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segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
É inequívoco que o coronel Luís Cadete não incorre na prosápia de escrever memórias para as candeias da História, o que ele nos lega é uma diversidade de situações que ajudam a iluminar uma importante região da Guiné em guerra, num período que vai de 1966 a 1968. Creio que é a primeira vez que temos uma água-forte de Mejo e a sua importância no chamado corredor de Guileje onde, igualmente, se irá implantar, no final da governação de Schulz, o octógono de Gandembel; dá-nos o conhecimento das etnias ali conviventes, nesta vasta região onde ele fala de Aldeia Formosa, de Fulacunda, de Buba, das operações de reabastecimento e das singularidades do dia-a-dia. Confessa abertamente que nutria um certo desdém por certas chefias, faz brilhar gente valorosa, heróis anónimos, e sabe prender a nossa atenção em descrições manifestamente dolorosas, como veremos mais adiante, com o incêndio de Contabane, não poupa críticas ao então comandante-chefe, Spínola, pelo abandono daquela posição. Ainda há muito mais para dizer. Teimo que este livro merece muito mais do que a curtíssima edição que lhe destinaram.

Um abraço do
Mário



Muita atenção, há aqui páginas que passarão à posteridade, temos Mejo na literatura! (2)

Mário Beja Santos
Coronel Luís Carlos Loureiro Cadete, ontem e hoje

A
obra intitula-se "Noites de Mejo", o autor assina Luís Cadete, viremos a saber que de seu nome completo é Luís Carlos Loureiro Cadete, foi comandante da CCAÇ 1591, a quem também dedicou o livro, conjuntamente com os seus soldados guineenses. Escreveu estas histórias em 2016 e publicou-as em 2022, edição de autor com produção da Âncora Editora. Deu algum trabalho chegar ao livro, que não está no circuito comercial, o que é profundamente de lamentar, há aqui páginas admiráveis, não faltam tiradas bem urdidas de tragicomédia, revelando ternuras da aculturação, a vida dura num dos pontos mais ásperos que a guerra da Guiné ofereceu aos militares portugueses.

São histórias soltas, como diz o autor, “fruto das minhas recordações e de conversas tidas com camaradas em volta da mesa”, e não será por acaso que se cita Eça de Queiroz: “Sobre a nudez forte da verdade o manto diáfano da fantasia”, isto para recordar que nem sempre estamos em Mejo, saltitamos por vários lugares, aliás a estadia em Mejo não chegou aos 9 meses, e vale a pena recordar que muito mais tarde (1988-1991) Luís Cadete desempenhou funções como Adido de Defesa junto das embaixadas de Portugal em Bissau, Dacar e Conacri.

Privilegio algumas das suas descrições, pelo rigor e luminosidade. Um exemplo:
“É Buba uma quase península nas cabeceiras do Rio Grande de Buba, vasta massa de água salgada que ali chega, em sucessivas e intricadas ramificações, vinda do mar.
Sede do comando do Batalhão, tinha anexa uma tabanca com numerosa população que vivia da pesca e de serviços prestados à tropa ali aquartelada.
Militarmente, estava exposta à observação e ao tiro direto do inimigo, facto assombroso que constituía um violentíssimo pontapé nas normais mais elementares da Tática.”


Não esconde juízos implacáveis a comportamentos de seus superiores, como escreve a propósito da visita do General Schulz a Aldeia Formosa, sai do helicóptero e conversa com a figura grada da população civil, o Cherno Rachide Djaló, este apresenta-se imponente na sua elevada estatura, de balandrau e solidéu imaculadamente brancos, o governador pergunta a esta entidade espiritual o que é que o povo da Aldeia Formosa precisa, Rachide Djaló responde em Fula: “Havia aqui, antes da guerra, um posto sanitário e uma maternidade que foram fechados sem o povo perceber qual a causa. Precisamos muito do posto e da maternidade a funcionarem e precisamos também de escola para os meninos. Queremos que nos mandem professores, mas não padres, porque já temos religião. A tropa desta companhia fez um posto médico na tabanca, com camas da tropa, mas não chega; precisamos de médico. É isto que nós precisamos.”

É igualmente preciso a falar da topografia de Mejo e vizinhança:
“Sobe-se para o planalto a partir da bolanha do lado de Mejo, por uma rampa curta, mas íngreme, que dá acesso a uma reta que desemboca diretamente na pista da tabanca e aquartelamento de Guileje.
Daqui desce-se, suavemente para o entroncamento desta estrada com a que vem de Gadamael Porto e segue para a chamada Ponte do Balana, nome do curso superior do rio Cumbijã, a Norte; do topo da pista oposto a Guileje, que se desenvolve num esporão do planalto, desce-se para as numerosas e labirínticas ramificações do rio Cacine de densa vegetação, a Sul; para Norte, coberto de mato denso, estende-se o planalto cortado pelo Cumbijã do qual se sobe, de novo, para outra zona planáltica onde se situam Contabane, Aldeia Formosa (Quebo) e Mampatá.
À esquerda de quem desce para o cruzamento, a cerca de 300 metros, encontra-se uma nascente onde a Companhia de Guileje se abastecia de água e que também dessedentava grupos de terroristas que por ali passavam.”


As suas memórias, inevitavelmente, também se orientam para aqueles episódios burlescos que mais ou menos quem esteve no mato provou, caso do aparecimento repentino da cobra, a bravura anónima de um bazuqueiro, o desespero de se chegar ao quartel e se descobrir que falta uma secção, o caricato de certas reuniões com o corpo do Estado-Maior, com as suas ninharias e inequívoca falta de conhecimento do terreno, a chegada de um oficial do quadro permanente que vinha confortado com gira-discos e canções da moda, os desastres do fornecimento, em que se pedia x de uma quantidade de carne de vaca e apareceram 50 quilos de queijo flamengo, as teimosias do régulo Sambel Baldé, de Mampatá Bacirgo que não tinha problemas de passar a fronteira e punir quem lhe vinha beliscar a vida no regulado. Histórias muito bem contadas que deliciarão não só os antigos combatentes.

Mas vê-se que o autor tende prescrever águas-fortes de locais por onde passou, e dá-nos informações cuidadas, extremamente úteis para quem vier a fazer a historiografia de todos estes locais por onde a guerra grassou e como cada um se posicionou:
“[Quebo] Região eminentemente Fula há vários séculos, nela pontificava o velho régulo Baró Baldé cujo irmão, Leonel, era professor primário, lecionando na residência a expensas suas. Era também sede do chefe espiritual da nação Fula, o famoso e muito respeitado Cherno Rachide Djaló, homem entendido nas coisas do Corão. Quanto mais não fosse, só por isto, Quebo era terra importante, até do ponto de vista estratégico, na guerra que se travava na Guiné.
Naquela vasta e importante região que se estendia, a Sul do rio Corubal, entre os limites ocidentais do regulado de Mampatá e a fronteira com a República da Guiné, vivia-se, nessa altura, em paz. Dizia-se, lá pelos QG de Bissau, e não só, que essa se situação se devia à presença de tão prestigiada figura, mesmo além-fronteiras, como era o Cherno Rachide Djaló. Dizia-se que atuar na citada região seria prejudicial à estratégia do PAIGC. Ou seja, o Cherno era um dos elementos da estratégia do comandante-chefe para a região. Daí, quiçá, os fracos meios atribuídos. De resto, os quadrilheiros do PAIGC só atuavam, ocasionalmente, no regulado de Cumbijã, mais próximo do rio do mesmo nome, a Sul.

Mas nem todos acreditavam naquela interpretação, e com razão como se viu em finais de 1968, durante o consulado do general Spínola. E os primeiros a não acreditarem naquela interpretação eram os régulos, nomeadamente o de Contabane.
E tinham razão para tal.
Como muito bem sabiam as altas-chefias, porquanto as informações fluíam dos régulos e do Cherno para o comando de Companhia e deste para os escalões superiores, há muito que os terroristas, ao mais alto nível político-militar, rondavam a zona para lá da fronteira, reconhecendo o terreno em busca do melhor sítio para se instalarem.”


O autor, quando necessário, não deixa de referir o horror e os padecimento da guerra, caso daquele furriel B, dotado de espírito de missão que fora apanhado em cheio pela deflagração das granadas e projetado de costas alguns metros de distância: “A calote craniana saltara-lhe da cabeça, deixando entrever a massa encefálica; no trono eviscerado, apenas o coração teimava em pulsar pendurado da aorta; dos braços, apenas os úmeros, descarnados, recordavam terem existido ali os membros superiores, enquanto as artérias femorais, meio desbridadas, esguichavam qual repuxo num filme de terror.”


O capitão Nuno Rubim, nosso confrade, comandante de Companhia em Guileje, 1966
Aldeia Formosa em tempos de guerra, com a pista de aviação ao fundo. Com a devida vénia a José da Mota Vieira
Cherno Rachide, Aldeia Formosa, 1973, festa Fula da matança do carneiro, fotografia do nosso estimado confrade Vasco da Gama, ele está perto dessa grande figura espiritual

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 26 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23917: Notas de leitura (1536): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23917: Notas de leitura (1536): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Ficarei imensamente grato a quem me puder ajudar com informações sobre a CCAÇ 1591 e Mejo. Quando li "Vindimas no Capim", escrito pelo nosso confrade José Brás, encontrei algumas referências a Mejo, mas fiquei-me por aqui. É uma grande surpresas, esta literatura memorial do Coronel Luís Cadete, chegou à Guiné ainda tenente, aqui foi promovida a capitão, vê-se à vista desarmada que aquela terra vermelha se tornou inesquecível, como aliás ele escreve na introdução:
"Mejo foi, no fim de contas, o nosso primeiro amor na Guiné e ainda hoje temos saudades dele, pois puxou por tudo quanto tínhamos de melhor para ultrapassarmos as dificuldades inerentes a uma situação de campanha."
É um livro que não merece ficar confinado a uma pequena edição, não é justo. Há por vezes ressaibos, ajusta contas com a sua própria instituição militar, maldiz a incompetência, mas até apetece recordar a frase icónica de Álvaro Guerra de que aquela terra foi um permanente avolumar de dores e inquietações, mas foi ali que se selou a nossa têmpera pelos anos vindouros.

Um abraço do
Mário



Muita atenção, há aqui páginas que passarão à posteridade, temos Mejo na literatura! (1)

Mário Beja Santos

Coronel Luís Carlos Loureiro Cadete, ontem e hoje

A obra intitula-se "Noites de Mejo", o autor assina Luís Cadete, viremos a saber que de seu nome completo é Luís Carlos Loureiro Cadete, foi comandante da CCAÇ 1591, a quem também dedicou o livro, conjuntamente com os seus soldados guineenses. Escreveu estas histórias em 2016 e publicou-as em 2022, edição de autor com produção da Âncora Editora. Deu algum trabalho chegar ao livro, que não está no circuito comercial, o que é profundamente de lamentar, há aqui páginas admiráveis, não faltam tiradas bem urdidas de tragicomédia, revelando ternuras da aculturação, a vida dura num dos pontos mais ásperos que a guerra da Guiné ofereceu aos militares portugueses. Nunca li uma introdução a um ambiente tão poderosa e tão viva como Luís Cadete faz de Mejo, a ninguém pode deixar indiferente prosa tão precisa, uma demonstração de um olhar tão fecundo, lembra um geógrafo, um antropólogo, um etnólogo:
“A tabanca que dava pelo nome de Mejo situava-se, sensivelmente, a 9 quilómetros de Guileje, na estrada para Bedanda, na bifurcação para Salancaur Fula, colina com cerca de 110 metros de altitude com o cume em forma de tampo de mesa ligeiramente inclinado para Nascente, com o ponto mais elevado a Poente.
Esta colina, restos de formação rochosa de maior vulto dissolvida pelas chuvas diluvianas e ácidas do Pluvial, há vários milhões de anos, domina vasta extensão do rio Cumbijã que lhe corre a Norte. Com as encostas cobertas de grandes poilões e mato rasteiro, é um ponto de referência importante num território predominantemente plano. A vastíssima bolanha do Cumbijã dava arroz em quantidade que, antes da guerra, quer a Casa Gouveia, representante da CUF no território, quer a Sociedade Comercial Ultramarina, vinham comprar, na época própria, ao cais existente na margem direita, isto é, fronteiro a Salancaur e do outro lado do rio.”


Manifesta o autor a preocupação de que o leitor se insira naquele espaço e até naquele tempo, é um observador cuidado, quer manifestamente que o leitor ponhas os pés naquela terra de combate e em voo picado estamos em Mejo:
“Do ponto de vista militar, Mejo era um retângulo de 100 por 110 metros de lado que dependia da companhia de Guileje que aqui tinha um pelotão para garantir um mínimo de proteção à população regressada. A CCAÇ 1591 foi a primeira a estanciar por lá por 8 meses e meio. Sem instalações para alojar o efetivo da companhia mais os do pelotão destacado de Guileje, os primeiros meses foram vividos em tendas cónicas carcomidas pelo sol e pelas chuvas da Guiné. Os buracos eram tapados por rolhões de capim enquanto se trabalhava no fabrico artesanal de tijolos para a construção de casernas. Quando a CCAÇ 1591 arribou a Mejo, cuja má fama corria infrene por todos os cantos da Guiné, só se via capim verde e alto como um homem de pé, não só no exterior, mas também no interior da posição. Embora pareça inconcebível, aqui andava-se por trilhos ladeados de capim!”.

Segue-se a descrição da população civil e do armamento rudimentar da unidade dependente do comando de batalhão de Buba, ficamos a saber que a população de Mejo era da subetnia Futa-fula, mas não faltavam Fulas-forros.
Não se compadece, tem comprovadamente a memória bem acerada, com as jigajogas do decisor militar e muito menos com as manhosices burocráticas. Qual a importância de Mejo? Fazia parte de um plano de operações que tinha como objetivo principal a ocupação da colina de Salancaur, plano que se iniciara alguns meses antes da chegada de Schultz, concebido pelo comandante militar, pois a primeira medida de Schultz foi cancelar toda a atividade operacional determinada por este comandante. “A ordem alcançou a tropa quando esta já marchava rumo a Salancaur com o Pelotão de Reconhecimento Fox de Guileje a abrir a progressão, nunca mais se pensando em acabar algo que fora bem pensado.”

Mesmo a descrição da chegada da CCAÇ 1591 tem toques de originalidade, houve para ali umas trocas a baldrocas no quartel-general, estavam à espera de outra unidade, o Tenente Luís Cadete é mal recebido por aquela burocracia que tinha a inteligência de uma porta ondulada, lá vão para Brá, metidos numa caverna devoluta sem camas, andaram a fazer carreira de tiro em Prábis e depois metidos na LDG Montante, rumo a Fulacunda. Vão agora começar histórias galhardas, pícaras, de entremeio com lembranças afetuosas, algumas delas, garanto a pés juntos, merecia ser reproduzidas aqui por inteiro. Convém que o leitor não se esqueça que estamos em 1966, o corredor de Guileje ainda não assumira a dimensão infernal com que hoje é por muitos lembrado.

No pórtico das lembranças temos a paixão de Mariama, a bajuda mais bela da tabanca, Luís Cadete burila a quintessência da beleza:
“O corpo era escultural, de fazer inveja à estatuária da Antiguidade Clássica. Tinha um par de pernas deslumbrante, bem torneadas e esguias e a mama alta, firme, delicadamente cheia, como eu nunca vira nem voltei a ver outra e que, conforme à tradição, trazia em liberdade franca; a pele escura de tom avermelhado era acetinada, quente e glabra sem imperfeições. Quando ela passava no seu passo elástico e elegante a caminho da Fonte das Mocinhas – nome pelo qual era conhecida a nascente permanente situada a Sul da estrada para Buba e à entrada da tabanca –, sorrindo de olhos baixos aos piropos do pessoal, ninguém havia na Companhia que se não virasse para a ver passar.”

Mariama apaixonou-se pelo soldado D, rapaz sossegado, disciplinado e respeitador, nado e criado lá para as bandas da Lousã. E era correspondida. E não falta uma pitada forte de romantismo para adubar o romance:
“A Mariama e o D namoravam ao arame farpado e era um regalo vê-los conversando horas a fio sem que se descortinasse o que tanto tinham para segredar um ao outro. Dos olhos da Mariama, a ternura daqueles momentos via-se escorrer ao acariciar o rosto do D. E eu, romântico contumaz, nunca fui capaz de proibir aquelas manifestações de um amor impossível, dadas as circunstâncias.
E, durante cerca de quatro meses, aquele amor entre os dois encheu de ternura quantos viam o D e a Mariama no seu enlevo casto e puro ao arame farpado.”

Vieram os comentários libidinosos, nosso capitão não estava ali para os ajustes, lembrou a Mariama aquela evidência de que qualquer dia o D se ia embora sem consequências, era melhor que ela se protegesse para o futuro, e o final deste episódio é mesmo inesquecível:
“Olhou-me com um certo ar de desafio como quem sabe muito bem o que fazer e enquanto uma lágrima teimosa lhe corria pela cara abaixo respondeu-me, fitando-me nos olhos com o seu quê de desafio:
- Hora di D bai, nó na dita i n’bai faziu sabi toc i D cá esquíci Mariama (quando o D se for embora, vamo-nos deitar e fá-lo-emos e o D nunca esquecerá a Mariama).
Foi assim?
Só eles o saberão.”


Prepare-se o leitor para muito mais.

Aquartelamento de Mejo, imagem de Alberto Pires, com a devida vénia
Outra imagem de Mejo, também de Alberto Pires

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23139: Notas de leitura (1434): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2022:

Queridos amigos,
O Martins já passou praticamente um ano em Guileje, as flagelações são rotina, um dia estourou uma granada de canhão em cima do abrigo do Pel Caç Nat 51, foi o cabo dos trabalhos; continuam as incursões etnográficas, ele é bom observador; regista o desaparecimento de quartéis à volta, Gandembel, Mejo, Sangonhá, Cameconde, Guileje está cada vez mais exposto na sua posição solitária, prosseguem as colunas de reabastecimento; assiste, atónito, a mais uma aparição de Spínola que vai muito efusivamente conversar com um furriel de nome sonoro, ligado a famílias da banca, coisa curiosa desaparece de Guileje passado quinze dias, todos se indignaram com o escândalo, o descarado favorecimento. "O capitão anda furioso; até já desabafou publicamente a indignação." Estamos em meados de 1969.

Um abraço do
Mário



Uma invulgaridade da literatura da Guerra da Guiné (3):
O Silvo da Granada, por José Maria Martins da Costa


Mário Beja Santos

Uma surpresa, e com aspetos bem curiosos, este "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa, Chiado Books, agosto de 2021. O leitor é colhido por uma prosa onde primam citações de clássicos, a começar pelo latim, tudo passa a ser entendível quando se lê o currículo que o autor apresenta: 

“Natural de Roriz, concelho de Santo Tirso, aí frequentei a escola primária, finda a qual entrei no seminário, mais precisamente no mosteiro da Ordem Beneditina. Saí no sétimo ano, talvez para voltar daí a trezentos anos como o monge de Bernardes. Como trezentos anos demoram a passar, para não estar ocioso entretive-me a tirar o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra. Entretanto, assentei praça no Exército, indo para a Guiné como combatente da Guerra do Ultramar e assentei arraiais civis no Porto, onde casei, fui professor e jornalista. Nesta cidade, tenho levado vida plácida e remansosa, dentro dos parâmetros da Aurea Mediocritas de Horácio. Por falar em Horácio, ia-me esquecendo de dizer que publiquei há anos um livro de poemas intitulado Libellus, palavra latina que tanto pode significar pequeno livro como libelo acusatório. Fora das partes líricas, acusava realmente e castigava alguns dos costumes e vícios da sociedade contemporânea. Queria endireitar o mundo. Mas o mundo ignorou o livro e continuou cada vez mais torto”.

