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quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18946: Historiografia da presença portuguesa em África (128): Duas publicações sobre a Guiné na Fundação Mário Soares (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Como tem sido largamente referenciado aqui no blogue, a Fundação Mário Soares possui um arquivo histórico exemplar de consulta obrigatória, quem vai ao sítio da Fundação e procura “A Casa Comum” sai mais esclarecido.
A cooperação com a Guiné-Bissau tem sido profícua no restauro de diferentes materiais de incontornável valor histórico, e a Fundação tem-se associado a projetos como o do inventário da arquitetura durante a presença colonial, como aqui se refere.
Resta dizer que o livro de fotografias “Raízes”, que encerra preciosas imagens restauradas de fotografias que foram publicadas no Boletim Cultural da Guiné-Portuguesa ainda está à venda ao preço módico de 7 euros.

Um abraço do
Mário


Duas publicações sobre a Guiné na Fundação Mário Soares

Beja Santos




Raízes, o olhar da etnografia em tempos imperiais

A calamitosa Guerra Civil de 1998-1999 refletiu-se brutalmente no património histórico e documental da Guiné-Bissau. As instalações no INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, que acolhera o património do Museu da Guiné Portuguesa, desde escultura, passando por cartografia, biblioteca até material fotográfico, foram ocupadas e transformadas numa base militar cerca de um ano que durou a Guerra. As instalações, para além de alvo de bombardeamentos, foram depredadas pelos efetivos senegaleses que utilizavam precioso material histórico para fazer fogueiras. O salto foi arrasador, mais de 60% dos acervos documentais da única biblioteca e arquivo histórico foi severamente atingido. Em consequência, a Fundação Mário Soares estabeleceu um protocolo para a recuperação de muito desse arquivo do Museu da Guiné Portuguesa / Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Recorde-se que um dos documentos mais importantes que se produziu entre 1946 e 1973 foi o Boletim Cultural, hoje completamente digitalizado e disponível on-line no site “Memória de África”, em http://memoria-africa.ua.pt/.

Da recuperação destas fotografias que tinham sido utilizadas no Boletim Cultural fez-se uma seleção e a exposição intitulada Raízes. O projeto de recuperação destinava-se a salvar 3374 negativos a preto e branco, 1212 provas a preto e branco, incluindo fotografias referentes à luta de libertação. Fez-se limpeza e expurgo, reprodução digital em boa resolução e o respetivo restauro. Tive a felicidade de visitar esta exposição em novembro de 2010, no INEP, na companhia do seu Diretor de então, Dr. Mamadu Jao, entregara-lhe um presente de valor, em nome do blogue, uma coleção integral das cartas da Guiné, que todos os militares usavam ou conheciam.

A exposição optou por apresentar imagens de homens e mulheres da Guiné-Bissau na sua faina diária ou nas circunstâncias em que se reuniam. Podemos dizer, muitas décadas depois de terem sido tiradas, que encontramos e reconhecemos as raízes de muitas das etnias do país, identificamos com mais ou menos facilidade os seus usos e tradições. O que aqui se mostra são alguns exemplos dessa altíssima qualidade fotográfica de um álbum que qualquer um de nós pode adquirir a preço módico na Fundação Mário Soares.

Mestre muçulmano a instruir os seus alunos.

Balantas trabalhando na construção de um orique.

Rapazes Felupes com trajes e armas tradicionais.

Tatuagem de rapariga Manjaco, região de Cacheu.

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A arquitetura colonial e sítios históricos da Guiné-Bissau

A exposição Urbanidades – Arquitetura e sítios históricos da Guiné-Bissau, de iniciativa da Fundação Mário Soares e do Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território do ISCTE-IUL, resultou de um levantamento elaborado pela arquiteta Ana Milheiro e equipa, rastrearam por todo o país exemplares da ocupação colonial, logo a fortaleza de Cacheu, a fortaleza da Amura, vestígios da soberania portuguesa em Bolama onde operou o engenheiro de minas José Guedes Quinhones que também traçou os planos da nova cidade de Bissau, deve-se-lhe o plano urbanístico de 1919.

Escreve-se no texto da exposição que “A segunda metade do século XX corresponde ao arranque da consolidação urbana na maioria dos núcleos urbanos guineenses graças a uma arquitetura de representação que ocupa localizações proeminentes, este processo está ligado à actuação do Gabinete de Urbanização Colonial criado em Lisboa, em 1944, por Marcello de Caetano, então Ministro das Colónias.”

A exposição permite visualizar o que era essa cidade nova, o zonamento que delimita em áreas específicas da cidade as funções residencial, hospitalar, desportiva, escolar, militar, etc.

Uma palavra sobre a arquitetura tradicional. Na última fase do período colonial, multiplicaram-se as missões aos habitats tradicionais, tudo começou com o levantamento coordenado por Teixeira da Mota, A Habitação Indígena da Guiné-Portuguesa, equipas de arquitetos irão procurar pôr de pé um novo protótipo da casa guineense, proposta que nunca será concretizada. A exposição aludia a Cacheu, à fortaleza de S. José da Amura, mostrava o património arquitetónico com mercado municipal, monumentos, edifícios ligados à administração, residências para funcionários, instalações escolares e hospitalares e outros. Também eram contemplados os núcleos fora de Bissau como Gabu e Mansoa, mostrou-se com destaque o edifício dos CTT no centro de Bissau, a antiga Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (hoje sede do PAIGC) e a Administração do Porto de Bissau apresentado como um exemplar da arquitetura tropical.


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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18905: Historiografia da presença portuguesa em África (126): Exposição Colonial do Porto, 1934: imagens inéditas para o nosso blogue (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 7 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18388: Historiografia da presença portuguesa em África (112): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Há algo de original e inovador no trabalho rudimentar deste etnógrafo. Desembarcaram uns manjacos no porto de Lisboa e num ritmo de boa convivência o cientista social procurou indagar elementos sobre a estrutura social, espiritualidade, a música, a língua, o posicionamento da etnia, medularmente animista, entre os islamizados. O autor confessa que é trabalho rústico, pesquisa de poucos elementos com exceção daqueles que ele foi repertoriando noutras jornadas científicas, como a que fez nos Bijagós. Inovador na justa medida em que só anos depois é que é lançado o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e pedido aos administradores de circunscrição que fizessem inquéritos e elaborassem relatórios, documentação que, como se sabe, ainda é hoje é basilar no estudo etnográfico, etnológico e antropológico na Guiné. É uma curiosidade, mas há que reconhecer os seus méritos.

Um abraço do
Mário


Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca (2)

Beja Santos

Tem-se aqui repetidamente falado da publicação O Mundo Português, da Agência Geral das Colónias, teve a sua influência nas décadas de 1930 e 1940, apresentava-se como revista de cultura e propaganda, incluía discursos das figuras gradas do Estado Novo, artigos de divulgação histórica, pequenas reportagens e até ensaios. Figuras importantes do modernismo português como Stuart, Jorge Barradas, Manuel Lima, Bernardo Marques e Diogo Macedo emprestaram a sua colaboração ao nível gráfico.

Entre Maio e Novembro de 1943 apareceu em O Mundo Português um conjunto de artigos sobre a etnia Manjaca assinados por Edmundo Correia Lopes. Encontramos no Google os seguintes elementos sobre o autor: Edmundo Correia Lopes (1898-1948), filólogo e etnógrafo, distinguiu-se como estudioso africanista, e desde cedo a cultura das colónias portuguesas despertou nele um profundo interesse. Formado em Letras, publicara já um repositório de música tradicional, fruto do seu apego à cultura popular, quando embarcou para o Brasil em 1927 e se fixou no Rio de Janeiro e em São Paulo, tendo percorrido Pernambuco, o Ceará e a Amazónia. Faleceu no arquipélago dos Bijagós, onde integrava uma missão etnográfica ao serviço do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

O estudioso propôs-se apresentar de forma resumida os dados que obtivera sobre a etnia, a língua, a vida material, a estrutura familiar, a música e a vida espiritual. Em texto anterior fez-se aqui uma síntese dos elementos apresentados sobre as origens da etnia, a língua e a vida material, vamos agora apreciar os restantes elementos.

Quanto ao clã e família, o clã é matrilinear, mas há jogo complexo de elementos que devem ter sido em conta, caso dos direitos políticos hereditários e os régulos eletivos, as relações económicas e até as classes de idade. Os Manjacos de Pecixe não caçam fora da ilha. O clã é que sucede e a representação do seu direito de sucessão está no irã, isto quanto a direito políticos e acerca da sucessão do régulo. Diz o autor que é necessário não fazer confusão entre a família e a unidade de ordem superior – o clã – embora ambas sejam de natureza matrilinear. E depois de citar o que conseguiu apurar da entrevista feita aos Manjacos que vieram a Lisboa tira a conclusão de que há necessidade de orientar o estudo dos Manjacos de modo a conhecer a organização do clã, a extensão da sua influência política, ritualística e social. E diz mais: as interdições matrimoniais não são determinadas apenas, como entre nós pelo parentesco carnal mas pelo classificatório. Os enteados tratam os padrastos como pais e portanto os padrastos não podem casar com enteados e com maior razão o não podem fazer sogro com nora ou sogra com genro, porque se tratam de pais a filhos. Tratamento de irmão estende-se aos primos coirmãos.


As fábulas e narrativas da cultura Manjaca parecem aparentar-se com a de outras culturas quanto ao uso de animais, caso da hiena, raposa, lobo, lebre, crocodilo. Tratar-se-á de moralidades espelhadas por histórias de animais, como ele narra:
“Um homem levava a corda para subir à palmeira para ir procurar coconote. Via um lagarto (crocodilo). O lagarto disse-lhe: leva-me para o mar. Tem paciência, leva-me para a água. Tem vinte dias que não como. O homem respondeu: eu levo-te e tu matas-me para me comer. O lagarto disse: não te como. Amarra-me a boca, amarra-me o pé. O homem pegou no lagarto ao colo e levou-o para o rio. Chegado ao rio, disse: arreio-te aqui. Avança mais, insistiu o lagarto. O homem avançou. O lagarto disse: arreia-me. Quando o homem o arreou o lagarto mandou que o soltasse e o homem soltou-o. E ele: agora, eu como-te. E o homem respondeu: então, faço-te bem e tu pagas-me mal? O lagarto replicou: digam os três que passaram qual é a verdade. Passou uma velha. O lagarto perguntou-lhe: se alguém faz bem não é com mal que lhe pagam? A velha preta, animal de carga desprezado pelo marido, podia confirmar a sentença diabólica do crocodilo. O mesmo se passou com um cavalo velho, agora abandonado. Só a lebre é que não partilhava de igual doutrina, manifesta incredulidade do facto do homem ter transportado crocodilo para o rio e insiste em que se repita a operação…”.
Esta história foi contada ao autor por António Pecixe, é muito conhecida no folclore Mandinga, tem várias versões.


Falando da estrutura musical Manjaca, diz que o padrão musical é muito simples, há de certo modo uma íntima associação com a vida espiritual, as composições musicais possuem temas próximos da sacralidade, mas também entre o sagrado e o profano, as divisões do trabalho, os ritos de promoção, os requisitos e condicionalismos do casamento e os respetivos festejos. Os casamentos obrigam a grande matança de cabeças de gado e há etapas a percorrer: os pedidos de casamento realizam-se em Maio mas só em Janeiro seguinte é que os casais podem erigir a sua palhota, mesmo que vivam já em mancebia.

Falando do fanado, o autor diz que este não tem nenhuma originalidade e observa:  
“Lá encontramos o irã representado num mascarado de pele branca, barbado, cabelos crescidos que lhe caem sobre as espáduas, pequenos e mofinos olhos encarnados, da cor do manto de mangas curtas, segurando na mão a espada. Assim, pelo menos, os novos lhe pintam a máscara, designando o mascarado pelo mesmo nome que os Mandingas – Kankura. Bastaria esta aproximação para nos persuadir que se trata de uma influência dos povos centrais (Fulo-Mandingas) sobre este povo atlântico, a que devia naturalmente corresponder uma iniciação incruenta, como a dos Bijagós".
Falando dos Beafadas, população vizinha dos islamizados, que estavam a ser progressivamente islamizados, observa também que os Manjacos são muito diferentes dos Beafadas. Além de não terem atração pelo islamismo, tem ritos de passagem bastante distintos e descreve com algum pormenor a sociedade do fanado. Termina esta série de artigos dizendo que procura aproveitar o melhor do que colheu sobretudo pela originalidade e a paciência em pescar etnografia africana à beira do Tejo, não esconde que os elementos obtidos carecem de mais estudo, para maior clarificação.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18365: Historiografia da presença portuguesa em África (110): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18365: Historiografia da presença portuguesa em África (110): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (1) (Mário Beja Santos)




1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Há quem suponha que foi preciso esperar pela vida do Governador Sarmento Rodrigues e o seu colaborador Teixeira da Mota para que se tivessem encetado os estudos etnológicos, antropológicos e etnográficos. Se é verdade que é a partir deste período que ganham profundidade tais estudos, eles são anteriores.
Cientistas de renome como Bernatzik tinham publicado estudos como o da originalidade da cultura Bijagó e Bernatzik chegou mesmo a dizer, no início dos anos 30: "É um trágico destino, na Guiné Portuguesa, o de uma cultura africana que em nada lhe fica atrás dos outros famosos ramos oeste-africanos. Um feliz acaso permitiu que esse mundo brilhante ainda se nos patenteasse no momento, podia dizer, do seu ocaso".
E também se encontram em Boletins Oficiais do Governo da Guiné respostas a questionários de inquérito que eram pedidos aos administradores. Mereciam uma nova visita, é de elementar justiça. Reconheça-se que estes trabalhos de Edmundo Correia Lopes têm um sabor de novidade, põem mesmo em cheque os trabalhos de caráter racista que era frequentes em certas escolas antropológicas da época.

Um abraço do
Mário


Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca (1)

Beja Santos

Tem-se aqui repetidamente falado da publicação O Mundo Português, da Agência Geral das Colónias, apresentava-se como revista de cultura e propaganda, incluía discursos das figuras gradas do Estado Novo, artigos de divulgação histórica, pequenas reportagens e até ensaios. Figuras importantes do modernismo português como Stuart, Bernardo Marques e Diogo Macedo, emprestaram a sua colaboração ao nível gráfico. Entre Maio e Novembro de 1943 apareceu em O Mundo Português um conjunto de artigos sobre a etnia Manjaca assinados por Edmundo Correia Lopes. Encontramos no Google os seguintes elementos sobre o autor: Edmundo Correia Lopes (1898-1948), filólogo e etnógrafo, distinguiu-se como estudioso africanista, e desde cedo a cultura das colónias portuguesas despertou nele um profundo interesse. Formado em Letras, publicara já um repositório de música tradicional, fruto do seu apego à cultura popular, quando embarcou para o Brasil em 1927 e se fixou no Rio de Janeiro e em São Paulo, tendo percorrido Pernambuco, o Ceará e a Amazónia. Faleceu no arquipélago dos Bijagós, onde integrava uma missão etnográfica ao serviço do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

Vamos ressaltar alguns dos aspetos mais interessantes do seu trabalho.

O autor reconhece que não foi bem sucedido com o estudo da língua dos Bijagós, e aproveitando a vinda a Lisboa de um grupo de Manjacos, sentiu-se atraído pela sua cultura e civilização, e daí o punhado de notas etnográficas decorrentes da sua investigação. Oiçamo-lo: “Que eu não tenha podido encontrar uma linguagem dos Manjacos expressões próprias para designar Norte e Sul, que os Mandingas designam “lua à direita e lua à esquerda”, deve-se à perda de memória dos meus informadores ou corresponde a uma deficiência da cultura? Que “dívida” empregue, do mesmo modo, uma expressão da nossa língua, a ponto de que a forma de depoimento nos pleitos da espécie levados ao conselho dos anciãos seja A deberul (devem-lhe) é caso para meditar. As dívidas não foram um presente novo da civilização. Existiam antes de 1914 (o ano de Teixeira Pinto), ocasionando até essa data a escravização dos insolventes".

