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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22797: O meu sapatinho de Natal (8): os últimos cinco Natais (, de 2021 a 2017), pelo nosso "poeta todos os dias", o 1º srgt art ref Silvério Dias, também conhecido como radialista do Pifas ou "senhor Pifas"


Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30> A antiga equipa que deu voz e alma ao PIFAS: o primeiro sargento Silvério Dias (nosso grã-tabanqueiro nº 651) e a famosa "senhora tenente", sua esposa. (*)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso camarada o Silvério Dias, o 1º srgt ref, radialista do PIFAS, é um cso extraordinário de "resistência e resiliência" contra os "males da idade"...Diz-nos ele: "Vou caminhando em passo lento para os 88. Corpo cansado mas com a mente ligeira. Poesia todos os dias no blogue que se conhece."



É o autor do blogue "Poeta todos os dias", que ja existe desde 2011 e onde todos os dias, publica um, dois, três, quatro , cinco ou seis apomtamentos poéticos, em geral, quadras populares, sobre temas do quotidiano... Já tevee mais de 363 mil vizualizações de páginas. Apresenta-se nestes termos singelos: "Sou da Beira; ex-militar; India,Moçambique e Guiné. Na velhice o vicio da poesia, e o amor que me une às boas tradições beirãs".

Natural de Sarnadinha, Vila Velha de Ródão, é autor do livro  de poesia "Neste lugar onde nasci" (2017) (, apresentado na 
Biblioteca Municipal de Vila Velha de Ródão em 23 de março de 2017).


Recorde-se aqui o seu percurso de vida:

(i) ex-2º srgt art, CART 1802, Nova Sintra, 1967/69;
(ii) 1º srgt art, locutor do PFA, 'Pifas', Bissau QG/CTIG, 1969/74, onde trabalhou com Ranalho Eanes e Otelo, entre outros;
(iii) civil, foi delegado de propaganda médica, 1974/76, em Bissau;
(iv) hoje, 1º srgt art ref; beirão, casado com a "senhora tenente", também do 'Pifas'; vive em Oeiras.


2. Dblogue "Poeta Todos Dias", reproduzimos, com a devida vénia,  os seguintes versos, alusivos ao Natal, ou ao período natalício, e referentes aos últmos cinco anos: 2021, 2020, 2019, 2018 e 2017. 

É uma pequena antologia, e também uma singela homenagem, da Tabanca Grande, so senhor PIFAS, com votos que não lhe falte a ele, e à senhora "tenente", motivos para continuar a celebrar, em verso (e com o humor q.b.),  a vida e o amor.


O PRESÉPIO  [2021]

Desde sempre, original,
no assinalar o Natal.
Enlevo dos mais pequenos,
elaborado pelos adultos,
é um dos maiores cultos.
De longa data, os conhecemos.

O tive, quando criança,
sempre na ardente esperança
da dádiva do Deus-Menino.
Sapatinho na chaminé,
animado da maior fé,
a noite num desatino ...

Veio depois o Pai Natal,
sem dúvida bem desigual.
Bonacheirão, barba branca
e de vermelho trajado,
um novo modo, inventado,
à ignorância, fazendo estampa!

É, o "Natal Comercial",
novidade mas irreal,
visando o lucro vantajoso.
Uma explosão de alegria,
a que falta, a nostalgia
do simples, tão gostoso ...

Ainda guardo Presépio antigo.
Feito por mim, o bendigo.

Poeta Todos os Dias, 9 de dezembro de 2021, 08:58

UMA HISTÓRIA DE NATAL  [2020]

Brilhavam nos altos Céus
milhares de belas estrelas
quando a palavra de Deus,
as chamou a todas elas.

Lhes disse de modo brando:
"Tereis missão a fazer.
Uma de vós, a meu mando.
Ir ver, meu Filho que vai nascer".

Respondeu a Estrela do Norte:
"Senhor, poderei ser eu.
Dai-me, uma luz bem forte"...
E foi assim que aconteceu.

O Senhor Todo Poderoso
indicou qual a missão:
Guiar de modo cauteloso
uns Magos de adoração.

Iluminando esses Reis
por terras de Galileia,
até Belém, como sabeis,
foi cumprida a odiseia.

Satisfeita a vontade de Deus,
nascido o Menino Jesus,
que seria Rei dos Judeus
e morreu, pregado na cruz.

Após isso, pelo Natal,
quem elevar a vista ao Céu,
verá, bela e sempre igual,
estrela que nunca morreu!


Bastará acreditar,
com toda a fé, no altar.

Poeta todos os dias, 22 de dezembro de 2020, 9:36

NATAL BEIRÃO  [2019]

Celebrar o Natal Beirão,
Na mais pura tradição,
Impõe o fritar as filhós,
Assistir à "Missa do Galo"
E sentir todo esse regalo,
Que junta netos e avós.

Bem assim, toda a Família,
Na Santa Noite da Vigília.

Poeta Todos os Dias 16 de dezembro de 2019, à(s) 07:40


POSTAIS DE BOAS FESTAS  [2018]


Feliz Natal, a celebrar.
Quem, por mal, apenas
Se ficou, só no desejar,
Carpindo, ais e penas,

Pois, nessa desgraça,
Compaixão se lhe faça.

Aos que não têm festa
E só Esperança lhes resta,
Estou com eles e neles penso.
Pela Fé, sejam "alimentados"
E possam ver, ultrapassados,
Os motivos, do bem suspenso.

Este novo,festejado Natal,
Terá mais luz e muita cor
Mas ganhou, por nosso mal,
O que se perdeu, em Amor.

Do Presépio da simplicidade
Ao fausto do esbanjamento,
Perdeu-se, a notável verdade
Da noite de encantamento.

Anunciada a boa nova
De que o Menino nasceu
O poeta compôs a trova
E esta quadra apareceu.

Poeta todos os dias, 23 de dezembro de 2018,0 9:07

FESTA DO NATAL [2017]


Terminada a festa,
É ver o que lhes resta,
No saldo em carteira.
Quem muito gastou,
Além do que ganhou,
Decerto fez asneira!

Virá agora o malparado
E nem sequer o ordenado
Dará para tapar o buraco.
Na era do consumismo,
Não se encara com realismo,
Esta verdade, que destaco!

Poeta Todos os Dias 26 de dezembro de 2017, à(s) 11:45

[Seleção, revisão, fixação de texto, para efeitos de edição deste poste no blogue: LG] (**)

___________

Notas do editor:


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22792: O meu sapatinho de Natal (7): O LP, em vinill, editado e distribuído pelo Movimento Nacional Feminino, "Natal 73 - Operação Presença", com arranjos e orquestração do maestro Joaquim Luís Gomes (1914-2009) e dedicatórias de artistas famosos na época, da área do fado (Amália...), do teatro (Raul Solnado...), da tauromaquia (Diamantino Vizeu...) e do futebol (Eusébio...)