Já estamos em 1969, o aquartelamento de Gandembel foi extinto, a unidade militar transferida para Aldeia Formosa, Martins rememora o calvário das colunas, o Inferno dos primeiros tempos de Gandembel, os rebentamentos de minas, as emboscadas, as flagelações em cadeia. As tropas paraquedistas ainda tentaram descomprimir a pressão, havia um compasso de espera e os guerrilheiros voltavam. Os de Gandembel partiram discretamente, vieram os do PAIGC metralhar um despovoado aquartelamento. Também Mejo acabou em 28 de janeiro. “Tropas, camiões, armas ligeiras e pesadas, tudo, ou a maior parte, recolhido a Guileje, que contra agora mais um pelotão de nativos; já tinha o 51, veio de lá o 67. Igual destino já tivera Sangonhá (29 de julho) e também Cacoca, dois aquartelamentos entre Cacine e Gadamael”. E aproveita para contar a história umas filmagens feitas por suecos, um ataque contra o pequeno aquartelamento de Ganturé, os suecos exigiram filmagens à luz do dia, veio a força aérea e vindimou-os do alto, despejou bombas sob toda a região de Sangonhá, não foi pequena a carnificina.

Relata mudanças no seu pelotão, há gente a entrar e a sair em Guileje, o novo comandante de Companhia é um tenente dos Comandos, exibe garbosamente camisola branca, justa, de meia manga, botas a brilhar, o semblante austero. Houvera um período de pouca frequência nas flagelações, agora recrudesceram, um alferes e um furriel, a trabalharem no obus, foram ceifados por uma canhonada vinda da Guiné Conacri. Fazem-se patrulhas até às margens do Cantanhês, encontram-se umas pirogas. O novo comandante de Companhia parece não gostar do Martins e das suas estadias na tabanca. Cecília Supico Pinto visita Guileje, Martins parte para Bissau, está cada vez mais pitosga, precisa de novas lentes, e conta-nos que tentou no exame oftalmológico fazer-se bem cegueta, a pantominice saiu-lhe caro, foi passado ao contingente geral, “punido por razões de que não quer falar” e dá-nos conta do que foi a sua estadia em Tavira, ali encontrou um antigo colega de seminário que quis desertar e tudo lhe correu mal.

A sua afeição com a gente da tabanca parece inquebrantável, fala-nos amiúde de Suleimane, de Dadanda, de Cumba, Ádama, da criancinha Mauro, compra-lhes presentes no mercado de Bandim e volta de barco até Gadamael. E não deixa de tecer um comentário: “Dos abrigos de Gadamael salta à vista a pouca robustez – uns perfeitos cardenhos. Mas isto não é Guileje; as valas vão chegando para as encomendas. Demais, é vezo dos guerrilheiros errar o tiro, indo as mais das granadas explodir no rio, assustando as ostras. No rio se banha ou chafurda sem temor a tropa, confiada nos hábitos de morcegos dos guerrilheiros, que só se atrevem ao lusco-fusco”. E regressa a Guileje, dá-nos conta das suas observações etnográficas, metido no posto de rádio, alguém diz diga se recebeu, escuto, a resposta sai breve, correto, afirmativo, começara uma nova flagelação, dá-se dois saltos para a boca do alçapão, era a primeira vez que um ataque apanhava o Martins no posto de rádio, uma granada de canhão sem recuo rebenta em cheio sobre as instalações do pelotão 51, foi o terror e a confusão, há que mostrar ao leitor o estado de alma, o olhar atónito, do que se está a ver: “O terrível engenho descarnou a cobertura de toneladas de terra e cimento que formam o essencial da sua estrutura e deixou-a no osso dos troncos de palmeira justapostos, que, a modo de caibros, a sustentam. Ouve um camarada contar como à explosão se seguiu o ranger o de alguns troncos, que estalaram ou partiram, ameaçando ceder. Os abrigos de Guileje perdurarão na memória dos que por aqui passaram; e, mais do que isso, merecem ficar na história dessa guerra.”

Procura entender os ritos dos Islamismo, as preces na mesquita. Refez-se a cobertura do abrigo do pelotão 51, restaurada e reforçada. ‘Cortar palmeiras, carrear os troncos, retirar os velhos e assentar os novos a poder de braço, tudo se fez em três escassos dias; trabalho, dada a pouquidão de meios, pouco menos que ciclópico. Houve ainda que encher a cratera com terra e mais terra estender-lhe por cima nova camada de cimento’. Mas ainda a camada de cimento não tinha totalmente secado e voltaram as flagelações. “Nada mudou desde que o Martins pôs pé em Guileje. A tropa não recua, também não avança, o que só favorece o inimigo, que aposta no desgaste causado pelo tempo a quem não é de cá.”

E assim se chegou a abril e depois a maio, sucedem-se as flagelações, a população continua tranquilamente a sua vida monótona, não deixando de ir cultivas o seu arroz de subsistência, ao amanhecer as viaturas carregadas de bidões vão direito ao poço aberto na brenha, a uns 2 km, operação que requer severa vigilância. Spínola volta a Guileje, assim se descreve o seu regresso:

“Negros como abutres, descrevendo círculos por largo, bem à vista o cano saliente do canhão de bordo, os três passarões assenhoreiam-se destes ares; metem respeito e não admira que os guerrilheiros mais que tudo os temam. E, enquanto dois deles vão dando voltas, agora mais fechadas, sobre Guileje, o outro ensaia a operação delicada de vir a terra; um instante imobilizado, roda agora a ganhar posição, inclina um tudo-nada o focinho, cautamente sondando o espaço em baixo onde pousar. E já vai descendo, em volto grossos rolos de pó que revoluteiam furiosamente no ar agitado do voltear estonteante da hélice. O monstro impõe a sua presença aparatosa. Ei-lo em repouso no chão espanado pela ventaneira”

O comandante de Companhia não gostou da discriminação, Spínola passou por meio da pequena multidão e deu de cara com um furriel do 67, cumprimentos efusivos. “O nome, de todo incomum, ou talvez sobrenome, é o mesmo de uma família da alta roda lisboeta ligada à banca. Coincidência ou não, o certo é que ainda não passaram quinze dias e já o furriel foi de abalada, transferido para zona menos descoberta aos golpes da implacável guerrilha.”

(continua)


Na tentativa de encontrar elementos gráficos disponíveis sobre Guileje, distintos daqueles que já possuímos (e que é um acervo de inegável valor) imergi no Google Maps e apareceu-me um documento com nome Jorge Soares, março de 2018, impressionaram-me estas imagens, e onde quer que esteja o autor peço-lhe a benevolência de aqui as reproduzir, é um dossiê muito belo, aqui fica a minha vénia em nome do blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23131: Notas de leitura (1433): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22551: In Memoriam (407): Celestino Augusto Patrício Bandeira (1946-2021), ex-Fur Mil da CCAÇ 2316/BCAÇ 2835 (Mejo, Guileje e Gadamael, 1968/69)

IN MEMORIAM

CELESTINO AUGUSTO PATRÍCIO BANDEIRA
Ex-Fur Mil da CCAÇ 2316/BCAÇ 2835


1. Mensagem de Rui Madeira e Silva, neto do nosso malogrado camarada Celestino Madeira, enviada ontem, dia 16, ao nosso Blogue:

Bom dia meus Senhores,
Esperando-vos bem.

Não sei se se lembram destes emails que trocamos há uns meses atrás, sobre o meu avô, Furriel Celestino Madeira, do BCaç 2835, CCaç 2316, Guiné 68-69.[*]

De qualquer modo, com muita pena minha, informo-vos de que o meu avô nos deixou hoje, depois de um ano muito complicado para eles e todos nós, familiares.

Quando falei com vocês, informei-vos que ele estava de boa saúde. Mas, sem que nada previsse, o Alzheimer tomou conta dele num ápice e a partir daí, o seu estado de saúde caiu a pique.

Aquilo em que eu gostava que me pudessem ajudar, seria no sentido de criarem um post no vosso blog a informar do facto e da data e local do funeral que vos indicarei oportunamente, assim como contatar alguém da unidade dele ou próxima, para que todos os camaradas dele e outros lhe possam prestar uma última homenagem.

Esperando ler de V. Exas,
Um abraço.
Os melhores cumprimentos
Rui Madeira e Silva


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2. Comentário do editor CV:

Os editores e a tertúlia deste Blogue apresentam as suas mais sentidas condolências à família do nosso camarada Madeira, agora falecido, assim como deixam um abraço ao seu neto Rui que em tempos nos contactou e que ontem nos deu esta triste notícia.
Cada camarada que parte vai deixando mais sós os que ainda da lei da morte se não libertaram. Aos camaradas da CCAÇ 2316 o nosso abraço fraterno.

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[*] - Vd. poste de 14 DE OUTUBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21448: Em busca de... (307): Camaradas do Celestino Augusto Patrício Madeira, ex-fur mil, CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835 (Bissau, Mejo, Gandembel, Guileje, Gadamael, Ganturé, 1968/69) (Rui Pedro Madeira e Silva, neto)

Último poste da série de 31 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22500: In Memoriam (406): Alcobaça homenageia personalidades alcobacenses entre as quais José Eduardo Oliveira (JERO) que este ano nos deixou, vítima do COVID-19 (Joaquim Mexia Alves / Blogue da Tabanca do Centro)

sábado, 11 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22532: O nosso livro de visitas (213): Nuno Inácio, filho do nosso camarada Gil da Silva Inácio - "O Gringo" - que foi CMDT do Pel Caç Nat 67 em 1973

Guiné > Região de Tombali > Cufar > 1973 > A despedida do Pel Caç Nat 67 > Em primeiro plano, o comandante do Pelotão, Alf Mil Gil da Silva Inácio, o "Gringo".

Foto (editada): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem enviada ao Blogue por Nuno Inácio, filho do nosso camarada Gil da Silva Inácio, CMDT do Pel Caç Nat 67, através do Formulário de Contacto do Blogger, em 9 de Setembro de 2021:

Exmos. Srs.

Chamo-me Nuno Inácio e sou filho de um Comandante do Pelotão de Caçadores Nativos 67, Alf. Mil. Gil da Silva Inácio, conhecido como "O GRINGO" - Cufar - Guiné 1973.[*]

Tomei conhecimento deste website através de um grande amigo que viu um artigo onde mencionava um Alf. Mil. na Guiné conhecido como "o gringo" e como outrora lhe tinha referido essa alcunha do meu pai fui verificar e de facto é o meu pai.

Estimo informar que o meu pai é vivo, cheio de saúde e ainda pronto para as curvas.
Neste sentido gostaria de saber se alguns dos inúmeros heróis aqui presentes e representados conheceu o meu pai, gostaria de saber mais histórias desses tempos, porque o meu pai tem algumas reservas em partilhar essas histórias e se ainda existem encontros de ex-combatentes desses GE e, em caso afirmativo, pedia o favor a V. Exas. ser notificado para o efeito.

Grato pela atenção dispensada.
Atentamente,
Nuno Inácio
Cumprimentos,
Nuno Inácio | info@streetcustoms.pt


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2. Comentário de CV:

Caro Nuno Inácio
Permita-nos que o trate assim, já que entre a tertúlia, filho de um camarada, nosso "filho" é.

Muito obrigado pelo seu contacto e pelas notícias do estado de saúde de seu pai, o nosso camarada Gil Inácio, ainda um jovem como qualquer um de nós.
Infelizmente temos poucas referências no nosso Blogue sobre o Pel Caç Nat 67. Pelo que pude pesquisar, foi formado em 1968, permanecendo em Mejo até Janeiro de 1969, altura em que foi deslocado para Guileje. Em Dezembro do mesmo ano foi dali deslocado para Cufar, onde esteve até Junho de 1973, data em que foi deslocado para Farim, onde esteve até ao fim da guerra.

O seu pai deve ter feito estes últimos anos do Pel Caç Nat 67, rendendo o Alf Mil Cav Joaquim Esteves, depois confirmará com ele.
Se entretanto for conversando sobre a sua estadia na Guiné, pergunte-lhe se ele se lembra da data de ida e regresso. Normalmente não esquecemos, para o bem e para o mal, estas datas, assim como outras que lembram os momentos menos bons por lá vividos.

Se ele quiser, poderá partilhar connosco algumas fotos que tenha aí por casa. Se para tal não tiver arte ou engenho, contamos com o Nuno Inácio para o ajudar.
Pode ser que apareça alguém do seu tempo, furriéis, por exemplo. Ele lembra-se de algum deles? Saberá onde vivem actualmente?

Como sabé, os convívios dos antigos combatentes foram suspensos devido ao COVID mas retomados que sejam, e se soubermos algo que interesse ao pai, daremos conta.

Ficamos ao dispor do camarada Gil Inácio, desejando-lhe a melhor saúde.

Para pai e filho, um abraço em nome da tertúlia
Carlos Vinhal

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Notas do editor:

[*] - Vd. poste de 27 DE ABRIL DE 2017 > Guiné 61/74 - P17291: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (16): o Pel Caç Nat 67,em Cufar, 1973

Último poste da série de 13 DE JULHO DE 2021 >
Guiné 61/74 - P22370: O nosso livro de visitas (212): Ildeberto Medeiros, ex-1º cabo condutor auto, CCAÇ 2753, "Os Barões" (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim/K3 e Mansabá, 1970/72)... Açoriano, vive nos EUA e quer integrar a Tabanca Grande

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21448: Em busca de... (307): Camaradas do Celestino Augusto Patrício Madeira, ex-fur mil, CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835 (Bissau, Mejo, Gandembel, Guileje, Gadamael, Ganturé, 1968/69) (Rui Pedro Madeira e Silva, neto)



Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2316 (19658/69) > Fotos do fur mil Celetino  A. P. Madeira, tirada provavelmente em 1969, em Guileje, na parada Alf[eres] Tavares Machado.



Foto nº 3

O Celestino A. P Madeira, que felizmente ainda está entre nós... Convidamo-lo, através do neto, a integrar a nossa Tabanca Grande... 

1, Mensagem do nosso leitor Rui Pedro Madeira e Silva, neto do fur mil, CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835 (Bissau, Bula, Mejo, Gandembel, Guileje, Gadamael, Ganturé, Bissau, 1968/69):


Date: sábado, 3/10/2020 à(s) 21:04
Subject: Celestino Augusto Patrício Madeira - Batalhão de Caçadores 2835; Companhia de Caçadores 2316, Guiné - Mensagem do neto.

Exmos. Senhores,

É com um completo fascínio que descobri o vosso blogue.

Falo-vos como Neto do vosso Camarada, o Furriel Celestino Augusto Patrício Madeira, que pertenceu ao Batalhão de Caçadores 2835, da Companhia de Caçadores 2316 e serviu na Guiné (salvo erro) em 1968/1969.

Procurei extensivamente no vosso blogue sobre o Batalhão e sobre a Companhia, mas a única menção dele que descobri foi um print de um documento que representa a Relação Nominal do Pessoal da Companhia de Caçadores 2316. (*)






Em anexo, junto algumas fotos dele, de modo a que o possam reconhecer, ou conhecer outros camaradas, vossos e dele, que o conheçam.

O meu avô nunca falou muito à família sobre a sua experiência da Guerra, e eu, um pouco no espírito de curiosidade dele, gostava de obter algum relato, registo fotográfico, ou qualquer outra informação que V. Exas. possam ter sobre ele, se assim me for permitido.

Só nos últimos anos é que se foi abrindo sobre o assunto e possui agora em casa uma prateleira dedicada a essas memórias da passagem dele na Guerra, incluindo fotografias e outros adornos, nomeadamente a insígnia do Batalhão 2835.

Além do mais, também lhes pedia, se for possível, que me fizessem um pequeno sumário do percurso do Batalhão ao longo da campanha em que estiveram na Guiné, para perceber melhor por aquilo que passou.

Em jeito final, agradeço muito o vosso trabalho, em meu nome e da minha Mãe, filha do Furriel Madeira, por permitirem que saibamos mais sobre o meu Avô.

Os veteranos da Guerra foram esquecidos, mas vocês não se esquecem uns dos outros e isso inspira-me.

Esperando ler de V. Exas.,
Os melhores cumprimentos,
Rui Madeira e Silva
+351 967 10 20 40

 


Brasão da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835. Cortesia do Rui Madeira e Silva


2. Resposta do nosso colaborador permanente, José Martins;

Date: terça, 6/10/2020 à(s) 15:35 

Boa tarde

Acerca do solicitado, pouco mais podemos acrescentar ao que o Rui Madeira já tem.

Do Arquivo Histórico Militar já tem a relação nominal dos graduados da CCaç 2316 [, donde consta o nome do seu avô] [*)

Em UTW - Ultramar TerraWeb, tem 
os crachás do Batalhão e das companhias orgânicas, que já deve conhecer.

Dos livros da CECA [, Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974] pode ver, no 7º volume, tomo 11, pp. 107 a 119 a composição do comando do Batalhão e a atividade operacional, condensada [, Reproduzimos alguns excertos abaixo, da cópia em pdf, disponível na Net].

Estas são as dicas que podemos disponibilizar, utilizando o que já se encontra disponibilizado na Net.

Pode consultar o processo individual do avô, presencialmente, no Arquivo Geral do Exército, em Chelas, tendo necessidade de ter a data e local de nascimento, e o local em que foi recenseado, caso não tenha sido o local da naturalidade.

Fui contemporâneo do Celestino Madeira, uma vez que a minha CCaç 5 [, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70,] estava dependente, operacionalmente, do BCAÇ 2835 [
Bissau, Nova Lamego, 1968/69] .

Apesar da CCaç 2316 ser uma companhia orgânica do BCAÇ 2835, nunca esteve dependente operacionalmente dependente daquele, como se pode ver pela leitura do resumo da companhia.

Em http://ultramar.terraweb.biz/index.htm, clicar em "pesquisa no portal UTW" e colocar na página que surgir, em baixo no quadro "pesquisar", o marcador  "ccac 2316", sem pontos virgulas,  cedilhas, etc.

Algo mais que possa ajudar, disponham.

Abraço para todos e um abraço ao "nosso neto" Rui, já que os netos dos nossos camaradas, nossos netos são.

Zé Martins



Actividade operacional da CCAÇ 2316



Fonte: Portugal. Estado Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 107-110 (excertos). 

3. Comentário do editor Luís Graça:

Meu caro Rui, obrigado, antes de mais, pelo elogio que faz ao nosso blogue, e pelo seu caloroso contacto, que nos obrigou a uma pesquisa adicional sobre o batalhão e a companhia a que pertenceu o seu querido avô e nosso saudoso camarada Celestino Madeira.

Temos cerca de duas de dezenas de referências à CCAÇ 2316,  que passou por Bissau, Bula, Mejo, Guileje, Gadamael, Bissau, e alguns dos capitães que a comandaram, como o Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos e o [Octávio Manuel] Barbosa Henriques (***).

Como já vimos acima, o BCAÇ 2835 (Nova Lamego, 1968/69), constituido pela CCS, e pelas unidades de quadrícula, CCAÇ 2315, 2316 e 2317, teve como unidade de mobilização o RI 15, Tomar.  Partiu para o TO da Guiné em  17/1/68, e regressou a  4/12/69. 

O nosso colaborador permanente, José Martins que conhece bem o Arquivo Histórico.Militar, já lhe disse o essencial e já satisfez, em parte, a sua legítima curiosidade como neto.  Costumamos dizer no nosso blogue, que os filhos e os netos dos nossos camaradas nossos filhos e netos são.

Ficamos muito semsibilizados pelo seu gesto. Transmita as nossas melhores saudações ao seu avô, à sua querida mãe e, a esta em particular,  diga-lhe que o pai dela e os seus camaradas da CCç 2316 foram, seguramente, homens e militares que honraram a sua Pátria e estiveram em "sítios duros de roer" como, no sul da Guiné, a região de Tombali: Mejo, Gandembel, Guileje, Gadamael, Ganturé... Temos muitas referências no nosso blogue sobre estes topónimos, que foram lugares de "sangue, suor e lágrimas".

Infelizmente não dispomos, ainda, em papel ou em suporte digital a história da CCAÇ 2316. Pode ser que o Rui a consiga obter. fotocopiada, a partir do exemplar existente no Arquivo Histórico Militar. 

Mas entretanto dê- nos  mais dados biográficos sobre o seu avó, incluindo o ano e o local do nascimento, onde mora, o que tem feito...

Pode ser, por outro lado, que haja alguns dos seus camaradas de companhia (e até do batalhão) que tenham privado mais com ele, e que nos mandem fotos e histórias passadas com ele. 

Se não achar inconveniente, divulgamos o seu nº de telemóvel para eventuais contactos dos nossos leitores. Vá-nos dando notícias. Fica aqui o seu (e nosso)  apelo. (****)

___________

Notas do editor:

 
(**) Vd. poste de 30 de junho de  2012 > Guiné 63/74 - P10093: In Memoriam (120): Cor inf ref e escritor Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (Funchal, 1938 - Lisboa, 2012), comandante das CCAÇ 727 (1964/66) e CCAÇ 2316 (1968/69) (António Costa / Carlos Vinhal) 


(*****) Último poste da série > 7 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21052: Em busca de... (306): 1º Cabo Apontador de Metralhadora, nº 03122666, José Manuel Espínola Picanço, CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) (Mário Gaspar)

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21165: Notas de leitura (1293): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Desta edição de autor, com uma tiragem de 300 exemplares, e havendo tanto esquecimento de que a região Sul conheceu a subversão em força a partir do segundo semestre de 1962, conta-se uma saga que muitos desconhecem, é a história de um batalhão que permaneceu no Sul a desbravar terreno, a fundar quartéis, como os de Guileje e Mejo, a confrontar-se com forças bem posicionadas no terreno, deram luta, foram à luta, intimidaram, e tudo isto se passou numa altura em que a guerra evoluía do abatis e da possibilidade de deslocar pelotões de reconhecimento FOX e Daimler até à chegada de armamento mais sofisticado, como os canhões sem recuo e a colocação de minas anticarro por todos os itinerários.
Documento indispensável para o estudo da guerra da Guiné numa região onde tudo nos foi acontecendo desfavoravelmente, sobretudo em 1973, muitas daquelas posições foram sendo abandonadas pela lógica da concentração de recursos, a partir de Spínola.

Um abraço do
Mário


BCAÇ n.º 513, a divisa era “Ceder Nunca” (3)

Beja Santos

BC n.º 513: uma unidade militar destinada a Moçambique, desviada à última hora para a Guiné. Primeiro constituída por uma CCS a que se juntaram Companhias de Artilharia, e depois outros, como Pelotões FOX e Daimler, de artilharia, de morteiros, e algo mais. Coube-lhes o Sul, um Sul ao Deus dará, estamos em 1963, é tudo difícil em Aldeia Formosa e nos seus amplos arredores, há regiões ricas em arroz cobiçadas pelo PAIGC, em Incassol, na região de Forriá, em Campeane, na orla de Cacine, por exemplo. Lê-se esta História do Batalhão BC 513, de Artur Lagoela, edição de autor, 2000, e fica-se com muitíssimo respeito pela sua atividade operacional: reocupação do Chão Fula e captação da população civil, já ocorreu a desarticulação daquela região Sul, com subversão, com instalação de corredores, com assaltos armados às casas comerciais, uma região totalmente controlada (Ganturé, Sangonhá, Cacoca, Cameconde e Campeane) abastecedora do Cantanhez. Ocupa-se Gadamael, cria-se da raiz Guileje, abrem-se itinerários, alguns em condições verdadeiramente épicas, como Cacine – Cameconde. Mas não só, montam-se emboscadas, uma delas dará brado, ocorreu na estrada Aldeia Formosa – Fulacunda no cruzamento de Buba, em Junho de 1964, afugentou-se a força inimiga e capturou-se muito material.

Instalados em condições precárias, conhecedores do modo como o PAIGC opera com agressividade, usando fornilhos e diferentes minas, procura-se intersetar transporte de material, patrulha-se Guileje – Gadamael, reconstroem-se pontões, reocupa-se Mejo, patrulha-se as estradas Mejo – Salancaur e Mejo – Bedanda. Fazendo o ponto da situação de ataques e flagelações entre Novembro de 1963 e Maio de 1965, desde a mais fustigada posição (Cameconde) até aquelas que esse momento tiveram a vida mais aliviada (como Guileje, Mejo, Gadamael-Porto, Cacoca e Colibuia) houve 53 de que resultaram 4 mortos e 15 feridos na tropa e 2 mortos e 10 feridos na população. São tempos irrepetíveis, em Maio de 1964 reage-se em Sangonhá a um ataque potentíssimo, a força atacante retira deixando material. Será assim em Cumbijã, aí viveram-se horas angustiantes. Escreveu-se no relatório: “Cercando a povoação de Cumbijã havia ainda vários grupos IN com metralhadoras e pistolas distribuídos por cerca de 10 grupos colocados na mata cerrada. O IN espalhava-se em leque desde Sul até Oeste. Cerca das 3h20 o ataque diminuíra intensidade até às 4h20. A esta hora recomeçou de novo, com maior intensidade com grandes gritos do IN dizendo: ‘É hoje que entramos, Cumbijã é nossa’. O inimigo proferiu ainda injúrias e asneiras sem fim ditas em português corretíssimo".

É um historial de flagelações, emboscadas sem descanso até ao fim da comissão, na região Sul: Guileje conhece a sua primeira grande prova de fogo de 29 para 30 de Novembro de 1964, o PAIGC ataca em Nhala, em Canturé, tem muita população aderente, como se escreve no relatório: “A população Beafada da região de Antuane desde cedo se ligou ao PAIGC e os Balantas que cultivam arroz nas bolanhas do rio Cumbijã seguiram-lhe os passos. Assim se estabeleceu e foi consolidando um grande conjunto de acampamentos na região de Antuane, apoiado logisticamente nas ricas tabancas existentes ao longo do rio Cumbijã. Tornou-se sempre muito difícil às nossas tropas atingir essas regiões, não só pelas grandes distâncias a percorrer como pela facilidade em impedir os movimentos, bloqueando o ponto de passagem obrigatória de Galo Bobola. Enquanto foi possível circular livremente as viaturas, confiou-se às unidades de reconhecimento da Cavalaria o patrulhamento destas áreas. Depois do aparecimento de minas em larga escala as tropas passaram a andar a pé. De igual forma a região Injassame – Incassol, foi ficando fora de controlo das nossas tropas por os acessos serem muito limitados e facilmente controláveis e a distância a percorrer foi sempre para cima dos 40 quilómetros, ida e volta”.

O histórico enfatiza a operação “Gira” que tinha por missão atacar as bases inimigas na região de Bantaela Silá – Bulel Samba – Dalael Balanta, seriam seguramente poderosas por requereram três colunas, decorreu entre 13 e 15 de Fevereiro de 1965. Temos meios aéreos alvejados, desde helicóptero a T6. No seu relatório o Comandante do BC 513, o Tenente-Coronel Luís Gonçalves Carneiro louva-se no notável comportamento de todos os Comandantes de Companhia, pela abnegação, sacrifício, serenidade e destemor exemplares de todos os militares. Com o BC 513 colaborou o Grupo de Comandos “Fantasmas”, numa operação deslocaram-se de Nhala para Incassol, percorreram a região de Canconté e Bojol Balanta, destruíram casas de mato e grandes depósitos de arroz.

Exerceram a ação psicossocial por intermédio das subunidades do Batalhão, com destaque para o setor de Buba, procurando dar confiança aos Fulas do Forriá, conquistar a confiança dos Nalus de Cacine e das populações dos regulados de Guileje e Gadamael, deu-se assistência a cidadãos da República da Guiné que passaram a procurar regularmente os postos de socorros de Cacoca e Sangonhá. Escreve-se no relatório que foram recuperados cerca de 580 indivíduos até Maio de 1965, estavam refugiados na República da Guiné.

Os últimos meses deste Batalhão foram passados na região de Nhacra, entre Maio e Agosto de 1965. Agradece a colaboração de muitos: às Companhias do BCAV n.º 705, na região de Buba, ao apoio dos paraquedistas em Guileje, aos comandos “Fantasmas” em Buba e Cacine. E assim termina o relatório: “Mas o BC 513 não poderia anunciar todos os êxitos que constam da sua história sem o extraordinário e valoroso auxílio que lhe foi prestado pela Força Aérea. Também as Forças Navais prestaram uma valiosa colaboração, tanto em ações de combate como nos reabastecimentos. A sua presença constante na fiscalização dos rios foi importante para se manterem as possibilidades de acesso a todas as Companhias do Batalhão, cuja ligação por terra foi durante muito tempo impossível”.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21144: Notas de leitura (1292): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21144: Notas de leitura (1292): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Lê-se este histórico do BCAÇ n.º 513, e temos que preitear o denodo e os sacrifícios que este contingentes provaram em Aldeia Formosa, na ocupação de regiões abandonadas como Gadamael, Guileje ou Mejo, na abertura de itinerários, e no esforço de cortar o corredor de Guileje, procurando algum domínio da chamada fronteira Sul.
Há algo de épico neste relatos, no destemor destes Pelotões Daimler e Fox, nos levantamentos de dezenas e dezenas de minas anticarro, nas flagelações, na reação às emboscadas. Um histórico que permite avaliar os duros combates que se travaram para fixar populações e tropas, naquele combate sempre atrabiliário entre combater forças de guerrilha que podia atuar tanto a partir de uma base externa como, como se comprovará, a partir de bases como Salancaur. Haverá um momento, a partir de 1968, em que se contestará este tipo de dispersão de forças, criticando a fundo a existência de aquartelamentos que marcavam presença mas que não possuíam capacidade ofensiva.
Lê-se agora à distância dos anos que foi esta fixação que teve o mérito de travar a avalancha de um PAIGC que sonhava em mostrar o Sul com uma total zona libertada.

Um abraço do
Mário


BCAÇ n.º 513, a divisa era “Ceder Nunca” (2)

Beja Santos

O livro intitula-se BC 513 História do Batalhão, por Artur Lagoela, edição de autor, 2000. Para quem esteja reticente e cético quando à importância destes documentos, mais a mais publicados muitas décadas depois dos acontecimentos vividos, recomendo vivamente a leitura deste histórico. E por razões muito simples: o investigador ou o simples leitor interessado vão aqui encontrar informações sobre o estado do Sul da Guiné em 1963 e como reagiram as nossas tropas a uma situação verdadeiramente caótica em que a guerrilha, por força da intimidação, do terror puro ou das muitíssimas formas de apoio que recebeu, se assenhoreou do terreno, havia que o repelir. E há algo de épico nas lutas travadas pelos diferentes contingentes BC n.º 513, num tempo em que as autometralhadoras puderam ter um papel relevante e os sapadores viveram assoberbados a detetar e a levantar minas antipessoal e anticarro.

Primeiro esforço de guerra, reocupar o Chão Fula, depois procurar atuar no corredor de Guileje, criar novos destacamentos, como o Mejo, Colibuia e Guileje. Escreve o autor que em toda a região não havia um único europeu, no meio de toda aquela desarticulação, uns procuraram apoio em Buba e Aldeia Formosa, muitos aderiram ao PAIGC e outros refugiaram-se na República da Guiné. Havia que convencer os Fulas a cultivar o arroz, que antes da guerra era cultivado pelos Balantas, pois bem, o Forreá autoabasteceu-se, quando o BC 513 deixou a zona Sul, 30 tabancas ficaram organizadas em autodefesa com redes de arame-farpado e com abrigos. Os Fulas armados atuaram na região de Incassol e causaram destruições ao inimigo. Em 29 de Novembro de 1964, Guileje foi pela primeira vez atacada, todas as casas da tabanca foram incendiadas e destruídas.

O autor descreve a situação geral na fronteira Sul, recorda que o rio Cacine com os seus inúmeros braços penetra até próximo de Guileje. A zona de fronteira é constituída por uma estreita faixa de terreno entre Cacine e Guileje. Nas regiões de Guileje e Aldeia Formosa formam-se dois corredouros terrestres de comunicação com o interior separado pelos rios Cumbijã e seus afluentes Balana e Balanazinho. Ao longo de toda a faixa terrestre entre Cacine e Guileje corre uma estrada que se prolonga através das pontes sobre os rios Balana e Balanazinho para Mampatá e Aldeia Formosa. Esta estrada liga as povoações de Cacine, Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Gadamael, Guileje, Gandembel (destruída) e Mampatá. A subversão armada manifestou-se na região de Sangonhá, onde os grupos aliciadores da FLING foram dominados e ultrapassados pelo PAIGC, este teve grande apoio dos Beafadas da região. Assaltos armados às casas comerciais de Gadamael Porto e Cacoca e outros atos de rebelião conduziram a região à colaboração integral com o inimigo, a autoridade portuguesa volatizou-se. A região Fula de Guileje foi abandonada.

Segue-se o histórico da progressão das forças do BC n.º 513. Em 17 de Dezembro de 1963 ocupou-se Gadamael, construindo-se aquartelamento a partir do nada. De 4 a 8 de Fevereiro do ano seguinte ocupou-se Guileje. Em 20 de Fevereiro abriu-se o itinerário Guileje - Gadamael. De 21 a 25 de Fevereiro ocupou-se Ganturé. De 7 de Março a 15 de Abril houve patrulhamentos nos itinerários Aldeia Formosa – Gadamael – Guileje – Mejo, as forças do PAIGC emboscaram por diversas vezes. Em 21 de Maio ocorreu a abertura o itinerário Gadamael – Sangonhá e ocupou-se Sangonhá que logo fio atacada com invulgar violência. Em 24 de Julho deu-se a abertura do itinerário Sangonhá – Cacoca. Deu-se por concluída a abertura do itinerário Aldeia Formosa – Cacoca ao longo de toda a fronteira Sul. Nos regulados de Guileje, Gadamael e Cacine as populações sentiram-se mais seguras. A CART n.º 496, instalada em Cacine passa a executar patrulhamentos na direção de Cameconde. Entre 30 de Novembro e 10 de Dezembro fez-se a abertura do itinerário Cacoca – Cacine e a ocupação de Cameconde. Dava-se por concluída a abertura do itinerário Cacine – Cacoca – Guileje – Mampatá – Aldeia Formosa – Buba. Para completar a ligação por estrada entre as companhias do designado Setor E, faltava abrir à circulação o troço Cacoca – Cacine. Diz o autor que o moral do inimigo era de prever que fosse elevado já que tinha até então oposto com êxito grande resistência à entrada das tropas de Cacine em Cameconde. O PAIGC alardeava que a tropa nunca entraria em Cameconde. É neste contexto que decorre a operação “Fecho”, perfura-se o itinerário Cacine – Cameconde com o apoio da Força Aérea, intervêm uma Companhia de Artilharia e um Pelotão de Reconhecimento, vai à frente o Pelotão Daimler 947 reforçado, seguem sapadores, enquanto as forças navais executam uma operação de diversão.

Haverá muito tiroteio, mas a estrada que segue para Cacoca foi aberta e o Comandante do Batalhão faz os seus comentários:  
“a. A abertura do itinerário Cacoca – Cameconde – Cacine foi feita por duas colunas de Cavalaria, reforçadas, partindo simultaneamente uma de Cacoca e outra de Cacine. Todos os Pelotões de Reconhecimento de Cavalaria ao serviço do BC 513, estavam desejosos de tomar parte nesta operação com a qual se completava a missão geral que lhes fora atribuída de ligar por estrada Buba com Cacine. Não foi, porém, possível atribuir tal missão ao Pelotão FOX 888 que não convinha retirar da Aldeia Formosa. Este facto e o conhecimento das dificuldades criadas pelo IN ao movimento das nossas tropas no sentido Cacaca – Cameconde, levou-nos a decidir que desta vez a acção principal fosse feita no sentido Cacine – Cameconde e portanto em força, reservando para a outra coluna uma progressão mais lenta e cuidada. Isto obrigou a transferir previamente para Cacine, por barco, todos os materiais necessários à instalação das defesas iniciais e também o pessoal da CCS (sapadores) que tinha a missão de as construir. Ali se concentrou ainda um novo Pelotão de Reconhecimento de Cavalaria, o Pelotão Daimler 947.
b. A ocupação de Cameconde era uma velha aspiração da CART n.º 496. O moral da Companhia subiu muito com a sua realização.
c. Saliente-se o extraordinário esforço despendido pelo Pelotão FOX 963 que no dia 29 tivera de acorrer de Ganturé a Guileje em situação de emergência e no dia 30 se deslocou para Cacoca para logo no dia imediato executar a acção.
d. Contudo, as honras inteiras desta acção cabem ao Pelotão Daimler 947, que suportou todo o peso do inimigo com a maior coragem e decisão, acabando por expulsá-lo do seu último reduto”.

Mas a luta pelo domínio das comunicações do setor não tinha pausas. O PAIGC levava a efeito inúmeras emboscadas ao longo de todos os itinerários controlados pelas nossas tropas em especial no de Buba – Aldeia Formosa e Rio Balana – Gadamael, implantou minas, montou emboscadas, muitas vezes conjugadas com o rebentamento de fornilhos. Empenhou-se na destruição das principais pontes e pontões do setor. Na totalidade, o IN implantou 66 minas anticarro, das quais foram detetadas e levantadas 46.

Até 1965, data da sua transferência para a ilha de Bissau e região de Nhacra, o BCAÇ nº 513 averba inúmeras ações que irão ser descritas no próximo e último texto que dedicamos a uma unidade que teve um comportamento admirável num dos teatros de operações mais hostis, entre 1963 e 1965.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21120: Notas de leitura (1291): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20283: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte IV


Foto 1 – Mais uma imagem de explosão de mina anticarro, provavelmente accionada por viatura militar, situação que poderia suceder de forma absolutamente imprevisível, pondo em risco de vida todos os seus ocupantes, nomeadamente os condutores auto rodas.


Fonte: Centro de Documentação da Universidade de Coimbra (Arquivo electrónico),
   com a devida vénia.




  O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
indigitado régulo da Tabanca de Almada; 
tem 230 registos no nosso blogue.



ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE DOENÇA – PARTE IV



1. – INTRODUÇÃO

Eis o quarto fragmento desta temática iniciada no poste P20126, que combina o interesse pessoal com a busca de outros elementos historiográficos emergentes na natureza da guerra. Assim sendo, prosseguimos com a divulgação e análise de mais alguns resultados apurados, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.

2. – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)

Como temos vindo a referir, a análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, foi feita a partir dos casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "Dados Oficiais", elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).


Quadro 1 – Distribuição de frequências das variáveis categóricas "em combate" ("contacto", "minas" e "ataque ao aquartelamento"), segundo a relação "ano" e "estação do ano". Considerou-se "Estação Seca", o período entre 1 de Maio e 15 de Outubro, e "Estação das Chuvas", o período entre 16 de Outubro e 30 de Abril.



Gráfico 1 – Distribuição de frequências acumuladas segundo a variável categórica "em combate", por "ano" e "estação do ano".


No que concerne à distribuição de frequências acumuladas relativas à "Estação do Ano" em que ocorreram mortes de condutores auto rodas do Exército, o estudo mostra que não existem diferenças significativas entre "época seca" e "época das chuvas".

São excepções os anos de 1964, 1966 e 1973. Em 1964, registaram 10 casos na "época seca" contra  2 casos na "época das chuvas". Igual tendência foi observada no ano de 1966 (10 contra 5). Em 1973, verifica-se uma tendência de sentido contrário, com 8 casos na "época das chuvas" contra 2 casos na "época seca".

Em suma, este estudo não nos permite concluir que a "estação do ano" tenha tido alguma influência quantos aos casos de mortes em análise.



Gráfico 2 – Distribuição de frequências acumuladas segundo a variável categórica "em combate - por contacto", por "ano" e "estação do ano".

Quanto à distribuição de frequências acumuladas "em combate - por contacto", relativas à "Estação do Ano", o estudo mostra que continuam a não existir diferenças relevantes entre "época seca" e "época das chuvas". São excepções, uma vez mais, os anos de 1964, 1966 e 1973. Em 1964, registaram 10 casos na "época seca" contra 2 casos na "época das chuvas". Igual tendência foi observada no ano de 1966 (7 contra 3). Em 1973, verifica-se uma tendência de sentido contrário, com 5 casos na "época das chuvas" contra 2 casos na "época seca".


3. – MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"

Neste terceiro ponto, continuamos a observar um dos principais objectivos deste trabalho onde, para além dos números, se recuperam algumas memórias, sempre trágicas, quando estamos em presença de perdas humanas… umas confirmadas ao nosso lado; outras, um pouco mais distantes. Seguimos, agora, com a descrição de mais três "casos" (de um total de trinta e três), enquadrados pelos contextos conhecidos. A principal fonte de consulta continua a ser o vasto espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.


3.10 - 05 DE FEVEREIRO DE 1966: A TERCEIRA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA - O CASO DO SOLDADO AIRES DE JESUS FERREIRA, DA CCAÇ 674, ENTRE CANHÁMINA E CAMBAJÚ (BONCÓ)

A terceira morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, foi a do soldado Aires de Jesus Ferreira, natural de Pombal, Leiria, ocorrida no dia 05 de Fevereiro de 1966, sábado, no itinerário entre Canhámina e Cambajú, perto da Tabanca de Boncó.

Este acontecimento também ficou gravado, na cronologia historiográfica da guerra, como sendo o primeiro no território a Norte da Guiné (Bissau), a poucos quilómetros de Cambajú, localidade situada na fronteira com a República do Senegal.

Por curiosidade, este episódio ocorreu na região que viu nascer o nosso colaborador permanente, e grande amigo da «Tabanca Grande», Cherno Baldé, que, naquela data, teria cinco/seis anos e, daí, certamente, desconhecê-lo.

O contingente a que pertencia o soldado condutor Aires de Jesus Ferreira era a CCAÇ 674, Unidade mobilizada pelo Regimento de Infantaria 16 [RI 16], de Évora, do Cap Inf José Rosado Castela Rio. Chegou a Bissau em 13Mai64, tendo regressado ao Continente em 27Abr66, por ter concluído a sua comissão de serviço.

A missão operacional desta Unidade, representada na infogravura ao lado, iniciou-se com a deslocação, em 01Jul64, para Fá Mandinga, onde chegou como reforço do dispositivo e manobra do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos]. 

Uma semana depois, em 08Jul64, assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, então criado na zona de acção [ZA] do seu Batalhão, e depois do BCAV 757 [23Abr65-20Jan67; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso], tendo destacado um Gr Comb para Canhámina, desde o início de Out64 até 21 do mesmo mês, seguidamente instalado em Cambajú até 03Abr66. 

Destacou ainda outro Gr Comb para Contuboel, desde finais de Out64 até à chegada da CCAV 705 [?] e consequente transformação em subsector.

Em 12Abr66, foi rendida no subsector de Fajonquito pela CCAÇ 1497 [26Abr66-04Nov67; do Cap Inf Carlos Alberto Coelho de Sousa (1º) e Cap Mil Inf Carlos Manuel Morais Sarmento Ferreira (2º)], por troca, recolhendo a Bissau, onde permaneceu temporariamente integrada no BCAÇ 1876 (26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior), até à sua substituição pela CCAÇ 1565 [26Abr66-22Jan68; do Cap Mil Inf Rui António Nuno Romero (1.º), Cap Inf José Lopes (2.º) e Cap Mil Inf João Alberto de Sá Barros e Silva (3.º)], e subsequente embarque de regresso. É de referir que esta Companhia não tem História da Unidade (Ceca, 7.º vol; p331).

A única fonte bibliográfica que se conhece é o livro «O meu Diário, Guiné – 1964/1966 – Companhia de Caçadores 674, de Inácio Maria Góis. Edição do Autor. Gráfica Mineira, Aljustrel. Abril 2006 [P2286], conforme capa ao lado. 

Como já foi referido anteriormente, um dos objectivos desta série é adicionar valor histórico ao contexto onde se verificou cada uma das mortes de condutores auto rodas, por efeito do rebentamento de explosivos (minas e seus suplementos). Daí que, este ponto teria menos significado e importância, caso não aproveitasse o "caldo de cultura" que o Cherno Baldé ["Jubi", como classifica a sua infância em Fajonquito], nos tem presenteado ao longo dos anos, fazendo "engordar" o, já, notável espólio do blogue. Aconselho, por este motivo e por todos os outros não referidos, a "saborear" a sua leitura, um dos cinco sentidos da natureza humana. 

Porque era impossível resumir as suas narrativas, sob pena de se adulterar o sentido de cada explicação, o melhor método recaiu na citação de alguns dos muitos detalhes, aqueles que considerámos pertinentes para este contexto.

Assim, quanto à localização de Cambajú, para onde seguiu, em Outubro de 1964, um Gr Comb da CCAÇ 674, como reforço do destacamento de milícias aí colocado para assegurar a defesa da sua população e das suas rotinas, "estava situada mesmo na linha de fronteira com o Senegal, o que lhe emprestava um certo ar cosmopolita onde se cruzavam pessoas de várias origens e destinos e um certo movimento de vaivém de pessoas e mercadorias com as suas três ou quatro casas comerciais, algumas pequenas boutiques e contrabando pra cá e pra lá das duas fronteiras" (Cherno Baldé; poste P4567).

Por outro lado, o ano de 1965, é a "altura em que a guerra para a independência se alastrava rapidamente e aterroriza as aldeias daquela área e obrigava a uma concentração maior da população em certos locais com algumas garantias de defesa e protecção militar, Contuboel, Saré-Bacar, Cambajú e Fajonquito constituíam as praças-fortes da área.

"Foi nesse ano, com cinco/seis de idade, como refere Cherno Baldé, "que vi pela primeira vez homens  brancos, armados e equipados para a guerra, que se instalaram em Cambajú, onde o pai era empregado de uma casa comercial… a primeira visão foi de terror e fascínio. 

"Quando chegaram as viaturas, estávamos a jogar no largo da zona comercial que também fazia de paragens para as carroças que traziam mercadorias. Foi o barulho dos motores que nos alertou, como habitualmente, corremos atrás dos veículos, e foi nessa altura que reparamos no insólito. As pessoas que estavam sentadas em cima dos veículos, todos vestidos com o mesmo tipo de tecido, um chapéu que se estendia de trás para a frente da mesma cor na cabeça e uma arma entre as pernas, completamente imóveis, não eram pessoas normais, como estávamos habituados a ver. Eram brancos, meu Deus do céu, tão branquinhos que se podia ver o sangue vermelho rubro a correr nas veias. (…)

"No dia seguinte, através do meu amigo e colega Samba, fiquei a saber que tudo não passara de um susto injustificado pois aqueles sujeitos eram soldados portugueses vindos directamente de Portugal, o que queria dizer nossos amigos e aliados."  (Cherno Baldé; poste  P4580).

Outros aspectos, desenvolvidos nos seus escritos, podem ser consultados em «Memórias do Chico, menino e moço»,  de Cherno Baldé. Obrigado!


3.11 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ARMÉNIO MOUTINHO DA COSTA, DA CART 1661, EM 07.OUT.1967, ENTRE PORTO GOLE E BISSÁ

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Arménio Moutinho da Costa, natural de Gondim, Maia, em 7 de Outubro de 1967, sábado, no Hospital Militar 241, em Bissau, ocorreu um dia depois da viatura que conduzia ter accionado uma mina anticarro, incendiária, na estrada entre Porto Gole e Bissá.

Pertencia à CART 1661 (02Fev67-19Nov68) que, no espaço de três semanas, ficara sem dois condutores auto rodas, o primeiro - o soldado Manuel Pinto de Castro, em 16Set67 - caso abordado no poste anterior [P20217, ponto 3.8], e três viaturas, para além de outras baixas, entre feridos e mortos.

Para a descrição deste doloroso acontecimento, recorremos, de novo, à análise de conteúdo do livro (Diário do autor) do camarada Abel de Jesus Carreira Rei «Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968», edição de autor. Lousa. 2002, conforme capa ao lado.

Refere que Setembro e Outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661, onde o primeiro morto da companhia ocorre ao oitavo mês de comissão, em 16Set67, por efeito da explosão de uma mina anticarro, no cruzamento da estrada para Mansoa, quando uma coluna auto, saída de Porto Gole, ia ao encontro de forças de Bissá com o objectivo de lhes fazer a entrega de géneros alimentícios.

Depois, a 5 de Outubro de 1967, 5.ª feira, uma outra viatura, na estrada Porto Gole - Bissá, faz accionar outra mina anticarro, originando mais uma baixa mortal e duas dezenas de feridos. No dia seguinte, ou seja em 06Out67, 6.ª feira, uma nova mina anticarro, esta incendiária, é accionada perto do local da mina anterior, provocando alguns mortos e feridos, entre eles o soldado Arménio Moutinho da Costa que foi evacuado para o HM 241, juntamente com os seus camaradas com ferimentos graves, em particular queimaduras provocadas pela explosão. Dos evacuados, seis acabariam por falecer em Bissau nos dias seguintes, enquanto dois pereceram no Hospital Militar Principal, em Lisboa, a 14 e 23 do mesmo mês.

Para que conste na historiografia desta ocorrência, elaborámos um quadro detalhado dos onze mortos provocados pelas duas minas anticarro, accionadas a 5 e 6 de Outubro de 1967, no cruzamento de Mansoa, no itinerário entre Porto Gole e Bissá, de que foram vítimas os seguintes militares da CART 1661.




3.12 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ADELINO DAS DORES RODRIGUES PEREIRA, DA CCAÇ 2316, EM 05.JUN.1968, ENTRE GANDEMBEL E GUILEJE

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Adelino das Dores Rodrigues Pereira, natural de Campia, Vouzela, ocorreu em 05 de Junho de 1968, 4.ª feira, por efeito do rebentamento de um engenho explosivo, no decurso da «Operação Boa Farpa – 05 e 06 de Junho'68», missão que incluía a escolta a duas colunas entre Aldeia Formosa - Gandembel - Guileje - Gandembel, locais da região de Tombali, no Sector S2.

Para além da baixa mortal do Adelino das Dores Rodrigues, membro da CART 2316 (Jan68-Nov69), verificou-se, ainda, a morte do Alf Mil Inf Álvaro Ferreira do Vale Leitão, natural de Taveiro, Coimbra, da CCAÇ 2317, pelo mesmo motivo.

Para a elaboração deste subponto foram utilizadas, como principais fontes de consulta, as Oficiais publicadas pelo Estado-Maior do Exército, elaboradas pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo II, Guiné, Livro 2, 1.ª Edição, Lisboa (2015), p171, e o livro de Idálio [Rodrigues Ferreira] Reis: «A C.Caç.2317, Na Guerra da Guiné. Gandembel / Ponte Balana». Edição do autor. Fev/2012
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«OPERAÇÃO BOA FARPA» - 05 E 06 DE JUNHO DE 1968

A operação em título foi programada pelo BART 1896 [18Nov66-18Ago68], sob a liderança do TCor Art Celestino da Cunha Rodrigues. Esta Unidade ao render o BCAÇ 1861 [23Ago65-17Abr67; do TCor Inf Alfredo Henriques Baeta], em 05Abr67, assumiu a responsabilidade do Sector Sul 2 [S2], com sede em Buba e englobando os subsectores de Sangonhá, Gadamael, Cameconde, Guileje, Aldeia Formosa e Buba e ainda uma companhia em Mejo [CCAÇ 2316], até 28Mai68, para actuação continuada no corredor de Guileje. Em 09Abr68, foi criado o subsector de Gandembel, e, em 12Jun68, a sua zona de acção foi reduzida da área de Aldeia Formosa, que foi atribuída à responsabilidade operacional do COSAF [Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa], então criado. 

Esta operação de dois dias – 5 e 6 de Junho'68 – visava garantir a segurança a uma coluna com dois itinerários diferentes ligando Aldeia Formosa a Gandembel e Guileje a Gandembel. Cada um dos trajectos contava com apoio aéreo. 

Para cumprir os diferentes objectivos, foram mobilizadas as seguintes forças:

► 1GC/CART 1612 [18Nov66-18Ago68], do Cap Art Orlando Ventura de Mendonça. Esta Unidade seguiu em 13Dez66 para Bissorã, a fim de efectuar a segurança e protecção dos trabalhos de reabertura do itinerário Bissorã-Bula, ficando na situação de reforço do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Henrique Alves Calado (1920-2001); atleta olímpico] e depois do BCAÇ 1876 [26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior], tendo ainda efectuado diversas operações nas regiões de Insumeté, Insantaque e Iusse, entre outras. (…) 

Em 18Nov67, por rotação com a CCAÇ 1591 [01Ago66-09Mai68; do Cap Inf Luís Carlos Loureiro Cadete], assumiu a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, tendo destacado Grs Comb para instalação, por períodos variáveis, em Colibuia, Cumbijã, Chamarra e Porto Balana. Em 13Jul68, foi substituída no subsector de Aldeia Formosa pela CCAÇ 2382 [06Mai68-03Abr70; do Cap Mil Art Carlos Nery de Sousa Gomes de Araújo] e recolheu a Bissau até ao embarque de regresso. (Ceca; 7.º vol; p 210).

► CCAÇ 2316 [24Jan68-08Nov69], do Cap Inf Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (1.º), Cap Inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira (2.º); Cap Art Octávio Manuel Barbosa Henriques (3.º) e Cap Cav José Maria Félix de Morais (4.º). Esta Unidade, inicialmente colocada em Bissau, como subunidade de reserva do Comando-Chefe, deslocou dois Grs Comb para Bula em 01Fev68, a fim de efectuar o treino operacional e colaborar na segurança aos trabalhos da Estrada Bula-João Landim, sob orientação do BCAV 1915 [14Abr67-03Mar69; do TCor Cav Luís Clemente Pereira Pimenta de Castro]. A partir de 18Fev68, toda a subunidade foi destacada para Bula. 

Em 20Mar68, seguiu para Mejo, a fim de reforçar os meios do BART 1896, tendo substituído a CCAÇ 1622 [18Nov66-18Ago68; do Cap Mil Inf António Egídio Fernandes Loja], em 22Mar68. De 25Abr68 a 15Mai68, na sequência da «Operação Bola de Fogo», para ocupação e construção do aquartelamento respectivo, deslocou parte dos seus efectivos para Gandembel, em reforço da sua guarnição. 

Em 28Mai68, mantendo dois Grs Comb no destacamento de Mejo assumiu a responsabilidade do subsector de Guileje, no mesmo sector do BART 1896, e depois do BCAÇ 2834, e, de 29Ago68 a 07Dez68 do COP 2, tendo substituído a CART 1613 [18Nov66-18Ago68; do Cap Mil Grad Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz (1.º) e Cap Art Eurico de Deus Corvacho (2.º)].

Em 23Jan69, o destacamento de Mejo, sob o qual o inimigo exercera forte pressão e fortes ataques no final do ano anterior, foi extinto e os Grs Comb recolheram a Guileje. (…) (Ceca; 7.º vol; p 107).

► 1GC/CCAÇ 2317 [24Jan68-04Dez69], do Cap Inf Jorge Barroso de Moura (1.º) e Cap Inf António José Claro Pinto Guedes (2.º). Esta Unidade, inicialmente colocada em Bissau, como subunidade de reserva do Comando-Chefe, seguiu por fracção, em 01Fev68 e 18Fev68, para Bula, a fim de efectuar a adaptação operacional sob orientação do BCAV 1915. Em 02Mar68, deslocou-se para Mansabá, a fim de reforçar o BCAV 1897, com vista à realização da «Operação Alma Forte», na região de Tancroal, recolhendo a Bissau, em 17Mar68. Em 20Mar68, foi deslocada para Guileje, sendo atribuída ao BART 1896 e depois ao BCAÇ 2834 e, de 20Ago68 a 07Dez68, ao COP 2, a fim de reforçar a guarnição local.

A partir de 09Abr68, tomando parte da operação «Bola de Fogo» assumiu a responsabilidade do subsector de Gandembel, então criado, procedendo à ocupação e construção do aquartelamento daquela localidade. Em 29Jan69, por evacuação dessa guarnição e a consequente extinção do subsector de Gandembel, recolheu temporariamente a Aldeia Formosa, no sector do BCAÇ 2834. A partir de 08Fev69, foi atribuída ao COP 4, instalando-se em Buba, para colaboração na segurança e protecção aos trabalhos da Estrada Buba-Aldeia Formosa e onde se manteve até 14Mar69, após o que seguiu para Nova Lamego. (…) (Ceca, 7.º vol; p 108).

► PRecFox 1165 [17Jan67-01Nov68], do Alf Mil Cav Michael Winston Schnitzler da Silva. (únicos dados encontrados)Fox 2022 [15Jan68-23Nov69] (Únicos dados encontrados)

► Para além das Unidades acima, participaram, ainda, o PCaç 51; PCaç 69 e 2 PBAÇ 1, com apoio aéreo. 



Infogravura do mapa da região de Tombali, onde decorreu a «Operação Boa Farpa»

Desenrolar das acções (síntese)

[A referida no 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, p 171 – CECA]
"Em 05 e 06Jun [1968] – «Operação Boa Farpa». Forças da CArt 1612, CCaç 2316, 1 GC/CCaç 2317, PCaç 51, PCaç 69, 2.º e 3.º PBAC 1, 1 PRecFox 1165 e PRecFox 2022, com o apoio aéreo, realizaram uma escola a uma coluna entre Aldeia Formosa-Gandembel-Guileje-Gandembel, S2.
Em 05 [Junho], no itinerário Guileje-Gandembel, a NT foram emboscadas, por duas vezes.

No regresso a Guileje, as NT sofreram outra emboscada, neutralizaram sete fornilhos e accionaram um engelho explosivo, sofrendo dois mortos [Adelino das Dores Rodrigues, condutor auto rodas da CCAÇ 2316, e Álvaro Ferreira do Vale Leitão, alferes da CCAÇ 2317], cinco feridos e danos em duas viaturas." 

[A referida por Idálio Reis, no seu livro (pp 163-164) acima citado]

● Antecedentes: 

Gandembel/Ponte Balana continuava a precisar de mais alguns materiais de construção, para acabar definitivamente com as casernas-abrigo, em especial para o reforço das suas coberturas, a fim de os seus homens se protegerem da inclemência das chuvas, e principalmente da deflagração de uma qualquer granada de morteiro. Ainda restava em Guileje, algum desse material, e também lá se encontrava um Gr Comb para regressar ao seio da nossa Companhia. A parte restante do material, os víveres e outros meios logísticos, poderiam aparecer do lado de Aldeia Formosa.

● O que se seguiu:

"E a 5 de Junho [de 1968], partem duas colunas de ambas as origens, e que para efeitos de protecção, foi lançada a «Operação Boa Farpa». A proveniente de Aldeia [Formosa], vem e regressa no mesmo dia, sem incidentes. Contudo, a de Guileje, com a participação da CCAÇ 2316, é sujeita a fortes ataques, por força de emboscadas envolvidas com o rebentamento de fornilhos, que vêm a provocar dois mortos e mais de uma dezena de feridos evacuados para Bissau, para além da destruição de uma viatura; há a registar o rebentamento de onze fornilhos a todo o comprimento da coluna, além da deflagração de mais minas antipessoais, e a visão de uma série de fios eléctricos que conduziam a sete fornilhos, o que levou a que alguns militares, em acto brutal de desespero, onde tudo é oprimente, a tentar cortá-los com os dentes.

Desta fatídica coluna, a nossa Companhia [CCAÇ 2317] perde o seu 3.º elemento, o alferes Álvaro Vale Leitão, que é atingido mortalmente na cabeça por fragmentos de um fornilho (…)."


Infogravura da foto de Luís Guerreiro, ex-Fur Mil do 4.º Gr Comb da CART 2410 ("Os Dráculas" – Gadamael, Ganturé e Guileje, 1968/70), referente a uma coluna de Gadamael para Guileje (subida depois do cruzamento), realizada em 19Mar1969 – P5637, com a devida vénia. A meio da imagem, à esquerda, é possível identificar uma viatura destruída por efeito de uma explosão que, tudo leva a crer, seria a que é referida na descrição acima.

[Continua]

Fontes Consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

11Out2019

© Jorge Araújo (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série de 8 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20217: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte III