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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21306: Memórias cruzadas na região do "Macaréu" (Bambadinca) em 1971: a realidade e a ficção (Jorge Araújo)

Foto 1 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1970) - Vista aérea da tabanca de Bambadinca tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano a saída (lado leste) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (para leste); Bambadinca-Xitole/Saltinho (para sul) e Bambadinca-Xime (para oeste). Ao fundo, o Rio Geba Estreito [foto do álbum de Humberto Reis, fur mil op esp da CCAÇ 12 (1969/1971)], com a devida vénia.
 

Foto 2 –  Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1972) >  BART 2917 (25Mai70-27Mar72) > Bambadinca; Carreira de Tiro, Março de 1972. Da direita para a esquerda: na primeira fila, o TCor Tiago Martins (Cmdt do BART 3873), o General Spínola, e o TCor Polidoro Monteiro (Cmdt do BART 2917). Atrás, na segunda fila, o Paulo Santiago (Alf mil PCNAT 53, Saltinho, 1970/72, de bigode e ósculos escuros) e o antigo administrador de Bafatá, o então intendente Guerra Ribeiro – P11288. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue.
  
MEMÓRIAS CRUZADAS
NA REGIÃO DO "MACARÉU" (BAMBADINCA) EM 1971
- O EXERCÍCIO DE COMPREENDER A REALIDADE E A FICÇÃO 

1.     - INTRODUÇÃO

A contextualização da presente partilha de informação, como pode depreender-se do seu título, tem por cenário uma parcela do território da Guiné, situada na Região Leste (Sector L1), de nome Bambadinca (foto 1), local onde durante dois anos da minha missão ultramarina, na qualidade de miliciano do exército (1972/1974) passei por diversas experiências, entre elas a do "macaréu" (10Ago72; hoje memórias), que, quando cruzadas com outras, nos permitem compreender melhor as diferenças existentes entre "verdade" e "ficção".

Por outro lado, a ideia de colocar no papel uma nova reflexão sobre alguns "factos" relacionados com aquela região, de que tivéramos conhecimento por leituras que foram acontecendo, data do ano de 2016, como iremos dar conta no ponto seguinte.

2.     - O LIVRO DE AL J. VENDER

Mais ou menos há quatro anos, um familiar (dos mais próximos) ofereceu-me o livro «Portugal e as Guerrilhas de África. As guerras portuguesas em Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa 1961-1974», da autoria de Albertus Johannes Venter, identificado por AL J. Venter, um conhecido jornalista de guerra, nascido a 25 de Novembro de 1938, em Kroonstad, a sul de Pretória, portanto sul-africano, e que é considerado internacionalmente como "um veterano na cobertura de conflitos em África e no Médio Oriente".


O meu familiar, ao ter a intenção de me oferecer "algo" (já não sei a que propósito), encontrou na expressão "um testemunho surpreendente do único jornalista estrangeiro presente nas três frentes da Guerra Colonial", a opção por esta sua escolha, uma vez que sabia que a temática da «Guerra Colonial» ou «Guerra do Ultramar», conteúdo historiográfico abordado nesta obra, era uma das áreas do meu interesse pessoal, concomitante com o facto de ter sido ex-combatente na Guiné, como já referi.

Entretanto, só passados alguns dias me foi possível folhear o livro, iniciado, por defeito ou virtude (técnica) da prática profissional, pelo índice. Aí encontrei, desde logo, na página 245, o início da Parte II «A Guerra na Guiné Portuguesa», estruturada entre os pontos 12 e 20, ou seja, das páginas 247 a 372.

Chamou-me a atenção o ponto 17. «Guiné Portuguesa: Norte e Leste de Bissau», com início na página 309. Mas foi na página 322 que o meu foco se fixou, naturalmente, por tratar-se de uma referência a Bambadinca, onde é citado o lema «BRAVOS E SEMPRE LEAIS», curiosamente o mesmo do meu Batalhão [BART 3873] – Bambadinca: Fev72-Mar74 – por ser a divisa da Unidade Mobilizadora: o RAP 2 (Regimento de Artilharia Pesada 2), e não a divida do BART 2917, que era «P'LA GUINÈ E SUAS GENTES», como se pode observar no ponto 3.2.

Li, reli e voltei a ler, para me certificar do que estava a entender da narrativa. Mas não queria acreditar, por experiência feita e por muitas leituras já realizadas na minha continuada investigação. Não tive dúvidas!… Estava perante uma "fraude" intelectual e histórica. Grande parte do conteúdo do "conto" não podia ter acontecido… dizia eu em voz alterada para os "meus botões". Era (é) uma gigantesca «ficção» que não só descredibiliza o autor como põe em causa o valor histórico, logo científico, do "objecto" divulgado e que, não raras vezes, é utilizado (citado) na elaboração de trabalhos académicos, como iremos sinalizar de seguida.

2.1       - FACTOS ERRÓNEOS

Para melhor esclarecimento e posterior análise dos "factos erróneos", contidos na narração a que tivemos acesso, reproduz-se na íntegra o seu conteúdo, retirado da página 322, onde consta:

"Em Bambadinca ficava o quartel-general do tenente-coronel João Monteiro [João Polidoro Monteiro], chefe do Batalhão 2917 [BART 2917; de 25Mai70 a 27Mar72] (lema: «Bravos e Sempre Leais», do RAP 2, Unidade mobilizadora); [divisa da Unidade: «P'la Guiné e suas Gentes». O Aquartelamento situava-se num dos poucos rios do interior onde não se fazia sentir a humidade usual da região costeira pantanosa.

A Base controlava [?] uma área que incluía a confluência dos rios Geba e Corubal, outra parte do país que vira muitos confrontos violentos no período anterior a 1968 [triângulo: Bambadinca-Xime-Xitole].

O Último ataque ocorrera exactamente um ano antes de eu chegar [só podia ter sido em 1970]: um grupo infiltrado tinha-se dirigido para norte do outro lado da fronteira a partir de Kandiafara para tentar cortar e minar a estrada de Bafatá. Num final de tarde, os guerrilheiros atacaram Bambadinca a partir do outro lado do rio [?], retirando-se depois para uma posição pré-determinada, onde esperaram pelo dia seguinte antes de se juntarem a outros dois grupos. Esta força combinada iria atacar outras posições durante o assalto [?].

Foi então que algo correu mal. Um grupo de pisteiros do grupo de ataque colidiu com uma das patrulhas do coronel [João Polidoro] Monteiro [Cmdt do BART 2917] e foi capturada[o] intacta[o], sem ter sido disparado um único tiro. Um dos homens era um alto oficial do PAIGC [?]. Os quatro homens foram levados de helicóptero para Bambadinca, onde foi oferecida ao oficial a opção de contar tudo ou aceitar as consequências. Era uma situação sem saída, e o rebelde foi suficientemente inteligente para aceitar.

E foi assim que o general Spínola teve todo o plano de batalha [?] dos guerrilheiros nas suas mãos nessa mesma manhã…"



2.2       - CONTRIBUTOS PARA O CONTRADITÓRIO

Na sequência das várias leituras que fiz aos diversos temas abordados ao longo da obra acima citada, procurei encontrar outras perspectivas que me ajudassem a aliviar "a revolta" que então senti pela imprudência (ou desfaçatez) de tanta "ficção".

◙ Vejamos as principais:

▬ No circuito comercial:

Em "Opinião dos Leitores", Miguel da Costa (04.01.2016) dizia: "Um livro fundamental, escrito por um jornalista credível…Recomendo Vivamente".



▬ Nas redes sociais:

No Blogue "Herdeiro de Aécio", com mais de dois milhões e meio de visualizações, em 16 de Outubro de 2018, o seu editor, A. Teixeira, escreve:




▬ Em trabalhos académicos:





[…]
"Bem ou mal, a história militar da Guerra Colonial Portuguesa está feita (Venter [,Al J.], 2015 [Portugal e as Guerrilhas de África. …]; Afonso & Gomes, 2010; Garcia, 2010; Teixeira, 2010; Leite, 2009; Rebocho, 2009; Brandão, 2008; Garcia, 2006; Cann [John], 2005; Bacelar, 2000)." […] (p 96)

▬ No Blogue da «Tabanca Grande»:

Durante a pesquisa realizada ao espólio fotográfico do blogue, visando a selecção de algumas imagens de Bambadinca para enquadramento deste trabalho, foi com surpresa (e ainda bem!) que encontrei no P17378 (19Mai2017), na série «Notas de leitura», da responsabilidade do camarada Beja Santos, uma análise ao mesmo livro de Al J. Venter "Portugal e as Guerrilhas de África", bem como um conjunto de "comentários" que vieram mesmo a calhar nesta minha narrativa, a saber:

● [Luís Graça] – (i) O referido ataque a Bambadinca foi a 28/5/1969 (ou "flagelação", segundo a história da unidade...), estavas tu em Missirá e eu a chegar a Bissau no "Niassa", ainda deu no dia 2 de junho'69, ao passar por lá, vindo de Bissau a caminho de Contuboel, para ver os estragos (relativamente poucos...) mas sobretudo sentir as reações e emoções da malta da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas...

(ii) Nunca ouvi esta versão do Al J. Venter / Domingos Magalhães Filipe, ou a melhor a versão contada pelo comandante do BART 2917 (que rendeu o BCAÇ 2852) e registada pelo escritor sul-africano... Será que o inglês do Magalhães Filipe e o português do Venter eram assim tão maus?

(iii) Parece que alguém está a delirar... ou trocou as cassetes... Recorde-se que o BART 2917 chegou a Bambadinca em finais de maio de 1970...

(iv) O Venter deve, portanto, ter falado, talvez em junho ou mesmo princípios de junho de 1970, com o então TCor Art Domingos Magalhães Filipe, que irá ser substituído pelo famoso TCor inf Polidoro Monteiro [situação verificada somente em meados de Dez70, vindo do BCAÇ 2861 (11Fev69-07Dez70), na sequência da conclusão da comissão desta Unidade].

(v) Em conversa há dias [Maio2017] com o Fernando Calado, que foi alf mil trms da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), ele transmitiu-me a seguinte versão dos factos que, de resto, podem ser corroborados pelo Ismael Augusto, outro oficial miliciano da CCS, ambos membros da nossa Tabanca Grande:

■ O relato do escritor sul-africano Al J. Venter é uma falsificação da história;

■ Não houve prisioneiros nenhuns, nem muito menos nenhuma figura grada do PAIGC, e nem muito menos apanhados à mão e trazidos de helicóptero para Bambadinca para serem interrogados;

■ O comandante do BCAÇ 2852 não estava em Bambadinca nem ele nem a esposa.

◙ Em resumo:

▬ 1. - No caso do jornalista sul-africano Al J. Venter ter passado por Bambadinca, a sua visita só poderia ter sido durante o ano de 1971.

▬ 2. - No período em análise não aconteceram quaisquer dos factos "classificados de relevantes" para as NT, narrados na página 322 do seu livro.

▬ 3. - O TCor João Polidoro Monteiro comandou o BART 2917 durante quinze meses, desde a sua chegada a Bambadinca, em meados de Dezembro de 1970 até à sua substituição, verificada em meados de Março de 1972, pelo TCor António Tiago Martins (1919-1992), Cmdt do BART 3873 (28Dez71-04Abr74).

▬ 4. - A maioria dos depoimentos, conforme se infere do acima exposto, são de opinião de que Al J. Venter prestou um mau serviço à causa da "ciência historiográfica" ao narrar "factos" que não constam em nenhum dos Documentos Oficiais, pelo que se pode concluir que "falsificou a história" da «Guerra Colonial», em particular a da Guiné.

▬ 5. - Em função do ponto anterior, sugere-se à «Academia» e à sua comunidade científica, no caso de vir a utilizar este recurso bibliográfico, que tome as devidas precauções, cruzando-o com outras fontes em que se possa confiar.

▬ 6. - É relevante o facto deste livro fazer parte do "Plano Nacional de Leitura"…

3.     – SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 2917 = BAMBADINCA - XIME - ENXALÉ - MANSAMBO - XITOLE (1970-72)



Foto 3 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > Mato Cão > Dez'71 > O TCor João Polidoro Monteiro, último Cmdt do BART 2917 (1970/72), na companhia do Alf Médico Vilar e do Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba – P9034. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


3.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizado pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP 2], de Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, o Batalhão de Artilharia 2917 [BART 2917], liderado pelo TCor Art Domingos Magalhães Filipe, mais as suas três Unidades de quadrícula – CART 2714, CART 2715 e CART 2716 – embarcaram em Lisboa, no Cais da Rocha, em 17 de Maio de 1970, domingo, seguindo viagem a bordo do N/M "CARVALHO ARAÚJO", rumo à Guiné (Bissau), onde chegaram a 25 do mesmo mês, 2.ª feira. 



3.2 - SINTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

● A DO BART 2917

Quatro dias após a sua chegada a Bissau, o BART 2917 seguiu, em 29Mai70, para Bambadinca, a fim de efectuar a sobreposição e render o BCAÇ 2852 [30Jun68-16Jun70; do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º); TCor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura (2.º) e TCor Inf Jovelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real (3.º)], assumindo em 07Jun70 a responsabilidade do Sector L1, com sede em Bambadinca e abrangendo os subsectores de Xime [CART 2715], Xitole [CART 2716] e Mansambo [CART 2714] e Bambadinca [CCS e Cmd].

As suas três subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do Batalhão. Desenvolveu intensa actividade operacional, tendo comandado e coordenado a realização de diversas operações, patrulhamentos, emboscadas e protecção e segurança dos itinerários e ainda promovendo a segurança e protecção dos trabalhos de construção de aldeamentos para as populações e correspondente desenvolvimento socioeconómico.

Da sua actividade destacam-se, entre outras, as operações «Corrida Entusiástica» e «Triângulo Vermelho», e ainda a organização e funcionamento do Centro de Instrução de Milícias [CIM], bem como a captura de diverso material de guerra, como sejam duas metralhadoras ligeiras, uma espingarda, um lança-granadas foguete, quinze granadas de armas pesadas, cinco minas e elevada quantidade de munições de armas ligeiras.

Em 15Mar72, o BART 2917 foi substituído no sector de Bambadinca pelo BART 3873 [Dez71-Abr74] e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, que aconteceu entre os dias 24 e 27 de Março de 1972, a bordo dos TAM. (Ceca; p. 228).



● A DA CART 2714

A CART 2714, do Cap Art José Manuel da Silva Agordela, seguiu em 29Mai70 para Mansambo a fim de efectuar a sobreposição e render a CCAÇ 2404 [30Jul68-16Jul70; do Cap Mil Inf Carlos Alberto Franqueira de Sousa (1.º)], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector. 

Por períodos variáveis, destacou Grs Comb para reforço de outras subunidades do sector, mantendo também um Gr Comb em reforço da CART 2715, no Xime, a partir de 23Set70. Em 14Mar72, foi rendida no subsector de Mansambo pela CART 3493 [28Dez71-02Abr74; do Cap Mil Inf Manuel da Silva Ferreira da Cruz], após o que recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 24 de Março.

● A DA CART 2715

A CART 2715, do Cap Art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1.º), seguiu em 31Mai70 para o Xime a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2520 [29Mai69-17Mar71; do Cap Mil Art António dos Santos Maltez], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um destacamento no Enxalé, sendo este guarnecido ora com um Gr Comb, ora com dois, conforme as necessidades operacionais. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xime pela CART 3494 [28Dez71-03Abr74; do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (1.º); Cap Art António José Pereira da Costa (2.º) e Cap Mil Inf Luciano Carvalho Costa (3.º)], tendo recolhido a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 25 de Março.

● A DA CART 2716

A CART 2716, do Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida, seguiu em 29Mai70 para o Xitole a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2413 [16Ago68-18Jun70; do Cap Art Raul Alberto Laranjeira Henriques], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um Gr Comb destacado na ponte do Rio Pulom. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xitole pela CART 3492 [29Dez71-01Abr74; do Cap Mil Inf António Vítor Ribeiro Mendes Godinho], tendo recolhido seguidamente a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 26 de Março. (Ceca; p. 229).
______________________
Fontes Consultadas:
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).
Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
28AGO2020
__________

Nota do editor

Último poste da série "Memórias cruzadas" > 18 de agosto de 202 > Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)

Vd. também:

15 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17359: Notas de leitura (956): “Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20563: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (114): Vamos publicar, com a devida autorização da família, um excerto das memórias, ainda inéditas, de Inácio Soares de Carvalho, um nacionalista da primeira hora, militante do PAIGC, pai do nosso leitor (e futuro grã-tabanqueiro), o historiador e arqueólogo Carlos de Carvalho, cabo-verdiano, de origem guineense


Guiné > Bissau > s/d > Edifício do BNU - Banco Nacional Ultramarino. Cortesia de Mário Beja Santos (2017).

Inácio Soares de Carvalho trabalhou aqui até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. Vamos  publicar, em breve, um excerto das suas memórias políticas, ainda inéditas, com a devida autorização do seu filho, Carlos de Carvalho. 

Nasceu na Praia, foi em criança para a Guiné com os pais. Envolveu-se na luta política. Foi preso pela primeira vez em 1962. É deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na colóiniua penal da ilha das Galinhas. Em 1967, é liberto pela primeira vez. 

Em 1972, é de novo preso e encarcerado na 2ª Esquadra de Bissau, sendo solto,  3 meses depois, sem culpa formada.  Em 1973, é de novo preso,  para conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974, em Portugal.  

Nos finais de setenta, regressa à sua terra natal, Cabo Verde,  e afasta-se praticamente da vida política activa.  Já faleceu. (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho)


1. Mensagem de Carlos de Carvalho (Pria, Santiago, Cabo Verde), com data de 22/11/2019, 19:13

Caro Sr. Luís Graça,
Boa tarde.


Confesso ter ficado surpreso com sua pronta resposta (*). Pensava que levaria dias a me responder. Confesso também ter ficado surpreso, claro pela positiva, com o conteúdo de seu email.

É verdade que é um dever de memória resgatar parte de nossa história comum. É o que faremos publicando a obra de nosso velho.(...)

Envio em anexo, extractos do Livro para sua apreciação e com autorização de o publicar no seu/nosso blogue, se assim entender. Será uma forma de divulgação do que será o livro.

Meus / nossos (da família) antecipados agradecimentos.
Carlos de Carvalho


2. Resposta do editor Luís Graça, com data de 23/11/2019, 18h23

Carlos, aqui tem a autorização do Paulo Santiago. Não se esqueça depois de o citar, a ele e ao nosso blogue. Obrigado pelo texto (resumo das memórias do seu "velho", a cujo memória me inclino), que me mandou e me autoriza a publicar no blogue, o que farei com todo o gosto.

Mas preciso que me dê mais alguns dados  biográficos sobre o seu pai. Gostaria de saber também o título do livro, a editora, o local e o ano de edição (se já tiver editora)... O seu pai deixou-lhe algum manuscrito ? Ou ainda teve tempo de o entrevistar, em vida ?... 

Diga-nos também algo mais sobre si: o que faz, onde vive...Claro que o gostaria de ter, na Tabanca Grande ("onde todos cabemos com tudo aquilo que nos une, e até com aquilo que nos pode separar")... 

