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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20888: Historiografia da presença portuguesa em África (206): Algumas curiosidades respigadas do Boletim Geral das Colónias (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Que grande surpresa, uma imagem do porto de Bambadinca, com mais de um século, o território desencravava-se, Calvet de Magalhães, Administrador de Bafatá, inaugurara a estrada de Bafatá até Bambadinca. É o limite da navegabilidade para barcos de transporte de mercadorias com algum calado, para cima do Geba estreito circulavam uns barquinhos à vela, de dimensão reduzida. É o porto da minha vida, quando diariamente patrulhava Mato de Cão sabia que era essencial manter aquela via aberta para o Leste, até Bambadinca chegavam as embarcações com os contingentes militares, mantimentos, armamento, munições, tudo o que era indispensável para dar continuação à guerra, transportavam-se civis e também o coconote e a mancarra. Quando visitei em 2010 a Guiné, o porto desapareceu completamente, restavam umas chapas de ferro.
Pareceu-me bem interessante este artigo sobre as madeiras da Guiné, os conhecimentos evoluíram muito depois, o engenheiro Xavier da Fonseca olhava para o cajueiro não pela riqueza que hoje dá mas pela madeira e pela resina, não deixa de ser curioso.
A seguir iremos ver o que ele nos diz, noutro número do Boletim Geral das Colónias sobre a que se deve o êxito da cultura do amendoim na Guiné.

Um abraço do
Mário

O Porto de Bambadinca em 1917


Algumas curiosidades respigadas do Boletim Geral das Colónias (1)

Beja Santos

O Boletim Geral das Colónias surgiu na década de 1920, teve longa vida, veio a ser substituído pelo Boletim Geral do Ultramar. Era inequivocamente uma publicação oficial, de exaltação, formação e informação. Foi a percorrer um número de 1947, mês de janeiro, que encontrei um curiosíssimo artigo sobre as madeiras da Guiné assinado pelo Engenheiro Agrónomo Armando Xavier da Fonseca. Permitam-me que saliente alguns aspetos que reputo do maior interesse. Começa por dizer que “A Guiné foi a primeira colónia que forneceu madeiras para a construção das naus, e para a do velho Arsenal da Marinha”. Confessa ter tido dificuldades na classificação das madeiras, e discreteia sobre as que conhece. “Uma das árvores mais vulgares na Guiné é a alfarroba de lala, que dá uma madeira amarela lindíssima, e muito apreciada pela marcenaria. Há, que eu saiba seguramente, duas qualidades, uma de cor amarela mais clara e outra de cor amarela mais escura. Os Fulas chamam-lhe marroné. Outra árvore que é muito comum na Guiné é a que, em crioulo, é cognominada por pau conta. É uma árvore de grande porte. O pau veludo é uma linda árvore, no Congo belga é muito empregada na construção marítima. O bissilom, como é conhecido na Guiné, é o célebre mogno africano, que é procuradíssimo, e é a árvore mais vulgar na Guiné. Há diversas qualidades, que se distinguem pela cor da madeira. O pau sangue é madeira que pesa 700 quilos por metro cúbico. O célebre pau-ferro é uma árvore que dá uma madeira preciosa para minas e travessas de caminho-de-ferro, mas da Guiné ainda se não fez qualquer exportação, que seria de desejar que se fizesse para ser experimentada como travessas para os nossos caminhos-de-ferro”.

Uma das riquezas da Guiné é o pau-sangue, tem grande acolhimento nos mercados mundiais, é madeira exótica muito apetecida.

O autor dá prioridade ao estudo da classificação, era imperioso tornar uniformes em todas as colónias as condições da exportação, tendo em conta que as madeiras brasileiras tinham uma maior preferência nos nossos mercados, e dá as suas sugestões de que em todas as colónias devia haver taxas absolutamente uniformes quanto aos direitos de exportação. Passando para os preços, observa: “Na Guiné, não há quem não repare em que os preços das madeiras de produção local são iguais aos das madeiras importadas da metrópole. Quem se der ao trabalho de somar todos os encargos que oneram o corte de madeiras, desde a concepção até à exportação, acaba por se convencer que são muito pesados”. Remete a questão para a Junta de Investigações Coloniais, onde havia especialistas, quanto à classificação de todas as essências e do seu valor comercial.

Avança com um episódio que viveu na Guiné:  
“Passei uns dias na sede da administração civil de Bubaque, capital do arquipélago dos Bijagós, e estando com o administrador, na excelente varanda do palácio, admirando a mansidão das águas do mar, no canal de Canhambaque, chamaram a minha atenção as belas cadeiras de espaldar, que julguei serem de verga da ilha da Madeira.
O administrador informou-me que as cadeiras eram feitas ali em Bubaque, com uma madeira branca, muito bonita, conhecida pelo nome de cavoupa, madeira que depois é recoberta, como se fosse com verga, mas é afinal uma trepadeira que acompanha as palmeiras de azeite, e se presta muito a ser cortada em lâminas muito finas que se sujeitam a revestir a madeira em obra, sem estalarem.
Fui depois ver à floresta alguns pés de cavoupa, dos raros que existem à volta da sede da administração. As árvores que vi inteiras não têm ramos laterais, e as folhas são terminais, muito grandes, como as folhas mais pequenas das bananeiras. As árvores que vi cortadas, por meio dos palmares que tinham sido limpos para a melhor produção das palmeiras do azeite, tinham três ou quatro rebentos em haste com mais de meio metro de diâmetro, resvés da terra.

Uma vez que me encontrei de novo no continente da Guiné, procurei reencontrar a cavoupa, mas na maior parte das regiões não a conheciam por esse nome, até que, tendo ido a S. Domingos e visitado o posto de Sedengal, na sua área, vi várias cavoupas, e pedi a um cipaio que me indicasse o nome da árvore, o que fez prontamente: nós chamamos-lhe pau bóia, e outros, poucos, cavoupa; estas cavoupas que estão aqui nas lalas, são os machos, e as que estão nas bolanhas são fêmeas.
Relacionei o que podia relacionar, mas o que não consegui saber foi a identificação científica, e a classificação da árvore, mesmo sem saber se o nome crioulo de pau bóia lhe dá a qualidade de boiar, porque então mais valiosa se torna.
E o que se dá com esta árvore, uma das menos abundantes da flora da Guiné, dá-se com outras tantas incompletamente conhecidas, quer pelas suas madeiras, quer por outros produtos valiosos.

Certo dia, tendo percorrido uma das mais densas matas da margem direita do rio de Farim, onde já estavam marcadas para corte umas centenas de árvores de bissilom, reparei que todas as feridas estavam abundantemente providas de uma goma linda, não inferior à da goma-arábica, e não pude saber que outras qualidades possam ter, inclusivamente para o fabrico de alimentos.
E, quanto ao cajueiro, não só quanto à sua madeira, como à sua resina, são incompletíssimos os nossos conhecimentos”.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20859: Historiografia da presença portuguesa em África (205): Monografia-Catálogo da Exposição da Colónia da Guiné - Semana das Colónias de 1939 (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20173: In Memoriam (350): António Manuel Carlão (1947-2018): Testemunho de Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Não é impunemente que se viveu meses a fio ombro a ombro com aquele, acabamos de saber, já partiu e nós não sabíamos do passamento. A consternação é sincera, a CCAÇ 12 e o meu pelotão éramos pau para toda a colher, e não havia refilanços, era aguentar e cara alegre. Transformo esta mágoa do seu desaparecimento na recordação de um episódio um tanto brejeiro que vivi com o Carlão e daqui me curvo respeitosamente diante da sua família.