“Ajuramentar”, “poder”, “mandar”, “coblar injudi” (receber indemnização) são expressões a que é difícil encontrar o correspondente vernáculo na linguagem falada pelos Manjacos que vieram a Lisboa. Para o autor dá-se como comprovado que as respostas linguísticas só poderão ser encontradas no estudo do meio. E termina o seu primeiro texto dizendo que o declínio das culturas negras na Guiné Portuguesa envolve toda a etnografia da colónia portuguesa pelo que o seu trabalho procurará estudar a cultura dos Manjacos nas seguintes vertentes: língua; vida material; clã e família; folclore e vida espiritual.

Falando da língua, começa por observar:
“Embora os Manjaco sejam um grupo mais numeroso que os Papel, destes, por estarem em contacto há muito com os centros dos europeus (Bissau e Cacheu), proveio o primeiro conhecimento da língua e o seu batismo. Os Brame falam também um dialeto Papel. Tão irmãos de língua e de raça são os Manjaco dos Bayum que consideram, como dos Bahuula (Brame) que despreza; e eles próprios não reconhecem, segundo me parece, a designação de Manjaco na sua língua.
A língua Papel, hoje falada por mais de uma centena de milhares de nativos na nossa Guiné, pertence ao grupo atlântico ocidental, e cita vários cientistas para relevar que o Banhum, o Nalu, o Balanta, o Landumâ e o Bijagó estaria em oposição ao Felupe, ao Papel e ao Beafada". 
Volta a recordar que o seu contacto com a língua Bijagó tinha sido muito penoso e espraia-se em minudências filológicas, disserta sobre a identificação das vogais e das consoantes, prefixos de classe, conjugações, etc, e termina dizendo: 
“Posso ficar por aqui. Não procurarei fazer uma gramática, que muita incompleta e errada deveria ser. Para o fim a que estas notas se destinam, pode ser que elas sejam boas. Consola-me das dúvidas e possíveis erros os muitos dias de trabalho que poupei ao estudioso que queira voltar a atenção para uma língua cujo conhecimento, como o das outras da nossa colónia da Senegâmbia, se impõe já de há muito, como uma obrigação da cultura nacional. Por isso me apresso a publicar resultados obtidos mais pelo gosto da pesquisa e do exercício que obedecendo a qualquer outro propósito”.



O investigador é bastante mais acessível no texto que dedica à vida material. Começa por dizer que o prestígio da realeza Manjaca irradiou do regulado de Bassarel, aquele de cuja confirmação dependia a escolha de todos os outros régulos. Era também o único de cujo poder emanavam direitos de sucessão familiar. Era dado que o régulo de Bassarel era escolhido pelo irã. Falando da propriedade, diz-se que os Manjacos conhecem a propriedade coletiva e a propriedade individual da terra. O régulo não pode ser o dispensador da terra, senão em relação ao usufruto que tem dos bens da reinança. É uma espécie de arrendamento. Cultivam o arroz que com o azeite de palma é a base da economia dos Manjacos da Costa de Baixo. É trabalho dos homens lavrar a bolanha no princípio da estação das chuvas para a cultura do arroz, tocando às mulheres semear, o quintal é lavrado pelos homens onde semeiam mancarra, inhame, batata ou feijão. No registo que faz da habitação, cita Vítor Hugo de Menezes que fora administrador da antiga circunscrição civil da Costa de Baixo. Refere a casa coletiva dos solteiros, a existência no andar térreo de uma cozinha e de que existem casas de planta retangular comparáveis às habitações palafíticas dos Felupes, determinadas pela mesma razão geográfica dos nossos palheiros do litoral, podendo mesmo filiá-las na influência Felupe. Estas casas de planta retangular têm três compartimentos: o da frente é destinado a tudo quando não seja dormir ou não vá invadir a parte do fundo, onde ficam as divisões das camas; por baixo do teto, fica o celeiro onde são recolhidas as provisões. O teto apoia-se em estacas enterradas no solo. À direita da porta levanta-se do solo um pau pequeno para exibir em rude escultura a imagem de um antepassado.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18341: Historiografia da presença portuguesa em África (109): I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, São Tome e Principe, Angola), no vapor "Moçambique", de agosto a outubro de 1935... A iniciativa foi da revista "O Mundo Português", sendo o diretor cultural do cruzeiro o jovem Marcelo Caetano (1906-1980), então com 29 anos, e que só voltaria a estes territórios em abril de 1969, com 62 anos, mas já então na qualidade de chefe do governo

domingo, 29 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17913: (Ex)citações (326): CCAÇ 17, uma companhia da "nova força africana", baseada em pessoal manjaco


Guiné > Região do Cacheu > Binar >  CCAÇ 17 )1972(74) > O cap mil Antómo Acílio Azevedo onversando com o major Dick Daring, responsável pela base do PAIGC no Choquemone, localizada cerca de 5/6 quilómetros a noroeste de Binar e que ali veio várias vezes.

 Foto do álbum do António Acílio Quelhas Antunes Azevedo, ex-cap mil, cmdt  da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 (Bula) e da CCAÇ 17 (Binar), 1973/74.


1. Uma das mais antigas (e raras) referências à CCAÇ 17, no nosso blogue, remonta a 2006!...

Ficamos a saber que era uma companhia de manjacos e que em 1970 foi posta a fazer segurança aos trabalhos de construção da estrada Mansabá-Farim, portanto fora do seu "chão"... Estiveram em Bironque e houve um princípio de motim, obrigando à intervenção do Spínola...

Aqui vai um excerto do poste do Vitor Junqueira [, ex-alf mim

(...) A primeira aproximação que tivemos com a guerra a sério e àquilo que iria ser o nosso estilo de vida nos meses vindouros, ocorreu a partir de um ponto localizado no mapa entre Mansabá e o K3, onde antes da guerra existira uma pequena povoação, chamada Bironque.

Para o Destacamento Temporário do Bironque segue em 1 de dezembro de 1970 um Gr Comb da CCAÇ 2753, tendo os restantes chegado a intervalos de uma semana e ficando a operação concluída em 21 de dezembro de 1970. Com a chegada da CCAÇ 2753, a CCAÇ 17 retirou!

Algum tempo antes, tinha havido uma espécie de motim com cenas de tiros entre os oficiais e sargentos daquela Companhia e os seus elementos nativos, de etnia maioritariamente manjaca. Estes, fartos de bordoada, recusaram-se a sair para o mato, alegando que a terem de levar porrada forte e feia, preferiam apanhá-la defendendo o seu Chão. O general Spínola resolveu o contencioso através de umas despromoções e da transferência da Companhia para Bula. (...)

Falta-nos a ficha de unidade desta companhia, falta-nos gente desta companhia, faltam-nos fotos e histórias,

2. Comentário do nosso editor:

Até há pouco, não tínhamos qualquer referência à CCAÇ 17!... Graças ao António Acílio Azevedo, o último ou um dos seus últimos comandantes, sabemos um pouco mais do seu historial. Mas é insuficiente... Nâo há história da unidade ? Por exemplo, não sabemos   os nomes dos militares desta companhia africana que foram fuzilados depois da independênc

É um serviço útil que o Acílio nos podes prestar a todos!...

As companhias africanas, baseadas no recrutamento local (enquadradas, em geral, por metropolitanos) têm um tratamento desigual no nosso blogue, a avaliar pelo nº de referências ou de marcadores (a seguir, entre parêntesis):

CCAÇ 3 (46)

CCAÇ 5 (133)

CCAÇ 6 (98)

CCAÇ 11 (37) / CART 11 (83)

CCAÇ 12 (380)

CCAÇ 13 (42)

CCAÇ 14 (18)

CCAÇ 15 (18)

CCAÇ 16 (26)

CCAÇ 17 (5)

CCAÇ 18 (26)

CCAÇ 19 (24)

CCAÇ 20 (4)

CCAÇ 21 (23)


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sexta-feira, 9 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17449: Notas de leitura (966): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (2) (Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Que ninguém espere encontrar aqui uma caraterização das etnias guineenses com o rigor antropológico e etnológico. Tudo aqui é observação de quem pensa que está a falar de primitivos, gente que precisa de ser civilizada, aculturada. Não que falte algum rigor em certas apreciações, mas neste documento o autor não esconde que fala de civilizado para indígena, os pobres coitados têm costumes bizarros, a cultura do branco ainda não os moldou para a cidadania. Só décadas depois é que o olhar do cientista se despiu de preconceitos raciais.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico incontornável: Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 (2)(*)

Beja Santos

Estes anuários tinham a apresentação de um mostruário do território, dos seus transportes, da natureza da sua administração, fazia-se uma incursão pela cidades e vilas e depois passava-se para as atividades económicas, neste tempo ainda se falava pouco do turismo mas fazia-se sempre menção da fauna e flora, eram requisitos obrigatórios do feitiço africano; e por último, mostrava-se um pouco da história da pacificação e referiam-se os usos e costumes dos indígenas.

Deixei exatamente para este texto a descrição do anuário sobre as etnias existentes na Guiné. Não se perca de vista estamos em 1925 e a antropologia e a etnologia ainda não são consideradas ciências. De acordo com o anuário, na Guiné Portuguesa o tipo de raça dominante é o negro e o negroide e o hamita cruzado. Segue-se um pálido resumo dessas raças, os usos e costumes e o autor adverte que não há intuitos “de que nos tomem por senhores doutores no assunto”.

Fulas – a sua índole é boa, se bem que de feitio concentrado. Pouco robustos em geral, são bastante atreitos a doenças. Quase todos praticam a tatuagem, nos lábios, as mulheres e os homens no rosto. Devido a esta prática absurda, acontece vermos tipos de mulheres verdadeiramente cativantes, prejudicados em absoluto pela deformação dos beiços. O Fula usa lavar-se, mas nem todos empregam o sabão, por ser crença entre eles que tal emprego faz diminuir a virilidade. São supersticiosos à sua maneira. Logo que lhes morre um filho ou parente mudam em regra de povoação, transportando para longe os seus penates. Têm a vaidade de que são grandes progenitores.

Mandingas – têm boa índole, são alegres, expansivos, hospitaleiros e obedientes. São atraídos pelo comércio e a agricultura. Têm duas castas: a dos ferreiros e a dos sapateiros, não podem juntar-se com castas diferentes. Têm os Mandingas também a sua autoridade religiosa que denominam almarne (penso que o autor confundiu, a palavra própria é almani). Ele é ao mesmo tempo conselheiro político, goza de muito prestígio. É curioso como se transmitem entre eles as heranças: por morte do pai herdam os irmãos, começando pelo mais novo que tenha família. Os filhos e as mulheres fazem parte do legado, e neste caso elas ficam sendo pertença do herdeiro. Quando este tem mulheres a mais, a mulher herdada pode passar para o outro irmão, desde que ela concorde, e dividem-se os filhos entre os irmãos.

Felupes – são bem constituídos, robustos, musculados, sadios e resistentes. Quando novos e solteiros, usam várias contas nas pernas e diversas penas na cabeça. Quanto a trabalhar, não se matam muito, apenas produzem o suficiente para comer e pagar o seu imposto. Só depois dos 20 anos é que se casam e não se divorciam, separam-se do modo mais simples quando não se dão bem. Crêem em Deus e nos espíritos malignos.

Papéis – são muito vivos e espertos, musculosos e resistentes. Quase todos de caráter concentrado. Têm um costume interessante: deformar os dentes, tornando-os pontiagudos. Exímios montadores de bois ou de vacas, é costume passarem nos caminhos a trote, ou a galope. No que respeita a bebidas, apreciam o álcool e o vinho de palma. As raparigas Papéis, logo que nascem são pedidas em casamento por qualquer homem, que desde logo tem que auxiliar o pai dando-lhe aguardente e trabalhando na sua lavoura. Uma vez chegadas à idade 10 ou 12 anos, vão as raparigas para casa das mães dos seus futuros maridos e só se juntam com estes depois de atingida a puberdade.

Manjacos – são considerados como uma divisão dos Papéis, com que se assemelham fisicamente e até pelos costumes. Náuticos por temperamento, são os que mais contingente fornecem para o pessoal de embarcações. A mulher Manjaca é ordinariamente esbelta e agradável. Adora os lenços de cores vivas e ornamenta-se, como os ídolos, de bizarros colares de pontas e manilas. Os Manjacos constituem uma população densa e obedecem aos régulos, que são senhores absolutos.

Banhuns (Brames ou Mancanhas) – não crêem na alma, nem sabem o que isso seja, mas acreditam na transmigração. Há Banhuns que se caracterizam pelas horas mortas da noite em hienas e onças para exercerem pequenas vinganças. Para os Banhuns, a mulher não é bem um ser, um farrapo desprezível, sem vontade própria, que eles negoceiam como negociariam a vaca ou uma cabra. Reconhecem que precisam dela mas não se lhe dedicam. Por este facto estão sempre prontos a tê-la em casa e a recebê-la, mesmo que saibam que os filhos que ela lhes traz não lhes pertencem. Ela lavra a mancarra, corta o chabéu (cacho de coconote), lavra o milhinho, que é uma espécie de alpista ou painço; ela prepara os terrenos, sacha e monda as culturas, colhe a mancarra e quebra o coconote.

Balantas – as suas crianças, mal nascem, são lavadas e podem chorar à vontade. Hão de esperar que as mães tenham leite. Se estas morrem em resultado do parto, ou mesmo muitos meses depois, os filhos têm também de morrer por não haver quem os amamente. Quando nascem gémeos, um é abandonado junto de qualquer montículo de bagabaga e lá morre, tomando a mãe conta do outro. Aos mancebos (blufos) tudo é permitido. Praticam a circuncisão, para eles a maior festa. Escolhem as mulheres com que hão de casar. A mulher Balanta, é em geral, infiel ao marido, o que não admira, visto este normalmente ser muito mais velho do que ela. Há entre eles um costume muito curioso: se duas famílias são inimigas, fazem as pazes trocando os filhos em casamentos.

Beafadas – são uns verdadeiros amorosos de batuques. É a mulher que trabalha; é ela que trata da apanha dos produtos, ela que põe em fio o algodão, ela que o tinge, enquanto homem descansa à sombra da árvore.

Cassangas – são considerados uma espécie de Beafadas, havendo quem neles encontrasse muitas semelhanças.

Nalus – atingindo a idade de 18 anos, podem casar e terão tantas mulheres quantas forem as irmãs que tiverem. Praticam a circuncisão. As mulheres são consideradas, em geral, como escravas, não havendo nenhum cuidado com elas quando estão grávidas, chegando até a ser espancadas pelos maridos. Entre os Nalus herdam os filhos, e na falta destes, os sobrinhos.

Bijagós – são os únicos indígenas que não praticam a circuncisão. Untam os corpos com azeite de palma e, nas ocasiões das festas, juntam a este um barro branco. São bons nadadores. Alimentam-se de macacos, ratos, jibóias, cães ou outros bichos domésticos. As suas casas, em regra, são caiadas com barro branco. Algumas têm vários desenhos informes, feitos com barro vermelho e amarelo ou com uma tinta preta. Crêem todos numa entidade suprema.

E o artigo termina assim: acrescentaremos agora que, a par do Balanta, é talvez o Fula o mais corajoso na investida, de uma intrepidez mais calma.


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Nota do editor

(*) Poste anterior de 5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17433: Notas de leitura (964): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (1) (Beja Santos)

Último poste da série de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17437: Notas de leitura (965): Guiné: um rio de memórias, "alegres e doridas"... Porque regressar é preciso: "costuma(-se) dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente"... E quem o reafirma é o Luís Branquinho Crespo, que lá voltou quarenta e tal anos depois...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16818: Memória dos lugares (352): Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta, região do Cacheu: um local muito bonito onde, para o ano, quero vir passar umas férias (Patrício Ribeiro, Bissau)


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha  (?) > Aqui, na ponta de Caió, terá funcionado uma "estação  de pilotos" [EP]... Os pilotos, primeiro brancos e depois guineenses, levavam os navios até ao porto de Bissau. . No princípio da década de 1960, o chefe da estação era um guineense, Edmundo Bernardino Monteiro, denunciado num documento do Arquivo Amílcar Cabral ("O Ilhéu de Caió, estação de pilotos ou colónia penal", de Nandjam Silva) como um "devotado servidor dos seus patrões colonialistas":  [vd. Pasta: 04616.076.028]. Aqui vai um excerto:

"Os pilotos, aos quais incumbem a grande responsabilidade de conduzirem os navios através [d]as perigosas rias, ganham apenas 1200$00 mensais com[o] salário, e uma gratificação de 150$00 por cada navio levado de Cai+ó a Bissau, enquanto que o 'piloto' do porto, um europeu, àparte seus vencimentos substanciais, percebe 500$00 de gratificação para atração do navio, sabido como é que a manobra é inteiramente executada pelos pobres marinheiros africanos". 

