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sábado, 3 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6099: A Guiné aos olhos das actuais gerações (2): Sinto que estou a aprender e a crescer na Guiné-Bissau (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa* (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Março de 2010:

Caros amigos Editor e Co-Editores e restantes camaradas
Aqui vos envio o 2.º texto com as crónicas da Marta Ceitil, enviadas aquando da sua aventura como formadora em terras da Guiné e para colocarem na série respectiva.

Neste episódio a Marta já começou a dar a primeira série de formações, em Bissau, sendo que a sua aprendizagem vai ser dura mas profunda e duradoura.

Escrevi aprendizagem porque foi exactamente isso que se passou: a Marta foi ensinar e acabou aprendendo também!

Aprendeu a dar novos valores às coisas da vida, aprendeu a dar e a receber, aprendeu a gostar da Guiné.

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (II)

HÉLDER SOUSA / MARTA CEITIL




Depois do seu mail de 29 de Julho, em que dava conta das impressões iniciais e onde tudo era novidade, a Marta enviou novo mail em 9 de Agosto, já então com algum tempo de estadia e também de trabalho.

O mail foi o que se segue:

Saudades di mi terra :)
9 Aug 2009 18:49:02 +0000

Olá Família
E Kuma? Kurpo sta diritu? ;)

Pois é, já lá vão duas semanas e parece que já cá estou há um mês. Aqui é tudo tão diferente, a noção de tempo a passar também é diferente.

Já demos a nossa primeira formação, começou na terça-feira e acabou no sábado. Foi incrível. Não estava nada à espera de ter tanto jeito para isto! Nem estava à espera de gostar tanto de dar formação. Substimei o nível de conhecimento dos meus formandos, e levei um ‘estaladão’ na cara invisível: superaram todas e quaisquer expectativas que eu tinha. Foi uma experiência incrível e sinto que estou a aprender e a crescer a cada dia que passa. Sinto também que estou a mudar algumas coisas, ainda é cedo para dizer isto, mas agora, no presente, sinto que cada vez mais dou importância ao que realmente é importante e relativizo aquilo que não vale a pena, nomeadamente coisas minha e fúteis, que como um bom leão que sou, tenho e faz parte do meu ser, ser vaidosa e gastar (se me pudesse dar a esse luxo…) rios de dinheiro em cremes, em roupa, em botas Timberland. Não estou a dizer que quando voltar, vou ser toda ‘Shanti Shanti’ e ser contra o consumismo, mas aqui e agora isso não vale nada. Esta confrontação das duas realidades é brutal e está a fazer-me muito bem. O desafio é saber gerir bem esta confrontação e saber questionar sem me deixar levar pelo extremismo. Mas acho que estou a conseguir.

A semana que passou também foi um bocado tensa, afinal o sítio onde nós estamos não é assim tão protector dos animais como nós achávamos. No outro dia chegámos a casa, e os donos do aparthotel estavam cá fora no jardim a jantar e perguntaram se éramos servidas. Agradecemos e dissemos de imediato que não, o cheiro estranho a carne era insuportável! De seguida vou à cozinha (que é partilhada) para preparar o nosso jantar, quando... na bancada da cozinha está a cabeça da Nucha, a nossa bambi!!! Não aguentei e desatei a chorar!! Que horror! Percebi logo o que é que os outros estavam a jantar!!

Eu sei, estou na Guiné e é normal estas coisas... mas bolas, criámos uma relação com os animais e aos poucos estão todos a ser comidos! O Galo, já era, também já foi morto, (nem sabia que se comiam Galos, pensava que eram só galinhas), qualquer dia é o Manel e a Maria os nossos chimpanzés!!!

Enfim, estas e outras coisas fazem-me crescer e o ter de lidar com elas também!
O que vale é que amanhã vamos já para Mansoa, já estamos um bocado fartas de Bissau. Também é por isso que estou a escrever, vou ficar até ao dia 26 de Agosto em Mansoa, e aí não há mesmo internet, só o telemóvel. Estamos ansiosas para ir, vamos para a Escola Nacional de Voluntariado, funciona como um Campo de Férias com vários jovens que se inscrevem para ter formação em: Associativismo Juvenil, Saúde Sexual Reprodutiva, Planeamento Estratégico, e Metodologia de Projecto. Eu vou ser coordenadora e responsável pela Formação de Saúde Sexual Reprodutiva, e acho que vai correr novamente bem. Já temos os nossos amigos que são impecáveis, ontem à noite começou a doer o ouvido à Telma, eu com uma lanterna espreitei o ouvido... tinha um bichinho lá dentro. Tínhamos de ir a uma farmácia, ligámos ao nosso amigo Cemjoão (não é o 99 é o cem) que tem uma mota, para nos ajudar a encontrar uma farmácia. Impecável, tratou de tudo e conseguiu as tais gotas para o ouvido que mata o bicho!

Hoje ligámos à nossa médica que nos confirmou que fizemos bem. Só aventuras!!! Cada vez que andamos de Táxi é um filme, mas o lado bom é como os taxistas são todos senegaleses, farto-me de falar francês e afinal não estou assim tão mal quanto achava estar.

Estamos a ser muito bem tratadas e bem recebidas por todos. Andamos na rua e parece que estamos na aldeia, toda a gente nos conhece :)

Bem, este mail está a ficar muito grande, só para vos mandar um grande beijinho e dizer que tenho muitas saudades vossas :)

Espero que esteja tudo bem convosco. Na terça-feira ligo à Joana para dar os parabéns ao Francisco!

Beijinhos grandes
Marta Ceitil



O que se pode dizer quanto a isto?

A aprendizagem desta jovem faz-se a um ritmo acelerado. O contraste entre a sua realidade até então vivida e a dura realidade guineense contribui fortemente para um crescimento mental, um crescimento interior, que a vão levar a novos e mais elevados patamares do relacionamento humano.

É verdade que a atitude ajuda muito. Se se parte com o espírito de grupo, de partilha, o ensino e a aprendizagem entrelaçam-se e atingem-se resultados positivos.
De qualquer modo essa aprendizagem tem, como sempre, aspectos duros.

Veja-se a descoberta de que a Casa/Pensão não era propriamente um zoológico ou um habitat/refúgio de animais indefesos…

Veja-se como se aprende que não se pode ir para estes locais com preconceitos, pois rapidamente se pode levar um ‘estaladão’…

Mas também se veja como a Guiné permite, se assim se quiser e estiver disposto a isso, que rapidamente as pessoas procurem superar os seus limites e se questionem sobre os valores da Vida.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6054: Controvérsias (68): Preciso de entender coisas que não alcanço (Hélder Sousa)

Vd. primeiro poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5961: A Guiné aos olhos das actuais gerações (1): Marta Ceitil, cooperante na área da Formação (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

terça-feira, 9 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5961: A Guiné aos olhos das actuais gerações (1): Marta Ceitil, cooperante na área da Formação (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 23 de Fevereiro de 2010:

Caros Editor e co-Editores
Em anexo envio-vos este texto que preparei e que caso mereça aprovação poderá ter continuidade.

Trata-se, como digo, de apresentar através das impressões colhidas junto duma jovem pertencente às novas gerações envolvidas em acções de trabalho na Guiné, como de forma progressiva mas consistente e bem fundamentada se pode explicar este fascínio que todos nós, os que aqui neste espaço têm vindo a revelar as suas memórias, revelamos relativamente à Guiné 'do nosso tempo'.

Essas memórias estão assentes tantas vezes sobre acontecimentos dramáticos ou traumatizantes mas, mesmo assim, acabamos sempre por revelar a atracção que a Guiné exerce sobre nós. Prova disso é o número crescente de elementos que integram as diversas missões que têm como objectivo a solidariedade no local, ou mesmo em simples contacto individual.

Poderão constactar que actualmente, em paz, apesar das dificuldades, que estiver com espírito positivo, com a mente aberta às diferenças mas principalmente à aprendizagem, encontra na Guiné o mesmo fascínio, encanto e atracção que tanto a nós nos tocou.

Para amenizar a conversa juntei fotos da Marta, do pai da Marta (o José Ceitil), dos seus livros e também da casa em Bissau onde a nossa 'narradora' se instalou.
Uma das fotos mostra a casa, a outra mostra a Marta, ao centro, com os outros elementos envolvidos nas acções de formação que iriam decorrer e a outra o macaquinho Manel, um dos 'habitantes' daquela casa.

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (I)

HÉLDER SOUSA / MARTA CEITIL

Há algum tempo atrás pensei que o tema que vos proponho fazia todo o sentido.

Sou da opinião que sim, porque cabe perfeitamente no âmbito do ‘nosso’ Blogue, até porque uma das suas características, uma das suas ‘marcas’, é termos em comum a Guiné, termos estado lá, estar aberto a quem é de lá e a quem gosta de lá.

Também não é menos certo que existe aquela ideia de que os nossos jovens ‘já nem nos podem ouvir falar da Guiné’ tal como até já figurou, mais coisa menos coisa, como ‘frase do dia’. Sinceramente acho que, quanto a este último aspecto, o que faltou foi contar, em devido tempo, aos nossos filhos as nossas venturas e desventuras daqueles tempos sofridos, e esse facto de os termos sufocado apenas nas nossas memórias e agora de repente saltarem cá para fora é que será talvez o que os pode fazer estranhar e até duvidar se alguma vez ‘isso’ aconteceu…

Acresce também que fui reparando, em apontamentos no nosso Blogue mas também em outras fontes, que não são raros os depoimentos de jovens que nos tempos de hoje, pelos mais diversos motivos, estão ou estiveram na Guiné e que falam dela e a descrevem com simpatia e entusiasmo, principalmente das suas gentes e das paisagens, não escondendo as dificuldades e as carências. Isto foi para mim particularmente notório no Blogue criado e mantido pelo pessoal envolvido na construção da designada ‘Ponte Europa’ (S. Vicente), no Blogue ‘Bissau Calling’ mantido por Miguel Sousa e ainda outros.

Deste modo, e para ilustrar estes novos ‘descobrimentos’, proponho-me trazer aqui 4 ou 5 relatos com a vivência de uma jovem, Marta Ceitil, que esteve na Guiné a desenvolver trabalho na área da formação, de Julho a Outubro passados e em que é perfeitamente possível apercebermo-nos da sua progressiva integração e até, porque não dize-lo, paixão por aquele terra.

No entanto é justo começar pelo princípio, como sempre. E isso o que é?

Já vos disse que fui ‘formado’ pela ‘escola vilafranquense’, nas suas várias vertentes. Aí, entre os meus vários amigos está o José Ceitil, que alguns dos membros do nosso Blogue poderão conhecer pois foi funcionário da TAP, e no ano passado, algures em Junho, aquando dum dos encontros que fomos promovendo para reacender a actividade da Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense, UDV, desabafou um tanto preocupado, que a sua filha Marta tinha comunicado decidir abandonar uma carreira promissora e “partir para a Guiné para fazer formação”.

O Zé Ceitil é um homem habituado a enfrentar os desafios da vida, nunca virou a cara à luta, é autor de dois pequenos livros, que recomendo, um deles com o bem sugestivo título de “Vidas Simples, Pensamentos Elevados” que na prática é toda uma proposta de postura para a vivência na sociedade, é igualmente autor da “História do Clube de Futebol Os Belenenses”, saído no ano passado. Naquele dia o Zé Ceitil era o mesmo, confiante, incapaz de ‘cortar as asas’ a quem queria voar, mas preocupado… Então a sua ‘caçula’ ia para o ‘cú do Mundo’ com todo aquele cortejo de conceitos reais e imaginados de problemas, doenças, miséria, dificuldades várias, ainda com os assassinatos do Nino e do Tgamé bem recentes… não seria uma preocupação legítima? Claro que era!

Procurei tranquilizá-lo, disse-lhe que as coisas no local não eram bem como a comunicação social as relata, que não tinha conhecimento de qualquer tipo de animosidade quanto aos portugueses, bem pelo contrário, dei-lhe referências do nosso Blogue, dos dois que acima referenciei, de mais outros e falei-lhe das diversas iniciativas que regularmente ocorrem para levar apoios a entidades diversas, falei da AD, enfim, procurei, à minha medida, contribuir para dar a confiança necessária que qualquer retaguarda deve proporcionar.

E então a Marta lá foi, quase no final de Julho, integrada num projecto chamado “Nô Djunta Mon” de que poderei falar depois. O seu primeiro mail para a família, que teve a gentileza de me enviar também, é o que se segue:

Olá Família!!
Kuma dia Kurpo?

Antes de mais peço desculpa por qualquer erro ortográfico que possa dar, mas este computador é um mistério para mim, vou demorar umas horas a escrever o mail.

Enfim, só para vos dizer que chegámos e está tudo bem. As coisas andam calmas por aqui, calmas demais segundo os guineenses, pelo que é possível haver alguma coisa quando saírem os resultados definitivos das eleições. De qualquer maneira volto a referir que a nossa segurança não está em causa.

À parte disso, estou adorar. Estamos num casa linda e temos como animais de estimação dois chimpanzés (o Manel e a Maria) um “bambi” que se chama Nucha, um galo está na janela do nosso quarto, e todos os dias a partir das 4 da manhã começa a cantar. Confesso que ao galo já tenho vontade de o esganar, muitos patinhos, galinhas e um ratinho.

Só começamos a dar formação para a semana, esta semana temos andado em reuniões e reconhecimento do local.

Tenho saudades, mas estou feliz. E por aí como anda tudo? Estão bem? O Diogo e o Francisco estão bem? A Avó está boa? Na quinta ela faz anos, vou tentar ligar nesse dia.

Beijinhos grandes
Gosto muito de vocês.
Marta Ceitil



Como se pode observar neste primeiro mail há uma grande preocupação da Marta em dar todas as garantias aos familiares de que não está nem em perigo nem em dificuldades. A sua descrição do local onde está alojada é no mínimo ternurenta, com aquela confissão da vontade em ‘calar’ o galo…

As coisas depois irão tomar o seu rumo, irá dar formação em Bissau, depois em Mansoa e mais tarde em Catió, mas isso ficará para outros relatos se entenderem que tem merecimento.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF


Bissau - A nossa casa

Bissau - A nossa casa

Bissau - A nossa casa - Manel

Livros do Ceitil
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5821: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (9): A Presse Lusitana

Vejam também o poste de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau