingente de nativos/indígenas, integrados em pelotões independentes e companhias, enquadrados por graduados e oficiais oriundos da metrópole. Mas para além das forças militares regulares, de recrutamento obrigatório, haviam ainda, numa base de voluntariado, os contingentes das forças especiais, das milícias locais, organizadas em unidades auxiliares nas unidades militares, outras constituídas em auto-defesa, contigentes de cipaios e forças para-militares (unidades de polícias).


Na Guiné, pela sua pequena dimensão territorial e humana, a contribuição dada ao exército português foi relevante em todas as frentes de combate, nas patrulhas e operações de grandes envergaduras, nas defesas dos quartéis, construções de estradas e outras infra-estruturas e até nas forças especiais.

Lógico que milhares sofressem ferimentos em combate e acidentes, outros encontrassem a morte ou e ainda outros milhares ficassem com sequelas de guerra, uns estropiados e outros com stress pós-traumático.

Mas que outros milhares fossem distinguidos com cruzes de guerra, louvados, condecorados, citados em ordens do dia, premiados e levados
para a ex-metrópole em gozo de férias.

É consabido (e conheço casos) que soldados africanos se tenham  sacrificado, tenham salvo a vida ou ajudado os seus camaradas brancos  nos confrontos da contra-guerrilha.E vice-versa, está claro!

Raros, muito raros, foram aqueles que não acabassem o período de 3 anos de serviço militar sem saberem entender ou se exprimir em português. Era de cariz obrigatório a alfabetização no exército, até  pelo menos a quarta classe. Pelo menos na Guiné. Assim como conhecer  rudimentos da história de Portugal e cantar o Hino Nacional.

Quando tenho a oportunidade de retornar à Guiné e encontro, em todo o lado, esses idosos e valorosos militares das forças armadas  portuguesas, abandonados à pressa e à sua sorte e me vem ainda ao  pensamento os milhares que acabaram fuzilados, após a guerra, sempre  me pergunto porque raio de circunstâncias o destino lhes traçou esse
nefasto rumo.


E, se por força do esforço pessoal e determinação, conseguem chegar a  Lisboa, para se radicarem ou tratarem da saúde e das sequelas da  guerra, vale-lhes mais a solidariedade, camaradagem e memórias dos
antigos oficiais ou camaradas para calcorrearem a via crucis… do que  qualquer outra instituição a que com garbo e sacrifício pertenceram. (**)

Abraços

Manuel Amante

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Notas do editor

(*) Vd. Bárbara Reis > Há 30 anos, Portugal surpreendeu a China nas negociações de Macau > Públicio, 13 de abril de 2017

(...) As negociações sobre a transferência de Macau duraram nove meses e, para Augusto Santos Silva, são “um marco na história diplomática de Portugal”. E ajudaram, 30 anos depois, a eleger António Guterres secretário-geral das Nações Unidas.(...)


sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16994: Camaradas da diáspora (16): Votos de Bom Ano Novo Chinês! Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財! Happy Chinese New Year! (Virgílio Valente. Macau, China)




1 Mensagem do nosso camarada Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], que vive e trabalha em Macau, região autónoma da China, há mais de 2 décadas; foi alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74; é o nosso grã-tabanqueiro nº 709.

Date: 2017-01-27 2:32 GMT+00:00

Subject: Bom Ano Novo Chinês! Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財!Happy Chinese New Year!




Amigos,

親愛的大家

Dear all,

Desejo um Feliz e Próspero Ano Novo Chinês!

在歡樂的佳節,獻上我誠摯的祝福。

祝您新春快樂!萬事勝意!

I wish you a very Happy and Prosperus Chinese New Year!

恭喜發財!

Kung Hei Fat Choi!

Virgílio Valente

韋子倫


"Ama-me quando menos o mereça, pois é quando mais o necessito."  (Provérbio chinês) / "Love me when I least deserve it, because that's when the more need." (Chinese proverb)
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de janeiro de 2017 > Guiné 63/74 - P16993: Camaradas da diáspora (15): Um belo e perfeito soneto, "Hibernação", datado de Bissau, abril de 1965... (Augusto Mota, Brasil)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16915: Agenda cultural (535): antestreia, em Portugal, do documentário “Portugueses em Macau – O outro lado da história”, Museu do Oriente, Lisboa, 7 de janeiro, sábado, 17h00... Entrada gratuita (mediante levantamento prévio de bilhete no próprio dia)




1. 
Convite do Observatório da China, com data de 27 de dezembro último:


Exmo.(a) Senhor(a)

É com enorme prazer que o Observatório da China se associa à divulgação da antestreia, em Portugal, do documentário “Portugueses em Macau – O outro lado da história” terá lugar no próximo dia 07 de Janeiro de 2017, pelas 17h00, no Auditório do Museu do Oriente.

Este é o 2.º filme da série intitulada “Macau, 20 anos depois” em produção para as comemorações, em 2019, dos 20 anos do Estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). A iniciativa de índole gratuita (mediante levantamento prévio de bilhete no próprio dia) será seguida de um debate com Jorge Arrimar, Filipa Queiroz e Carlos Fraga, moderado por Carlos Piteira.

Muito obrigada pela sua atenção.

Cordialmente,

Raquel Carvalho
Assessora da Direção

Observatório da China
Rua de Xabregas Lote E 13, D
1900-440 Lisboa, Portugal
Phone: +351 218 171 617/ 218 172 944

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Nota do editor:

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16840: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (2): Boas festas, de Macau, tão longe e afinal aqui tão perto (Virgílio Valente, ex-alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74)

´





"Ama-me quando menos o mereça, pois é quando mais o necessito."
"Love me when I least deserve it, because that's when the more need."(Chinese proverb) 






.Postal de boas festas enviado ontem pelo nosso camarada Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], que vive e trabalha em Macau, há mais de 2 décadas; foi alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74; é o nosso grã-tabanqueiro nº 709.


Estamos-lhe gratos e tomamos esta mensagem como a competente "prova de vida" anual... Fazemos votos, por nossa vez,  que o Virgílio continue a sentir-se em casa em Macau, território da República da China onde ainda se fala a nossa língua e onde há portugueses da diáspora a  viver e a trabalhar lá, dando o seu melhor e servindo Portugal e a China.

Temos esperança que em 2017 o Virgílio Valente vá conseguir, por fim, surpreender-nos com o envio da tão desejada sua foto da tropa, de preferência do tempo de Gampará. Esperamos também que nos vá dando conta dos  contactos que tem feito no sentido de localizar, aqui em Portugal,  os seus antigos camaradas da CCAÇ 4142.

Da CCAÇ 4142 temos ainda poucas referências, cerca de dezena e meia..
\

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16788: Notas de leitura (907): “Histórias Coloniais”, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, A Esfera dos Livros, 2016 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2016:

Queridos Amigos,

Trata-se de um trabalho poliédrico sobre levantamentos, marchas de protesto, resistência à brutalidade dos anos 1930 aos anos 1960, nas colónias portuguesas, não escondendo paradoxos e contradições, sobretudo quanto ao número de vítimas.

Estranhamente, e quanto à greve do Pidjiquiti, não fazem referência ao detalhado relatório que o Comando da Defesa Marítima da Guiné fez logo a seguir para Lisboa, observaram tudo à distância de centenas de metros, como se sabe. Concorda-se com os autores que Amílcar Cabral colheu o ensinamento que era inviável na Guiné, naquele período tentar a subversão urbana, ficou Rafael Barbosa e um grupo na subversão, a direção do PAI partiu para Conacri, preparar a logística da guerrilha e os apoios internacionais.

Um abraço do
Mário


Conflitos sociais que preludiaram os tempos anticoloniais

Beja Santos

“Histórias Coloniais”, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, A Esfera dos Livros, 2016[1] é o livro póstumo de dois investigadores que se debruçaram sobre matérias das lutas de libertação nacional. Como referem na apresentação, este acervo de ensaios descreve conflitos sociais significativos e determinantes em todas as antigas colónias portuguesas. E definem: “Significativos, porque mostram a violência e brutalidade associadas a uma dominação colonial insensível aos problemas das populações. Determinantes, porque estes conflitos sociais contribuíram para a formação da consciência nacionalista tendo acelerado a marcha das populações para a independência ou para a integração dos territórios nos países a que pertenciam”.

Os investigadores escolheram os seguintes conflitos para análise: a revolta de «Nhô Ambrose», Cabo Verde; o massacre de Batepá, S. Tomé; a invasão dos Satyagrahis, Goa; a revolta de Viqueque, Timor; a greve do Pidjiquiti, Guiné; a manifestação de Mueda, Moçambique; a greve da Baixa de Cassange, Angola e o motim 1-2-3, Macau. Conflitos que se situaram entre 1934 e 1966.

O que se pode entender por significativo e determinante nestes conflitos?

“Nhô Ambrose” é um conflito social que assumiu uma enorme carga simbólica, à volta da fome num contexto de secas e da crise 1929, de profundo desemprego, em que o porto de Mindelo perdera enorme atividade. No dia 7 de Junho de 1934, um grupo que foi engrossando, de homens, mulheres e crianças, arvorando um pano preto a servir de bandeira, percorreu algumas ruas da cidade de Mindelo, assaltaram estabelecimentos, as autoridades declararam o estado de sítio na cidade, houve dois mortos e vários feridos. Baltazar Lopes irá reconstituir a tragédia da fome e do protesto no seu romance "Chiquinho". Anos mais tarde, Amílcar Cabral recordará os acontecimentos.

O massacre de Batepá é um dos acontecimentos mais hediondos do período colonial português na segunda metade do século XX. Os autores detalham o trabalho nas roças, realizado por trabalhadores forçados, trazidos de Angola, de Moçambique e de Cabo Verde. Faltava mão-de-obra, pensou-se então integrar os forros, descendentes de brancos e de escravos alforriados no século XVI nessas atividades. O Governador Carlos Gorgulho inventou uma revolta comunista e exerceu uma repressão sem precedentes, a tal ponto que os relatórios da PIDE comentam negativamente os excessos, duvidando de qualquer caráter comunista nos protestos e enunciando provas de brutalidade e violência: os prisioneiros foram torturados com varapaus, tiras de borracha e chicotes; obtinham-se confissões através da intimidação, da tortura e de falsas acusações; quando os prisioneiros sucumbiam, Gorgulho determinava: "atirem essa merda ao mar para evitar aborrecimentos". O Ministro Sarmento Rodrigues indignou-se e agiu para afastar Gorgulho do governo de S. Tomé. O déspota queixou-se a Salazar, acabou condecorado.

Se é claro que o que se passou em Goa com a invasão dos Satyagrahis anuncia a firme determinação da União Indiana em ocupar o Estado da Índia, como aconteceu em Dezembro de 1961, a revolta de Viqueque tem pontos nebulosos como a instigação da Indonésia que semeou sentimentos de dissidência entre timorenses. Houve mortos em número ainda hoje impossível de determinar e deportações para Angola. É sabido que vários rebeldes deportados estiveram entre os 36 fundadores do partido APODETI – Associação Popular Democrática Timorense, que, desde o início, declarou que um Timor independente só podia ser economicamente viável se fosse apoiado pelos seus irmãos da Indonésia.

A greve do Pidjiquiti continua ainda hoje a ter versões díspares. Os investigadores citam várias fontes mas estranhamente não referem o importante relatório do Comando da Defesa Marítima feito em cima dos acontecimentos e com observação direta, visto que as suas instalações estavam a escassas centenas de metros do palco do tiroteio e do massacre. O PAIGC tirou lições da repressão, tentou utilizar a greve como acontecimento seu, o que nunca foi verdade.

A manifestação de Mueda envolveu os Macondes que desejavam negociar o regresso massivo de compatriotas seus a Moçambique. A população da região estava descontente pelos baixos preços a que eram pagos os seus produtos, bastante inferiores aos praticados no Tanganica. As autoridades detiveram alguns Macondes e começou o tiroteio. Mais tarde, Eduardo Mondlane, fundador e primeiro presidente da FRELIMO, sublinhou que os incidentes de Mueda tinham sido um importante ingrediente para lançar os Macondes na luta pela independência.

O que se passou na Baixa de Cassange está hoje altamente documentado, foi o ensaio geral da guerra colonial. E como observam os autores, a repressão brutal da luta dos cultivadores de algodão contribui para cavar ódios raciais que explodiriam em atos de barbárie e morticínio, desencadeados em Março e Abril de 1961, em todo o norte de Angola.

O motim 1-2-3 foi assim designado pelo facto de a imprensa norte-americana se referir aos acontecimentos pelo mês e dia dos grandes protestos dos chineses de Macau, que constituíam afinal 95% dos 270 mil habitantes do enclave. Tudo começou em 15 de Novembro de 1966, um grupo de chineses não se compadeceu com a burocracia para o início de obras de reparação e ampliação de um velho edifício para aí se instalar uma escola. Exerceu-se repressão, os chineses praticaram desmandos e depois de um laborioso período de negociações, a autoridade portuguesa ficou reduzida ao mais simbólico e com cláusulas vexatórias: as autoridades portuguesas foram obrigadas a entregar os agentes secretos da Formosa, mais tarde executados; proibidas associações opostas à República Popular da China; pagamento de indemnizações superior a 2 milhões de patacas, às vítimas da repressão.

Os autores recordam o acervo de documentos novos que foi possível consultar depois do 25 de Abril, bem como a recolha de testemunhos presenciais.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16774: Agenda cultural (517) Acaba de sair, "Histórias Coloniais", livro póstumo de Dalila Cabrita Mateus (1952-2914) e e Álvaro Mateus (1940-2013) . Edição: A Esfera dos Livros, Lisboa, 2016

Último poste da série de 28 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16770: Notas de leitura (906): “António Carreira, Etnógrafo e Historiador”, por João Lopes Filho edição da Fundação João Lopes, Praia, Cabo Verde, 2015 (Mário Beja Santos)