 Um abraço do
Mário


In Memoriam de António Carlão: Eu e a CCAÇ 12

Beja Santos

Foi com profundo constrangimento que recebi a notícia da perda do António Carlão, meu camarada em Bambadinca, por larguíssimos meses. Tanto quanto me recordo, a CCAÇ 12, comandada pelo Capitão Brito, chegou a Bambadinca, vinda de Contuboel, na segunda metade de 1969, ficou adstrita ao BCAÇ 2852. Os seus pelotões andaram em aperfeiçoamento operacional pelas redondezas, recebi em Missirá dois desses pelotões, andarilhámos por Mato de Cão, fomos até ao rio Gambiel e a Salá, eram os confins possíveis para patrulhamentos com caráter instrutivo, correu tudo muito bem, o que me impressionava é que aqueles soldados eram quase crianças, felizmente barulhentas e sadias.

Em novembro, o Comando de Bambadinca manda-nos para a intervenção, outro Pelotão de Caçadores Nativos, o 54, seguiu para o regulado do Cuor. Intervenção no Setor L1 significava um pequeno universo de atividades: levar munições para as milícias e populações em autodefesa, tanto podia ser em Madina Xaquili, no Cossé, como em Moricanhe, uma população sacrificada que ficava no termo de uma picada que partia de Amedalai, passava por Demba Taco e Taibatá; trazer ou levar doentes; pernoitar na ponte do rio Unduduma; passear à volta da pista de aviação, entre o anoitecer e o madrugar, uma atividade escabrosa, por ali se andava debaixo dos focos da pista, melhor posição para o tiro ao alvo não havia na região; e levar ou trazer correio, incluindo o expediente para o Comando do Agrupamento; dar assistência e continuidade nos Nhabijões, a CCAÇ 12 e o meu pelotão alinhavam de acordo com a escala; pernoitar na missão do sono no Bambadincazinho; fazer colunas ao Xitole, era uma digressão impressionante de dezenas de viaturas de civis onde se intercalavam as nossas tropas, com a GMC à frente, tudo bem planificado, picava-se daqui para ali, até Mansambo, os de Mansambo picavam até à ponte cujo nome não me ocorre, daí quem picava era a malta do Xitole, era uma viagem desabrida, nuvens de laterite evolavam-se para os céus em toda a época seca, chegava-se ao Xitole era despejar e recarregar, paragem relâmpago e regressava-se à velocidade máxima que a picada consentia; e havia outros afazeres miudinhos atinentes à escala do quartel; e deixo para o fim do cardápio a participação em operações e, coube-me no final da comissão, todo o mês de julho de 1970, a segurança ao alcatroamento da estrada entre o Xime e Amedalai.

A vida da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 52 fazia-se em números de trapézio, revezávamos nesta vida de andarilhos, éramos uma CCS em permanente movimento, de armas na mão, um serviço de urgência 24 horas ao dia.

 Alf Mil Beja, CMDT do Pel Caç Nat 52

Cheguei em novembro, e continuo a olhar para esta fotografia sem perceber como um mês antes saíra vivo de uma mina anticarro, vivera meses esgotantes correspondentes a viagens praticamente diárias a Mato de Cão, estava-se na finalização das obras do porto do Xime, ninguém nos informara mas a região Leste recebia cada vez mais tropa com os inerentes reabastecimentos, eram comboios de embarcações civis com uma unidade da Armada a intimidar quem, eventualmente, do lado de Ponta Varela, quisesse bazucar. A fotografia dá-me outra dimensão: o corredor dos quartos dos oficiais, ao fundo, junto daquela barreira de bidões pintados de verde, era a nossa messe. Eu dormia num quarto com dois alferes da CCAÇ 12, camaradas de mão cheia: o Magalhães Moreira e o Abel Rodrigues, havia uma quarta cama para um qualquer oficial em trânsito. A porta que se vê no início do corredor dava frontal ao quarto do tenente da secretaria, seguia-se o quarto do médico e do capelão, que discutiam furiosamente a existência de Deus naquela guerra apoplética, depois os oficiais de transmissões e do parque automóvel, mais gente da CCAÇ 12, no fim os oficiais do Comando.

Com todos estes números de trapézio, de sair com duas secções, de patrulhar com dois pelotões, de fazer operações, era impensável não comunicar com o Carlão, exuberante, caminhando ereto para que não parecesse de estatura quase mediana. Tivemos um pequeno desaguisado, relatei-o no meu diário, e já aqui apareceu no blogue. Numa noite, já em pleno madrugar, vim da malfadada pista de aviação, e de manhã cedo estava escalado para patrulhar Samba Silate, outrora a mais populosa tabanca da Guiné, que se desfez nos finais de 1963, havia sempre fortes indícios da presença de populações que vinham seja do Buruntoni ou cambavam vindos de Madina, sonhava-se em apanhar esses civis com a boca na botija ou descobrir as canoas e rebentá-las, queria mesmo ir dormir e eis que ouvi da messe de oficiais uma voz maviosa que cantava “Bésame, bésame mucho, como si fuera esta noche la ultima vez”. Aturdido com o fenómeno, pensando que estava a sonhar, entrei na messe, e uma rapariga rechonchuda, com as maçãs do rosto avermelhadas, um cabelo loiro corrido, era a cantadeira e o José Luís Vacas de Carvalho dedilhava, com uma pose de Raul Nery. O Carlão, cheio de garbo, veio-me apresentar a mulher, vinha para estadear. Dias mais tarde, Jovelino Sá Moniz Pamplona de Corte-Real, o Comandante, à hora do almoço, avisa-me que temos reunião aí pelas três da tarde, ele nunca recusava a sesta. E deu-me ordens, amanhã comanda a catrafilada de viaturas até ao Xitole, não se preocupe, há muita gente a picar a estrada, vai na mecha e regressa na mecha, as viaturas estão a ser revistas, para evitar pneus rebentados ou avarias estúpidas. Organize o comboio como quiser. Como é óbvio, foi anulado o meu programa da tarde, andei a conversar com meio mundo, tudo pela calada, aquelas colunas deviam ser feitas com a máxima discrição.

Ao amanhecer, com o suporte de muita gente, começou a organizar-se o enfileiramento das viaturas, muitas delas metiam dó, iam ajoujadas, eram carcaças velhas, sobreviviam milagrosamente. E é neste afã que me aparece o Carlão com a Helena, esta de camuflado, e o Carlão anuncia-me que ela vai até ao Xitole e volta comigo. De atónito com tal proposta, a voz empastelou-se-me, era inacreditável, recompus-me e disse perentoriamente que não. Deu sarrafusca, felizmente que o bom senso imperou, a Helena ficou em casa, para sossego de todos.


Foi um prazer enorme revê-lo em Fão, em 1994, foi uma reunião destes trapezistas da guerra, conseguiu-se levar um antigo 2.º Comandante que gravemente se acidentou na rampa de Bambadinca, o então Major Ângelo da Cunha Ribeiro. Passara-se um quarto de século, o Carlão surpreendeu-me com o cabelo pintado, com a franqueza do costume explicou-me que não se pode estar ao balcão com um ar de velhadas, e reconstituí com a Helena, um pouco mais rechonchuda, aquelas peripécias da coluna ao Xitole.

Quando nos desaparece mais um camarada, daqueles com quem se vivera momentos improváveis, dores de outras perdas, dá-me para reconstituir alguns desses momentos de brejeirice que se nos atravessou pelo caminho, saber que ele está na paz do Senhor, assim o constrangimento da perda é minorado e o meu abraço à Helena e aos filhos é tão familiar como as agruras e desavenças que vivemos fraternamente, no périplo de Bambadinca, entre 1969 e 1970.
Repousa em paz, António Carlão.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20169: In Memoriam (349): António Manuel Carlão (1947-2018): testemunhos e comentários (Abel Rodrigues, Fernando Calado, Arsénio Puim, Jorge Cabral, Luís Graça)

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20002: Notas de leitura (1200): “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho; Edições Colibri, 2019 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Não se pode ficar insensível a este documento, a vários títulos singular, não é um diário nem um repositório de notas avulsas sobre peripécias de um fuzileiro da Guiné, é um jovem que aderiu ao comunismo, que aos 22 anos aparece como fuzileiro, a sua mulher aparecerá depois como professora em Bissau, fala dos rios da Guiné, de barcos encalhados, de incêndios e de abalroamentos, de muita tensão e de picos de camaradagem. Regressa e vive na subversão até ser preso. Na Guiné, tirou imensas fotografias e cinquenta anos depois voltou com duas exposições.
Recomendo vivamente a leitura destas saborosíssimas e vívidas "Crónicas de um Tenente".

Um abraço do
Mário


Será que o Tenente Redondo passou por Mato de Cão entre 1968 e 1970?

Beja Santos

O livro dá pelo nome de “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho, Edições Colibri, 2019. Antes de mais, é um livro completamente fora do que conhecemos. São memórias de um jovem que bateu à porta da Reserva Naval, foi aceite e desembarcou em Bissau como fuzileiro. Era membro do PCP, casara há pouco, adorava a fotografia, poetava de vez em quando. Vamos vê-lo numa fotografia bem perto da LDP 301, talvez no rio Cacheu. São notas confessionais redigidas com imensa serenidade e ternura, é um texto desafetado, a tentar a impessoalidade, felizmente não conseguida. Integrou a 6.ª Companhia de Fuzileiros. Diz ter navegado no Cacheu até Farim, no Mansoa, no Geba e no rio Grande de Buba. Quando vi a sua fotografia, em 1968, fiquei inquieto, conhecia a pessoa, e depois de muitas voltas à memória, tenho a impressão que acertei com uma manhã em Mato de Cão, uma lancha seguia à frente de um comboio de embarcações civis em direção a Bambadinca. Num passadiço, fiz sinal de pedir boleia, a minha malta resguardada, não queria que houvesse qualquer equívoco de um grupo ousado do PAIGC com o descaro de flagelar na orla do rio. Assomou um oficial barbudo, pedi-lhe boleia, era quase uma antemanhã, teria tempo de requisitar umas carradas de material, uns sacos de arroz para a população civil, requisitar outros abastecimentos para a tropa arranchada. O oficial disse que sim, perguntou onde estava a minha gente, assobiei, o magote veio a correr, na primeira embarcação civil ouviu-se um murmúrio de terror, alguém terá pensado que se iniciara uma operação de pirataria. Desfeito o equívoco, a malta espalhou-se por vários barcos e chegados a Bambadinca agradeci ao gentil oficial barbudo. Posso estar enganado, mas creio tratar-se deste tenente que passou ao papel as recordações da sua adolescência, da sua formação política, conta-nos histórias bizarras, também momentos de grande camaradagem e solidariedade, vamos mesmo vê-lo a ser liberto da prisão em Caxias, estão aqui plasmados alguns dos seus poemas, é um fotógrafo de mão cheia e para abonar aqui se publicam um pescador Felupe e um lutador, provavelmente Balanta.

Do seu passado, percebe-se a importância que atribui à verve cineclubista, foi neste meio que conheceu a sua futura mulher, recorda com saudade o café Chaimite, na Praça Paiva Couceiro, local de cumplicidades e onde soube que estavam abertas as candidaturas para oficial da Reserva Naval. Depois despontam as recordações, já estamos numa subida do Cacheu e ele lembra como se encontrou com um camarada de armas e ouviu o concerto para violino de Tchaikovsky.
O que importa reter é a prosa do marinheiro:
“As lanchas encarreiravam rio acima, quase paradas quando apanhavam a corrente pela proa. O resto do comboio de batelões ainda não os alcançara e decidiram fazer uma paragem para pernoitar, fundeando num local onde as outras embarcações pudessem mais tarde juntar-se-lhes. Escolheram uma curva do rio onde o tarrafo era alto e denso; as margens despidas das clareiras eram locais de emboscadas e tiroteios. Só suicidas se atreveriam a fazer um ataque a partir das raízes inclinadas e escorregadias do tarrafo. Lançaram o ferro e a corrente virou-lhes a proa para a foz. Assim ficaram no silêncio, que só as aves cortavam, e sem acender gambiarras. Na estação das chuvas, o céu, quase sempre nublado, não dava margem ao luar. Desligados os motores, sinal que passavam ao inimigo contra vontade, a sua presença devia ser ocultada por todas as formas. Até tinham o cuidado de esconder as pontas dos cigarros”.

As recordações incluem diabruras, desacatos, sinistros, com homens e máquinas. Guardou a agenda cultural, o que lia e que era motivo de conversas, os filmes que passavam no UDIB, dá mesmo informações elementares a pensar em leitores não-iniciados nas artes da marinhagem, é primoroso a explicar-nos as lanchas de desembarque:
“As lanchas de desembarque, rectangulares, tinham a forma de uma caixa de sapatos. Numa das extremidades, à polpa, situava-se a casa do leme, muito singela, e na outra, à proa, encontrava-se uma porta que, ao abater, permitia o acesso a veículos ou pessoal directamente da praia. Existiam em três tamanhos mas mesmo as maiores, por causo do seu fundo chato, tinham calado que pouco ultrapassava um metro.
No seu bojo podiam transportar dezenas, ou mesmo centenas, de fuzileiros com todo o seu material. Ou então um ou vários jipes e Unimogs, conforme a tipologia.
Foram usadas profusamente no teatro de operações da Guiné. Quando se formavam comboios de batelões, para abastecimentos do interior isolado pela guerra, eram sempre escoltados por uma ou duas lanchas médias, armadas com as suas peças Oerlikon de 20mm e duas metralhadoras MG 42, uma em cada bordo.”

A mulher do tenente vive em Bissau, é professora no Liceu Honório Barreto. Toca-nos as suas recordações do cinema, há por vezes situações muito tensas, os marinheiros e grumetes exigiram levar as suas mulheres para o balcão, que estava reservado a oficiais e sargentos, tudo se amenizou.
Nessa noite foi com a mulher ver o “Apache” de Robert Aldrich, recordação inesquecível:
“Como de costume, no espaço que medeia entre as primeiras cadeiras da plateia e o ecrã, tinham sido colocados uns bancos corridos, de madeira, para a ganapagem que se dedicava a transportar as marmitas da messe e outros pequenos serviços ao domicílio.
Os garotos negros, em grande algazarra, aplaudiram todas as flechas e machadadas com que os índios brindaram a cavalaria durante aquela hora e meia.”

No regresso da Guiné, voltou à militância política, e um dia a PIDE veio buscá-lo, esteve escassos dias em Caxias, tudo se passou muito perto do 25 de Abril. Tirou imensas fotografias na Guiné, cinquenta anos depois veio expô-las e oferecê-las ao Museu Etnográfico. Antes disso, esteve na Quinta do Mocho e descobriu um aluno da mulher, o Osvaldo, ditosa alegria. Como ele diz, “Este não é um livro biográfico mas conta certas estórias que mostram o sentido de uma vida”.
Um livro que a todos toca, a intensidade de luz e sombra que ele põe em cada um dos seus registos fotográficos é uma evidência de que há cinquenta anos, imprevistamente, ele estava a preparar esta maravilhosa velada de armas, esta insofismável prova de amor pela Guiné.


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19993: Notas de leitura (1199): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (15) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXX: Viagem, de regresso, do Gabu a Bissau, em 26/2/1968: no 'barco turra', a partir de Bambadinca (II)



Foto nº 1


Foto nº 2

Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 6A


Foto nº 7


Guiné > Comando e CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 26 de fevereiro de 1968 > Viagem de regresso a Bissau, atravessando as Regiões de Gabu e de Bafatá, em coluna militar, e depois de barco, a partir de Bambadinca. Até ao Xime e foz do rio Corubal ainda era região de Bafatá. Mato Cão ficava a seguir a Bambadinca, ainda no Geba Estreito (que ia até ao Xime). Jabadá já ficava na região de Quínara, na margem esquerda do rio Geba, no estuário do Geba, já muito depois da Foz do Rio Corubal. [Vd. carta de Tite]

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem mais de 130 referências no nosso blogue- (*)



CTIG/Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:


  T047 – REGRESSO DAS TROPAS EM 26FEV68  -  O BCAÇ 1933  RIO GEBA ABAIXO  (2)


I - Introdução do tema:


Continuação da série de Temas para Postes, relativos à chegada do Batalhão à Guiné, as viagens para Gabu pelo Rio Geba acima, as colunas militares por estrada, as festas de despedida no Gabu com batuques e roncos à mistura, o regresso pelo mesmo caminho, Bambadinca, até Bissau, antes de partir novamente para o novo destino, São Domingos, Rio Cacheu acima, sem fotos.

Após as despedidas no Gabu, chegou o dia do regresso, em colunas militares, por terra, até Bambadinca, e por via fluvial, no Geba, até Bissau. A viagem correu normal, nada havendo a assinalar, excepto as más condições da viagem, e juntos com a população civil, que precisava também de boleia.

II - Legendas das fotos:

F01 – Passagem da coluna fluvial pela Mata do Oio [?], empoleirado no barco, de G3 em riste, como se estivesse a fazer um cruzeiro de férias e caça ao Burro. Acho que estamos na zona do Rio Geba Estreito, pois as margens estão perto, mas não sei. Espreitando melhor a foto, acho uma imprudência minha, a arma está carregada e de certeza com bala na câmara, um pequeno descuido, um tiro, com o cano encostado à cara, pelo menos ia a orelha e os óculos… Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

[Virgílio, querias dizer Mato Cão, mas não, já não é o Geba Estreito. já passaste o Xime, a caminho de Bissau... Aqui começa o estuário do Geba, podias ir tranquilo, a partir da Foz do Rio Corubal...LG]


F02 – No ‘Barco Turra’, o apetite aperta, e lá vai um pouco de ração de combate. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F03 – Depois do ‘almoço’ ou ‘jantar’ tocar viola para desanuviar o ambiente. Ao meu lado o soldado condutor Espadana, o nosso chefe de mesa na messe de oficiais. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F04 – Passagem da ‘coluna fluvial’ por um aquartelamento algures no caminho de Bissau. Está escrito no verso de outra fotografia que se trata de ´Jabadá’. Foi alguém que o disse. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F05 – Momento de atenção das tropas, porque o barco está a passar pela mata do Oio [?] e pelo que dizem os mais conhecedores, é perigosa. Por isso a arma G3 sempre presente. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

[, Virgílio, a avaliar pela distância da margem esquerda do Rio Geba, já estás longe do temível Mato Cão, e não Oio...LG]

F06 – População civil, viajando no mesmo ‘barco dos turras’ com a tropa. Dizem que assim era menor a probabilidade de serem atacados no rio. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F07 – A noite está a cair por volta das 18 horas da tarde, o barco está a entrar no ‘estuário do Geba’, em breve todos estão em terra firme e segura em Bissau. Na hora da refeição, tomando o petisco, as rações de combate, nada mau. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu e chegada a Bissau já noite, no dia 26 Fevereiro 1968.

Direitos de Autor:

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM.

Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933 / RI 15, Tomar,

CTIG/Guiné de 21 Set 67 a 04Ago69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos,».

Acabadas de legendar em 2019-03-19

Virgílio Teixeira



Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Jabadá, na margem esquerda do rio Geba, entre a foz do rio Corubal e Bissau.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


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quinta-feira, 25 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19716: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004: repescando velhos postes (1): Um dos bu..rakos em que vivemos: o destacamento do Mato Cão, na margem direita do rio Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca (Joaquim Mexia Alves)


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão >  Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >   Vista do Rio Geba e bolanha de Nhabijoes,  partir do "planalto" do Mato Cão. (*)


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão >  Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >  O "nosso quartel" (**)


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão >  Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >  As instalações do pessoal, ao fundo, e o comandante do destacamento visto de "mandinga", já "apanhado do clima"... (***)

Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Mato Cão > O Ten Cor Polidoro Monteiro, último comandante do BART 2917, o Alf Médico Vilar e o Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba... (****)

Foto tirada em Novembro ou Dezembro de 1971 no Mato Cão, após ocupação da zona com vista à construção de um destacamento, encarregue de proteger a navegação no Geba Estreito e impedir as infiltrações na guerrilha no reordenamento de Nhabijões, um enorme conjunto de tabancas de população balanta e mandinga tradicionalmente "sob duplo controlo".

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O alf mil Joaquim Mexia Alves, posando com um babuíno (macaco-cão) mais o Braima Candé (em primeiro plano), tendo na segunda fila, de pé, o seu impedido, o Mamadu, ladeado pelo Manga Turé. (*****)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > Vista parcial das modelares instalações do 'resort' turístico... (*****)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > "A chegada à estância era sempre um momento vivido com prazer"... O sintex era a única ligação... à outra margem do Rio Geba (e nomeadamente, a Bambadina). (*****)

Fotos (e legendas): © Joaquim Mexia Alves (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Em homenagem ao Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro, membro da comissão organizadora do Encontro Nacional da Tabanca Grande, desde 2010, ex-alf mil da CART 3492, (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15, (Mansoa) (1971/73), fomos "revisitar" um dos seus muitos postes, aqui publicados, e reproduzimos alguns excertos da "deliciosa" e "bem humorada" descrição de um dos "aposentos bunkerizados" (ou "bu...rakos") em que viveu, no TO da Guiné: o destacamento de Mato Cão, no setor L1 (Bambadinca), sito na margem direita do Gebo Estreito,  no troço entre o Xime e Bambadinca. A função do destacamento era,. primordialmente, garantir a segurança do tráfego fluvial, que vinha de (e ia para Bissau)... Na época, o rio era navegável até Bafatá, mas o grosso da navegação civil fazia-se até Bambadinca, e os navios da marinha (LDG) aportavam ao Xime.

Socorremo-nos de algumas fotos suas,  do Paulo Santiago e do Luís Mourato Oliveira (, o qual foi  o último comandante do Pel Caç Nat 52 a passar pelo "bu...rako" do Mato Cão).  

(...) Chegava-se ao Mato Cão, (tiro-lhe o de), vindo de Bambadinca, pelo rio Geba, de sintex a remos, aportando aos restos de um antigo cais (?), onde se desembarcava.

(...) Logo à esquerda, e com vista para a bolanha do lado do Enxalé, ficava o complexo dos balneários, sobretudo a zona de duches. Dado o clima ameno e soalheiro, estes duches ficavam ao ar livre, e eram constituídos por um buraco no chão, que dava acesso a um poço, cheio de uma água leitosa, e que respondia inteiramente aos melhores padrões da qualidade de águas domésticas.

Os utentes colocavam-se à volta do referido buraco e, alegremente, todos nus em franca camaradagem, (nada de más interpretações!), utilizavam uma espécie de terrina da sopa, em alumínio da tropa, presa por umas cordas, e que, trazida à superfície cheia de água, era a mesma retirada da referida terrina com umas estéticas latas de pêssego em calda, derramando depois os militares a água sobre as suas cabeças para procederem aos seus banhos de limpeza.

