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terça-feira, 14 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4685: In Memoriam (27): Recordando o Major Raul Passos Ramos (TCor José Francisco Robalo Borrego)

1. Mensagem de José Borrego (*), Ten Cor na Reserva, que pertenceu ao Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau e ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné, 1970/72), com data de 12 de Julho de 2009:

Caríssimo Carlos Vinhal,

Sem querer abusar da tua paciência e amizade envio-te para publicação, se assim o entenderes, mais este contributo antes das férias. Com os meus agradecimentos deixo a estética do trabalho ao teu altíssimo critério.

No Poste 4653 do camarada Álvaro Basto vi, pela primeira vez, os majores Pereira da Silva, Raul Passos Ramos, Osório e o alferes Mosca do Estado-Maior do CAOP1 em Teixeira Pinto, assassinados, na Guiné, na estrada que liga Pelunto a Jolmete (**).

Quando, em Julho de 1970, cheguei à Guiné não se falava de outra coisa!

As mortes tinham sido em Abril e ainda me lembra de ver o Senhor General Spínola de luto, fita preta, no braço (***).

Dizia-se em Bissau que tinha desaparecido, ingloriamente, a fina flor do Exército Português!

Estou muito grato ao blogue por publicar as fotografias e ao camarada Álvaro Basto por as ter arranjado, desfazendo equívocos, as quais me serviram de inspiração para escrever estas palavras sobre pessoas que foram brutalmente mortas numa missão muito arriscada… (receber a rendição de dois bigrupos na região de Canchungo ), como infelizmente se veio a verificar.

Segundo o irmão de Amílcar Cabral (Luís Cabral) que foi Presidente da Guiné-Bissau, o plano consistia em apanhar à mão o Governador (General Spínola) e os seus companheiros, mas este foi desencorajado pelo excelso e avisado Tenente-coronel Pedro Cardoso, que na altura era o Secretário-Geral da Guiné, que numa carta enviada ao Sr. General Spínola lhe terá dito que era perigoso envolver-se em contactos pessoais com os dirigentes sob controlo inimigo, propondo-lhe que, de futuro, os contactos se passassem a fazer em Bissau, no Palácio. Isto porque em data anterior (primeiros dias de Abril) o Comandante-chefe ter-se-á encontrado, secretamente, com André Pedro Gomes, chefe guerrilheiro da região Caboiana-Churo, para negociações de paz, na estrada entre Teixeira-Pinto/Cacheu.

As circunstâncias da morte dos militares em apreço, já foram relatadas por camaradas que viveram de perto a situação e publicadas no blogue.

Apenas falarei de algumas qualidades do major Raul Passos Ramos, porque conheço o seu irmão, general Fernando Passos Ramos, de quem sou amigo há muitos anos. Aliás, quando soube do falecimento do seu irmão Raul, voou do Leste de Angola para a Guiné para se inteirar da situação.

Nunca tive o privilégio de conhecer pessoalmente o major Passos Ramos, mas conheço testemunhas credíveis de camaradas do QP que serviram sob o seu comando, dos quais guardo na memória algumas qualidades humanas e militares do major Passos Ramos, relatadas por eles, e que passo a descrever:

Na década de 60, ainda capitão, o major Passos Ramos esteve a prestar serviço na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas;

Era um oficial distintíssimo, muito respeitado pelo seu constante exemplo (era um exemplo a seguir);

Era de uma dedicação e competência inexcedíveis, surpreendendo os mais dedicados e competentes!

Como comandante de Bateria (equivalente a Companhia na Infantaria) preocupava-se com os seus soldados, principalmente com os mais necessitados; conhecia-os a todos pelo nome e não pelo número... conversava com eles e sabia das dificuldades por que passavam. Alguns eram casados com filhos e o Capitão Ramos para lhes minimizar o sofrimento mandava-os entrar de licença para poderem trabalhar e contribuir para o sustento das suas famílias;

Todos os militares, principalmente oficiais, o queriam imitar…;

Oferecia-se para missões em lugar de outros camaradas que estivessem em dificuldades;

Quando entrava de Oficial de Dia à Escola Prática de Artilharia a população de Vendas Novas comparecia em peso para assistir à cerimónia do Render da Parada num gesto de profunda homenagem e consideração ao capitão Passos Ramos!

Enfim, era um Homem bom que do meu ponto de vista, merece ser recordado com todo o respeito e admiração!

Ao major Passos Ramos e aos restantes militares que faleceram com ele no cumprimento de uma missão, rogo a Deus para que as suas almas descansem em paz.

Despeço-me, desejando a todos as camaradas da Tabanca Grande e respectivas famílias, umas boas férias.

Abraços do
JOSÉ BORREGO

Nota: - Na construção dos parágrafos cinco e seis, apoiei-me no livro do Tenente-coronel Infª Francisco Proença Garcia (Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Portucalense Infante Henrique)

Linda-a-Velha, 12 de Julho de 2009

Na foto: Majores Joaquim Pereira da Silva e Raul Passos Ramos, Alf Mil Fernando Giesteira Gonçalves e Major Magalhães Osório

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (38): Histórias passadas na Guiné (José Borrego)

(**) Vd. poste de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4653: Dando a mão à palmatória (21): A verdadeira fotografia do Alf Mil Cav Mosca, assassinado no dia 21 de Abril de 1970 (Os Editores)

(***) Vd. postes de:

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê: O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Revez Allen Beja Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

terça-feira, 7 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4653: Dando a mão à palmatória (21): A verdadeira fotografia do Alf Mil Cav Mosca, assassinado no dia 21 de Abril de 1970 (Os Editores)


1. A propósito de um equívoco que se manteve durante largo tempo no nosso Blogue, relacionado com a identificação dos camaradas representados nas fotos alusivas ao Massacre do Chão Manjaco, com a devida autorização do nosso camarada e tertuliano Álvaro Basto (*), ex-Fur Mil Enf da CART 3492/BART 3873, reproduzimos o Poste 184, do Blogue da Tabanca Pequena de Matosinhos, por ele publicado.




2. Domingo, 7 de Junho de 2009
P184-desfazer as confusões


Um dos nossos mais queridos e assíduos companheiros de tertúlia na Tabanca de Matosinhos tem sido este simpático casal.

O Dr. Fernando Giesteira Gonçalves e a D. Joaquina Silva, sua simpática esposa.

Praticamente não falham à quarta-feira e não raro, vêm acompanhados de gente ligada à Guiné, quer ex-combatentes quer naturais de lá.
Ele é médico e vai abrir em breve uma clínica em Bissau com a ajuda da esposa que corajosamente o irá acompanhar desde a primeira hora.
Gente simpática, afável e sobretudo dotada de grande humanismo, basta relembrar como têm vindo a acompanhar o processo de auxilio às crianças da Clínica Pediátrica de Bor.

Há dias olhando para a foto abaixo que vinha publicada num destacável que é publicado todas as quartas feiras pelo Correio da Manhã diz surpreso: - Olha... eu estou aqui com os majores.
Logo um coro se fez ouvir... - Oh Dr. tem a certeza? Olhe que esse é o Alferes Mosca que foi morto juntamente com os majores. Ele não desarma e reafirma: - Desculpem, este sou eu, tenho a certeza. O Mosca foi-me substituir uns meses mais tarde à data desta foto ter sido tirada; o Mosca nem na Guiné estava nesta altura. Era eu que fazia parte do CAOP e ele foi-me substituir por ter chegado ao fim a minha comissão.
Bom... foi a estupacção total... tem vindo a ser propalado que esta foto reunia os quatro massacrados, mas afinal não.
Só agora é que o Dr. Giesteira viu esta foto porque habitualmente não vai à inernet e muito menos ao Blogue do Luís. Doutra forma, já teria obviamente desfeito o equívoco há mais tempo.


Fica aqui desfeita a confusão pois já na altura da primeira publicação da foto no Blogue do Luís quem o fez não estaria seguro quanto à identidade do alferes que nela aparecia.
Assim se vai fazendo História meus caros.
Álvaro Basto
__________

3. Para desfazer definitivamente quaisquer dúvidas fica agora a foto com os verdadeiros mártires do Chão Manjaco


Já no Poste 1510 o nosso camarada Paulo Raposo punha a hipótese de na foto estar um seu camarada de Mafra de apelido Giesteira.

Ao Dr. Fernando Giesteira Gonçalves e à família do nosso malogrado camarada Alf Mil Cav Joaquim João Palmeiro Mosca, apresentamos as nossas desculpas pelo lapso que grassou durante todo este tempo.

Se este poste chegar ao conhecimento do Dr. Giesteira, fica desde já convidado a aderir à nossa Tabanca Grande. Será um prazer para nós contar com a sua colaboração, quer falando do passado, como combatente, quer do presente, como médico interventivo na saúde daquele pequeno e pobre país.

Embora tardiamente, fica reposta a verdade.
CV

OBS:- Nos postes onde constavam as duas fotos acima publicadas, já foram substituídas pela que se apresenta mais abaixo, já como verdadeiro mártir Alf Mil Mosca. (**)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4310: Tabanca de Matosinhos (11): As crianças da Guiné-Bissau precisam da nossa ajuda (Álvaro Basto)

(**) Vd. postes de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê: O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4223: Efemérides (20): Faz hoje 39 anos que foram mortos os 3 majores e o Alf Mosca no chão manjaco (Manuel Resende)

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > Em primeiro plano, o Alf Mil Cav Op Esp Mosca na véspera de Natal de 1969 a preparar um petisco na cozinha (3 meses e meio antes de ele morrer, juntante com os 3 majores e o resto dos seus acompanhantes, guineenses).

Passam hoje 39 anos sobre sobre a tragédia do chão manjaco. Curvamo-nos à sua memória dos nossos camaradas (Maj CEM Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos, Maj Art Joaquim Pereira da Silva, de Inf Alberto Fernão Magalhães Osório, e Alf Mil Cav Joaquim João Palmeiro Mosca) e à memória dos guineenses que os acompanhavam (Mamadu Lamine Djuare, Patrão da Costa e Aliu Sissé).

Segundo a legenda (rectificativa) que nos mandou o Manuel Resende (que mora em São Domigos de Rana), "ao meio é 2º Sargento da Companhia, (não me lembro o nome); ao fundo é o Alf Marques Pereira". A crescenta ainda que a companhia dele, a CCaç 2585 partiu para a Guiné, no T/T Nassa, em 7 de Maio de 1969, portanto duas semanas antes da CCaç 2590, independente (futura CCaç 12) a que pertenci eu e o Humberto Reis, o cartógrafo-mor... (LG)



1. Mensagem do Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCaç 2585, BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo, Teixeira Pinto, chão manjaco (1969/71):

O Manuel Resende já se apresentou há tempos à nossa Tabanca Grande (**). Hoje envia-nos as fotos da praxe e um pequeno apontamento sobre a morte dos MAJORES no Chão Manjaco, faz hoje precisamente 39 anos.

Caro Luís:

Sou o Manuel Resende, ex-Alf da CCaç 2585 de Jolmete. Lá era o Alf Ferreira. Junto envio as duas fotos da praxe e um pequeno apontamento sobre a morte dos três MAJORES. É o meu contributo para um futuro esclarecimento total desta situação.

Alguém questionava, num dos artigos que li no Blogue sobre o local exacto onde os Majores foram assassinados. Pois o local exacto já foi devidamente explicado, até com fotos do Google Earth. Está correcto. Foi junto à segunda bolanha a contar de Jolmete-Pelundo (cerca de 5 Km de Jolmete).

Mas surge outro problema: porquê ali e não no local previamente combinado entre eles, junto à terceira bolanha (no mesmo sentido, ou primeira a contar do Pelundo-Jolmete também a cerca de 5 Km do Pelundo)?

Devido à demora nos resultados da reunião, ao anoitecer foi-nos dito pelo Comandante da Companhia o que se estava a passar, e que tinha sido decidido sair tropa de Jolmete em direcção ao Pelundo e do Pelundo em direcção a Jolmete, até se encontrarem. O resto já todos sabem.

Acrescento só que eu também ouvi alguns tiros, penso que três, longínquos, cerca das três ou quatro horas da tarde. Em tempo de defeso ouvir tiros no mato,... foi muito esquosito e comentado, mas como só o Capitão sabia o que se estava a passar, a coisa ficou assim.

Acredito mas não compreendo como os mártires foram esquartejados por rajadas de metralhadora, sem que nós tivéssemos ouvido. É mais fácil ouvir uma rajada do que um tiro avulso. A ideia com que fiquei na altura é que foram todos assassinados com um tiro na nuca. Por quem? ... Esse é outro problema.

Não quero contradizer ninguém, mas no Domingo, véspera do fatídico dia 20 de Abril de 1970, ao jantar, o Major Pereira da Silva recebeu um telefonema dizendo que um tal "Luís" iria estar presente na reunião. Segundo testenunhas o Major ficou petrificado, depois desse telefonema. Foi ele que não autorizou a ida do comandante do CAOP, Coronel Alcino, e outras pessoas que estavam previstas ir, pois parece que já adivinhava o que se ia passar. Daí também ele ter escrito a carta à esposa antes de sair. Estavam previstos três jipes e só saíram dois.

Caro Luís, em 1980 fui à Guiné em serviço da empresa onde trabalhava. Estive a falar com um Tenente do PAIGC, que me foi apresentado. Éramos vizinhos em Jolmete, pois ele lembrava-se bem da Companhia 2585. Depois de alguma conversa concluímos que estivemos várias vezes em confronto. Disse ele:
-Os Portugueses eram muito ingénuos, pensavam que nós nos íamos entregar ...

Nota: Podes corrigir ou cortar texto se for necessário para melhor enquadramento.
Eu tenho cerca de 200 fotos, muitas sem interesse, mas irei enviar algumas. Hoje vou mandar três, sendo uma com três Alferes da Companhia (eu estou no meio), outra com o Alf Mosca na véspera de Natal de 1969 a preparar um petisco na cozinha (3 meses e meio antes de ele morrer), e uma do Dandi, Cap de Milícia, para preparar o próximo apontamento.

No comentário anterior que fiz, ao dizer o nome dos Alf da Companhia, por lapso, não disse Raul antes de Manuel Charraz Godinho (*). Aqui fica a rectificação: Raul Manuel Charraz Godinho.

Um abraço e até outro dia.

Manuel Resende

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > O Capitão de Milícia, Dandi.

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > 3 alferes da companhia, o Manuel Resende, mais conhecido pelo último apelido, Alf Ferreira, é o do meio.

Fotos: Manuel Resende (2009). Direitos reservados
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. os últimos postes sobre o massacre do chão manjaco:

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

(**) Vd. poste de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4080: Tabanca Grande (127): Manuel Resende, ex-Alf Mil, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1969/71): como o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2542: Em busca de... (20): Camaradas da CCAÇ 1487 (José Jerónimo)

José Jerónimo
ex-Alf Mil
CCAÇ 1487
Fulacunda
1965/67

1. Aqui ficam, para leitura atenta, diversas trocas de correspondência a propósito do pedido do nosso camarada José Jerónimo para encontrar camaradas seus da CCAÇ 1487.

Mais uma vez ficou demonstrado o espírito de camaradagem, (à moda antiga) que ainda perdura entre nós.
Desta vez a estrela foi o Santos Oliveira que levou a peito ajudar José Jerónimo que, por se encontrar no Brasil há 27 anos, perdeu o contacto com os seus antigos companheiros.

Esta ajuda do Oliveira ao Jerónimo, provocou uma reacção nunca vista, acho eu, até hoje, que foi um Oficial bater pala a um Sargento.

Esta homenagem, simbólica e não atentatória ao RDM, reforça a ideia de que nesta altura, a camaradagem é aquilo que perdura e une os ex-combatentes da Guiné.
C.V.

2. Em 26 de Janeiro de 2008, José Jerónimo dirigia-se a Luís Graça

O meu nome é José Amadeu de Jesus Jerónimo.
Fui Alf Mil da CCAÇ 1487, comandada pelo (naquele momento) Capitão Alberto Fernão de Magalhães Osório.

Comigo estiveram o Alf Mil Marques Lobato, Alf Mil Freitas Soares e Alf Mil Castro.

Pertencemos ao RI 15 - Tomar e estivemos em Fulacunda.
Actuamos como Companhia de Intervenção do Batalhão de Tite e várias vezes com a Companhia do Cap Fabião (Tite) e Companhia de Comandos do Cap Leandro (que nos comandava nas férias do Cap Osório).

Vivo no Brasil há 27 anos e perdi todos os contactos.
Gostaria de voltar ao contacto, pelo menos com os alferes meus colegas e sargentos, já que o Osório morreu na sua outra comissão com General Spinola (1).

Você pode ajudar?
Também posso colaborar no seu Blog com depoimentos sobre momentos vividos naquele tempo.
Façamos a nossa história

Meu contacto:
josama@uol.com.br
Tel. móvel; 00 55 11 8432 9647

Abraço,
José Jerónimo

3. Em 26 de Janeiro, CV enviava uma mensagem à Tertúlia no sentido de se encontrar alguém que pudesse ajudar o nosso camarada

Caríssimos companheiros e amigos:

Mais um pedido nos chegou. Desta feita do José Jerónimo que nos lê no Brasil, onde está há 27 anos.

Perdeu o contacto com os seus camaradas da CCAÇ 1487, onde esteve como Alf Mil.
Pergunta da ordem. Quem pode ajudar este nosso camarada?

Eu já fui à Pagina do nosso amigo Jorge Santos na espectativa de encontrar por lá alguém da CCAÇ 1487 a pedir contactos, mas infelizmente não há lá nenhum pedido.

Se alguém tiver uma dica para ajudar este nosso amigo, por favor informem-no directamente ou por nosso intermédio.

Desde já muito obrigado.
Um abraço e bom domingo para todos.
Carlos Vinhal

4. Os efeitos não se fizeram esperar e em 27 de Janeiro, o nosso Sarg Mil Santos Oliveira entrava em contacto com o José Jerónimo.

José Jerónimo:
Estou a envidar esforços para te poder ajudar.
Vou continuar a tentar, agora, junto de Companheiros da CCAÇ 797 do Carlos Fabião.

Seguem nomes idênticos aos que referes, mas faltam os nomes próprios e, isso, só tu podes decifrar.

Do Alf Castro, apenas com esta referência nominal, teríamos uma enciclopédia.
Se conseguires alguns elementos identificativos mais precisos, por exemplo, dos sargentos ou furriéis, podes ajudar-te imenso.
Por agora, o que consegui saber:
[...]
Paz à alma deste valoroso filho da Nação Portuguesa, cujo local de sepultura se indica a seguir:

- Major de Infantaria N.º 50972511, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Alberto Fernão Magalhães Osório: Cemitério Paroquial do Baraçal, Celorico da Beira [...]

De possibilidades de serem quem procuras, vê se é um destes nomes (*):

[...] Podes contar comigo

Um fraterno abraço, do

Santos Oliveira
Sarg Mil Armas Pesadas
Do Extinto Pel Ind Morteiros 912

5. Em 28 de Janeiro, José Jerónimo dirigia-se assim a Santos Oliveira

Santos Oliveira,

Muito obrigado também pela tua ajuda.
Vamos a ver no que eu posso ajudar também, depois das muitas andanças pelo Mundo, em que fui perdendo documentos que agora nos poderiam auxiliar.
A memória, depois de todos estes anos por longes terras, também não está tão clara quanto eu gostaria.
Mesmo assim lá vai o meu primeiro contributo, para ver se começamos por alguma ponta do fio para desenrolar o novelo, até que a minha memória comece a ficar um pouco mais clara.
Estou copiando o Briote, o Luis Graça, o Henrique Matos e o Henrique Cabral, porque também eles me estão ajudando.
Talvez em conjunto consigamos.

Estive em Tite com o (naquele momento) Major Jasmim de Freitas (2.° Comandante do Batalhão de Tite e antigo Comandante do meu Curso de Oficiais em Mafra).

1 - Informações sobre o Ten Cor Alberto Magalhães Osório, estão de acordo com o que sei.

2 - Quanto ao António F Freitas Soares - [...] estou quase certo que seja este.
Um dos furriéis do seu Grupo se chama Moniz e o Sargento Costa

3 - Quanto ao Alf Mil Marques Lobato. Estou quase certo que se chama José Marques Lobato e vivia em Penafiel em 1964 (filho de um Major do Exército)

4 - Quanto ao Alf Mil Castro. Não lembro se o nome era Sousa e Castro (é de Vila Nova de Famalicão)

5 - Furriéis do meu Grupo: Murça (acho que de Vila Nova de Famalicão) e Freire (Golegã

6 - Actuei inicialmente como Companhia de Intervenção no Batalhão de Bissau, actuando nesse curto espaço de tempo, pelo menos, em Mansabá e Mansoa.
Depois de chegar a Fulacunda actuei várias vezes em Gã Pedro, Gã Chiquinho, Braia, Tite, Louvado e Bila, Gandua Porto, Bária, Jufá, etc. e, na região de Jabadá, onde existia um Pelotão de Armas Pesadas de Infantaria comandado pelo Alf Mil Basílio (meu Curso em Mafra).

7 - Em Tite o (naquele momento) Major Jasmim de Freitas era o 2.° Comandante do Batalhão e antigo Comandante do meu Curso de Oficiais em Mafra).

Bom, estou certo que vamos conseguir muito mais informações e que nos encontraremos na minha próxima viagem a Portugal.
Obrigado pela ajuda.

Meu endereço actual é:
Rua Palacete das Águias, 842 - Apto. 53 Vila Sta. Catarina (ao lado do Aeroporto de Congonhas).
Codigo Postal 04635-023 São Paulo - SP - Brasil
Telemóvel: 00 55 11 8432 9647

Um grande abraço para todos
José Jerónimo

6. No mesmo dia Virgínio Briote mandava esta mensagem a Santos Oliveira

Caro Santos Oliveira,

Tenho estado a acompanhar o teu notável trabalho.
Quando penso que quem esteve no Cachil naqueles difíceis tempos, e quem o defendeu naquelas condições, bate certo, é o mesmo gajo que está a ajudar o Jerónimo a reencontrar os Camaradas, a reencontrar-se com ele próprio.

Eu sei, pelo que me lembro, que o que vou fazer não faz parte das etiquetas militares do nosso Exército. Mas tenho formação comando e nestas condições o que é bem feito deve estar acima de todas as praxes.

Deixe que lhe faça a continência, meu Caro Furriel Santos Oliveira,
vb

7. Ainda em 28 de Janeiro José Jerónimo dirigia-se a Santos Oliveira e a Virgínio Briote, assim:

Amigos,
Gostei desse fora das praxes militares sugerido pelo Briote. E também eu, saindo dessas mesmas praxes, vos faço a continência, pela ajuda que me estão dando. O que puderem fazer, é para mim muito importante. É como diz o Briote, um reencontro, pelo menos, com uma parte que estava perdida de mim mesmo.
Abraços para os dois.

J.Jerónimo


8. Santos Oliveira contactava de novo José Jerónimo

Amigo e Camarada

Tenho metade da CCAÇ 797 e da CCS do BCAÇ 1860 a procurar contactos. Passou muito tempo, não é? Também estive por Tite.

Bem, quero dizer-te que o Pelotão de Morteiros que encontraste em Jabadá, deveria ser o meu, o 912, sem uma Secção, que era a minha e que havia estado noutro lugar e noutra Missão.

O período, ou a data que lá passaste deve ter sido até Novembro de 1965.
Nesse caso, o Alferes que contigo Cursou não seria o Alf Mil Basílio, antes o Alf Mil António Fernandes O. Rodrigues [...] de Vila Nova de Gaia

Este, como tu e eu (EPI-1963) também teve por Director de Instrução o Major Jasmim de Freitas; mais tarde reencontrado como 2.º Comandante do BCAÇ 1860 em Tite.

Tenho estado a tentar ligar ao Freitas Soares (se é que é o mesmo). Vai para o Voice Mail onde deixo recado, mas que até agora, ainda não resultou.

Estou com esperanças de vir a ajudar.
Aguardemos mais um pouco.

Um abraço, do
Santos Oliveira

9. Resposta ao mail anterior de José Jerónimo

Amigo Santos Oliveira,

A minha memória parece querer clarear.
Lembrei de mais um nome. O do Sargento do Grupo do Alferes Castro de V.N.Famalicão. Se chama Sargento Gaspar (acho que era também do Minho e já tinha estado em Angola. Era o fotografo de todos nós e um militar destemido - Cruz de Guerra).

Aquele a quem eu chamo de Alferes Basilio é Indiano. Será que é ele a quem tu te referes?

Passei umas três vezes em Jabadá.
Uma, vindo de Gã Pedro (a primeira quase logo quando cheguei em Fulacunda.

Duas semanas antes tinha estado em uma Operação em ???? junto com a CCAÇ 797 . Foi quando conheci o Cap Fabião e a CCAÇ 797, que se encontrou com a nossa CCAÇ 1487 em Fulacunda, de onde saimos para a Operação)

Outra, a segunda vindo de Jufá. Nessa o Alferes Basilio (??? ou António Fernandes) com uma parte do seu Pelotão, nos esperava fora do quartel de Jabadá. Chegámos debaixo de fogo.

A terceira vez não lembro mais.

O meu cabo da bazuca, o Cerqueira, também tem uma Cruz de Guerra.

Conto contigo nesta tentativa de descoberta.

Abraços
J.Jerónimo

10. Em 29 de Janeiro, Santos Oliveira contactava Virgínio Briote com esta mensagem:

Caro Briote:

Obrigado pela tua consideração para comigo. Eu ajudo qualquer um de nós, porque um Ranger com preparação especial para ser infiltrado sozinho, é sempre um Homem solitário.

E se isso parece não me ter perturbado (pela preparação que então tive), com o passar dos anos vai-se tornando um enorme e gigantesco problema psicológico em que o pivot principal é a solidão.

Disso, creio, não me livro mais. É demasiado profundo. Portanto só resta abrir um pouco a mente e tentar ser o Eu original (sensível, atento, prestável, etc.).

Fiquei em sentido (e com as lágrimas nos olhos) com a continência que me fizeste.

Fizeste-me lembrar um episódio que se passou em Catió, em finais de 1964, quando aí me desloquei para assistência Médica mais especializada (urinava sangue, porque apenas bebia água, a qual era transportada em pipos de tinto e que a tinto sabia e cheirava).

Estava encostado ao muro da Messe de Sargentos e vejo, vindo desde o Quartel, um Militar Nativo, que, uns dez passos antes, se perfila e me faz continência, conforme os Regulamentos.

Olhei para um lado e para o outro, não vejo ninguém ali perto, correspondi à mesma e só então reparei que era um Alferes (segundo os galões que ostentava).

Hesitei, mas acabei por ganhar coragem e chamei: - Oh, meu Alferes! Por favor. Eu sou quem tem de lhe fazer continência.

Atrás de mim uma risada colectiva de vários camaradas.

-Ele não te conhece e por isso é que te fez continência.
-Porquê, perguntei.
-É que ele é Alferes de Segunda Classe.
-Segunda Classe? O que é isso? - Retruquei.
-Os nativos, quando comandam tropas, são uma espécie de Graduados, mas são sempre inferiores (esta doeu-me e ainda me dói) aos brancos.

Eu, nunca havia ouvido tal e fiquei escandalizado.

Voltei-me para o meu Alferes (de 2ª) e disse:
-Meu Alferes, quando se cruzar comigo, sou eu quem lhe deve continência. Está bem?
-Sim, meu Furrié.

Ali, fiquei a saber (o que era normal em Portugal, mas não desta forma) que havia, classificados, Portugueses de primeira e de segunda.

Foi deste modo que conheci, pessoalmente, o saudoso João Bakar Djaló, a quem, postumamente, homenageio.

Palavras para quê? Assim, já não tenho palavras.

Um enorme abraço, do
Santos Oliveira

11. E contactava também José Jerónimo

Amigo J.Jerónimo

Acabo de olhar vários mails e vou, por ordem de chegada, prestar as minhas informações e comentários.

Fico contente com o abrir da tua memória; é o que estou tentando fazer com a minha. É, seguramente, a melhor terapia, falar e ouvir os que por lá passaram e bem entendem e subentendem os nossos sentimentos, medos, frustrações, alegrias e tristezas. Por isso estou aqui e te disse: conta comigo.

O indiano Basílio, não é, com toda a certeza o Rodrigues. Esse, conheço bem demais e também não o estou a ver a sair do seu reduto para cobrir a segurança de quem quer que fosse. Por isso, a tua passagem por Jabadá, ter-se-á dado depois de Novembro de 1965.

Sem mais comentários sobre o indivíduo.

Não sei se existe listagem sobre as Cruzes de Guerra que foram atribuídas em Campanha; vou averiguar e se possível encontrar o Sargento Gaspar e o Cabo Cerqueira.

Vou dando notícias conforme forem aparecendo.

Um abraço, do
Santos Oliveira

12. Em 30 de Janeiro Santos Oliveira mandava nova mensagem a José Jerónimo

Amigo Jerónimo:

Creio que o meu percurso Militar foi um tanto diferente do teu.

Fiz todo o Curso de Sargentos Milicianos e a Especialização de Armas Pesadas de Infantaria em Mafra (seja: Canhões S/Recuo, Morteiros e Metralhadoras – tudo os tipos classificados Pesados).

A minha paixão era os Canhões S/Recuo, mas não foi por aí que andei.

Acabado o Curso de Sargentos Milicianos, como fui muito bom aluno e dedicado (naquele tempo os nossos destinos eram determinados pelas habilitações escolares e não pelos psicotécnicos) fui promovido a 1.º Cabo Miliciano (o Sargento económico da época; possuía Instrução de Oficial, tinha Responsabilidade de Sargento, Regalias e Pré, igual às dos Praças).
Isso, tu deves conhecer.

Talvez pelos resultados dos psicotécnicos ou pelas classificações obtidas, pude escolher uma Unidade pertinho de casa; escolhi o GACA3, em Espinho.

Três dias depois da minha apresentação, sem qualquer aviso prévio, fui carregado numa GMC com toldo, a juntar-me a outros, poucos, Cabos Milicianos e um Furriel do QP.

Na cabine, além do condutor, iam dois Oficiais: um Tenente do QP, com farda Portuguesa e um outro com farda estranha.

Para onde nos levavam era a pergunta que cada um de nós fazia ao outro. Mas ninguém sabia e o Furriel não se descosia. Sempre que tentamos espreitar pelas frinchas do toldo, éramos impedidos pelo nosso Furriel.

Ao fim dumas horas, já de noite, creio que estávamos nas traseiras do CIOE, em Lamego.

Ali mesmo, sem mais, começou o nosso Curso de Tirocínio de Rangers de Infiltração.

Eu nunca havia ouvido infiltração associado a Rangers.

O Oficial de farda estranha, era um Capitão dos Rangers Americanos, que havia feito duas comissões no Vietname, estava em Portugal como Conselheiro Militar(???), falava um espanhol abrasileirado no seu sotaque.

Partimos, de imediato, sei lá para onde naquela região; tínhamos, além da arma e ração de combate, uma corda de uns 10 metros, um mapa com os objectivos assinalados, uma bússola e uma lanterna militar. Quase nunca mais nos voltámos a ver; era um por si.

Claro que alguns trajectos finais passaram pelos esgotos (aí pude olhar gente).

A higiene era apenas quando se caía ao Rio e mais não estou a lembrar.

Altos e baixos, rochas e monte, apenas se ouviam os cães e se viam ovelhas ou carneiros e, aqui e ali se ouvia o assobiar típico dos pastores. Gente, não.

Sofri bem mais em Mafra, acredita.

E com a mesma e única porca farda malcheirosa, uma certa madrugada, lá voltamos a ser carregados na GMC com o toldo que já conhecíamos e nos transportaram para Tancos; aqui não havia engano possível.

Viam-se Boinas verdes por todos os lados.

Novo Tirocínio, desta feita para a preparação de Salto.
Nada de especial a não ser a velha torre, em cima da qual a nossa visão lateral não enxergava o patamar... apenas o chão cá em baixo.

Mais medos tive das águas do Douro.

Um salto dum velho Junkers e de novo o regresso à nossa conhecida GMC e... às nossas novas Unidades.

Era suposto ter dado uma Recruta (fazia parte dos Regulamentos) mas eu fui convidado pelo 2.º Comandante a formar uma equipa, ao lado da Sala do Comando, uma Secção Técnica onde abri a comunicação da minha própria Mobilização, em rendição individual, para a Guiné.

Antes disso, estava cumulativamente a fazer Sargento de Piquete e, porque a porta se encontrava aberta (a Secretaria Técnica era na Torre de Controle do aeródromo de Espinho - tudo vidro e calor insuportável) abusivamente, um Oficial entrou para saber assunto classificado e eu não lhe dei a informação que pedia e solicitei que se retirasse, porque a zona era Classificada.

Ele resistiu e apontei-lhe a FBP e perguntei se saía pelo seu pé, ou se de maca.

Ele participou de mim e eu apanhei oito dias de Detenção, que foram oito Sargentos de Dia que fiz pelos camaradas solidários.

Só passado o castigo é que apresentei, de acordo com o RDM, a minha parte do caso.

Foi anulado o meu Castigo e recebi um Louvor.

Igualmente não fui incomodado, quando algum tempo depois da tentativa de assalto ao Quartel de Beja, quando Sargento de Dia, durante a ronda nocturna, um das sentinelas disse ter ouvido restolho no meio do milheiral.
Tomei a Mauser e disparei depois de dizer que esta era para perto a próxima seria para acertar.
Acordei o Quartel às 4 da manhã.

Do resto, podes, no Blogue, clicar, Sábado, 15 de Dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)
que, no essencial está lá.

Vamos deixar esta longa História, noutros pormenores que te podem fazer avaliar se vale a pena… “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena"
Luto pelo que acredito, crê

Santos Oliveira
___________
Notas dos editores:

(*) - Foram removidos endereços e números de telefones, por não ser ter a certeza de que as pessoas citadas eram as procuradas.

(1) - Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) (João Tunes)

(...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. (...)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2325: Massacre do Chão Manjaco: Todos iguais na morte, mas nos relatórios uns mais iguais do que outros (João Tunes)

Guiné > Região de Tombali (Catió) > Rio Cumbijã > Junho de 1970. Em primeiro plano, o Alf Mil Trms, que pertenceu inicialmente à da CCS do BCAÇ 2884, Pelundo, 1969/70; transferido depois para o batalhão de Catió, por razões disciplinares de que muito se orgulha: foi punido pelo Ten Cor Romão Loureiro (1) .


Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.



1. Mensagem de João Tunes:

Camaradas,

Considero um excelente contributo, para o registo da guerra colonial, o relatório secreto transcrito no post P2320 sobre o massacre no chão manjaco (2). E se um dia se puder obter o relatório do PAIGC sobre a mesma acção, teremos uma visão clara e objectiva sobre um dos acontecimentos mais traumáticos na vertente psico da guerrilha/contra-guerrilha verificada nos teatros de operações onde, em treze anos de guerra, se verificou o estertor do multi-secular império colonial português. Muitos parabéns, pois.

Para além do enquadramento objectivo do resultado do massacre que se obtém pelo relatório militar publicado, um aspecto singular nele me chamou a atenção e que julgo ter implicações óbvias de leitura. Quanta retórica de indignação nós não gastamos a enaltecer uma presumida igualdade de todos os que, sob a bandeira portuguesa, se bateram pela continuidade da soberania portuguesa (militares do quadro, militares milicianos, guineenses integrando ou apoiando a tropa portuguesa).

No entanto, repare-se que o relatório, quanto às baixas (os sete assassinados), não esquece as devidas distinções de consideração no trato, pois que, entre os sete caídos em missão, na mesma missão, até na morte foram desiguais no trato militar: 3 (três) eram “Ex.mo Major”, 1 (um) era “Sr. Alferes” e 3 (três) eram “nativos”.

Enquanto no realce aos três militares que se destacaram na acção da CCAÇ 2586, o primeiro cabo e os soldados como tal são nomeados, sem direito a Excelência ou a Sr. (mas sem a carga preta de serem nomeados como nativos). Presumindo-se que todos, das excelências até aos nativos, eram cidadãos de Portugal do Minho a Timor, as distinções são, pelo menos, paradoxais. Mas relevantes.

Fiz o meu modesto elogio a este excelente post no meu blogue [e que se reproduz a seguir, com a devida vénia. L.G.]

Abraços para todos os estimados camaradas.

João Tunes


2.
Blogue de João Tunes (Ano V na Blogosfera) > Água Lisa (6) >1 de Dezembro de 2007
Quando a Guerra Correu Mal, Muito Mal


Um dos episódios mais dramáticos que o absurdo da guerra colonial implicou, em preço de sangue e emoção, para as Forças Armadas portuguesas, foi o massacre de quatro oficiais portugueses e três guineenses ao serviço do exército colonial, ocorrido junto ao quartel do Pelundo no centro-norte da Guiné, em Abril de 1970. Não pelo número de baixas, pois houve combates com muitas mais vítimas do lado português, mas por quatro ordens de razões: o número de oficiais superiores entre as vítimas; a qualidade militar dos três majores (faziam parte da elite do corpo de oficias sob comando de Spínola e contavam-se entre os melhores especialistas militares em contra-guerrilha); terem sido assassinados não só com requintes de crueldade como se encontravam desarmados; o volte-face que representou esta acção do PAIGC (a missão destinava-se a receber a rendição de forças do PAIGC e era o culminar de longas negociações e de acção de aliciamento) em que uma prevista rendição de guerrilheiros se transformou num golpe profundo que liquidou três oficiais portugueses de elite e acentuou o caminho para a guerra total.

Aqui [no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] acaba de ser editado o relatório militar secreto da força operacional que fez a recolha dos corpos dos massacrados e que saiu do quartel do Pelundo em acção militar desencadeada após tardar o regresso da força que ia receber a rendição da força do PAIGC (e para a qual se previa a sua integração no exército português).

Trata-se de um documento de grande importância no esclarecimento sobre as partes dramáticas vividas na guerra colonial, incidindo sobre um dos seus episódios mais traumáticos. De consulta obrigatória para os interessados em saber como elas mordiam, mesmo quando a miragem de uma grande ou pequena vitória parecia estar frente aos olhos.

[Na minha comissão militar na guerra da Guiné, conheci e fiz amizade pessoal com os três majores massacrados, todos inteligentíssimos, destemidos, cultos e de formação humana excepcional, sendo o mais brilhante entre eles (Passos Ramos), o que acrescenta absurdo ao acontecido, um militar que era contra a ditadura e a guerra colonial. Em tempos idos, dediquei-lhes este post.](3) (4).

___________

Notas dos editores:

(1) 27 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes

(...) "Obrigado por finalmente teres avivado a minha memória, lembrando-me o número do meu Batalhão do Pelundo. É isso, BCAÇ 2884, sob comando desse Tenente-Coronel de pacotilha Romão Loureiro (antes da Guiné, o tipo havia feito a maior parte da sua carreira "militar" na União Nacional, tendo chegado a Presidente da Câmara de Viseu... e foi fazer aquela comissão para poder ascender a Coronel, mas [...] sabia tanto de guerra como eu sei da cultura de alcagoitas) (...).

(2) Vd. post de 1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

(3) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)

(4) Outros textos do João Tunes publicados na I Série do nosso blogue, e que merecem ser relidos, pela qualidade da escrita e pela sua postura crítica:

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXVII: A 'legenda' do capitão comando Bacar Jaló (João Tunes)

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74- DCCCXVIII: Confissões de um pacifista: A minha paixão pela bela Kalash (João Tunes)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCV: O 'turra' Luandino Vieira recusa Prémio Camões (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCII: O limpo e o sujo, nós e os pides (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCI: Todos camaradas, mas uns mais do que outros ? A propósito do assassínio de Amílcar Cabral (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: Fazer a catarse antes de vestir a toga de juiz (João Tunes)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXVI: E os patriotas guineenses, torturados e assassinados em nome de Portugal ? (João Tunes)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXVIII: Ainda sobre os fuzilados... ou comentário ao texto do Jorge Cabral (João Tunes)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVIII: Vítimas e carrascos, amos e servos, sacanas e traidores (João Tunes)

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)

25 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXI: Pelundo: Nº do batalhão ? Não sei, não me lembro (João Tunes)

sábado, 1 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2320: Massacre do Chão Manjaco (12): O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

Fotografia dos três majores e do alferes miliciano, portugueses, vítimas mortais, em 20 de Abril de 1970, do chamado Massacre do Chão Manjaco. Com eles, morreram também três guineenses, ao serviço das NT (1).

Fotos: © Afonso M. F. Sousa (2007). Direitos reservados.


1. Nota do co-editor Virgínio Briote:

Falamos da guerra da Guiné, não pela visão e habilidade dos historiadores, mas pelos olhos, pelas mãos, pelos poros do suor que escorria por nós abaixo como água, pelas veias do sangue de quem por lá passou.
Não é "poesia". Quem deixa aqui os seus relatos, escreve sobre o que passou e o que viu. Por outras palavras, quem por aqui vai escrevendo é o historiador de si próprio.

Ainda a propósito do Caso dos Majores no chão Manjaco (1), transcrevemos na íntegra o relatório (na altura classificado como secreto) da operação sobre o resgate dos corpos. É mais uma achega para a "reconstituição do puzzle das nossas memórias".

A cópia do relatório, em papel, foi-me enviada pelo correio, sem o endereço do remetente. Ponderada a oportunidade da sua publicação pública e não me parecendo, neste caso, que o interesse público seja de menor interesse por um facto ocorrido há quase 40 anos, optei pela transcrição do referido documento.

Sei que ainda é doloroso falar deste episódio horrível da guerra da Guiné, porque há familiares (vivos) dos nossos camaradas que morreram naquelas matas, mas infelizmente para eles - e para todos nós - os pormenores macabros do seu fim já são sobejamente conhecidos, são do domínio público. Recordo que o nosso camarada Afonso M. F. Sousa organizou, para todos nós, um completíssimo dossiê sobre O Massacre do Chão Manjaco. E obteve inclusivamente o depoimento (oral) do ex-Fur Mil Lino, da CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884, um dos homens que integra o Grupo de Combate que ainda na noite de 20 de Abril de 1970 parte, do destacamento de Jolmete, para uma missão de reconhecimento, junto à estrada Jolmete-Pelundo.

Mais uma vez, e em especial neste dia, 1 de Dezembro, que tem ainda um grande significado patriótico para todos os portugueses, queremos honrar a memória destes nossos compatriotas, que foram brilhantes e corajosos militares, e convencermo-nos que a sua morte não foi de todo inglória e inútil...

Revisão e fixação do texto: vb
__________

SECRETO

COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DA GUINÉ
COMANDO DO AGRUPAMENTO OPERACIONAL

Directiva Nº 1

1.SITUAÇÃO

-Situação Geral:

A definida por Sua Ex.ª o General Comandante-chefe na última reunião de comandos.

-Situação Particular:

Os elementos do CAOP têm desenvolvido intensa acção psicológica sobre os comandos dos grupos IN no chão Manjaco o que tudo levará a crer que possa conduzir a fins positivos no concernente à sua apresentação.

2. MISSÃO

Os Exmºs Majores CEM Passos Ramos, de Art Pereira da Silva, de Inf Magalhães Osório e Alf Mil Cav Joaquim Mosca, acompanhados dos nativos Mamadu Lamine Djuare, Patrão da Costa e Aliu Sissé, efectuam na Estrada Pelundo-Jolmete uma reunião com chefes do grupo IN do chão Manjaco em cumprimento de ordem verbal superiormente recebida.

Duração provável da Missão: das 12h00 às 21h00 de 20 de Abril.

Quartel em Teixeira Pinto, 19 de Abril de 1970.

O Comandante, Intº

Romão Loureiro
Ten Cor
__________

Batalhão de Caçadores nº 2884
Companhia de Caçadores nº 2586

RELATÓRIO DA ACÇÃO RECOLHA MISSÃO ESPECIAL
Realizada em 21 Abril de 1970 na Região Pelundo Jolmete

Referências: Carta 1/50.000 Pelundo

1. Situação

Situação Geral:

- A definida por Sua Ex.ª o General Comandante-chefe na última reunião de comandos.

Situação Particular:

- Desde 7 de Feveiro de 1970 não houve contactos com armas entre as NT e o IN.
- O CAOP tem desenvolvido intensa acção psicológica sobre elementos IN que tudo levaria a crer conduziriam a fins positivos.

2. Missão

- A Companhia de Caçadores 2586 (-) recebeu a missão de patrulhar a estrada Pelundo-Jolmete.
- Detectar a presença de duas viaturas tipo Jeep que se deviam encontrar nessa área.
- Detectar vestígios da presença do IN e de sete entidades (NT e colaboradores).

3. Força executante

a) Comandante: Cap Inf Eugénio Baptista Neves

b) Comandantes das subunidades: Alf Mil Carlos A. Vasconcelos Miranda

c) Meios: Dois grupos de combate (48 homens no total); Três viaturas Unimog 404; uma viatura Unimog 411.

d) Articulação da força

Durante o percurso auto um Gr Comb ocupou duas viaturas tipo 404 e o outro Gr as duas viaturas restantes. O Comandante da força seguia na primeira viatura e o Comandante do Gr Comb na penúltima.

Na coluna apeada, o Gr Comb a duas secções seguia na frente, uma secção de cada lado da estrada e fora dela, a outra secção seguia nos intervalos das viaturas. As duas secções de reforço seguiam na retaguarda.

O Comandante da força deslocava-se em segundo lugar num dos lados da estrada e o Comandante do Gr Comb em primeiro lugar do outro lado (justifica-se esta disposição com os dois comandantes na frente para que todos os vestígios fossem detectados e analisados).

Alterações à Organização Regulamentar

1) Pessoal: Nada
2) Armamento: o orgânico
3) Equipamento: o orgânico
4) Munições: dotação normal. Nas viaturas seguiam 50 granadas de morteiro 60, 30 granadas de LGFog, 3 cunhetes de GMO, 2 de GMD e 5 cunhetes 7,62m/m.
5) Material especial: picas para detecção de minas, cordas, catanas e machados
6) Transmissões: dois ER-AVP 1
7) Viaturas: três Unimogs 404 e um 411 (dois com guincho)
8) Diversos: Nenhum pessoal nativo tomou parte na acção.

4. Planos estabelecidos para a acção

Desde que o Cmtd da Companhia recebeu a ordem para efectuar o patrulhamento, cerca das 1h30 doo dia 21 até às 1h50 a que a coluna saiu, foram feitos os seguintes planos:

Deslocamento auto até Changalene (Pelundo 2F8). A viatura da frente com luzes nos médios para permitir observar qualquer vestígio. As restantes de luzes apagadas.
A partir daí a coluna apeada deslocar-se-ia com duas secções na frente tanto quanto possível fora da estrada mas de maneira a poder detectar qualquer vestígio que nela existisse.
Seguiriam depois as viaturas com luzes apagadas, escoltadas por uma secção; e, por último, seguiriam as restantes duas secções.

Presumia-se que qualquer vestígio ou indício fosse encontrado até Pelundo 5 a 9.
Se nada de anormal tivesse acontecido, a coluna deslocar-se-ia até Jolmete. Em caso de surgir qualquer incidente seria tomada a decisão na altura que as circunstâncias impusessem.
Em caso de necessidade esta coluna seria apoiada por forças de Jolmete e de Teixeira Pinto.

Devido ao pouco tempo disponível não foram feitos outros planos e todas as ordens posteriores seriam dadas pela rádio pelo comandante do CAOP, presente em Pelundo e as decisões tomadas em face dos acontecimentos.

5. Desenrolar da acção

A coluna-auto saiu de Pelundo em 21 de Abril às 1h50, em viaturas auto. A estrada Pelundo-Jolmete estava cheia de pó e os rastos deixados pelos pneus das viaturas das colunas anteriores estavam bem marcados.

cópia do Anexo A

Em Pelundo 2F7 (ver anexo A) estava marcado um trilho transversal ao eixo da estrada. Depois de examinado, verificou-se ter sido deixado pela população de Pelundo.

A partir desse ponto, a coluna tomou o dispositivo previsto para o deslocamento apeado. Os trilhos dos Jeeps eram nítidos no pó. A coluna passou a deslocar-se com a máxima precaução, mas com andamento em boa velocidade. A noite estava clara e permitia ver qualquer indício suspeito.

Sempre em boa velocidade, a coluna atingiu o ponto Pelundo 5 A 9 (ver anexo A) que era o local onde terminava a zona marcada para a reunião. Nada fora encontrado. Os vestígios dos rodados continuavam. Os Exmos Comandantes do CAOP e Batalhão eram informados dos pontos que a coluna ia atingindo. Tomaram-se mais precauções sem prejuízo da velocidade, a noite tornara-se escura, sendo difícil distinguir um objecto médio a mais de três metros.

A coluna foi avançando e em Pelundo 6 C 9 35, o alferes Miranda que seguia no lado direito da estrada, viu que os trilhos dos Jeeps se afastavam do meio da via e se dirigiam para a mata.
A coluna parou instantaneamente a fim de permitir examinar em pormenor o terreno e imediatamente o Comandante da coluna distinguiu um vulto que lhe pareceu ser um Jeep.

Todo o pessoal tomou posições para resistir a uma possível emboscada. Os motores foram parados. Noite escura. Silêncio. Não restam dúvidas, são mesmo os Jeeps. Nada se move. Tudo é silêncio e escuridão. São quatro horas e dez minutos. É necessário esperar que comece a clarear. O silêncio pode ser uma armadilha.
Os Exmos Comandantes do CAOP e Batalhão são informados do achado e que se vai esperar pelo raiar da manhã. A tensão aumenta. Cinco horas. Começa a clarear.

O comandante da coluna deixa o pessoal todo instalado, entrega o comando ao alferes Miranda e aproxima-se das viaturas com a máxima cautela. A escuridão ainda é grande, os pés são apoiados com a máxima cautela e em lugares onde se procurou minas.
De repente bate-se numa coisa mole. É um corpo estendido. Parece ser o do Exmo Major Passos Ramos (era o do alferes Mosca). Ao lado outro, era o do Exmo Major Pereira da Silva. Não restam dúvidas, dois estão mortos. Dos outros nada se sabe. Informa-se Pelundo via rádio.

A tensão nos homens diminui, aumenta o assombro. Os homens encaram os factos com serenidade. Mais claridade. O Comandante da coluna procurou em volta e descobriu mais quatro vultos. Estão mortos.

É informado Pelundo. Os homens estão assombrados mas calmos. Mantêm-se nos seus lugares. São informados do achado. Começa a ver-se bem e surge a cena macabra e horrível. Os corpos estão mutilados e todos apresentam tiros na nuca, cortes de catana e punhal.

Os homens são informados e mantêm-se serenos e na expectativa. Pensam que o tiroteio vai começar. Ninguém acredita que não seja uma cilada. Monta-se a segurança circular e começam as viaturas a ser retiradas. Uma tem os dois pneus do lado esquerdo furados de balas. Procuram-se armadilhas e nada é encontrado.

A primeira viatura MG-93-55, com os pneus furados, é trazida para a estrada. Novo achado e desta vez mais macabro. O nativo Lamine (o que dele resta) está no lugar antes ocupado pela viatura. Tiro na nuca, muito mutilado.

Retira-se a segunda viatura para a estrada. Os corpos são carregados num Unimog.
A coluna está pronta a regressar. Em todos os rostos, uma decisão firme, lábios mordidos.

A visão anterior era demasiado horrível. São cerca de sete horas. Dois helicópteros sobrevoam a zona. Monta-se segurança, um deles aterra. Dele sai Sua Excelência o General Comandante-chefe, o Excelentíssimo Comandante do CAOP, Ten Cor Romão Loureiro, o Excelentíssimo Major P. Costa e o capitão Almeida Bruno. Examinam o local e partem.

Às 7h10 a coluna põe-se em movimento agora com dois Jeeps a reboque. O dispositivo é o mesmo da aproximação. A coluna chega ao quartel cerca das 9h00.

6. Resultados obtidos

Foram recuperados os corpos:

- Exmo Major CEM 50275711 Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos
- Exmo Major Inf 50972511 Alberto Fernão Magalhães Osório
- Exmo Major Art 50692711 Joaquim Pereira da Silva
- Sr Alf Mil Cav 19516168 Joaquim João Almeida Mosca
- Nativo Mamadu Lamine Djuare
- Nativo Aliu Sissé
- Nativo Patrão da Costa

Foram ainda recuperadas duas viaturas [ilegivel]. Desconhece-se qual o material e documentos capturados pelo IN.

7. Serviços: nada a assinalar

8. Apoios: nada a assinalar

9. Ensinamentos colhidos

A Companhia foi posta à prova no cumprimento da missão que lhe foi dada. Soube reagir com calma e serenidade à macabra cena de ver sete cadáveres mutilados, quando esta cena não estaria na imaginação do mais pessimista. Crê-se que esta calma e serenidade é fruto da mentalização e da preparação da Companhia e ainda de na altura todos os militares irem sendo informados, com verdade, dos acontecimentos que se estavam a viver.

10. Diversos

cópia do Anexo B

Como se verifica pelo croqui do local (Anexo B) os corpos foram encontrados em dois grupos distintos. Num, os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e os nativos Aliu Sissé e Patrão da Costa. No outro, o Excelentíssimo Major Pereira da Silva e o Senhor Alferes Mosca.O nativo Lamine parece não fazer parte de nenhum dos grupos.

Todos os corpos se encontravam de costas (face voltada para o céu) e estendidos, com excepção do nativo Lamine que se encontrava de bruços e enrolado sobre ele mesmo.
Os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e Pereira da Silva, Sr Alferes Mosca e o nativo Patrão da Costa apresentavam o aspecto de não se terem apercebido de nada de anormal até ao momento de serem assassinados. O nativo Aliu Sissé apresentava um aspecto misto de terror e assombro, como se uns momentos antes de ser assassinado tivesse visto alguém que era seu inimigo e perigoso.

O nativo Lamine deve ter-se apercebido de que algo de anormal se ia passar pois deve ter fugido para debaixo de uma viatura, onde foi morto. A viatura apresenta diversos impactos. Nesse lugar foi depois mutilado.

As viaturas já se encontravam na posição em que foram encontradas pois uma delas (dois pneus furados) dificilmente se deslocaria sem deixar qualquer marca e estas não existiam.

Não foram vistos sinais de luta. Com excepção do nativo Lamine e do Excelentíssimo Major Passos Ramos, desconhece-se como foi morto, se com um tiro que lhe arrancou a parte posterior do crânio, se com uma catanada que lhe separaria a mesma região. Neste caso, a sua morte levaria mais tempo e o seu aspecto seria de mais sofrimento.
Julga-se também que todos foram assassinados no local em que se encontravam devido ao sangue existente no chão.

A não existência de sinais de luta e de nenhum, com excepção do nativo Lamine, ter tentado fugir leva a supor que não teriam sido mortos pelas pessoas com quem possivelmente conversavam.

O grupo assassino deve ter surgido de repente e assim se explicaria o aspecto do Aliu Sissé e a fuga do Lamine. Provavelmente retirou na direcção ESE.

Desconhece-se se houve outros mortos. A havê-los foram levados do local. Calcula-se que o morticínio bárbaro e inqualificável se tenha dado cerca das 16h00 do dia 20.

DISTINGUIRAM-SE

Todos os elementos da Companhia que tomaram parte na acção e dentre eles:

- CCAÇ 2586 1º Cabo António José da Silva
- CCAÇ 2586 Soldado José Pinto de Sousa
- CCS Soldado António Manuel Duarte Cardoso

Para os quais foram apresentadas propostas de louvor.

DISTRIBUIÇÃO

Exemplares 1 e 2 / Rep/OPER
3 / 1ª Rep
4 / 2ª Rep
5, 6 e 7 / CAOP
8 / BCAÇ 2884
9 e 10 / CCAÇ 2686 (Arqº)
11 e 12 / Processos de Pensão de Sangue

O Comandante de Companhia
Eugénio Baptista Neves
Cap Inf
___________________

(1) Nota do co-editor vb:

1) Vd. posts de:17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

(2) Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 970)

terça-feira, 31 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2015: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, a fina flor dos militares de Spínola (Afonso M. F. Sousa)


Guiné > Bissau > c. 1969 > O Afonso Sousa, Fur Mil Trms, CART 2412 (1968/70), junto à estátua do Capitão Teixeira Pinto, o "pacificador da Guiné (1912-1915)".

Foto: © Afonso M.F. Sousa (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Afonso M.F. Sousa:

Caríssimo Virgínio:

No texto do teu mail (1) perpassa a tua frescura de memória e grande clareza da expressão escrita. Todos os testemunhos têm um valor relevante, porque é pela conjugação e cruzamento de todos que se atinge um certo grau de exactidão e de confiança dos testemunhos e a objectividade nos factos narrados.

Quanto ao Pereira da Silva, tive oportunidade de falar com 3 elementos da família o ano passado e constatei tratar-se de uma família de preceitos, onde a educação e a beleza do trato imperavam.

Aliás, Spínola, para o grande empreendimento da mudança da estratégia da guerra, a começar no Chão Manjaco, redeou-se da fina flor dos militares do CTIG. Todos são unânimes em afirmar que estes 3 oficiais superiores eram, praticamente, insuperáveis sobre todos os pontos de vista.

Este teu testemunho é importante, porque mesmo falando de um, no fundo reconfirmas as qualidades dos três. E um com quem tiveste o privilégio de conviver em Bissau, mesmo que de forma fortuita e algo fugaz. É este tipo de depoimentos que por vezes faltam e que encaixam e ilustram tão bem estas estórias.

Quanto ao Fonseca - Solar dos 10, sim, penso que terei lá comido, em mesa na esplanada...e o costumado grande bife com batatas fritas ! E por curiosidade, um dia vi lá (a fazer o mesmo) o 1º Cabo Marco Paulo (o cançonetista) !...

Aqui vai um abraço

Afonso

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Julho de 2007 > 30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2010: O Major Pereira da Silva que eu conheci, em 1966, no QG de Santa Luzia (Virgínio Briote)

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

Guiné > Chão Manjaco > 1970 > Os três majores (Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório) em acção psico, numa lancha a motor. O Alferes, que aparece em primeiro plano, poderá ser o Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970. Por lapso, num post anterior, os três majores apareceram por outra ordem, errada (1).

Foto: Cortesia de
Afonso M.F. Sousa (2007)

Guiné > Bissau > 1970 > A única fotografia dos três majores que até agora tínhamos publicado (2): da esquerda para a direita, Pereira da Silva (1º), com a sua enorme bigodaça; Passos Ramos (2º) e Magalhães Osório (4º). Há um quarto oficial (o 3º, na fotografia) que presumimos ser o Alf Mil Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.

Fonte: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa:
Círculo de Leitores. 1995. p. 373. (com a devida vénia...)

1. Mensagem do João Tunes:

Camaradas editores,

Quando foi editado o Post 2004, fiz um comentário chamando a atenção que a fotografia com os majores mortos no chão manjaco tinha legendas trocadas em que se chama Passos Ramos a Pereira da Silva e vice-versa (1).

Como conheci os majores pessoalmente em Teixeira Pinto (Canchungo), tendo-me tornado amigo de Passos Ramos e Pereira da Silva (3), de quem fiquei admirador e muito me doeu as suas perdas e, sobretudo, a forma cobarde e sádica como foram assassinados, não tenho dúvidas quanto ao erro cometido. O comentário ficou para apreciação dos editores e até ao momento continua não publicado e a gralha na foto mantem-se. O que acho que já não fará a glória do PAIGC como trocar identidades não é a melhor forma de se homenagear alguém.

Não sei porque é que o comentário continua em stand-by e porque continua a troca de nomes entre os dois militares a que, justamente, se quis prestar homenagem. Não faço questão em que o comentário seja editado mas, no mínimo, o respeito para com estes nossos camaradas caídos em combate impõe que os seus nomes não sejam trocados e a gralha seja rapidamente corrigida.

Ainda pensei que os três editores tinham ido de férias em simultâneo mas verificando que continum a publicar posts, um pelo menos deve estar de serviço. A esse, endereço este apelo. Escuto.

Melhores saudações do
João Tunes

2. Comentário de L.G.:

Camarada João: Mal cheguei do Norte, inseri o teu comentário. Por enquanto sou eu que modero os comentários que, em princípio, são sempre publicados, desde que respeitem as nossas regras de convívios e as nossas normas editoriais... Mas é mais uma tarefa que vou ter que delegar.
Isto quer dizer, portanto, que não posso imputar qualquer responsabilidade aos nossos camaradas co-editores que, para além do mais, são tão ou mais voluntários e voluntaristas do que eu e que, como deves imaginar, não estão nem não podem estar permanentemente no computador, com a caixa do correio aberta.
Portanto, o erro de troca de nomes só pode ser imputado a mim. O Afonso mandou-ne a foto mas eu não sei se as legendas são da sua autoria. Fui eu (e mais ninguém) que editei o post (1) e, como tal, eu deveria ter detectado o erro. Até por que conhecia o teu post e a descrição que fazias do Pereira da Silva com a sua enorme bigodaça (3)... Não detectei o erro, lamento, dou a mão à palmatória (que é para isso que ela existe...).
João, obrigado pelo teu oportuno reparo e teu já proverbial olhar clínico, treinado e sempre atento às gralhas, aos erros, aos lapsos, etc., que muitas vezes borram a pintura cá da nossa blogosfera... As minhas desculpas aos familiares, amigos e camaradas dos saudosos majores Pereira da Silva e Passos Ramos.
3. Comentário posterior (31 de Julho) do Afonso M.F. Sousa:
Homens de rija têmpera (se quiserem: "camaradas e amigos"):
Acabo de chegar da Mealhada, onde estive em casa da irmã do José da Cruz Mamede a mostrar-lhe o dossiê sobre a triste ocorrência do 12 de Outubro de 1970, lá para os lados de Mansoa e que, também, não vi ainda publicado no Blogue.
(...) Quanto à fotografia [dos três majores] recebia-na no dia em vos enviei o up-date ao dossiê O Massacre do Chão Manjaco. Enviou-ma, por mail, um simpático militar (Albino Silva) que, à altura desta trágica ocorrência, estava em Jolmete. Não sei se foi legendada por ele, mas o facto é que a recebi assim (...).
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970) Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)
(3) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) (João Tunes)

(...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.

"O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.

"O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair. Spínola estava encantado com o andamento das coisas no chão manjaco.

Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas.(...)

"Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).

"O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.

"Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo" (...)

João Tunes

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (11): (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

Guiné > Chão Manjaco > 1970 > Os três majores (Passos Ramos, Pereira da Silva e Osório) em acção psico, numa lancha a motor. O Alferes, que aparece em primeiro plano, poderá ser o Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.

Foto: Cortesia de Afonso M.F. Sousa (2007)

Mensagem de 26 de Julho de 2007 do nosso querido camarada Afonso M.F.Sousa, residente em Maceda/Ovar, e um dos mais antigos membros da nossa tertúlia (está connosco desde Junho de 2005, mas infelizmente ainda não tivemos ocasião de nos conhecermos pessoalmente). Agradeço-lhe mais este trabalho de investigação, feito com paixão e rigor, e que honra e enriquece o nosso blogue. É que o Afonso não se limita a fazer investigação de arquivo... Desta vez foi até Braga falar com o Lino!... Espero que ele também possa, um dia destes, fazer sair um livro sobre este episódio marcante e decisivo, da guerra da Guiné. (LG).

Anexo ao dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*). Subtítulos e negritos da responsabilidade do editor do blogue.


Caro Luís Graça,

Com um abraço, envio mais um breve aditamento ao dossiê relativo à morte dos três majores (1).


O ex-Fur Mil Lino, da CCAÇ 2585, vive hoje em Braga

Onze da noite do dia 20 de Abril de 1970. O furriel Lino, da CCAÇ 2585 (destacamento de Jolmete, pertencente ao BCAÇ 2884 , com sede no Pelundo), é um dos homens que integra o pelotão que vai partir para uma missão de reconhecimento, junto à estrada Jolmete-Pelundo, nas proximidades da 2ª bolanha.

Julho de 2007. Localizo o ex-furriel Lino, na cidade de Braga. Tive com ele uma agradável e muito útil troca de impressões sobre aquele momento trágico, na Guiné. Era interessante ouvir o testemunho de alguém que tivesse estado, exactamente naquele dia e naquele local, para que alguns pontos ou dúvidas pudessem ser clarificados.

É com base nas informações recolhidas que elaborei este texto, que se constitui como adenda à crónica já anteriormente publicada no Blogue (1).

Depoimento do ex-Fur Lino:

Guiné, 20 de Abril de 1970 >Os momentos que se seguiram à consumação de uma cilada

Às 15 horas, em Jolmete [a nordeste de Pelundo, perto do Rio Cacheu], um militar nativo chama a atenção de alguém, dizendo que acaba de ouvir um tiro e garante que é junto à 2ª bolanha. Pouco tempo depois ouve um 2º tiro e reafirma que se trata de algo naquela zona. Sabe-se que naquele dia todas as forças militares permaneceram nos aquartelamentos. Só restritamente, há conhecimento do que iria decorrer naquele momento e naquele local. O comandante do destacamento sabe que os tiros não constavam do programa. Fazem-se contactos. Nota-se alguma preocupação, alguma agitação. Só por volta das 21 horas um pelotão é alertado para a necessidade de ter que sair, a qualquer momento.


(i) Pelotões de soccorro que saiem de Jolmete e do Pelundo descobrem os cadáveres pela madrugada do dia 21 de Abril de 1970

Após as onze horas, partem de Jolmete, seguindo a picada para o Pelundo. Por volta da meia-noite, logo após a 2ª bolanha (sentido Jolmete-Pelundo) dão de caras com os 2 jipes, sobre a picada. Não avistam por ali os corpos dos oficiais. O reconhecimento é apenas uma rápida observação, um pouco à distância. A escuridão e as circunstâncias assim o determinam. Instalam-se e ficam na expectativa. A previsão de perigo, a expectativa de cairem numa emboscada de grande envergadura, são preocupações que os acompanham.

Do Pelundo saira, entretanto, outro pelotão para patrulhamento conjugado com as forças de Jolmete. Estas esperam pelo clarear da manhã, para fazerem o adequado reconhecimento da zona e visualizar o local em redor das viaturas, por forma a obter informações e a confirmação da tragédia. Por volta das cinco e meia começa a sua movimentação. Procuram localizar (vivos ou mortos) os três majores e o alferes, nas imediações dos jipes. Em pouco tempo conseguem localizá-los, inertes, no enfiamento das viaturas, mas dentro da mata.

Confirmam que estão sem vida e alguns aparentam ter membros partidos e sinais de confrontação algo violenta. As suas fardas estavam intactas, sinal de que não foi molestada a sua integridade física ao nível do tronco. Todos apresentavam, isso sim, sangramentos ao nível da nuca, o que atesta que aqueles tiros, ouvidos em Jolmete, tinham aqui a sua justificação. Os dois intérpretes (supostamente da Gâmbia) foram também mortos e os seus corpos encontrados debaixo dos jipes, onde, provavelmente, terão querido refugiar-se.


(ii) Reacção emotiva de Spínola: Liquidem-nos a todos!

São seis da manhã. Ouve-se o som de um helicóptero que se aproxima do local. Faz a aterragem na clareira da mata. A tal clareira que iria servir para a cerimónia de rendição do bigrupo do PAIGC. É Spínola que se apresta para sair do heli. Rapidamente dirige-se para faixa da mata onde os corpos estão prostarados. À vista deles, Spínola olha demoradamente para o chão. Não resiste sem que as lágrimas lhe perpassem pela cara. Depois, como que por instinto, diz: Liquidem todos os que virem pela frente. Mas, como é compreensível, foi um impulso de raiva de circunstância e, por isso, a ordem não foi seguida.

Foi quase voz corrente, entre os militares desta zona (Teixeira Pinto, Pelundo, Jolmete), de que houve à volta deste processo algum excesso, alguma falta de prudência, alguma precipitação ou excesso de confiança...como que um pressentimento de êxito um pouco exagerado. Por via disso, a tragédia poderia ter tido contornos ainda maiores. Para além de Spínola, até um médico e o capelão estavam para participar. O entusiasmo era grande, muitos queriam assistir ao grande ronco. Mas a questão traição/cilada nem sequer terá sido cogitada, face à confiança e ao entusiasmo reinantes. Os homens de Nino Vieira anteciparam-se, sobrepuseram-se ao grupo dissidente, e à hora combinada estavam lá para liquidar esta tão ansiada rendição.

Afonso Sousa

Nota de A.S. - O dossiê sobre A morte dos três majores que publicámos recentemente (1), é como todos, deste contexto, um trabalho inacabado. Elaborar uma explicação tão próxima quanto possível da realidade não é tarefa fácil. O relato histórico, enquanto não atingir toda a verdade do que, efectivamente, aconteceu, permanece sempre e só no plano da mera descrição. Construir um quadro exacto do que se passou precisa de coerência, ordem e racionalidade ou seja, um grau de exactidão e de confiança dos testemunhos. De contrário pode suscitar-se a confusão ou imprecisão do relato histórico. Por vezes, apenas sobrevivem memórias fragmentadas do passado e isso pode trazer riscos de se substituir o real pelo imaginário ou de se complementarem lacunas com especulações.

É necessária a investigação, o confronto entre fontes e as diferentes versões de um mesmo acontecimento, de forma a garantir a objectividade nos factos narrados. São estes caminhos de identificação da narrativa com a verdade, que nos instiga quando fazemos a memória da guerra. Deixamos um relato em determinado ponto e mais tarde damos-lhe sequência, conforme se vão dissipando dúvidas ou colhendo novos e mais fidedignos testemunhos. Daí o título do anterior trabalho: «Tentativa de clarificação do massacre do Pelundo»

Nota: Efectivamente, na legenda da fotografia acima, há troca de nome entre os majores Pereira da Silva e Passos Ramos. Aquele é o homem do bigode, como se constata nesta foto


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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)