Disco (LP em vinil) "Natal73 - Operação Presença", editado pelo Movimento Nacional Feminino. Oferta aos soldados portugueses mobilizados no Ultramar. 



No verso, podiam ler-se  as dedicatórias de vários artistas conhecidos na época, do fado (Amália...), do teatro (Raul Solnado...), da tauromaquia (Diamantino Vizeu...) e do futebol (Eusébio..). Era frases mais ou menos estereotipadas, sem segundas leituras nas entrelinhas... Para quem não tinha chaminé nem sapatinho  nem Natal, nem muito menos gira-discos, podiam soar a falso.  

Aqui vão reproduzidas, com a identificação dos seus autores.


1. Que o Menino Jesus vos ponha no sapatinho uma menina muito bonita. Amália.

2. Com as saudações de simpatia do Jorge Alves

3. Um abração do amigo que nunca vos esquece. Camilo Oliveira

4. Do coração um beijinho muito sincero da amiguinha.  Hermínia Silva

5. Com um abraço e até o mais breve possível.  Raúl Solnado
 
6.  Para os soldados portugueses com abraço e afecto do amigo Ricardo Chibanga

7. Com um abraço de muita aficción do Diamantino Vizeu.

8.  Também quero jogar nesta equipa da amizade do Movimento Nacional Feminino. Por isso chuto daqui um grande abraço para a malta toda. Eusébio.





9. Com admiração e respeito por todos vós. Um regresso muito breve. Fernanda Maria

10. Por maiores que sejam os oceanos que nos separam, nada consegue vencer o amor que me liga a todos vós, meus irmãos. Florbela Queiroz


Natal 73 - Operação Presença


Lista das faixas / arranjos e orquestração do Joaquim Luís Gomes (Santarém, 1914- Lisboa, 2009) , arranjador, compositor e diretor de orquestra:

A1 Lisboa (Abertura)
A2 Trás-os-Montes
A3 Moçambique
A4 Ribatejo
A5 Madeira
A6 Beiras
A7 Timor
A8 Açores
B1 Alentejo
B2 São Tomé e Príncipe
B3 Minho
B4 Cabo verde
B5 Coimbra
B6 Macau
B7 Porto
B8 Guiné
B9 Algarve
B10 Angola
B11 MNF (Fecho)

Foto (e legenda): © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Há quem guarde estas "velharias"... E ainda bem. Foi o caso do nosso camarada Álvaro Basto (ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873, Xitole, 1971/74), dirigente da Tabanca Pequena, ONGD, membro da Tabanca de Matosinhos, integrando aTabanca Grande desde 26 de junho de 2007...

Foi o nosso coeditor Carlos Vinhal quem, em conversa com o Álvaro Basto, se apercebeu da importância que podia ter, para os nossos leitores, este "recuerdo" do Movimento Nacional Feminino...E escreveu o seguinte:

(...) "Achei que tal objecto  [, ou pelo menos a capa, frente e verso, do disco,] seria interessante mostrar aos visitantes da nossa Página, porque significava muito do que na época se fazia para levantar (?) o moral das nossas tropas. Quem não se lembra das coisas mais desinteressantes, disparatadas e pouco úteis que nos ofereciam então ?! Desde medalhinhas de santos, em alumínio, maços de tabaco (de marcas que nós apelidavamos de mata-ratos), isqueiros (tipo petromax) e quejandos. 

"Confesso que não considero assim o caso vertente, pois ainda se pode reproduzir este vinil nos velhos gira-discos. Além disso, contém, no verso da capa, dedicatórias de figuras públicas da época, algumas das quais já falecidas, o que lhe confere um estatuto de raridade." (...) (*=

E decidiu bem, o nosso coeditor, com a pronta colaboração do Álvaro Basto que nos repoduziu a capa do disco, hoje seguramente um raridade...

A biógrafa de Cecília Supico Pinto refere-se, apenas ao correr da pena, a esta iniciativa que sucedeu a uma outra anterior, mais controversa e menos bem sucedida (,. o lançamento do disco Natal 71, a que chama "o disco da discórdia) (Sofia Espirito Santo . Cecília Supico Pinto. Lisboa, A Esfera do Livro, 2008, pág. 141). Dedicaremos um outro poste a esta história...

Para já, gostávamos de saber se estas "prendas de Natal" da Cilinha chegavam ao mato (, da região do Cacheu à região de Tombali, da região de Quínara à região do Gabu...) e como é que a mala reagia... Havia os que ficavam ofendidos,  outros agradecidos, e se calhar a maior parte indiferentes....

Estamos, em todo o caso,  a falar do último Natal que as nossas tropas passaram no TO da Guiné, a escassos meses do 25 de Abril de 1974 (**).

Lembro-me bem, por que era fã,  de um programa de rádio, muito anterior ao 25 de Abril que dava pelo título "Os Intocáveis"... E nunca mais esqueci a frase, deliciosa: "Este disco é intocável, mas felizmente não inquebrável"... 

Sobre "Os Intocáveis" descobri mais informação, na Net, que partilho com os nossos leitores:

(...) "Paulo Fernando e Orlando Dias Agudo foram os responsáveis da rubrica "Os Intocáveis" em Rádio Clube Português: “apesar de feita em tom ligeiro, ainda que sério, tem suscitado todo um mundo de controvérsia”, lia-se na legenda que anunciava o programa (Nova Antena, 14 de fevereiro de 1969).

Logo depois, Orlando Dias Agudo explicaria a razão da rubrica, surgida ainda em 1967: “apontar aquilo que de mau ia surgindo no panorama musical português” (Nova Antena, 14 de março de 1969). O alvo era somente a música portuguesa e em especial as letras das canções. Com apenas dez minutos de emissão semanal, o programa constituiu um grande êxito.

"O grande impacto do pequeno programa era o som de um disco a partir-se. Os autores tinham gravado o ruído de um disco a quebrar-se no chão e acompanhavam a sua crítica de intocável com essa passagem sonora “catrapum, zás, catrapaz”, a conceder mais realismo. À facilidade de gravar um disco – como escrevia o jornalista: “hoje, qualquer bicho careta pode gravar um disco” – os autores da rubrica propunham qualidade.

"Claro que a iniciativa causaria aborrecimentos aos autores, mas, ao mesmo tempo, teria havido editoras que pediam para eles tocarem os discos por si editados. As frases-chave do programa eram “falem de mim nem que seja a dizer bem” e “este disco é intocável mas felizmente não inquebrável, por isso vamos parti-lo”. São duas frases tão criativas como é a rádio. "(...)


Não creio que este programa, "Os Intocáveis", tenha chegado ao Natal de 1973... De qualquer modo, pode perguntar-se  o disco do MNF "Natal de 73 - Operação Presença" era também "intocável"...

Eu, pessoalmente, não seu responder porque nunca o ouvi (nem nunca o vi, em 1973 já estava na "peluda"). Além disso, o arranjador e orquestrador, o maestro Joaquim Luís Gomes, era homem com méritos profissionais, e que a Sociedade Portuguesa de Autores homenageou, por duas vezes, considerando-o "uma das figuras mais marcantes" da nossa música no séc. XX. 

Em 2004, cinco anos antes de morrer, o maestro foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Mérito pelo Presidente da República Jorge Sampaio)... Mas o disco "Natal de 73 - Operação Presença" não deixava de ser "propagandístico": pelos temas das duas faixas, A e B, via-se que era uma compilação da música folclórica do "Portugal Metropolitano e Ultramarino", que ia do Minho a Timor...

Enfim, seria injusto parti-lo, ao disco, sem o ouvir... O Álvaro Basto, que é um homem de bom gosto, guardou-o. Deve tê-lo ouvido, não no Xitole (onde não devia haver gira-discos) mas quando voltou a casa, em Leça do Balio, Matosinhos... Será que alguém mais tem o disco e acha que é tocável ?

É, em todo o caso, um documento relevante para a nossa história, a grande e a pequena... Para mais, não somos um blogue de "icnoclastas"... Pelo contrário, damos valor o tudo que "fala" de (ou "diz respeito" a) este período das nossas vidas... Parabéns ao Álvaro Basto por o ter guardado, podendo um dia oferecer a um museu que se ocupe das nossas "velharias"... E, com a sua licença, vai este ano para o nosso sapatinho de Natal... À falta de melhor... (**)

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terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22787: O meu sapatinho de Natal (6): o aerograma muito pouco "católico", e muito menos "patriótico", enviado pelo A. Marques Lopes (ex-alf mil, CART 1690, Geba, e CCAÇ 3, Barro, 1968) com sarcasmo e raiva, em dezembro de 1968, à sua mana e cunhado


Guiné > Região de  Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Aerograma, edição de Natal, distribuído pelo Movimento Nacional Feminino >  "...Uma ginginha!... Para dar de beber à dor é o melhor"... O alf mil at inf, comandante do Gr Comb "Os Jagudis", pegou no aerograma de Natal do Movimento Feminino, cujo "boneco" já vinha da 1º ( e unica) edição, dezemro de 1961 (!), e "canibalizou-o":  põs um chapéu alto, azul, na cabeça do São José, tipo "porteiro de hotel" (, para não dizer "palhaço de circo"); tingiu de vermelho (sangue) o caqui amarelo do "maçarico" que foi para Angola (em abril de 1961, "rapidamente e em força"); "incendiou" as tabancas... Enfim, mandou um postal de "boas festas", muito pouco "católico" e muito menos "patriótico",  à sua mana e ao seu cunhado... 


Foto (e legenda): © A. Marques Lopes  (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A. Marques Lopes é um dos "históricos" da Tabanca Grande: é
 o nosso quarto grã-tabanqueiro mais antigo, depois do fundador, Luís Graça, do Sousa de Castro e do Humberto Reis; entrou para a nossa tertúlia em 14/5/2005coronel inf, DFA, na situção de reforma, foi alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/1968) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), era membro, em 2005, da direção da delegação do norte da Associação 25 de Abril (A25A),  é autor de "Cabra-Cega: do seminário para a guerra colonial" (Lisboa, Chiado Editora, 2015), autobiografia escrita sob o pseudónimo João Gaspar Carrasqueira, que conta a história de António Aiveca. E que já chegou ao Brasil...
 

1. Nesta quadra festiva, lembremo-nos do nosso camarada A. Marques Lopes, de 77 anos de idade, que vive em Matosinhos, e que está hospitalizado. Ele pede que lhe escrevam para o email: a.marques.lopes@hotmail.com 

Fomos "desencantar" um dos seus inúmeros postes (ele tem mais de 250 referências no nosso blogue), e mais concretamente o poste P369, de 18 de dezembro de 2005 (*), recordando o seu já longínquo Natal de 1968, passado em Barro, na CCAÇ 3, onde completou a sua comissão, depois de ter sido gravemente ferido (e evacuado para a metrópole) ao serviço da CART 1690 (Geba, 1967). 

Escreveu ele nesse poste, que vinha acompanhado do aerograma que reproduzimos acima, reeditado entretanto por nós para chamar a atenção do leitor para as modificações por ele introduzidas, com sarcasmo e raiva:

"Este é mais outro aerograma que descobri. 

Mandei-o, pelo Natal, em 1968. 

O que eu quis transmitir é que eram natais de morte
 e que o que procurava era esquecer, 
dando de beber à dor".

Aerograma:

"Querida irmã e cunhado, um Natal feliz 
e que o Ano Novo seja sempre melhor que o anterior. 
António Manuel... 
Uma ginjinha!.. Pois dar de beber à dor é o melhor"...




O nosso camarada Alberto Nascimento,  outro veterano da Guiné e do blogue  (, foi soldado condutor auto,. CCAÇ 84, Bambadinca, 1961/63), teve a ideia (original) de nos mandar,  em 2010,  as boas festas, utilizando este aerograma com impressão de Natal, que era distribuido pelo Movimento Nacional Feminino. (Vd. poste P7445, de 17 de dezembro de 2010).


Foto: © Alberto Nascimento (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







Guiné > Região do Oio  > Farim  > CART 1802 > Dezembro de 1967 > Um poema de Natal   pelo 2º srgt art Silvério Dias, da CART 1802, mais tarde radialista no PIFAS (de 1969 a 1974) (**).

O aerograma (edição especial de Natal do MNF) era endereçado à D. Maria Eugénia Valente dos Santos Dias, que morava em Carnide, Lisboa. Já na altura era um "poeta de todos os dias", o nosso camarada e grã-tabanqueiro Silvério Dias, um jovem de 80 e muitos  anos... [Vd. aqui o seu blogue].

Foto (e legenda): © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados.   [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.




MNF - Movimento Nacional Feminino > Dezembro de 1961. Aerograma com impressão de Natal, encomendado   à Tipografia ORBIS.. Repare-se que a figura do militar, de caqui amarelo, capacete de aço e mauser com baioneta, manteve-se  ao longo dos  13 (!) Natais que durou a guerra, a que o 25 de Abril pôs cobro...Desconhece-se o nome do autor da ilustração. 
2. Estamos de acordo que o SPM - Serviço Postal Militar (***)  foi um dos melhores serviços que a tropa criou em tempo de guerra. E quem dizia SPM, dizia aerograma, uma criação, tanmbém meritória, do Movimento Nacional Feminino: era isento de franquia postal (porte e sobretaxa aérea), e o seu transporte (entre Lisboa e Bissau, no caso da Guiné) era assegurado, em geral, pela TAP, de borla...

Sabemos, por outro lado, que o aerograma era "seguro e rápido"...  Alguns de nós (e as nossas namoradas, esposas, amigos, familiares, etc.), achavam o aerograma mais "impessoal", preferindo a carta, devidamente estampilhada, expedida "por avião" (, de resto, como o aerograma)... Mas como a carta era paga (porte mais sobretaxa aérea), achávamos que tinha tratamento especial, diferente do aerograma... Seria o equivalente hoje ao "correio azul"...

Além disso, achávamos, alguns de nós,  que a carta era mais "íntima", prestando-se melhor ás confidências (vivenciais, amorosas, políticas, filosóficas, etc.), podendo inclusive enviar no envelope uma fotografia (ou mais folhas de papel de carta), o que era taxativamente proibido no aerograma...

Todavia, a maioria dos militares , e sobretudo as praças, destacados nos diferentes teatros de operações e demais "províncias ultramarinas", não se podiam dar ao luxo de pôr no correio (SPM) muitas cartas, por causa da "guita", daí a opção pelo aerograma, de distribuição gratuita pelo Movimento Nacional Feminino e com expedição sem encargos... 

Para o ano de 1974, o MNE fez uma encomenda de 32 milhões de aerogramas, nunca pensando que esse ano seria também o  seu último ano de vida, e que milhões de aerogramas iriam para o lixo. (Ao longo da guerra, ter-se-ão distribuído 3 centenas de milhões de aerogramas.)

Curiosamente, o "boneco" do aerograma com impressão de Natal datava de dezembro de 1961... e não teve alterações ao longo dos anos... E provavelmente não teria conhecido alterações de monta,  mesmo se a guerra durasse... cem anos, (!), o que vem confirmar a gestão "amadorística", e muito centrada na líder do MNF, a Cecília Supico Pinto. 

Daí talvez, de entre outras, a razão do "mau humor" do A. Marques Lopes que literalmente canibalizou o aerograma que expediu, de Barro, para a mana e o cunhado. (Será que os destinatários acharam "piada" ao seu humor negro ?)

Sabemos que o aerograma chegou, pelo menos,  ao seu destino, o que também vem confirmar a ideia que o correio, expedido pelo SPM, não era, em princípio, violado pelas autoridades militares ou pela PIDE/DGS... Pela simples razão de que não era praticável o seu controlo sistemático nem sequer aleatório: durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas (incluindo aerogramas, cartas, encomendas postais, valores declarados...).(***)

Para os três camaradas que contribuem com os seus "recuerdos" para este poste, vai uma especial saudação natalícia. Do Alberto Nascimento e do Silvério Dias não tenho tido notícias. Do A. Marques Lopes, tenho, mas não são tão boas quanto gostaríamos. Desejo-lhe rápidas melhoras de modo a poder passar o Natal de 2021 em casa, no "quentinho", e "sem ginjinha para dar de beber à dor"... Ou melhor, um Natal com ginjinha mas sem dor, António! 
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de dezembro de 2005 > Guíné 63/74 - P369: O meu Natal de 1968 em Barro (A. Marques Lopes)(2005)

(**) Vd. poste de 5 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15449: O PIFAS de saudosa memória (19): O Armando Carvalhêda no programa "Canções da Guerra", do Luís Marinho, na Antena Um: "O PIFAS, o Programa das Forças Armadas, era mais liberal do que a Emissora Nacional"...

(***) Vd. poste de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22786: O meu sapatinho de Natal (5): Doces e felizes recordações natalícias da minha infância (Joaquim Costa, V. N. Famalicão, ex-fur mil arm pes, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/4)

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74) > Natal de 1972 > Primeiro Natal passado no TO da Guine´: da esquerda para a direta os  Furriéis Gouveia, Martins, o meu amigo do Colégio das Caldinhas, Costa, Albuquerque e Beires... Fartos do vinho de “bidon”, na fila para o "Champanhe".

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. M
ensagem 
de Joaquim Costa  [, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351,  Cumbijã, 1972/74); natural de V. N. Famalicão, a residir em Fânzeres, Gondomar; eng téc e professor ref]:

Data - 6 dez 2021 12h47
Assunto - O Natal da Minha Infância

Meu caro Luís

Já se sente no ar o cheirinho de Natal.

Aqui vai o meu modesto contributo para o blogue (*),  lembrando com emoção os maravilhosos Natais da minha infância. Deixo ao teu critério a publicação do mesmo.

É minha convicção que o Menino Jesus (não o Pai Natal) me vai colocar no sapatinho o meu livro de memórias.

Um grande abraço
Bom Natal, Joaquim.


2. O Natal da Minha Infância

por Joaquim Costa


Passei dois Natais na Guiné, mas estranhamente tenho só uma vaga ideia do primeiro, em 1972, ainda periquito em Aldeia Formosa (foto acima), mas não tenho memória do de 1973, já em Cumbijã, por ventura absorvidos com as desavenças com os nossos vizinhos de Nhacobá.

Como acontece com a maioria de nós, os Natais que nos vêm à memória são sempre os da nossa infância:

A semana que antecedia o Natal era vivida com tanta intensidade e alegria que quase doía.

Ansiava com grande nervosismo e entusiasmo pela grande aventura que era ir com os meus quatro irmãos, noite escura, roubar um pinheiro a uma bouça do lavrador da aldeia para o madeiro da noite de Natal. Vivíamos este momento como numa patrulha noturna nas matas da Guiné já que se constava que nessa semana os filhos do lavrador emboscavam na mata, toda a noite, armados com caçadeira.

Na altura ainda não tinha chegado (do estrangeiro!) a moda do Pai Natal acompanhado do seu pinheirinho e da sua coca-cola. Hoje, para guardar os seus pinheiros, o agricultor só contratando dois grupos de combate armados de G3, bazuca e morteiro.

Por uma questão de estratégia militar, evitávamos estar muito tempo no campo de batalha, pelo que repetimos a patrulha noturna num outro dia para roubar pinhas mansas, que colocávamos junto do madeiro a arder para abrirem e libertarem os pinhões, elemento imprescindível para o jogo do rapa (rapa - tira - deixa - põe) fazendo horas para a missa do galo.

Estes “santos” pecados eram perdoados, sem grande esforço, pelo confessor, na véspera de Natal: 3 Padre Nossos e uma Salvé Rainha por cada pinheiro e uma Avé Maria por cada pinha.

Como eu executava com sentido de responsabilidade e zelo a tarefa que me estava reservada de apanhar musgo para o presépio!

Fazia questão em participar em todas as tarefas, nomeadamente na construção do presépio (fazendo chegar os bonecos), que de ano para ano era maior e mais sofisticado, com quedas de água e azenhas a funcionar

E a consoada?

Bacalhau (na altura comida dos pobres – para quem é bacalhau basta!), batatas e muita hortaliça.

As sobremesas todas preparas à base de pão:

  • rabanadas embebidas em vinho branco verde;
  • mexidos (também conhecido por formigos noutras regiões do país), pão embebido em água que ia ao lume até fazer uma papa e onde se juntava açúcar e canela (e algo mais que é segredo de chef); também se juntava: pinhões, uvas passas e nozes na percentagem dos estilhaços de carne no nosso arroz da Guiné.
  • sopas secas: camadas de fatias de pão sobrepostas embebidas em vinho branco e onde se acrescentava canela e açúcar.
Hoje sou eu que continuo a tradição fazendo os mexidos da minha Mãe (receita que guardei ditada por ela) mas onde os estilhaços já são mais que o pão (o meu filho Ricardo adora).

Todos os anos faço os mexidos já que recrio com emoção os felizes Natais da minha infância.

Mas o dia mais esperado era o dia seguinte, quando os pais autorizavam ainda de madrugada, dada a ansiedade, o ansiado assalto à lareira da cozinha onde estavam colocadas em fila as nossas chancas/socas onde o Menino Jesus todos os anos colocava, religiosamente, duas tangerinas e 3 pequenos bonecos de chocolate.

Claro que não faltava a roupa velha no almoço do dia 25.

Também nunca mais me saiu da memória o último dia de aulas antes do Natal que mais parecia o mercado da vila aos sábados de manhã.

Tive duas professoras na escola primária: a primeira, já muito gasta da idade, que foi a professora de todos os meus irmãos, metia-me mais medo que o óleo fígado de bacalhau (mistela que tínhamos de tomar todas as sextas feiras). A mulher era mal encarada, de mal com a vida, vingando-se nestas pobres criaturas. Granjeou na aldeia fama de excelente professora: disciplinadora, exigente e intransigente, atributos que agradavam, no contexto da altura, a todos os pais daquelas pequenas cobaias. Reguadas (a que eufemisticamente chamávamos de bolos!) por tudo e por nada, puxões de orelhas, vergastadas e orelhas de burro na cabeça virados para a parede era o habitual em todas as aulas. Mais parecia um campo de batalha.

Para nossa felicidade a mulher reformou-se, passando nós da noite para o dia com a nova professora. Passei a gostar da escola e particularmente da professora (meiga, de pele sedosa, simpática… e linda de morrer). Mesmo quando era apanhado a manter na boca o óleo fígado de bacalhau para logo a seguir deitar fora, sorria e fazia de conta que não via.

As duas professores eram de facto muito diferentes, ao ponto de baralharem as minhas ideias (incutidas pela velha professora e pela minha catequista) sobre o que é certo e o que é errado.

Em plena época natalícia e na sequência da leitura do texto: “o sapateiro”,   do nosso mítico livro do tempo do Estado Novo, fomos desafiados a fazer uma redação sobre o tema: “Se eu fosse rico”.

A minha redação foi apresentada como exemplo à turma (mais não fiz que despejar mecanicamente todos os ensinamento da professora e da minha catequista). 

 Com toda a convicção (???) com a minha riqueza ia fazer um hospital para os pobrezinhos, ia ajudar todos os pobres da aldeia dando-lhes uma casa e um galinheiro com galinhas e um galo, fazer obras na igreja da terra etc., etc., até ficar ainda mais pobre, mas feliz e o Céu como garantido.

Numa nova redação sobre o mesmo tema, repeti, obviamente, as mesmas ideias que tanto sucesso tiveram com a antiga professora. Com toda a surpresa minha, a nossa querida nova professora, para além de um medíocre a vermelho, valorizou antes a redação do colega de carteira que “rezava” assim: 

Se eu fosse rico comprava uma casa e umas socas novas para a minha mão; para mim comprava a casa do Dr. Cândido (uma casa senhorial na aldeia com dezenas de empregados), comprava um grande carro, arranjava um namorada e ia passear com ela para Lisboa…

Não obstante esta atitude, incompreensível da professora, percorreu-me um sentimento de pena e compaixão pelo meu colega de carteira, pela sua “infelicidade” e pelo inferno que tinha como certo…

A professora granjeou um respeito e carinho muito grande na aldeia, agora não só dos pais mas também dos alunos. Razão pela qual no Natal os nossos pais lhe enviavam todo o tipo de presentes: galinhas vivas, coelhos vivos, dúzias e dúzias de ovos, e todo o tipo de produtos que colhiam na horta

Para quem vivia no centro da vila num andar não era nada fácil acomodar todos estes produtos, pelo que no último Natal (na minha quarta classe) ganhou coragem e mandou-nos uma pequena mensagem para casa: 

Estou muito grata pelas prendas que amavelmente me enviam, nesta época natalícia, mas agradecia que este ano nada me enviassem pelos vossos filhos… mas, se mesmo assim, insistirem em enviar alguma coisa agradecia que o fizessem com: arroz, massa, conservas, açúcar...

Já o padre da freguesia se tinha antecipado trocando a tradicional oferta de ovos na visita pascal por um envelope fechado com dinheiro (que só podia ser notas), simplificando a logística…

Um bom Natal para todos. Joaquim Costa

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22784: O meu sapatinho de Natal (4): o que é feito de ti, camarada Dinis Giblot Dalot (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o melhor condutor de GMC do mundo ? (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P22784: O meu sapatinho de Natal (4): o que é feito de ti, camarada Dinis Giblot Dalot (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o melhor condutor de GMC do mundo ? (Luís Graça)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca)  > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole > Ponte do Rio Jagarajá > CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)> "Eu, o então Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf Henriques, pau para toda a obra, pião de nicas, e o soldado condutor autorrodas Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou, pelo menos, o melhor que eu alguma vez conheci...  


Foto (e legenda): Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que a malta de Bambadinca (1968/71), camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades, como o Pel Caç Nat 52,  adidas ao comando do BCAÇ 2852, se encontrou depois do regresso a casa... Este primeiro encontro foi organizado pelo António Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018)  

Mostra-se aqui um pormenor da foto de grupo. Na primeira fila, da esquerda para a direita:

(i) fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, da CCAÇ 12  [, vivia no Porto, na altura ];

(ii) sold cond auto Dinis Giblot Dalot [, empresário, vivia em Aljubarrota, Prazeres].

Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita:

(iii) Fernando [Carvalho Taco] Calado, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 [, vive em Lisboa];

(iv) ex-alf mil manutenção material,  Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852 
 [, vive em Lisboa];

(v) ex-fur mil  at inf António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive  em Martingal, Sagres, Vila do Bispo];

(vi) ex-capitão inf Carlos Alberto Machado Brito, cmdt da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 [, cor inf ref, vivia em Braga, tendo passado pela GNR];

(vii) Pinto dos Santos, ex-furriel mil de Operações e Informações, CCS / BCAÇ 2852,
 [, vivia em Resende].


Foto (e legenda): © Fernando Calado (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Estou a rever-te, há 52 anos atrás, na Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole. Eu e tu, o Dalot, o Dinis G. Dalot, ou melhor, o Dinis Giglot Dalot. Sguramente tu foste o melhor condutor de GMC que eu alguma vez conheci (!). Berliet e GMC nas tuas mãos,  carregadas de sacos de arroz ("bianda"), não ficavam atoladas na famigerada estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. E mesmo assim, era preciso que os cabos de aço ou os troncos das árvores não aguentassem... 
 
Reguila, setubalense, franzino, seco de carnes, condutor de pesados na vida civil, com boas manápulas para segurar um daqueles volantes de GMC ou Berliet, apanhaste logo no princípio da comissão, em julho de 1969, cinco dias de detenção. Quem foi o s.... que te deu cinco dias de detenção ?....Certo, por seres reguila, setubalense, condutor de pesados, descendente de franceses, e se calhar por seres o melhor condutor de GMC que eu alguma vez vi na vida... 

Gostava de te rever, Dalot. Sinceramente, gostava de te rever. Tenho um numero de telemovel, teu, mas se calhar antigo
 Ligo, vai para o "voice mail". Tu fazes parte da mítica galeria dos meus heróis, tu e todos os bravos soldados condutores autorrodas que passaram pela Guiné, a começar pela nossa CCAÇ 2590/CCAÇ 12.

Eu dizia-te que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Tu ofendias-te: eras o mais profissional dos nossos condutores auto. Não sei porque não chegaste a 1º cabo: eras  profissional de pesados já na vida civil. E continuaste  depois, na peluda, com uma empresa tua, se não erro. Mas eu sentia que a  porrada te magoara muito, mexera como teu brio, a tua autoestima. 

Reencontei-te em 1994, em Fão, Esposende, quando a malta de Bambadinca (CCS/BCAÇ 2852, 1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) se juntou pela primeira vez. Inicialmnete, vivias em Porto Alto, Samora Correia, Benavente. Depois mudaste a empresa para Aljubarrota, Batalha. Bate certo ? Perguntei ao Adélio Monteiro, mas também não sabe do teu atual paradeiro.

Mas voltando aos dias 17 e 18 de setembro de 1969... Há dias de sorte, escrevi eu: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem desta operação logística, Op Belo Dias II, em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembras-te ?).

Não sei se era lenda. As GMC andavam a gasolina, E tinham um depósito de 150 litros, com alcance operacional de c. 480 km e velocidade máxina de 72 km/hora. Em teoria, gastava pouco mais de 30 aos 100.  Mas picadas da Guiné, com carga e com guincho, é possível que gastasse o dobro ou até o triplo....O modelo era GMC 6x6 , caixa aberta, de 2 1/2 t, m/1952, do tempo da guerra da Coreia e herdeiro do célebre camião GMC CCKW , também conhecido como "Jimmy", o camião de transporte de carga do Exército Norte Americano  de que se produziram, entre 1941 e 1945,  572,5 mil unidades.

A CCAÇ  2590 / CCAÇ 12 tinha duas, foram vitimas de minas A/C. Tu, Dalot,  adoravas conduzi-las. Ninguém melhor do que tu para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva ou de atolar-se na berma da estrada… Berma ? Estrada ? Qual berma, qual estrada!... Picadas cheias de minas e armadilhas!...

Ninguém melhor do que tu para conduzir este mamute de ferro, de 4 t, mais duas toneladas e meia, senão três,  de sacos de arroz… Ninguém melhor do que tu, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares,  à força de guincho. 

Só não tinhas faro era para as minas, que isso era tarefa dos picadores. Aliás, na galeria dos heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores…

O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. E da poeira, embora se  estivesse em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de abastecimentos  para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).

Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos mais de  meio milhar de homens, fora a população local e as milícias que dependiam  inteiramente (caso de Mansambo, aquartelamento que fora construído de raíz e não tinha tabanca nem campos de cultivo...) dos abastecimentos feitos pela tropa. 

Nós levávamos-lhes praticamente tudo, até o correio.... Ou seja: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, o azeite, o vinho, as latas de conserva, as bolachas, as batatas, as bebidas em garrafa e em lata, os artigos de cantiga, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, os materiais de construção, os sacos de cimento, etc.

Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau em LDG até ao Xime (no caso da Zona Leste) e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). Ou através dos "barcos turras" que chegavam a Bambadinca. 

Era um comboio com várias dezenas de viaturas, incluimdo viaturas civis, de comerciantes de Bambadinca, Bafatá, Galomaro, Xitole, o Rendeiro, o Regala, o Jamil, as casas comerciais de Bafatá. como a Gouveia. As Berliet e as GMC (e, mais tarde,  as camionetas civis, já no decurso da Op Belo Dia III, em novembro de 1969) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta (menos de uma secção).

Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). A estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita, pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca. No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 (*). 

O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita (*),  destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as suas subunidades de quadrícula a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento, a Op Belo Dia II.

2. São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui. Mas ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier, a DO-27.

No meu tempo o sargento piloto Honório, cabo-verdiano, era uma figura muito popular entre as NT, porque nos trazia o correio e alguns frescos. A sua fama era lendária, pela sua coragem e destreza, para não dizer "maluqueira" (, tolerada, mas não apreciada pelos outros pilotos da BA 12, em Bissalanca)... Era capaz de aterrar numa nesga de terra, dizia-se.  Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas.

De qualquer modo, o helicóptero, o AL III, só era usado para fins estritamente militares: apoio de helicanhão, transporte de tropas especiais e heliassaltos, evacuações Y para o hospital militar de Bissau. Argumentava-se que o helicóptero era um luxo, custando 15 contos por hora (mais do o ordenado mensal de dois alferes)…

Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eram feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (como em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…

Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, a tua vitura,a tua GMC,  Dalot. E ia justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… Em suma, ia no "lugar do morto"... 

A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês)  considerava-me já quase um "veterano"…

Recordo-me da viatura em que eu ía: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, a proteger os flancos, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog (, já não me lembro o nome: o Adélio Monteiro não  era, vinha mais atrás ) que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… Tu, Dalot, que  atrás de mim,  levavas um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, e sete toneladas de ferro e arroz...

Daquela vez vez foste tu, Dalot,  e a tua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão, em 13 de janeiro de 1971, em Nhabijões... Também numa GMC!... Era a minha sina!...

A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta (, apesar da  desmatação recente, em abril/maio de 1969, Op Cabeça Rapada), as bolanhas, os curso de água, os charcos, etc. era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos ou que iam em cima das viatura, ou os que conduiam as viaturas…

Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…

Estamos a falar da segunda quinzena de setembro de 1969, em que realizámos  mais outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II). Uma operação com 2 destacamentos (A e B) (*)

Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A,  cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA-Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].

A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 de Setembro, proveniente de Bambadinca, donde saira de manhã (longas horas inteiro para se fazer 18 km), prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar. Passámos a noite nos "bunckers" de Mansambo.

Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da GMC do Dalot (MG-17-21) que vinha imediatamente a seguir àquela, e que pertencia à CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3 mil kg de arroz. Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um 1º cabo do Pel Caç Nat 53. O condutor da GMC, o soldado Dalot, saiu ileso.

A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores, seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.

Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas (A/P) que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.

Pelas 13h do dia 18 de Setembro deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest, tendo-se procedido ao transbordo da carga.

No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de Fiat G-91 cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h do dia 18, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião.

Inconsolável, tu, Dalot, lá deixaste  a tua querida GMC, de matrícula MG-17-21... A Guiné era um  cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.

Onde quer que estejas, camarada Dalot (e eu espero bem que estejas vivo e de boa saúde), desejo-te as maiores felicidades possíveis e, já  agora um Natal quentinho, livre da Covid-19. Telefona-me para o 931 415 277. Teu camarada, Henriques.  (**)

As minhas felicitações natalícias são extensivas aos demais condutores autorrodas, todas eles gente brava,  da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 que viajaram comigo no T/T Niassa, de 24 a 29 de maio de 1969, de Lisboa com destino a Bissau. Alguns infelizmente já não estão vivos. A lista é antiga (e tem de ser revista). Acrescento também os mecânicos auto:

1º Cabo Cond Auto Luís Jorge M.S. Monteiro [, vivia em Vila do Conde ou Porto ?];

Sold Condutor Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel J. P. Bastos [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares [, morto em, mina A/C,em Nhabijões, em 13/1/1971];

Sold Cond Auto Alcino Carvalho Braga [, vive em Lisboa];

Sold Cond Auto Adélio Gonçalves Monteiro [, comerciante, Castro Daire; é membro da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto João Dias Vieira [ vive em Vila de Souto, Viseu];

Sold Cond Auto Tibério Gomes da Rocha [, vivia em Viseu, faleceu em 6/12/2007;

Sold Cond Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Francisco A. M. Patronilho [, vive em Brejos de Azeitão];

Sold Cond Auto Manuel S. Almeida [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto António C. Gomes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Fernando S. Curto [, vive em Vagos];

Sold Cond Auto Aniceto Rodrigues da Silva [,falecido em 3/1/2021;  membro a título póstumo da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto Manuel G. Reis [, morada actual desconhecida];

Fur Mil MAR Joaquim Moreira Gomes [, vive em Esposende ou Maia ?];

1º Cabo Mec Auto Renato B. Semedeiros  [, vivia na Reboleira, Amadora];

1º Cabo Mec Auto António Alves Mexia [, morada actual desconhecida];

Sold Mec Auto Gaudêncio Machado Pinto [, morada actual desconhecida].




Guiné > Região de Bafatá  > Algures > 1973 > Uma Daimler, avariada, é levada em cima de uma GMC... Sítio ? Talvez Bambadinca, talvez Bafatá, junto ao Rio Geba... quando o João Carvalho veio de férias à metrópole, vindo de Canjadude, Gabu, onde estava aquartelaad a sua CCAÇ 5.  (Em 1971, no CTIG havia pouco mais de duas centenas e meia de GMC, das quais praticamente metade estavam inoperacionais... E das 108 Daimlers existentes, 75% estavam inoperacionais.

Foto (e legenda): © João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné> Região de Bafyá > Sector L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1961) > Escala: 1/50 mil > Troço da Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho> Assinalada, com um círculo a azul, a ponte do Rio Jago onde a GMC MG-17-21, conduzida pelo Dalpot,  com 3 toneladas de arroz, accionou uma mina anticarro, no dia 18 de Setembro de 1969. O quartel de Mansambo vem sinalizado com um retângulo.

A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros. As colunas logísticas, de reabastecimento, podiam levar um dia ou até mais (na época das chuvas) a fazer este percurso perigoso, npomeadamete o troço Mansambo-Xitole   (interdito entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 ). A CCAÇ 12 participou em diversas colunas logísticas a Mansambo, Xitole e Saltinho (junto ao Corubal) e mesmo Gondomar. (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)

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Notas do editor: L.G.

Vd. também poste de 20 de maio de  2005 > Guiné 63/74 - P22: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)

(...) Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A. (...)

sábado, 4 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22778: O meu sapatinho de Natal (3): 25 de dezembro de 1973, sob os céus de Gadamael... Três Pings e um Pong (António Martins de Matos, TGen PilAV Ref, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TGen PilAV Ref (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74) e autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas", com data de 1 de Dezembro de 2020, lembrando o Dia de Natal de 1973:

Caros Amigos

Eis-nos chegados a Dezembro, mês de festividades natalícias.

Junto um pequeno texto dedicado aos que, em 1973, passaram por Gadamael.
Podia ter-lhe chamado “Um Natal na Guerra”, ou “A Guerra em tempos de Paz”. Optei por… “Três Pings e um Pong”.

Abraços
AMM

Três Pings e um Pong

por António Martins de Matos


Naquele dia, 25 de Dezembro de 1973, a actividade aérea na Base da Bissalanca estava reduzida ao mínimo dos mínimos, apenas as missões de Alerta, as habituais evacuações de DO-27 e AL-III e, para alguma eventual saída de apoio-fogo, a parelha dos Fiat G-91.

A meio dessa manhã meti-me na minha Yamaha-200 e lá fui, estrada fora, do Largo do Liceu Honório Barreto até à Base Aérea. A minha tarefa para essa tarde estava bem definida, ia entrar de Alerta ao Fiat G-91, a partir das 13:00 e até ao Pôr do Sol.

Um almoço muito ligeiro no Bar dos pilotos, ainda vinha cheio de fatias douradas, arroz-doce, bolo-rei e muitas outras iguarias, o resultado de uma noite de consoada passada em casa das minhas vizinhas do andar de baixo, as enfermeiras paraquedistas. Até tinham sido amigas, sabendo da minha paixão por automóveis e em especial por Porsches, no meio de muitos sorrisos malandrecos tinham-me oferecido um 911 da Dinky Toys, à escala 1/43.

Era Dia de Natal, Feriado, a "Paz entre os homens de boa vontade", mais uma série de frases feitas, talvez nesse dia a guerra tivesse uma pausa.

A primeira missão aconteceu por volta das 14:00. No sistema sonoro do Grupo Operacional, a mensagem a chegar:

- "Alerta aos Fiats".

Corrida às Operações para tentar saber mais alguns detalhes. A solicitação era para Gadamael, lá no Sul, junto à fronteira com a Guiné-Conacri. Recolha do capacete e das fitas para as pernas da Martin-Baker, tudo o resto ficou esquecido no armário, o anti-g, o mae-west, a pistola e o respectivo equipamento de sobrevivência. No bolso do fato de voo, o que sempre me acompanhava, uma bússola e um pequeno espelho. Se por um qualquer motivo tivesse que me ejectar e cair lá no meio da floresta, podia tentar indicar a minha posição.

Uma rápida deslocação até à Linha da Frente dos Fiat G-91, o condutor do Jeep a buzinar, os mecânicos a correrem, a tirarem as tampas que protegiam as aeronaves de alerta, o meu avião foi o 5437, o meu Asa era um Capitão Pira, a parelha a fazer uma descolagem imediata, de corrida.

Um parêntesis para os menos familiarizados com assuntos aeronáuticos; na aviação e independentemente de hierarquias, o mais experiente vai à frente, é o Chefe da Missão.

Continuando, os aviões estavam equipados com tanques de combustível auxiliares, uma autonomia de 1:20. Quinze minutos depois já estávamos a sobrevoar a zona e em contacto com o Aquartelamento.

Era redundante, os do Exército não sabiam falar com os pilotos, perdiam-se em explicações variadas. O que nós, lá do alto, queríamos saber eram apenas dois factores, a direcção do ataque e o tipo de arma. Depois de muita conversa do tipo parte gaga, lá confirmaram, tinham sido atacados dos lados da fronteira, com morteiro 120mm.

De acordo com a descrição dos militares, as granadas tinham caído longe do arame mas sempre em aproximação, como se alguém estivesse a tentar regular o tiro. À nossa chegada tinham-se calado.

Largámos os foguetes na zona, mais algumas rajadas das metralhadoras, poucas, as munições não eram explosivas e o seu calibre era inócuo para quem, na floresta, se pudesse abrigar atrás de uma qualquer palmeira. Para além disso, as placas para-fogo junto à saída dos canos estavam completamente rachadas, com umas feias e atabalhoadas soldaduras, quais cicatrizes. Por causa dessas anomalias, um piloto já se tinha ejectado. No momento de disparar as armas, o painel das metralhadoras saltara fora.

Tudo calmo, o pessoal do Aquartelamento satisfeito. Regressámos a Bissalanca, no total 50 minutos de voo, a sensação da ajuda ter ficado um tudo ou nada incompleta.

Depois de aterrado fui à Secção Fotográfica da Base, quase paredes meias com a Esquadra. Toda aquela zona Sul da Guiné estava devidamente cartografada e fotografada. Com base no que me haviam dito (morteiro de 120mm e ataque do lado da fronteira) analisei as fotos, tentando descobrir todos os locais possíveis para bases de morteiros de 120mm. No meio de toda aquela floresta encontrei quatro clareiras que se ajustavam ao requisito. Informação em reserva, a ser utilizada numa futura missão na área.

O Pôr do Sol a chegar, o período de alerta quase a terminar, já me estava a ver de regresso à Yamaha e ao Largo do Liceu, o altifalante do Grupo a transmitir um novo aviso:

- "Alerta aos Fiat".

Outra vez Gadamael. Nova corrida, os mecânicos a apontarem-me uma outra vez o 5437, o avião de alerta, já reabastecido, com os tip-tanks, metralhadoras e foguetes.

Fiz-lhes sinal para uns outros aviões, uma parelha que estava estacionada ali mesmo ao lado, a ser preparada para o dia seguinte, sem qualquer armamento nas asas, umas bombas de 750 libras a um canto, ainda nos respectivos cavaletes.

Aqueles mecânicos eram super eficientes. Em quinze minutos o armamento foi devidamente instalado nos aviões e a parelha ficou pronta, a autonomia de voo a reduzir drasticamente, de 1:20 para uns míseros 50 minutos.

Saída no 5427, trinta minutos após o pedido já estávamos de novo na zona. Desta vez  já não havia tempo para grandes conversas, o Aquartelamento a confirmarem-me que era outra vez o morteiro de 120mm. Não havia tropa fora do aquartelamento, um voo em picada, de modo a visar duas das clareiras que tinha identificado nas fotos e, num passe meio esticado, larguei uma bomba em cada uma delas. Depois disse ao meu asa para fazer o mesmo às duas outras clareiras, o que ele, o Capitão periquito, executou na perfeição.

As bombas de 750 libras eram bem potentes. Ainda a recuperar do passe e sentíamo-las a explodir, o avião até estremecia. Uma outra característica, eram bem fuseladas e, ao rebentarem, faziam um enorme cogumelo de pó e detritos, talvez uns vinte metros de altura.

Bombardeamento executado. Ao verificarmos a área para ver se havia alguma reacção de Strelas, descobrimos algo de estranho. No meio de todo aquele verde da floresta havia três rebentamentos castanhos de uns quinze a vinte metros de envergadura e um outro, enorme, uma densa fumarada escura que, no mínimo, deveria ter mais de cinquenta metros de altura.

Uma grande explosão lá em baixo, o Capitão periquito acabara de acertar em algo.

Regressámos, o voo tinha durado apenas 35 minutos.

Como Tenente e Chefe da Parelha lá tive de ir fazer o respectivo Relatório. Poderia ter escrito “Três Pings e um Pong”, ou, talvez um pouco mais de acordo com a sequência da ocorrência, Ping Ping PONG Ping. Não me iam perceber. Optei pelas palavras habituais:

- "ATAP (Ataque em Alerta) em Gadamael, junto à fronteira, quatro bombas de 750 lbs, resultados desconhecidos".

A noite a chegar, o período do Alerta terminado, montei-me na moto e fui à minha vida, que no dia seguinte a guerra ia continuar.

Só algumas semanas mais tarde viemos a saber o resultado daquele grande rebentamento. Uma das bombas fizera explodir as munições que o PAIGC tinha escondido na floresta, para, à noite, irem despejar sobre o Aquartelamento.

Pelo menos nessa noite os de Gadamael devem ter dormido descansados.

Uns outros pensamentos positivos, nunca mais chamei "Pira" ao Capitão Pira.

AMM

 


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971.

© Foto do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva.





Bissau, 1969 - G-91 R4

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22775: O nosso sapatinho de Natal (2): E eu ainda não era eu: conto de José Teixeira