Para se chegar ao destacamento propriamente dito, subia-se então uma ladeira íngreme, (o burrinho da água só a conseguia subir em marcha atrás), acedendo-se então à parada à volta da qual, mais coisa menos coisa, se desenvolvia todo o complexo militar.

À esquerda, salvo o erro, ficavam os espaldões de dois morteiros 81 e respectivas instalações, dormitórios do pessoal do pelotão de morteiros. Um pouco mais à frente e do lado direito ficava o bar e a sala de banquetes, toda forrada a chapas de zinco e assim também coberta, sendo aberta do lado da frente para o exterior, como convém a instalações de férias em climas tropicais.

A arca a pitrol refrescava as cervejas que o pessoal ia com todo o prazer consumindo. Fazia também algum gelo para dar mais alegria aos uísques emborcados, sobretudo ao fim da tarde.

(...) Os quartos de dormir eram todos situados abaixo do chão, cavados na terra, para que assim não se perdesse o calor que tanta falta fazia nas longas noites de Inverno da Guiné!

Por cima, o telhado, de chapas de zinco, era sustentado normalmente em paus de cibo, que assentavam em graciosos bidões cheios de uma massa de cimento e terra. Lembro-me de como era agradável o jogo que então fazia, quando deitado na cama, os ratos, de quando em vez, passeavam por cima do mosquiteiro, e com pancadas secas os projectava contra o tecto, voltando depois a cair sobre o mosquiteiro. (...)

No espaço central deste planalto, (porque o Mato Cão era um pequeno planalto), erguiam-se as tabancas do pessoal africano do Bando do 52.

Tudo estava rodeado de umas incompreensíveis valas sobretudo para o lado Sinchã Corubal, Madina, Belel, junto à qual, se a memória não me atraiçoa, estava uma guarita térrea com uma metralhadora Breda.

Ao fim da tarde, e na esplanada do bar e sala de banquetes, bebendo umas cervejas e uns uísques, o pessoal esperava ansioso o ligar da iluminação pública, o que curiosamente nunca acontecia, talvez pelo facto de não haver gerador no Mato Cão.

Bem, o Mato Cão era um verdadeiro Bu…rako, tendo apenas a vantagem, valha-nos isso, do pessoal amigo do PAIGC não ter incomodado muito durante a minha estadia. (...)

Ah,… uma coisa boa… tinha um lindíssimo Pôr-do-Sol! (*****)


Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala de 1/50 mil > Detalhes: posição relativa de Bambadinca, Nhabijões, Mato Cão, Missirá, Sancorlá e Salá. O PAIGC só mandava (alguma coisa), a partir de Salá... tendo "barracas", mas a noroeste, na zona de Madina / Belel). Já no OIo havia a "base central" de Sara Sarauol... O destacamento, mais a norte de Bambadinca, no setor L1. era Missirá,  guarnecido por um Pel Caç Nat (52 ou 63, em diferentes períodos) e um pelotão de milícias... Vários camaradas nossos, membros da Tabanca Grande, andaram por outros sítios, "pouco recomendáveis"...  A Madina/ Belel (que já não vem neste excerto do mapa) ia-se uma vez por ano, na época seca...para dar e levar porrada.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de novembro de  novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo ("iscas de fígado de 'bandido' com elas"), "pãezinhos crocantes com chouriço" e... "macaco cão [babuíno] no forno com batatas a murro"!...

(**) Vd. poste de  7 de dezembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16808: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (5): o destacamento de Mato Cão - Parte I

(***) Vd. poste de  9 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16936: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (8): o comandante do destacamento de Mato Cão "travestido" de... mandinga

(****) Vd. poste de 11 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4321: Os Bu...rakos em que vivemos (9): No Mato Cão, com o Ten-Cor Polidoro Monteiro, em finais de 1971 (Paulo Santiago)

(*****) Vs. poste de 11 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu...rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)

sábado, 9 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19566: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (2): domingo de carnaval

Luís Mourato Oliveira

1. Segunda crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol; lisboeta, tem fortes ligações à Lourinhã,  Oeste, Estremadura...

Acabou de chegar a Bissau onde vai estar 3 meses como voluntário  na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo. (*)




Guiné-Bissau > Bissau > Carnaval 2019. 

Vídeo de Luís Oliveira (2019)

Domingo de Carnaval

por Luís Oliveira



Após o sono reparador que apagou completamente a imagem da viagem e do local onde me encontrava (*), acordei em total conflito com a rede mosquiteira e tive a desagradável sensação do carapau quando traiçoeiramente cai nas redes que o trazem para o nosso prato.

Após a breve luta para me libertar da confusão do tecido, abri finalmente os olhos para a realidade. Este não é o meu quarto! Afinal estou mesmo na Guiné-Bissau. E agora?

Primeiro esfregar os olhos, fazer o reconhecimento do terreno, identificar as malas... onde estarão as cuecas? Na mala de porão ou na dos cento e cinco euros da TAP? As t-shirts estão na verde, de certeza. Os comprimidos para quase tudo,  que fazem parte do pequeno almoço,  estavam naquele saco de plástico da farmácia, disso tenho a certeza,  o único problema é encontrá-lo.

Cinquenta voltas ao quarto de treze metros quadrados, mas enorme dado o único mobiliário ser a cama.




Guiné >Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) > Natal de 1973 > Agestão (complexa) de um destacamento, isolado,no mato, na margem direita do Rio Geba Estreito.  No foto, o Luís Mourato Oliveira, que era o "dono da tasca"...


Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Há quarenta e tal anos também não havia mobiliário para arrumos mas o bricolage transformou uns cunhetes de munições em armários que fariam inveja aos dos dias de hoje no Ikea. Agora toca a reciclar o que aparecer para arrumar e organizar.

Depois dos vinte minutos do exercício de orientação,  estava pronto e junto com as minhas companheiras de missão e da casa, a Leonor, a partir de agora Nôno, e a Sílvia. A nossa veterana é a Nonô que abancou sozinha na casa, serviu na escola com sucesso e demonstrou grande coragem e capacidade de adaptação. O mesmo sucede com a Sílvia, mulheres do Porto são assim, afirmo eu, mesmo sendo do Oeste.

A Nonô dirigiu as operações. Deslocação ao centro, levantar moeda local, comprar um cartão de dados que são comercializados e carregados em plena rua ou em contentores adaptados a quiosques ou até numa cadeira de praia sob um chapéu de sol com a marca da operadora. A tecnologia não conhece fronteiras nem estados de desenvolvimento social e por essa razão esta compra até antecedeu as nossas necessidades de abastecimento no supermercado.

Qualquer cidadão desprevenido, acabado de chegar da Europa, corre grave risco de síncope cardíaca, confirmei imediatamente se trazia o kit de comprimidos SOS Nitromint (0,5 mg de Nitroglicerina). Estão no bolso felizmente, mas a garrafa de água de Penacova continua marcada por quinhentos francos! 

Estou a falar a sério quinhentos francos! Só após um raciocínio complicado para o dia me lembrei que um euro vale cerca de seiscentos e cinquenta francos [, CFA,] e portanto a coisa não estava assim tão feia e não corria o risco de desidratação.

Regresso a casa, almoço com o professor Humberto [Braima Sambu]  num restaurante de portugueses onde foi servido “arroz de pato”... Se não lhes der a minha receita do verdadeiro Arroz de Pato ou se decidir eu próprio abrir uma tasca ao lado, vão perder clientela...

Por fim, o Carnaval. Um divertido desfile constituído por diversas associações e onde são representadas as diversas etnias com seus cânticos usos e costumes. Gostei imenso e foi deveras divertido. Apesar de tudo,  não consegui deixar de lembrar Torres Vedras e as inimitáveis Matrafonas.

Bissau, 3 de Março de 2019.

Luís Oliveira

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Nota do editor:

(*) Poste anterior da série > 6 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19554: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (1): a ansiedade da partida e o calor humano da chegada, em 2 de março de 2019

sábado, 21 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18545: E as nossas palmas vão para... (15): Diamantino Varrasquinho, ex-fur mil, Pel Caç Nat 52 (Mato Cão, 1971/73), alentejano de Ervidel, Aljustrel, que, não sendo ainda nosso grã-tabanqueiro, volta a vir ao nosso Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real, em 5 de maio de 2018, depois de se ter inscrito seis vezes em anos anteriores (2008, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2016)


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real) > XI Encontro Nacional da Tabanca Grande > 16 de abril de 2016 > Da esquerda para a direita:

(i) Diamantino Varrasquinho (costuma vir, de Ervidel, Aljustrel, mais o irmão Manuel);

(ii) António [Sousa] Bonito (Carapinheira, Montemor-o-Velho):

(iii) António Estácio (nascido em Bissau, residente em Algueirão, Sintra). 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio > Diamantino Varrasquinho e a mulher Maria José, de Ervidel, Aljustrel... "Foi 'meu' Furriel no 52 no Mato Cão", acrescenta o Joaquim Mexia Alves. (*)


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > 21 de Abril de 2012 > Da esquerda para a direita, o Diamantino Varrasquinho, o João Santos, o António Bonito e o J. Mexia Alves...


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > 21 de Abril de 2012 > "Pude abraçar, (consegui conter as lágrimas, espantoso!), o João Santos e o Diamantino Varrasquinho, ambos Furriéis, e os Cabos António Pinheiro, António Ribeiro e João Sesifredo", escreveu, emocionado, o J. Mexia Alves (...). Não foi só o Diamantino Varrasquinho que foi "meu" furriel no Pel Caç Nat 52, no Mato Cão, o António Bonito também, todos ao mesmo tempo, e para mim é sempre uma enorme alegria estar com eles, pois foram tempos muitos difíceis aqueles pelo Mato Cão e éramos, com o Santos, (Furrriel), o Pinheiro, O João Sezinando, (vulgo Rajadas), e o Ribeiro, (Cabos), uma grande equipa, muito unida."  

(...) "[ Em 21 de abril de 2012, no nosso VII Encontro Nacional, em Monte Real] aconteceu algo que eu não esperava, e me tocou muito fundo o coração (...) Por causa deste nosso blogue, muitos se foram encontrando e desejando encontrar e, por isso mesmo, o António Bonito, que foi 'meu' Furriel no Pel Caç Nat 52, no Mato Cão, não descansou enquanto não juntou toda a 'equipa' que comigo passou largos meses no Mato Cão" (*)
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[O Diamantino Varrasquinho é o primeiro da esquerda; o João Santos, o terceiro; o J. Mexia Alves,o quinto e o António Bonito, o último.]

Fotos: © Miguel Pessoa  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1971 > Da esquerda para a direita, o J. Mexia Alves, o  António Bonito, o João Santos e o Dimantino Varrasquinho".  Esvrebeu o J. Mexia Alves: "O convívio e a camaradagem [, no Mato Cão,]  são notáveis. Reparem que o camarada da direita (fur mil Varrasquinho), para não correr o risco de estragar a sequência de alturas, se encolhe ligeiramente"... "Duas fotografias separadas por 39 anos [, a de 1971 e e a 2012], com as mesmas pessoas, nos mesmos lugares, e mais uma com a 'equipa”'completa, agradecendo ao Miguel Pessoa estas fotografias que guardo no meu coração.

Foto (e legenda): © J. Mexia Alves (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O Varrasquinho foi fur mil no Pel Caç Nat 52, no Mato Cão, ao tempo do Joaquim Mexia Alves e do António Bonito. Já veio, pelo menos,  a seis dos nossos anteriores encontros nacionais (2008, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2016),  está inscrito este ano (2018), mas ainda não integra formalmente a nossa Tabanca Grande. Está na altura de reparar essa lacuna, ou seja, temos que o sentar à sombra do poilão da Tabanca Grande, ao lado de camarasd como o António Bonito e o Joaquim Mexia Alves.

Ele, para já, merece as nossas palmas! (**)... A sua "Adega Monte de Cima" é (ou foi)  um das famosas adegas de Ervidel, "locais do culto do vinho e da amizade", segundo notícia ouvida em tempos na Rádio Voz da Planície. Só precisamos de actualizar, este ano,  os dados do nosso camarada Varrasquinho, contemporâneo, na Guiné dos nossos grã-tabanqueiros Joaquim Mexia Alves e António Bonito. O João Santos e outros camaradas do Pel Caç Nat 52, dessa altura, também poderão ser apresenrtados à Tabana Grande. Conto com o J. Mexia Albves e o Antóniio Bonito para o fazer em próxima oportunidade.

Recorde-se:

(i) o ex-fur mil António Sousa Bonito também passou pelo Pel Caç N 52, que esteve no Mato Cão, com o Joaquim Mexia Alves; originalmente pertenceu à CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo (1971/74);

(ii) o Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil da CART 3492, (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15, (Mansoa).
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18517: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte II: Dando uma oportunidade à paz, depois de oito anos de guerra: os últimos dias dos bravos do pelotão


Foto nº 3 / 10 >  Sete elementos do bigrupo, com o comandante à esquerda (em 2º lugar)... O jovem porta-estandarte oparece usar pistola à cintura... Tr~es elementos, incluindo o comandante, devem ter trocado os seus chapéus por boinas castanhas das NT...


Foto nº 10 A /10 >  Outros elementos do bigrupo com garrafas de cerveja... ou aguardente de cana (ou vinho de palma)...


Foto nº 4 A /10 > O Fur mil Sérgio cumprimenta o cmtd do bigrupo... Dá para perceber, pelos detalhes do fardamento, que terá havido entretanto "troca de galhardetes" (é uma confusão de boinas, quicos e gorros...).  Os guerrilheiros trazem, como calçado, botas de lona, uns, ou sandálias de plástico, outros. Estão equipados com a Kalash.


Foto nº 2 A/10 > O "alteirão" é o fur mil Sérgio, metropolitano, do Pel Caç Nat 52... e dá um "jeitinho" para que a bandeira dos "visitantes" também caiba na fotografia...


Foto nº 5 / 10 >  Alguns elementos do bigrupo com as praças, metropolitanas, do Pel Caç Nat 52, com alguns populares à volta, naturalmente "curiosos" e "expectantes"...


Foto nº 5 A / 10 > 


Foto nº 6A /10 > Nem faltou o apontador do RPG-7...


Foto nº 6 B / 10


Foto nº 7A /10 > Que "promessas" ou "ameaças" terá feito o comandante do bigrupo (ou de zona) ?


Forto nº 7 /10 > Comício, numa tabanca nos arredores de Missirá. talvez Sancorlá ou Salá, a noroeste, já no limiet do regulado do Cuor.

Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 52 > c. julho de 1974 > São "10 fotos para a história"... As NT "deixam-se fotografar" com uma delegação do PAIGC, que vem (sempre) armada, em "visita de cortesia" ao destacamento e tabanca de Missirá, na sequência do processo de cessar-fogo e negociação da paz...

Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Continuação da publicação das fotos do álbum do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

Lisboeta, bancário reformado, tem raízes na Lourinhã (Marteleira e Miragaia), pelo lado materno. Durante a sua comissão no CTIG foi sempre um apaixonado pela fotografia... Fotografou quase tudo... e neste caso algumas das últimas cenas da presença portuguesa no TO da Guiné.

São 10 fotos ("slides" digitalizados) da visita, a Missirá, de um grupo do PAIGC, ou menos que um bigrupo. Missirá era o destacamento mais a norte, no regulado do Cuor, do setor L1 (Bambadinca). Provavelmente estes homens do PAIGC pertenciam à base de Sara-Sarauol, no Morés, a noroeste de Madina / Belel (aonde fui, com o Beja Santos, na sequência da Op Tigre Vadio, iniciada em 30 março de e terminada em 1 de abril 1970).


2. E porque uma imagem às vezes precisa de "mil palavras", aqui vai, a nosso pedido, "o texto e o contexto" destas 10, em mensagem que nos mandou o autor, com a data de 10 do corrente: 

Luís:

Aqui vai,  tal como me pediste,  uma pequena descrição dos acontecimentos que deram origem aos encontros com o PAIGC que estão documentados nas fotografias que contigo partilhei e assim estão à disposição dos camaradas do blogue.


Foto nº 9/10 (*):
Foto nº 9/10

No grupo está à minha esquerda está comandante do bigrupo, a seguir está o furriel maçarico do Pel Caç Nat  52,  natural da Guiné. É o João [, devida ser de etnia papel,  de Bissau, tinha o 5º ano do liceu]. À esquerda do João,  o "pequenino" do PAIGC é o comissário politico e a seguir o homem grande de branco é Malan Soncó. Dos cabos europeus não me recordo o nome. Está também um milícia de Missirá [, na ponta direita, na primeira fila de pé]. Segue um texto em anexo.

Um abraço, Luís

3. Os últimos dias do Pel Caç Nat 52: contactos com o PAIGC

por Luís Mourato Oliveira


Foto nº 8 B  /10 (*)
Os meus primeiros encontros com o PAIGC,  enquanto comandante do Pel.Caç Nat 52, não decorreram,  como calculas,  na forma de uma cordial e amigável confraternização social.

Imediatamente após a minha chegada 
ao destacamento do  Mato de Cão,  recebemos a "visita" do então IN que nos quis saudar com uma flagelação com canhão sem recuo. O ataque,  como os outros que se seguiram,  era desencadeado da orla de mata que abraçava uma bolanha a oeste do planalto onde estava instalada a guarnição de Mato de Cão.


A sudoeste do planalto, junto à estrada para Bafatá e junto ao Geba,  havia apenas uma tabanca que albergava apenas uma família de civis. No cume do planalto não existiam infra-estruturas a que pidéssemos chamar aquartelamento,  pois limitavam-se a quatro abrigos subterrâneos suportados por “cibes” [troncos de palmeira]  e cobertos por bidões com areia.

Havia ainda uma construção precária em chapa ondulada que servia de depósito de géneros, cozinha e refeitório dos europeus e uma pequena tabanca [morança] de adobe que designávamos de “enfermaria” e era utilizada pelo maqueiro africano de que não tenho o nome na memória (já passou muito tempo). As outras construções eram tabancas [moranças] de palha e colmo onde viviam os soldados africanos e respectivas famílias e uma mais pequena de que existem fotografias no blogue e onde eu habitei durante o período que lá estive.

A esta incursão do IN seguiram-se outras de morteiro e até uma tentativa de assalto em golpe de mão em pleno dia, evitado pelas mulheres dos soldados que,  quando lavavam a roupa junto ao Geba, detectaram a progressão do IN na bolanha,  o que nos permitiu escorraçá-los, dado estarmos numa posição superior e estrategicamente mais favorável.

Na sequência destes acontecimentos tivemos informação com origem em civis, familiares de soldados do pelotão, que o IN preparava um novo assalto ao destacamento. A informação pareceu-me fiável porque os soldados confiaram absolutamente nas narrativas dos civis e inclusivamente fizeram uma cerimónia ritual na qual, para além de juntarem palhas de colmo de cada tabanca e pólvora de uma munição de cada militar, eu incluído, com que fizeram uma fogueira, procederam à leitura do Corão.

Isto aconteceu dia 23 de dezembro de 1973 e,  no dia seguinte, apesar de ser véspera de Natal,  pensando que seria nessa data que o IN poderia aproveitar para atacar, saímos em patrulhamento para confirmar as informações recebidas.

Detectámos a coluna IN que se dirigia na nossa direcção,  talvez a três quilómetros a Norte do destacamento, e montámos uma emboscada imediata.

Dada a proximidade da coluna IN,  a última secção de caçadores do Pelotão, ao contrário da primeira,  posicionou-se com algum afastamento do trilho. A primeira  secção, da qual eu fazia parte, ficou a cerca de talvez dez ou quinze metros da zona de morte e tivemos ocasião de verificar que o IN não tinha intenções de atacar Mato de Cão. Era um grupo onde inclusivamente vinha um adolescente e que tinha ido caçar, pois eram portadores de vários macacos-cães que transportavam.

A última secção desencadeou a emboscada e o destacamento que acompanhava a nossa deslocação no terreno fez fogo de protecção de morteiro 81 para Norte da nossa posição, em pontos previamente assinalados no plano de tiro.

O contacto durou poucos minutos e,  em virtude da nossa flagelação de morteiro estar a bater na zona de assalto, o destacamento estar completamente desguarnecido e verificar que a intenção do IN não era agressiva, não efectuámos a perseguição ao IN e  regressámos a Mato de Cão.

Na sequência destes acontecimentos e do ataque efectuado pelo IN na zona de Enxalé a um barco de munições com destino a Bambadinca,  e que explodiu nesse ataque, o Pel Caç Nat 52 tentou a intercepção da força atacante,  progredindo na mata do Enxalé mas sem resultado. Passámos então  a ter uma acção de vigilância muita activa na navegação do Geba e detectámos e aprisionámos uma canoa IN que transportava arroz e tabaco adquiridos em Bambadica e que tinham como destino (penso eu,  que a memória vai falhando) [a base de ] Sára.

A tripulação da canoa foi interrogada, deu informações claras que as provisões se destinavam ao PAIGC, que tinham uma base militar com anti-aérea e onde estava aquartelado um bigrupo. Fizemos apreensão de todas as mercadorias transportadas, pagámos o arroz apreendido após pesado a sete pesos o quilo e libertámos os tripulantes,  explicando-lhes que se tratava de um gesto de boa vontade,  que se alteraria caso as acções do PAIGC continuassem agressivas para com Mato de Cão.

Deveria ter resultado esta acção [psicossocial...], pois nunca mais sofremos qualquer ataque e também nunca mais bloqueámos o esquema logístico do PAIGC. (**)

Após o 25 de Abril, todos nos apercebemos que os dias da guerra estavam a chegar ao fim, que a nova ordem politica iria finalmente reconhecer o direito dos colonizados à independência e que a tropa iria regressar a casa para bem de todos e felicidade das famílias.

O PAIGC também não teve dúvidas do que seria o futuro próximo e,  nesta altura, o Pel Caç Nat 52 que tinha sido deslocado para Missirá,  através de elementos da população, recebeu o pedido para visitar a tabanca.

Ponderando as consequências futuras para os nossos soldados que tinham sido leais, que acreditavam ser Portugueses, que,  sendo militares profissionais alguns há oito anos em combate,  não tinham outra perspectiva de ganhar a vida, que apelidavam o IN de “bandido” e que não compreendiam como um acontecimento longínquo no dia 25 de Abril também poderia afectar as suas vidas,  decidi que deveria a qualquer custo aproximar os soldados do meu pelotão dos soldados do PAIGC, para que os antigos inimigos se conhecessem pessoalmente, que se fosse possível confraternizassem para que o futuro fosse o menos doloroso,  sobretudo para aqueles que eu tinha comandado e com quem tinha criado laços de estima e amizade.

O PAIGC avisou o dia da visita e deslocaram-se a Missirá um comissário político e alguns soldados. Entraram, com confiança,  fardados e com equipamento militar, conversaram e confraternizamos como combatentes numa guerra que tinha acabado. Bebemos cerveja, aguardente de cana e, a quem a religião proibia,   cocas e  cerveja sem álcool.

Nessas conversas, um soldado do PAIGC em conversa comigo, disse-me “ alfero já te conhecia, um dia vi-te na mata.” Respondi que “não acredito, se me tivesses visto ias usar a Kalash”, então ele justificou “ alfero, nós tínhamos atacado o barco das munições, a tropa correu de Mato de Cão para nos apanhar, mas já tínhamos gasto todas as munições e ficámos escondidos até se irem embora”....

Trocámos histórias como esta, fizemos “selfies” [, "avant la lettre"...] com armas trocadas (!) e até disputámos um jogo de futebol de cinco entre as NT e o ex-IN onde eu fui guarda-redes,  não permitindo mais uma vez que naquele jogo o IN levasse a melhor...

Estas visitas levaram a várias reacções, alguns aceitaram sem qualquer relutância estes encontros,  mas não esqueço a tristeza que levou ao choro compulsivo o soldado e grande companheiro Jalique Baldé, cuja família tinha sido vítima do PAIGC numa acção de recrutamento na sua tabanca a que ele escapou por estar a caçar. Recordo que foi o Jalique, enorme soldado e caçador, que detectou o IN quando este se dirigia na nossa direcção dia 24 de dezembro de 1973 e, se não fora ele, teríamos sido nós a cair na emboscada.

Na sequência destes encontros que se tornaram normais, fomos convidados para assistir a um comício organizado pelo PAIGC,  dirigido à população de Missirá e aos soldados e milícias da guarnição,   e aceitámos estar presentes.

Presidiram ao comício o comissário político bem como o chefe militar da zona e esteve presente grande parte da população civil da zona.

Na minha experiência politica levei o pelotão bem fardado e armado e foi-me pedido pelo comissário politico que os soldados poderiam assistir ao comício mas não deveriam estar armados,  o que me deixou apreensivo, mas, dada a forma como me foi transmitido o pedido e ao relacionamento anterior, aceitei que as nossas armas ficassem numa tabanca [, morança,] à guarda e irmos desarmados. Felizmente tudo decorreu com normalidade e, findo o comício e as fotografias que considero históricas,  recolhemos as armas e regressámos a Missirá.

A última missão que recebi na Guiné foi, a pedido do PAIGC ao comandante do batalhão de Bambadica [, BCAÇ 4616/73] (***), que me deu ordem de participar numa cerimónia simbólica do içar da bandeira do PAIGC numa localidade a norte de Missirá, provavelmente  Salá ou Sancorlá [, a noroeste de Missirá, vd. mapa a seguir]


Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca  (1955) > Escala de 1/50 mil >  Detalhes: posição relativa de Bambadinca, Nhabijões, Mato Cão, Missirá, Sancorlá e Salá.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

O meu pelotão [, o Pel Caç Nat 52,]  tinha sido desmobilizado após os acontecimentos de agosto de 1974 em que algumas tropas africanas se rebelaram tendo a CCAÇ 21 [... e não 22],  tomado o quartel de Bambadinca e sequestrado, eu incluído, o pessoal europeu com ameaça de fuzilamento,  caso não recebessem contrapartidas pela desmobilização (episódio já relatado no blogue)  [Vd. poste com depoimentos de Fernando Gaspar e Luís Mourato Oliveira] (****).

Por essa razão,  e obedecendo às ordem do comando, dirigi-me ao local da cerimónia, apenas acompanhado pelo soldado condutor que me foi dispensado,  sendo recebido com algum descontentamento pelos quadros do PAIGC que queriam dar alguma ênfase à cerimónia do içar da sua bandeira naquela localidade.

Foram estes os últimos dias do Pel Caç Nat 52. Estas memórias trazem-me sempre tristeza e remorso pela forma em que deixámos na Guiné os nossos irmãos de armas africanos que ficaram sem qualquer apoio ou negociação,  à mercê dos antigos inimigos.

Quero ter fé que o processo de integração que me foi possível iniciar,  minimizou ou talvez até tenha evitado as consequências que todos nós conhecemos e que tiraram a vida a muitos que,  ombro a ombro,  connosco suaram e sangraram num conflito que atempadamente se poderia ter evitado se os nossos dirigentes da época tivessem a noção que o curso da história não se pode travar apenas com armas.

Luís Mourato Oliveira
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18504: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte I

(**) Vd. postes anteriores com fotos do álbum do Luís Mourato Oliveira, respeitantaes ao setor L1, tiradas em lugares como Bambadinca, Mato Cão, Fá Mandinga e Missirá:

9 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17227: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (14); Uma horta em Missirá, no regulado do Cuor

11 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17126: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (13): Visita de cortesia a Fá Mandinga, onde ainda pairava o fantasma do famoso "alfero Cabral"...

22 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17073: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (12): Bambadinca (a "cova do lagarto", em mandinga) e algumas das suas gentes

21 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17068: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (11): Bambadinca, o porto fluvial, onde atracavam os heróicos e lendários "barcos turras"

23 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16981: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (10): 28 de outubro de 1973, dia de festa ecuménica, a festa do fim do Ramadão (Eid-ul-Fitr) no... Mato Cão

14 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16954: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (9): cenas do quotidiano do destacamento de Mato Cão

9 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16936: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (8): o comandante do destacamento de Mato Cão "travestido" de... mandinga

23 de dezenmbro de 2016 > Guiné 63/74 - P16873: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (7): o destacamento de Mato Cão - Parte III: a construção da tabanca

12 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16828: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (6): o destacamento de Mato Cão - Parte II

7 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16808: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (5): o destacamento de Mato Cão - Parte I

4 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16797: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-al mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (4): A nosso Natal de 1973, onde não faltou nada, a não ser o cartão de boas festas dos nossos vizinhos de Madina / Belel

(***) Vd.  poste de  18 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14894: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXV: fevereiro de 1973: três meses depois do fim da comissão, faz-se a sobreposição com os "piras" do BCAÇ 4616/73, o "batalhão liquidatário" (mar / ago 1974)

O BCAÇ 4616/73, mobilizado pelo RI 16, partiu para o TO da Guiné em 30/12/1973 e  regressou a  16/9/1974. Esteve sediado,  a CCS e o Comando, em Bambadinca. Foi comandado pelo  ten cor inf  Luís Ataíde da Silva Banazol e depois pelo ten cor  inf Joaquim Luís de Azevedo Alves Moreira. Tem como unidades de quadrícula a 1ª C/BCAÇ 4616/73 (Mansambo e Xime), 2ª C/BCAÇ 4616/73 (Xime, Bambadinca) e 3ª C/BCAÇ 4616/73 (Farim, Jumbembém e Farim).

(****) Vd., poste de 13 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9892: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (10): Em Bambadinca, em agosto de 1974, eu (e outros camaradas) fui sequestrado, feito refém e ameaçado de fuzilamento por militares guineenses das NT... Cerca de 40 horas depois, o brig Carlos Fabião veio de helicóptero com duas malas cheias de dinheiro, e acabou com o nosso pesadelo (Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518, 1973/74)