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quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17660: Os nossos seres, saberes e lazeres (225): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 27 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Tenho tido o privilégio de viajar por lugares encantadores, de património riquíssimo, daquele que não só nos arrebata como nos leva à compreensão do que é ser europeu. Preparo as viagens o mais metodicamente que me é possível, sabia antecipadamente que Malta tinha muito para oferecer. Mas vim capitalizar surpresa, exultação nesta encruzilhada que o Mediterrâneo Central oferece, abençoados normandos, senhores italianos, árabes, cavaleiros de Malta e britânicos que nos deixaram tanto esplendor, tantas marcas de todas as civilizações que enformam a nossa índole europeia.

Um abraço do
Mário


De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: 
À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (4)

Beja Santos

O viandante começou o dia numa das chamadas três cidades de Valeta, Vittoriosa/Birgú, foi aqui a primeira residência dos Cavaleiros em Malta. Recorde-se que por esta ilha andou muita gente, foi ponto de passagem para as Cruzadas. Esta Birgú foi fundada por Normandos no século XI. Após a vitória no grande cerco foi rebatizada com o nome de Vittoriosa. Os guias apresentam-na como joia arquitetónica, e é mesmo, com os seus albergues e palácios medievais. Desfruta-se dos seus miradouros vistas espetaculares sobre o grande porto. Mas o que mais interessou ao viandante foi uma referência ao albergue de Castela e Portugal, seguramente este foi o primeiro onde andaram os nossos ancestrais. O viandante foi atraído por um grupo de jovens que falava sistematicamente no albergue de Castela, o viandante pediu a palavra para lembrar que se falava de Portugal, naquela altura ainda não existia a Espanha e Portugal levava séculos de independência. Os jovens, catalães, aplaudiram.


Voltamos e Mdina e a Rabat, ainda há muitíssimo para ver na primeira capital de Malta. Trata-se de uma magnífico enclave fortificado no topo de uma colina, tem muralhas grandiosas, por aqui andaram romanos, árabes e normandos. Quando a capital foi transferida para Vittoriosa, Mdina perdeu a sua influência, mas são patentes os seus belíssimos palácios e mansões, algumas ordens religiosas têm aqui instalações. Volta-se a mostrar o palácio Vilhena erigido em 1720, veja-se o gosto do barroco italiano e as oliveiras que o grão-mestre trouxe de Portugal, mais propriamente do Alentejo.



Não se perca de vista que o barroco é o estilo dominante. A catedral de S. Paulo em Mdina tem muitas lembranças com a Concatedral de S. João em La Valetta, é aí que está sepultado o Grão-Mestre António Manoel de Vilhena. Um dos grandes artistas que trabalharam na catedral foi Mattia Preti, mal sabe o viandante que ao fim da tarde de hoje irá, por portas e travessas, ouvir falar do dito.


Há que confessar que para uma bolsa comedida, entrar em todos estes palácios e museus é dispendioso, requer muita prudência, nada se compara aos preços portugueses. Ali ao lado da catedral está o museu, diz o guia que conta com uma das mais ricas coleções da arte sacra da Europa, há ali mesmo esculturas em madeira de Albrecht Dürer. A hora vai tardia e o viandante quer sentar-se à mesa, mas não resiste a mostrar a muita beleza da porta, coisa curiosa, já viu em cidades como Paris, Viena, Praga, Budapeste e S. Petersburgo entradas de edifícios com estas figuras agigantadas, com toque ciclópico, mas não se pode esconder que quem a concebeu deixou aqui um primor de harmonia e de grandiosidade contida.


Mdina reserva ao viandante a agradável surpresa de um museu com arte romana, ruas e ruelas de intensa cultura medieval, anda-se por aqui e desemboca-se em praças com belas mansões e palácios.



É nesta circunstância que se depara um portão sóbrio, maciço, de onde se destacam em esplendor estes puxadores. Era impossível não captar a imagem, aliás o viandante não estava só, outros, pacientemente, aguardavam a oportunidade para os fotografar, são imponentes, magnificentes, quantos não andaram a cobiçar estas joias em bronze?


Interrompe-se o passeio a Mdina para ir a Rabat, não visitar Rabat é como ir a Roma e não ver o Papa, estão aqui as catacumbas de S. Paulo e Santa Ágata, a sua igreja não rivaliza com a catedral de Mdina mas tem uma fachada soberba. E antes de partir captou-se um belo panorama sobre o vale, regressa-se a Valeta para a última visita do dia.
Pelo caminho ainda se foi visitar um vídeo sobre os cavaleiros de Malta e aonde se refere um grão-mestre português Manuel Pinto da Fonseca, gostava do luxo e da pompa, fez-se tratar por Sua Alteza Eminentíssima, o viandante estava entristecido com as vulgaridades do seu ancestral e pompas ridículas, que sempre as tivemos. E recordou, sabe-se lá porquê, a entrada do humanista Clenardo em Évora, na Corte, onde os príncipes falavam grego e latim. Pediu um barbeiro e apareceu-lhe um disfarçado de nobre, inchado na sua pompa trazia dois escudeiros, para dar sinais nobiliárquicos… É a dimensão mesquinha da vacuidade que nunca nos largou.


Na Praça de S. Jorge, frente ao palácio que hoje pertence ao presidente da República, está o Instituto Italiano de Cultura, tem a sua sede na casa que foi do grão-mestre Alof de Vignacourt, no século XVII, tem frescos de Nicolau Nasoni, que também trabalhou em Portugal. O que vem ao caso este Instituto Italiano de Cultura? Tem atividades culturais, e duas exposições interessaram ao viandante: as dedicadas aos pintores Mattia Preti, um dos expoentes da arte italiana do século XVII, e a exposição intitulada de Hayez a Boldini, 100 anos de história de arte, o século XIX italiano. Frente ao retrato da Princesa Radzwill, com as suas mãos voluptuosas e fato recamado, o viandante lembrou-se do assombroso quadro de Giovani Boldini que pertence ao Museu Gulbenkian, uma obra de arte que durante décadas esteve nos reservados até que um dia um diretor a colocou em exposição para nosso desfrute, um quadro soberbo de uma família burguesa à saída da ópera ou do teatro, risonhos, contentes com o seu destino, cores magníficas. Foi um dia e peras, agora apanha-se o autocarro para o local onde o viandante se alberga, Sliema, perto da ilha Manoel, o Grão-Mestre é uma omnipresença. Ainda bem.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17642: Os nossos seres, saberes e lazeres (224): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do grão-mestre António Manoel de Vilhena (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17642: Os nossos seres, saberes e lazeres (224): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 24 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Valeta é um macrocosmos que desperta sentimentos ambivalentes: entre o mar e o céu que emitem a leveza mediterrânica, o peso das muralhas ciclópicas, a desmesura do barroco, a marcação cerrada de uma monumentalidade com fontes, estátuas, bastiões, a disposição ortogonal de uma cidade que se precipita para o porto, sentimos o compasso do tempo e o curso das civilizações.
Sai-se de Valeta e sucedem-se as surpresas: nomes árabes como Hal Qormi, Ir-Rat, L-Imtarfa, uma cidade como Mdina tem uma catedral barroca dentro de muralhas árabes, a escassos quilómetros de Valeta temos as catacumbas, torres monolíticas e qualquer apreciador da História não pode deixar de visitar Tarxien, locais megalíticos, tem magníficos relevos esculpidos, atestam os de civilizações que por aqui passaram quatro milénios antes de Cristo.
Mas há mais, muitíssimo mais a descobrir em Malta e Gozo.

Um abraço do
Mário


De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: 
À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (3)

Beja Santos

A presença inglesa em Malta foi um facto a partir de 1800, só na década de 1960 é que se deu a partida da potência colonial e se consagrou a independência. Os sinais desta presença britânica são inúmeros e determinantes: primeiro a língua, o tipo de estabelecimentos, cabina telefónica e o marco do correio, a estátua da Rainha Victoria em que a pedra lavrada simboliza um trabalho das bordadeiras da ilha de Gozo, a sumptuosa igreja anglicana, o nome de estabelecimentos comerciais, de localidades como Victoria (Gozo), Pembroke, St. Thomas Bay ou Buskett Gardens. Malta foi estratégica em termos de informação aeronaval no Mediterrâneo, durante a guerra, esses subterrâneos podem ser visitados e aí se avaliar a importância destes gabinetes de guerra.





Quem pega no guia de Malta tem como sugestões fundamentais o passeio pela coluna vertebral de Valeta, Republic Street, recomenda-se a contemplação dos fortes e fortificações e o Porto Grande, considerada a paisagem mais emblemática de Malta; dão-se igualmente sugestões para visitar a Concatedral de São João onde está a tela de Caravaggio, A Decapitação de São João Batista, o palácio do grão-mestre, em primeiro lugar. O viandante não gosta dessas formalidades, faz um compromisso entre o informal, os encontros com o acaso e as propostas sacramentais. Encosta-se a uma muralha e aprecia a sumptuosidade do albergue de Castilha, Leão e Portugal. É que os Cavaleiros Hospitalários tinham estalagens de acordo com as suas línguas ou coesão territorial. Este albergue foi remodelado e embelezado com uma fachada barroca em 1741. É hoje a sede dos gabinetes do primeiro-ministro.


Depois de uma pratada de fachadas barrocas, desce-se dos jardins superiores da Barrakka até aos inferiores, é uma tentativa para perceber como o Porto Grande se tornou o centro de operações da Marinha Real no Mediterrâneo. Malta era uma placa giratória para os navios de comércio que viajavam pelo Suez até à Índia, Singapura e Austrália – mais de cinco mil por ano em finais do século XIX. Ver o porto é saborear em simultâneo a monumentalidade das defesas, as casas apalaçadas, os armazéns, contemplar os navios que partem para Itália ou para cruzeiros no Mediterrâneo, ver estes poderosos bastiões que pouco mudaram desde que foram erigidos no final do século XVI. Pode dizer-se sem exagero que o legado arquitetónico dos Hospitalários permanece intacto.


Uma das recomendações que se fornece ao turista é de que contempla sem pressa o emaranhado da arquitetura civil de onde despontam as célebres janelas avarandadas que lhe dão um timbre muito particular. O viandante queria apanhar um ferry para Sliema, do lado oposto, é uma zona com passeio marginal pejada de hotéis e restaurantes. Enquanto o ferry não chegava registou-se este conjunto imponente de onde seguramente se desfruta uma panorâmica sem rival.


Ando à procura de uma das figuras mais ditosas, António Manuel de Vilhena. Não começa o viandante por o procurar em Valeta, vai até Mdina, que foi capital de Malta antes da chegada dos hospitalários, é o magnífico enclave fortificado no topo de uma colina. Está marcada pela presença árabe, eles fortificaram uma parte de Mdina, separando-a da vizinha Rabat, onde o viandante irá mais tarde, à procura das Catacumbas de São Paulo. Mdina foi muito danificada por um terramoto em 1693 e reconstruida em estilo barroco. Aqui está o Palazzo Vilhena, que alberga hoje o Museu de História Natural de Malta. Houve para aqui obras com farta contribuição da Fundação Gulbenkian, como se pode ver da lápide.




Agora o viandante vai percorrer languidamente esta cidade com imensos sinais medievais, tomar um chá à inglesa e calcorrear por Rabat. Bendita peregrinação nesta pequena ilha que é um cadinho precioso da história da Roma.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17619: Os nossos seres, saberes e lazeres (223): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do grão-mestre António Manoel de Vilhena (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17619: Os nossos seres, saberes e lazeres (223): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 12 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Foi a primeira incursão por La Valetta.
Como se tem sete dias inteiros para deambular pelos 246 quilómetros quadrados de Malta e 67 quilómetros de Gozo, como se não pretende ir nem à Sicília nem mesmo à Líbia, como se tem tempo para ouvir o Maltês que é uma língua semítica parente do árabe e do hebraico e que é a única língua semítica escrita com o alfabeto latino, e onde felizmente o inglês é língua nacional e os italianos se fazem facilmente entender, há mais do que tempo para bisbilhotar sem ânsias, La Valetta tem muito para oferecer e guarda lembranças dos portugueses. Aqui se fala do Marquês de Niza, que resistiu à armada napoleónica. Vamos encontrar referências a um grão-mestre que foi determinante na ilha, António Manoel de Vilhena, e há referências ao albergue de Castela e Portugal, aqui se domiciliavam espanhóis e portugueses, cavaleiros da Ordem de Malta, os Hospitalários a quem o Imperador Carlos V ofereceu este espaço para resistir aos turcos. O imperador fez muito bem, a Ordem de Malta, extinta por Napoleão, lavrou aqui páginas imorredouras que a História agradece.

Um abraço do
Mário


De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: 
À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (2)

Beja Santos

Tivesse o viandante aqui chegado para uma estadia curtíssima, cumpria aquele ritual de andar a correr entre o melhor museu, a igreja mais sublime, o café mais emblemático, os panoramas retumbantes, com visitas à mistura de palácios e até uma viagem de autocarro para dizer que tinha ficado a conhecer La Valetta, património mundial da humanidade, sobretudo devido à Ordem de Malta, ao domínio britânico e à omnipresente cultura italiana. Mas não, o viandante vem por sete dias limpos, tem tempo para farejar cantos e recantos, comprou um bilhete de autocarro que dura sete dias em Malta e Gozo. Veio para se inteirar, do significante ao pormenor que lhe cala o coração. Quem diria que este espaço é de uma banda filarmónica maltesa criada no século passado, geminada com a de Como, do Norte de Itália, agora é um restaurante com brilho descendente onde o viandante pediu uma cerveja e depois um esparguete com molho de tomate, a que se seguiu um digestivo. Um espaço bonito, uma saudade de dias melhores…



A coluna vertebral de La Valeta cosmopolita é a Republic Street, esta escultura está bem perto da Concatedral de S. João, aqui se alberga um notabilíssimo quadro de Caravaggio. Isto é só para dizer ao leitor que o viandante nunca viu nas suas andanças tanta escultura a corpo inteiro ou busto, nas cidades, vilas e aldeias, fica-se mesmo com a ideia de que Malta está profundamente agradecida a políticos, músicos, heróis, religiosos. É com este orgulho que se passa para o orgulho do próprio viandante com as lápides que se seguem.


Numa das paredes do palácio presidencial, guarda-se o registo da concessão, em Abril de 1942, por Jorge VI da George Cross, condecoração extraordinária por atos heróicos. Os alemães estão no auge, julgam que vão dominar o Mediterrâneo, ainda não perderam o Norte de África completamente, consideram Malta uma base naval estratégica, bombardeiam a capital sem dó nem piedade. Malta resistirá, não esqueçamos que é domínio britânico, nos subterrâneos destes imensos fortins funciona a célula nervosa de transmissões aéreas e aeronavais. Quem vê hoje a bandeira nacional de Malta reparará que para além dos panos com duas cores está lá a George Cross.


Passeia-se agora o viandante num espaço magnífico, os Jardins Superiores Barrakka, daqui se desfruta um panorama único sobre o porto grande de La Valetta cercado por poderosíssimas muralhas, a Ordem de Malta recebeu doações de vulto de muitas nações para que a ilha fosse inexpugnável às arremetidas do sultão otomano. Por ironia, quando se constrói esta fortaleza gigantesca, que nos corta a respiração, já o império otomano está exangue, incapaz de querer controlar o Mediterrâneo. Nestes jardins presta-se homenagem a diferentes heróis e a diferentes eventos. Por exemplo, o encontro entre Churchill e Roosevelt, a caminho da conferência de Ialta. E há uma lápide que agradece ao Marquês de Niza e aos seus heróicos marinheiros. E há razão segura para tanta exaltação. A armada napoleónica tenta conquistar a cidade, o Marquês de Niza agradeceu muito as condições de rendição propostas mas disse aos franceses que só por cima do seu cadáver. Resistiu heroicamente, Nelson não lhe regateou os mais rasgados elogios. Para um português, esta lápide e as circunstâncias da dedicatória, é sobejo motivo de orgulho.


É portanto nestes Jardins Superiores Barrakka que se pode tomar a dimensão do porto de La Valeta, estas peças de artilharia são hoje um número turístico, as varandas enchem-se de curiosos para ouvir o disparo do meio-dia da bateria de salvação de artilharia.


Os jardins são aprazíveis, por aqui o viandante cirandou, já gratificado com o comportamento heróico do Marquês de Niza, que não deu abébias à poderosa esquadra napoleónica. Vale a pena insistir que há esculturas de todos os formatos e evocações. Chamou à atenção do viandante os Gavroches, alusivo à criançada de Os Miseráveis, de Vítor Hugo.


Atenda-se a este pormenor, ao fundo um edifício de indiscutível traçado à italiana, à direita um hotel com janelas avarandadas, é assim por toda a ilha e mesmo em Gozo. Ao fundo percebe-se bem, é uma tradição que vem dos árabes, janelas com ripas inclinadas, permitem ver para fora sem ser visto. A janela avarandada aformoseia qualquer fachada simplória, altera as dimensões, dá-lhe uma relativa imponência, não é por acaso que este mundo maltês tem uma natural garridice, no seu calcário amarelado e o sol a fulgir em tanta cor viva das fachadas.


Impõe-se uma nova pausa, há que decidir em visitar o museu, as fortificações, o Palácio do Grão-Mestre. Depois de alguma hesitação, o viandante encaminha-se para a Igreja do Naufrágio de S. Paulo, um dos locais de culto de Malta mais distinguidos. Nada de especial no exterior, com a sua fachada neogótico oitocentista, o estarrecedor é o interior do templo. Malta, para além de bustos e escultura em quase todas as ruas distingue-se pelas suas cúpulas enormes. Há qualquer coisa de transcendente nesta, ou então trata-se da ilusão do viandante, que não vem à procura das relíquias de S. Paulo, uma delas, dizem é um osso do pulso direito, e outra um fragmento da coluna em que terá sido decapitado, o que para o caso interessa é que o viandante ali ficou especado a interrogar os céus e a saudar a existência que lhe tem permitido contemplar tanta beleza. Antes daqui se fazer uma paragem, recorde-se que vem nos Atos dos Apóstolos que Paulo naufragou em Malta no ano 60 quando ia a caminho de Roma. A Bíblia diz que ele libertou a ilha de cobras venenosas e que o seu zelo evangélico e poder curativos levaram à importante conversão do governador romano, passo decisivo para semear o cristianismo na ilha. Seja como for, quaisquer que tenha sido a libertação das cobras venenosas, é aqui que o viandante está a ganhar forças para continuar a viagem.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17600: Os nossos seres, saberes e lazeres (222): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do grão-mestre António Manoel de Vilhena (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17600: Os nossos seres, saberes e lazeres (222): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 12 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Tratava-se de um sonho antigo, visitar Malta, mesmo no coração do Mediterrânio, a 90 quilómetros da Sicília, o mais pequeno dos Estados da União Europeia, com uma história fabulosa, uma cultura marcada pela presença de diferentes dominadores, caso dos árabes, que ali permaneceram mais de três séculos, de Aragão, do Reino das Duas Sicílias, foi ameaçada pelo Império Otomano, Ordem de Malta, os cavaleiros hospitalários ali fundaram fortalezas nas ilhas de Malta e Gozo que têm uma imponência esmagadora.
Por ali passou o Napoleão Bonaparte que extinguiu a Ordem de Malta, seguiram-se os britânicos até que na década de 1960 veio a independência.
Os portugueses são recordados, logo o Grão-Mestre da Ordem António Manoel de Vilhena, uma lenda maltesa e também o Marquês de Niza que se comportou heroicamente com os seus marinheiros no cerco de Napoleão, em 1798.
Vale a pena recordar.

Um abraço do
Mário


De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta:
À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (1)

Beja Santos

Depois de muito procurar um bom low-cost para Valeta, a capital da República de Malta, o viandante descobre que há um bom, bonito e barato, por aproximadamente 140 euros, taxas incluídas, sai-se da Portela até Zaventem, seis horas depois prossegue-se para Valeta e no regresso pode-se fazer uma escala demorada em Bruxelas. Era o que convinha, e conveio. Começava assim uma digressão primaveril, cedo se chegou a Zaventem, optou-se por uma nova viagem até Lovaina, a conceituada cidade universitária dentro da Flandres, chega-se rapidamente de comboio, estadia para revisitar os belos campos iluminados pelo sol primaveril. E assim se chegou a uma cidade que tem a particularidade de ter um monumento dedicado aos seus mortos na guerra, um memorial, logo à porta da gare ferroviária. Atenda-se ao belo espigão que sobe dentro de um céu azul puríssimo, e veja-se um pormenor escultórico, como é sabido a câmara do viandante não dá para arrojadas imagens. Não admira o respeito pela memória que os belgas têm pelas duas invasões alemãs, mortíferas e altamente destruidoras, como se exemplificará com a Biblioteca de Lovaina.



A caminho da biblioteca da Universidade de Lovaina depara-se este monumento dedicado a Justus Lipsius ou à portuguesa Justo Lipsio, um dos mais conceituados humanistas flamengos, o seu nome aparece hoje num dos edifícios monumentais da União Europeia.


Em Agosto de 1914, a Biblioteca de Lovaina, conhecida no mundo inteiro, foi incendiada pelo exército alemão, perderam-se 300 mil livros. Houve doadores norte-americanos e outros que contribuíram para a construção do novo edifício. O que estamos a ver é um empréstimo do estilo arquitetural do Renascimento dos Países Baixos. Em Maio de 1940, os alemães voltaram a destruir a biblioteca, perderam-se 900 mil volumes. Em 1951, a biblioteca abriu novamente aos leitores. Em 1968, novo drama, com a cisão entre a Flandres e a Valónia, criou-se a universidade francófona de Lovaina-a-Nova, repartiu-se o património.




A Igreja de S. Pedro é um belíssimo espécime do gótico brabanção, elegante na disposição do espaço, belas colunas, um teto sóbrio numa boa equação de cumprimento e altura, o templo estava em obras, sobretudo no altar e na zona da abside, o viandante centrou-se numa escultura fabulosa, num pormenor do teto e noutro do luxuriante púlpito, trata-se de um conjunto escultórico de incalculável valor.
É preciso regressar ao aeroporto.
Chega-se a Valeta ao fim do dia, encontrou-se acolhimento no bairro de Paula, seguramente alusivo a S. Paulo, que por aqui andou, segundo o Ato dos Apóstolos, três meses, fruto de um naufrágio, daqui seguiu para Roma, onde foi martirizado. Na manhã seguinte, começou a descoberta de Valeta, património mundial da humanidade. Onde a aviação alemã destruiu uma casa de cultura está hoje o edifício do Parlamento de Malta, obra do arquiteto Renzo Piano. É um deslumbramento.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17570: Os nossos seres, saberes e lazeres (221): Poço Corga, Mosteiro e o meu jardim perfumado (Mário Beja Santos)