[A preços de hoje, 1200 pesos seria o equivalente a 516,26 €, menos 10% tendo em conta o câmbio escudo/peso praticado em Bissau... Já agora acrescente-se que na lista clandestina do "Comité Central" do PAI - Partido Africano para a Independência, em 31/8/1960, figuravm 4 indivíduos da zona de Caió,. 2 pilotos,1 radiotelegrafista marítimo e 1 chefe marinheiro... O nome do Domingos Ramos, "aspirante a oficial" (sic) também aparece, representando o "quartel de Bolama", a par do Laurentino Gomes; vd. documento do Arquivo Amílcar Cabral, Pasta: 07063.036.007 ]



Foto nº 1A Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ihéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Não se percebe o quer dizer a sigla: EP... Escola de Pilotos ? Sabemos que passaram por aqui também equipas do Instituto Hidrográfico.


Foto nº 1B  > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Estação de Pilotos (EP) > Pormenor: por detrás do edifício vê-se um silhueta que parece ser uma viatura blindada, um tanque com a sua peça apontada para o mar... Presume-se que sejam vestígios das guerra civil de 1998/99.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha >  Estação de Pilotos


Foto nº 2A > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha >  Estação de Pilotos >  Ao fundo o farol, que terá sido construído em 1944


Foto nº 2B > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Estação de Pilotos


Foto nº 3  > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Inscrições na pedra com nomes de marinheiros fuzileiros [MAR FZ]  e grumetes fuzileiros [ GRT FZ], que terão estado aqui entre 1972 e  1974 > (?) CAIO (?) 25-4-74 > 72 | GRÁFICO DA CIA 2  |.74 > 1º SARG LUÍS ... 


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta >  Aproximação ao ilhéu


Foto nº 5 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ihéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Farol, construído em 1944


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ihéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta > Antigas instalações da Marinha > Farol  > Inscrição com o ano da construção (?)...Não descodificámos a sigla O. P. M  [Oficinas Provinciais da Marinha ?]

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2016) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, com data de ontem:

[Foto à direita: Patrício Ribeiro, de 68 anos de idade, português de Águeda, vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo, antigo fuzileiro naval, que retornou ao "Puto" depois da descolonização, fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, há 3 décadas, país onde fundou a empresa Impar Lda, líder na área das energias alternativas; é um daqueles portugueses da diáspora que nos enchem de orgulho e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo, dos descrentes, dos pessimistas; é de há muito tratado carinhosamemte como o ´pai dos tugas´, pelo apoio que dá aos mais jovens que chegam à Guiné-Bissau, em visita ou em missões de cooperação; de vez em quando lembra de nós e mando-nos fotos com vestígios arqueológicos da nossa passagem por estas bandas da África Ocidental]


Muitos aqui passam, poucos aqui moraram.

Junto mais umas fotos dos meus passeios pelo interior da Guiné, em dezembro de 2016.

Um farol em 1944.

Umas inscrições de alguns “filhos da escola FZ” mais novos, que aqui viveram.

Uma casa da capitania, com boa vista para o mar.

Um local muito lindo, onde muitos milhares passaram perto e para eles foi a 1ª visão da Guiné.

Para outros, era a visão de quem ia subir o Rio Cacheu, onde começavam a vida dura ...

Vai ser um dos lugares onde vou passar umas férias, no próximo ano.

Abraço
Patrício Ribeiro

IMPAR Lda  Energia | Bissau
impar_bissau@hotmail.com


PS - 10/12/2016, 13h10 -

O Pontão, como é chamado em Bissau a este local, na gíria da marinha e de pessoas ligadas ao mar.

Tem uma praia,  a nascente, bonita, com areia onde foi construído um pontão em pedra e pouco cimento, está muito degradado, já não dá para acostar qualquer embarcação.

O canhão com rodas de borracha é de fabrico Russo, as rodas estão com os pneus em baixo. O Comandante Alpoím Calvão, não o encontrou, caso contrário tinha o cortado aos bocados, como fez a muitos outros, para o mandar para a sucata, numa das ultimas missões que fez recentemente na Guiné.

Na Guiné, houve depois da Independência oficial, algumas guerras declaradas e outras não, com vizinhos. O local é estratégico. Neste momento a guerra é com a frota e barcos de pesca Chineses... que levam todos os peixes e camarões. Vai ser o meu trabalho lá, para os controlar com electrónica.




Guiné > Mapa geral da província > 1961 > Escala 1/500 mil >  Pormenor: Posição relativa do Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta e a oeste da Ilha de Pecixe.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné (2016)

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16666: Memória dos lugares (351): Canquelifá, a minha primeira estadia no mato. Permaneci lá durante o terceiro trimestre de 1966. Muitas coisas boas e más aconteceram durante esse tempo (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16770: Notas de leitura (906): “António Carreira, Etnógrafo e Historiador”, por João Lopes Filho edição da Fundação João Lopes, Praia, Cabo Verde, 2015 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
Correndo o risco de repetir o que sobre António Carreira escreveu a historiadora Maria Emília Madeira Santos, deve-se a este investigador que percorreu toda as etapas da administração colonial a partir dos 16 anos, que frequentou a Escola Superior Colonial e concluiu com alta classificação alguns dos estudos que ainda continuam incontornáveis na historiografia da Guiné Portuguesa, isto a propósito das companhias majestáticas, do tráfico de escravos e da presença dos portugueses nos rios da Guiné entre 1500 e 1900.
Dos seus trabalhos etnográficos, a investigação sobre Mandingas continua a não oferecer contestação e de altíssima importância se mantém a sua laboriosa investigação sobre a panaria cabo-verdiano-portuguesa.
Este livro é uma homenagem de cabo-verdianos, visto que Carreira nasceu em Cabo Verde. É lastimável que o seu nome se mantenha numa semiobscuridade no tocante às universidades portuguesas.

Um abraço do
Mário


António Carreira, etnógrafo e historiador, por João Lopes Filho

Beja Santos

“António Carreira, etnógrafo e historiador” é o título da obra que João Lopes Filho editou na Fundação João Lopes, Praia, Cabo Verde, em 2015 e apresentou na Sociedade de Geografia de Lisboa. Para quem estuda a Guiné Portuguesa e a Guiné-Bissau, António Carreira é um nome cuja importância é mais do que relevante. Nasceu em 28 de Outubro de 1905 na Ilha do Fogo e faleceu em 22 de Abril de 1988. Foi para a Guiné com 11 anos. Aos 16, ingressou na Função Pública, onde permaneceu entre 1921 e 1954. Subiu a escada a pulso: foi capataz de estradas, Aspirante dos Correios e Telégrafos, Aspirante do Quadro Administrativo, Secretário de Circunscrição Civil e Administrador de Circunscrição Civil. Frequentou os Altos Estudos da antiga Escola Superior Colonial, tendo concluído o curso em 1949. Em 1950 foi nomeado Delegado Geral do Censo da População da Guiné. Em 1953, foi condecorado com a medalha de serviços distintos e relevantes no Ultramar pela sua brilhante atuação em serviços importantes da Administração Pública e pela publicação de estudos de índole etnográfica de indiscutível valor.

Reformado da Função Pública em 1954, passou a trabalhar na Casa Gouveia. Foi no exercício dessas funções que o seu nome ficará associado aos acontecimentos de Agosto de 1959, o chamado massacre do Pidjiquiti. Comenta a propósito o historiador Carlos Reis: “O Dr. António Carreira era essencialmente o responsável pelo massacre do cais do Pidjiquiti, enquanto gerente da Casa Gouveia, de acordo com as informações que tínhamos e que, só anos mais tarde se veio a saber não serem exatas. Hoje, sei que o facto de ele ter participado à Polícia que a carga da casa comercial que dirigia não estar a ser movimentada porque os estivadores tinham decidido entrar em greve, é algo que qualquer pessoa comum, naquela época, também faria se estivesse no seu lugar”.

Vinte anos mais tarde, Carreira reconhecia que, “os governantes da Guiné têm-se manifestados hostis à minha pessoa por razões ligadas aos acontecimentos do Pidjiquiti, em 1959, endossando-me a responsabilidade da ocorrência. Ora eu não me sinto com nenhuma responsabilidade direta no caso (…) o que para mim se aparenta curioso é que nunca tivessem apontado os autores materiais do caso: o Comandante Militar, o Comandante da PSP e os restantes agentes do Governo”.

Reformado após uma longa dedicação profissional, Carreira passou a residir em Lisboa, onde se dedicou à investigação científica. Em 1962, passou a fazer parte da equipa do Prof. Jorge Dias, no então criado Centro de Estudos da Antropologia Cultural. Carreira exerceu docência na qualidade de professor convidado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Frequentava o Centro de Cartografia Antiga onde ia visitar o seu diretor a amigo, Teixeira da Mota. Aprendeu a falar Fula, Mandinga e Manjaco, o que lhe facilitou a elaboração de trabalhos no campo da etnografia, com destaque para: Mandingas; Costumes Mandingas; Vida, religião e morte dos Mandingas; Mandingas da Guiné Portuguesa; Vida Social dos Manjacos; Subsídios para o estudo da língua Manjaca; Mutilações corporais e pinturas cutâneas dos negros da Guiné Portuguesa; Movimento natural da população não civilizada da circunscrição de Cacheu e censo geral da população não civilizada, em 1950.

Realce-se a ligação de Carreira à etnografia, através do seu envolvimento na criação do Museu de Etnografia a convite de Jorge Dias. A partir de 1956, Jorge Dias mudou-se para a Escola de Administração Colonial, mais tarde Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas. Foi no contexto do desenvolvimento académico da disciplina de Antropologia que fez uma viagem até à Guiné, onde conheceu Carreira através de Teixeira da Mota. O ponto de partida deste museu foi feito com base em recolhas no decurso das missões de estudo das minorias étnicas do Ultramar Português. Em 1962, Jorge Dias criou o Centro de Estudos de Antropologia Cultural, tutelado pela Junta de Investigações do Ultramar. Era uma equipa de luxo, composta por Jorge Dias, Benjamim Enes Pereira, Fernando Galhano e Ernesto Veiga de Oliveira. Jorge Dias incentivou Carreira a recolher objetos africanos no contexto do processo museológico. Tudo indica que Carreira regressou da sua primeira missão de recolha e estudo a Angola, em 1965, com uma coleção composta de 1194 peças. Em 1972, realizou-se a exposição “Povos e culturas”, era a primeira manifestação pública do Museu de Etnologia. Carreira trabalhou ativamente neste projeto, contribuindo com cerca de 3500 peças.

Voltando um pouco atrás, recorde-se que desde 1964 Carreira publicou no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa artigos de história e etnologia sobre a chamada Costa da Guiné e sobre o arquipélago de Cabo Verde. Em 1965, terminou um dos seus livros mais apreciados, “Panaria cabo-verdiano-guineense”.

A sua bibliografia referente à Guiné mantém-se ao melhor nível, deve-se a Carreira importantes estudos sobre “As Companhias Pombalinas de Navegação, Comércio e Tráfico de Escravos entre a Costa Africana e o Nordeste Brasileiro”; igualmente nesta linha publicou “Notas sobre o tráfico português de escravos", tem um título de grande importância, “O tráfico de escravos nos rios da Guiné e ilhas de Cabo Verde (1810-1850): subsídios para o seu estudo”; um dos seus últimos livros é um trabalho incontornável: “Os portugueses nos rios da Guiné: 1500-1900".

Dele, escreveu a historiadora Maria Emília Madeira Santos: “Pode dizer-se que a História de África, em Portugal, recebeu de António Carreira o impulso decisivo que ainda hoje continua a fazer-se sentir nos estudos dos jovens historiadores, nas temáticas de encontros científicos e nos objetivos dos atuais centros de história de África. Foi António Carreira que teve a coragem e a inspiração de colocar, pela primeira vez em português, os africanos escravos ou livres, no centro de gravidade da História de África e da História do Atlântico”.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16760: Notas de leitura (905): "Adeus África - A Hiistória do Soldado Esquecido", romance de João Céu e Silva, Guerra e Paz, 2015 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 28 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16242: (De)Caras (43): A minha lavadeira Aline... "herdou-me" (Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto 1971/73)


Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > Outubro de 1972 > "A minha lavadeira Aline com a Maria Helena, nas traseiras da nossa".

Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A minha lavadeira Aline

por Francisco Gamelas

A Aline “herdou-me”.
(Para uma nativa, um nome estranho.
Deveria ser investigado.)
Eu estava designado
no testamento,  num desenho
a propósito: um periquito. Contou-me

o alferes que fui substituir
que também tinha sido “herdado”.
A Aline era uma instituição.
Geração após geração
houve sempre o cuidado
de se lhe atribuir,

desde o seu tempo de bajuda,
o alferes das Daimlers.
Bonita tradição.
E por que não
se, entre todas as mulheres,
ganhou o posto sem ajuda?

Fui eu quem ganhou
com a  “herança” da Aline.
Presença bem esmerada,
roupa sempre limpa e asseada,
é a manjaca que define
o seu sentir  do que “herdou”.

Francisco Gamelas.
ed. de autor, Aveiro, 2016,  p. 53


Texto e foto dr Francisco Gamelas , ex-alf mil cav,  cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73). Engenheiro eletrotécnico de formação quadro superior da PT Inovação reformado, vive em Aveiro, e publicou recentemente "Outro olhar - Guiné 1971-1973. Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp. + ilust. Preço de capa 12,50 €.

Os interessados pode encomendá-lo ao autor através do seu email pessoal franciscogamelas@sapo.pt. O design é da arquiteta Beatriz Ribau Pimenta. Tiragem: 150 exemplares. Impressão e acabamento: Grafigamelas, Lda, Esgueira, Aveiro.
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Nota do editor:

Último poste da série >  b22 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16226: (De)caras (41): O cor inf ref José Severiano Teixeira nunca comandou o Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama, pelo que nunca poderia ter sido ele o oficial que puniu, em 1960, o 1º cabo mil Domingos Gomes Ramos, hoje herói nacional da Guiné-Bissau... E mais me disse que nessa época, em Bissau, constava que o Amílcar Cabral oferecia 80 contos (!), para se alistarem no PAIGC, a cada um dos militares guineenses do 1º Curso de Sargentos Milicianos (1959), a que pertenceu o nosso Mário Dias (Joaquim Sabido, advogado, Évora)

sexta-feira, 7 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12805: Notas de leitura (570): "A Guiné... dos mil trabalhos", em "O Mundo Português", por António Florindo de Oliveira (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Pergunto-me com sinceridade quantos textos vigorosos como este andarão por aí dispersos, talvez com a conotação de memórias pouco representativas.
No caso das de Florindo d’Oliveira não é verdade: com a presença portuguesa reduzida a Bolama e algumas praças e presídios, esta viagem da lancha “Honório Barreto” é de tal modo impressiva, colorida e de tão grande sentimento português e de respeito pelos valores guinéus, que merecia melhor sorte, tem grande sabor literário, é a história de um moço de 16 anos cheio de curiosidade e de grande abertura.
Oxalá os investigadores desinquietem o que de Florindo d’ Oliveira há de grandioso na aculturação dos portugueses.

Um abraço do
Mário


A Guiné… dos mil trabalhos, por António Florindo d’Oliveira (2)

Beja Santos

É um marujo adolescente, verdor e uma surpreendente curiosidade dão azo a que esse jovem tenha deambulado pela Guiné em 1894 e escreva, cheio de vivacidade as suas memórias na revista “O Mundo Português”, editada pela Agência Geral das Colónias, em vários números ao longo de 1939. É incrível como estes relatos caíram completamente no olvido, não vi até hoje uma menção a seu respeito. Anda a bordo da lancha-canhoneira “Honório Barreto”, já foram intimidar os Balantas, para lá do Impernal, desta feita vão subir o rio Geba. Não se sabe se tomou notas ou trabalha com a memória, a verdade é que de vez em quando os nomes das localidades saem defeituosos, como se vai ver.

Entraram no Geba, os ajudantes Manjacos vão dando informações, passam por Chume (Xime) e depois S. Belchior (que era posto militar) e depois Bambadinca. Tece os seguintes comentários sobre o Geba: “Até ao Corubal, afluente que parece vir do Sul, mas que depois de curvas caprichosas sobe para Leste a perder-se lá para a fronteira francesa, o rio é largo e de bem fácil navegação; e só depois estreita mais, mas dando-nos maior encanto ainda na aproximação das suas margens que, além da beleza com que se ataviam, nos dão a surpresa de saltar de chofre um hipopótamo, mergulhar um jacaré, aparecer uma corda de macacos e surgirem constantemente bandos de pássaros, numa chilreada ensurdecedora, sem nos darem tempo de ver, se são periquitos, papagaios, ou quaisquer outros. Ah! As margens do Geba!... Só por elas mereceria ir à Guiné!... E seguindo vimos Sambeliantá (refere-se seguramente a Sambel Nhantá, ao tempo sede de regulado) e depois Fá, terra que nunca me esqueceu”. Chegaram a Geba e fundearam, rodeado de chalupas. Fá era comando militar. No dia seguinte, surgem de todos os lados cavaleiros Fulas e descreve-os: “São mais bastos que formigas, e são o exército dos régulos que se apresentam ao governador, muito anchos de si e da sua indumentária. Habituados à convivências com os brancos, como auxiliares das forças do governo, e julgando-se por certo tropas de consideração, não escrupulizam de saltar para a "Honório Barreto", de a admirarem, trocando as suas impressões de maravilhados. Outros pretos admirariam com medo, máquinas e peças; estes fingem compreender o que admiram, a dar-se ares de uma cultura que só os seus chefes têm. Não admira que sejam tantos, pois estamos em pleno reino Fula. Que nas suas correrias a cavalo, fazendo acrobacias e dando tiros, imitam talvez o jogo da pólvora dos marroquinos, nos parecem como tal, é que não há dúvida; que nas suas vestes amplas e flutuantes parecem conservar a tradição árabe, também é certo. Mas se lhe perguntarem dirão que são para se darem ares de civilizados e não se confundirem com os outros que são… bárbaros, adoradores de manipanços, cães negros, como me dizia o que esteve a bordo e com quem conversava para conhecer os seus costumes”.

Florindo d’Oliveira confessa que trabalha com a sua memória. Dos vários régulos só se recorda do nome de dois: Bombú e Belá. Segue-se a descrição: “O segundo era uma figura vulgar que se confundia com os outros já vistos; mas Bombú, dizendo que era príncipe de raça, impressionava bastante pela bela figura e porte de inegável distinção. Apesar da sua tez acobreada, via-se que recebera uma educação especial, vestindo com elegância e riqueza e sabendo graduar os seus cumprimentos, desde o governador até às praças, a todos apertando a mão, com uma frase a propósito”. Os chefes Fulas ofereceram uma festa rija em terra, mostraram as suas habilidades de equitação. No dia seguinte regressou-se a Bissau. Houve uma avaria para os lados de Fá, a lancha lá se arrastou até S. Belchior, a passos de tartaruga.

A seguir, rumam para Cacine, antes porém visita o governador um régulo Bijagó. Nova descrição: “Estes Bijagós vêm periodicamente a Bolama fazer o seu negócio de laranjas, bananas, galinhas e quanto cultivam. Vêm nos seus dongos, trabalhados tão pitorescamente e que movem bem. Não é fácil dizer como vestem, pois apenas uma tanga de pele a que podemos chamar cinto, vem pelas nádegas por entre pernas, prender à frente, e… mais nada. As mulheres é que usam umas saias feitas de fibras, semelhantes às palhoças dos nossos camponeses, mas muito curtas e abertas, imitando perfeitamente as saias das nossas bailarinas de ópera. A sua vaidade está nas tatuagens a fogo ou a incisões e que são bastante artísticas, nas anilhas e braceletes de cobre”. Pois este régulo que vinha cumprimentar o governador apresentava-se “envolto como com um manto, em um cobertor de vistas vistosas, berrantes e cobrindo a régia cabeça com um chapéu alto”.

O comando militar no rio Cacine está para a Guiné como o nosso Guadiana está para Portugal, escreve Florindo d’Oliveira, a região é de Nalus, que se estendem também pelo território francês. Aproveita e faz um comentário para o prático (piloto da navegação) do "Honório Barreto": “Embora Manjaco, era homem relativamente civilizado, vestindo como qualquer cidadão da nossa Lisboa, de camisa muito lavada, com o seu colarinho, seus punhos e sua gravata, de casaco, de colete e calças de fazenda, calçava botas como qualquer de nós e cobria a cabeça com um chapéu que não lhe ficava pior que a qualquer criatura que o usasse. Exprimia-se num português relativamente correto e buscava os termos mais adequados com um certo orgulho, bem justificável. Provava saber do seu ofício e conhecia todo aquele intrincado de rios, canais, ilhas e ilhotas, como ninguém. Como pela relativa instrução que recebera, tudo desejava saber para a completar, tudo lhe perguntava do que se referia ao elemento em que vivíamos: terras e gentes, e de tudo informava com muito boa vontade. Quando eu ia ao leme, postado junto a mim, enquanto indicava o rumo, íamos conversando, permutando o nosso saber”. Ali estão dos dois em descanso, naquele dia o comandante do navio acompanhara o comandante militar Cacondó, o seu regresso seria já dentro da noite. O piloto fala dos Nalus a Florindo d’Oliveira: “Viviam da terra, mas eram muito selvagens e atrasados. Que só se queriam com os seus feitiços e ninguém queria nada com eles. Que eram bichos-do-mato. Destes Nalus eu só sabia o que contava a história, de terem dado a morte a Nuno Tristão, ali um pouco mais para baixo, junto do rio Nuno, que lhes conserva a memória, e que fica hoje já na Guiné francesa”. E tece uma crítica: “Não se compreende por que não é portuguesa toda a região que os nossos descobriram e em que sacrificaram as suas vidas!"

E depois o piloto fala dos Beafadas, bravos guerreiros, artistas do couro. Confundido com tanto muçulmanos, Beafadas, Mandingas e Fulas, Florindo d’Oliveira julga que todos têm a mesma origem, o piloto esclarece que não é assim: “Desde cá de baixo do Corubal, por Buba e Geba até lá acima, estão os Fulas; à direita destes e para a fronteira francesa estão Mandingas de Oio, que é do lado de cima, e Futafulas, do lado de baixo; à esquerda estão os Mandingas de Farim, lá para cima, e estes, os Beafadas de Guinala, cá para baixo. Juntando todos, têm a Guiné quase toda, pode crer!”.

É um relato precioso, injustificadamente esquecido, merecia melhor sorte. Aqui se lança o repto aos investigadores: retomem a leitura de Florindo d’Oliveira, está para ali a visão de um jovem entusiasmado com a região tropical que lhe coube na sorte. É um retrato de um homem do seu tempo, pois claro. Tratando com elevada dignidade os africanos que ele considera civilizados ou cultos. Esta Guiné dos mil trabalhos é uma memória belíssima, tocante e ousada. É uma injustiça e um crime de lesa-majestade deixá-la na poeira das bibliotecas.

Entrada do Pavilhão de Arte Indígena (Exposição do Mundo Português, 1940)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12788: Notas de leitura (569): "A Guiné... dos mil trabalhos", em "O Mundo Português", por António Florindo de Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12788: Notas de leitura (569): "A Guiné... dos mil trabalhos", em "O Mundo Português", por António Florindo de Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Um jovem de 16 anos oferece-se como marinheiro para a Guiné, em 1894.
45 anos depois escreve as suas recordações… que vivacidade, que argúcia, que observação etnográfica e etnológica! A Guiné mantém-se indisciplinada, irreverente. A lancha-canhoneira percorre-a de uma ponta a outra, procura infundir respeito. O que interessa é o que o marujo vê e guarda nos seus apontamentos. Preparem-se, agora vão subir o Geba e depois vão a Cacine. E a gente pergunta como é que é possível que estas belas peças memorialísticas tenham ficado no olvido.

Um abraço do
Mário


A Guiné… dos mil trabalhos, por António Florindo d’Oliveira (1)

Beja Santos

“Já lá vão bem nove lustros que essa terra me começou a preocupar, ainda bem menino e moço, pois foi o desastre de Bissau de 1891 que me impressionou de tal forma que me levou a assentar praça na Armada, no desejo de servir a Pátria…”.
A revista O Mundo Português, de cultura e propaganda/de arte e literaturas coloniais, publicou em 1939, ao longo de vários números, uma reportagem memorial de alguém que aos 16 anos foi intervir na coluna “pacificadora” dos Papeis que, em 1894, andou por Antim e Bandim. O chamado massacre ou desastre de 1891 marcou profundamente os militares em serviço na Guiné. Uma força destacada para pacificar Papeis, por erro de informação, foi apanhada no tarrafo e massacrada pelos revoltosos. A resposta de Lisboa foi mostrar aos insurgentes a força das armas. Em 1894, a lancha-canhoneira “Honório Barreto”, construída no Ginjal, novinho em folha, com o seu spardeck corrido de ré a vante, com as suas duas peças de tiro rápido, passou a ser a arma dissuasora. A lancha foi rebocada pelo “África” até à Guiné, para Bolama, posto oficial de fundeadouro. Ficamos a saber que comandava a lancha o Tenente Vieira da Fonseca.

"O Mundo Português" era editado pela Agência Geral das Colónias, na revista colaboraram escritores como Maria Archer, Castro Soromenho e José Osório de Oliveira, profusamente ilustrada e com peças de qualidade modernista. Tive sorte nesta ida à Feira da Ladra, por um euro trouxe esta grande revelação, as memórias de Florindo d’Oliveira, um marinheiro que nunca esqueceu a Guiné prodigiosa.

Florindo Oliveira começa por descrever o que viu e o que mais lhe interessou nos Bijagós. Deplora a falta de escolas, ausência de padre, sentiu-se curioso pelos preceitos do fanado e descreve-o. Tem uma curiosidade quase desmedida pelos aspetos étnicos, revela-os com opulência luxuriante: “Lá viemos descendo o Cacheu, que atravessa a região em que mais tipos de povos se encontram, pois aqui são os territórios: dos Mandingas de onde viemos, dos Brames, a quem chamam Buromes ou mais correntemente Mancanhas; dos Baiotes, dos Papeis, dos Felupes; e ainda os extremos ocupados pelos Balantas e Manjacos… Os Baiotes, só os fiquei conhecendo de nome, pois estão no extremo-norte da Colónia, isolados de todos e quase desconhecidos. O seu território toca pelo oeste com o dos Felupes, pelo sul com o dos Papeis. Os Mancanhas, que têm a sua gente cá a mourejar pelos portos, como carregadores, já eu os conhecia bem, com o seu característico barrete de fibras vegetais tão semelhante a um cesto, enfiado na cabeça, e o pano, que à laia de manto trazem pelo dorso, passando por baixo do braço direito e levando essa ponta para cima do ombro esquerdo, pela frente, como muitas das nossas camponesas traçam os seus chales”.

Mais adiante, citando Landerset Simões e o seu livro “Babel Negra”: “Eu acho que seja pela confusão das suas gentes, que pela linguagem não, porque afinal eles entendem-se melhor uns com os outros quando querem e precisam que nós com eles, e muito menos quando não querem ser entendidos”.

O seu relato é vivo, está permanentemente mordido pela curiosidade e não esquece de dar pormenores da sua vida na lancha: andam numa roda-viva, de Bolama para Bissau, levam e trazem gente do “África” e quando este regressou à metrópole com os doentes, a lancha ciranda por toda a parte “cheirando e palpando todo o seu movimento populacional, em que nem sempre havia inocência e franqueza, antes pelo contrário”; descreve o fornecimento da água para a caldeira, vinha em dongos grandes, trabalhados em grossos troncos de poilão e acrescenta: "isto de fazer aguada, não foi uma brincadeira, pois que à torreira de um sol impenitente e nada suave, tínhamos que calcorrear de barris às costas até à nascente, razoável para os pés dos pretos mas não para nós habituados às tábuas do convés, duras mas lisas”; viajam até Buba, região povoada pelos Fulas, um tal Monopatú andava revoltado e descreve a coluna: “Seria para rir se não desse vontade de chorar, o aspeto dessa coluna que recolhíamos a Bolama: umas escassas dezenas de maltrapilhos, descalços, famintos, de armas enferrujadas… E esses homens (nós os marinheiros dizíamos que eram esqueletos com licença de cemitério) que tinham andado léguas e léguas pelo mato dentro, muitas vezes sem comer, e bebendo Deus sabe que água, ali estavam resignados e ainda galhofando entre si, orgulhosos de terem cumprido como o brio português mandava; a lancha percorre toda a Guiné, nela viaja o próximo governador, Pedro Inácio Gouveia, a bandeira tremula no mastro superior, “sentindo-a drapejar sobre as cabeças é que se sente que a noção da pátria não é uma coisa vã, uma ficção”.

Stuart, um dos mais admiráveis desenhadores portugueses, aceita toda a sorte de trabalhos para sobreviver. O mínimo que se pode dizer deste desenho, publicado perto do texto de Florindo d’Oliveira, é que é admirável, devia ser restituído à africanidade em toda a sua pujança, moderno como é.

A observação etnográfica e etnológica acicata-o permanentemente. Vejamos como descreve os Balantas, isto a propósito de uma ida ao Encoche, a impor autoridade aos Balantas descritos como larápios e orgulhosos de o ser: “Talvez o grupo mais numeroso nos diferentes que povoam a Guiné, ocupando a vasta região banhada pelo Mansoa, quase no Geba, em frente de São Belchior, até às margens do Cacheu, cercados pelo interior pelos Mandingas e Fulas e de outro lado por Mancanhas e Manjacos, afigurou-se-me que são os verdadeiros pretos da Guiné, dedicados à terra que cultivam com atividade, empregando a sua inegável robustez, relacionando-se apenas com os Papeis e roubando quanto podem”. A lancha lá vai, no encalço destes Balantas que precisam de intimidação: “Preparado o navio com as chapas de combate colocadas, o que lhe dava aparência de caixa oblonga, contornámos Bissau e metemos ao Impernal, rio tão estreito que as caixas das rodas riscavam as margens e as árvores metiam os ramos por todas as aberturas e cobriam o spardeck. Isso era motivo de galhofa, pois como estávamos nas vésperas do Natal dizíamos que não faltava árvore para os brinquedos da tradição cristã. E não faltaram por completo, porque se apanhou um camaleão num dos ramos”. Missão cumprida, Balantas intimidades, regresso a Bissau onde se passou o Natal. Chegou o tempo dos trabalhos de manutenção: “Para começar bem o ano que entrava, como o navio já cirandou demasiado e precisa de limpeza, encalhámos na praia, junto ao telheiro das embarcações do Governador e do plano inclinado, aonde as lanchas recebem reparações; e, durante oito dias, foi faina grossa de raspagens e pinturas que nos deixavam arrasados. Pretos e brancos, irmanados no mesmo esforço, sujeitavam-se ao mesmo sacrifício. Mas ali não havia operários especiais. À gente do navio é que pertencia fazê-lo”. E aproveita para contar mais um pormenor: “Durante a nossa estada em terra chegou uma deputação de chefes Fulas, com os seus tocadores de violas, a pedir ao Governador licença para perseguir e prender um tal chefe Damá que acusam de pilhagens e assaltos a embarcações e caravanas. Parece que justificaram as suas queixas, pois nos constou que tinham sido autorizados a fazer guerra ao culpado, recendo pólvora para esse efeito. Lá se foram; e tanto era o que nos constou que tempos depois lá apareceu o tal homenzinho preso e o tivemos como hóspede a bordo até que foi deportado”.

Vão buscar a Bissau o Governador Pedro Inácio Gouveia, vão para Geba, região povoada pelos Fulas. Os marinheiros alcunham o Governador de “Frasquinho de Veneno”, era admirado pelo seu saber, seria talvez bilioso, enervava-se com uma facilidade espantosa, ficava rabugento e impaciente, e comenta: “Ora como a bílis lhe enchia o organismo, a servir de veneno ao seu sossego, está a ver-se que a alcunha era adequada ao seu temperamento”.

Abençoado Florindo d’Oliveira que escreveu páginas tão vivas de uma Guiné que o marcou na mocidade.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12782: Notas de leitura (568): "O Reencontro, Da Ponte Aérea à Cooperação", por General Gonçalves Ribeiro (2) (Mário Beja Santos)