Temos aqui diversos "amigos da Guiné", que não foram combatentes, nem de um lado nem do outro, e que são naturais da Guiné: desde o Nelson Herbert Lopes (os nossos "velhos" estiveram ainda juntos no Mindelo em meados de 1943) ao Cherno Baldé (Bissau)... passando pelo saudoso Pepito, mas também o Manuel Amante da Rosa (esse, sim, antigo combatente, fiz o serviço militar na sua terra, em 1973/74...). 

Se aceitar conveniente e oportuna a sua entrada neste grupo (somos 800)... Temos regras de convívio muito simples, de bom senso.

Não somos um blogue de causas (nem temos nenhuma agenda "político-iudeológica"), mas de partilha de memórias (e de afetos). Estamos "on line" há mais de 15 anos. E temos 11,5 milhões de visualizações... Um acervo enorme, plural, sobre a Guiné e a guerra colonial. 

Mantenhas. Bom fim de semana. Luís

3. Resposta do Carlos de Carvalho,  em 25/11/2019, 19:12

Caro Luís Graça

Boa tarde e minhas desculpas pelo atraso na resposta.

Meus imensos agradecimentos pela autorização dada pelo, já considero comum amigo, Paulo Santiago.

Aceito com muito gosto fazer parte da “rede de memórias” que conseguiram criar, sem remorsos, sem ressentimentos. O passado nosso, quer queiramos quer não, foi comum. Tive a felicidade de ter estudado com muitos colegas portugueses que hoje não sei por onde andam mas que na altura éramos amigos, jogávamos à bola juntos, sem perguntarmos donde cada um vinha e quem eram nossos pais.

De seus amigos da Guiné, que citou, o Nelson [Herbert], por exemplo, é meu grande amigo, nossas famílias se relacionam como autênticas famílias mesmo. Ele conhece grandemente a história das memorias e temos trocado ideias sobre o seu conteúdo no geral.

O Amante da Rosa idem. Fui colega de infância e de juventude de seu falecido irmão e ele é colega de serviço de meu irmão. Ambos são hoje Embaixadores.

Como vê,  este mundo é mesmo pequeno.

O triste de tudo é ver aquela linda nossa terra no estado em que se encontra. Dói mesmo!!

O meu velho deixou mesmo suas memorias, instigadas por nós, filhos. O manuscrito existe e algumas páginas irão no livro.

Envio, em anexo, Sinopse e Nota Introdutória das Memórias que permitirão publicar no seu/nosso blogue parte do que vai ser, sem dúvida, umas excelentes memórias sobre a luta clandestina. Segue também o que provavelmente será a capa do livro.

Eu vivo na Praia, CV, e sou historiador e arqueólogo de profissão. Trabalho no Instituto do Património Cultural de que fui Presidente largos anos. Faço mais é investigação no domínio da preservação do património e agora estou também me enveredando pela temática da luta de libertação.

Continuaremos o nosso contacto dentro das regras de convívio que estabeleceram para os amigos do blogue.

Aceite meu abrasu.


4. Comentário de Luís Graça, 26/11/2019, 21:43


É verdade, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande. O Carlos já aceitou o meu convite para integrar a Tabanca Grande, onde, como eu lhe disse, cabemos todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar... Autorizou-me a publicar excertos do livro que quer ver publicado, em memória e homenagem ao seu "velho"... Merece o nosso apoio. Gostava que ele me pudesse mandar uma foto, atual, tipo passe.

PS - Vamos oportunamente publicar, aqui no blogue, um excerto das memórias, ainda inéditas,  do falecido pai do Carlos de Carvalho, que foi um nacionalista da primeira hora, um Combatente de Liberdade da Pátria, de seu nome Inacio Soares de Carvalho: na clandestimnidade era o  Naci Camara, trabalhou no BNU - Banco Naciional Ultramarino, erm Bissau, foi várias vezes preso pela PIDE durante o tempo que durou a luta pela independência, conheceu o Tarrafal e a Ilha das Galinhas. As memorias abarcam o período de  1956 a 1974.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20559: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (67): pedido de autorização para uso de fotos de Guerra Ribeiro, em livro de memórias do "tarrafalista" Inácio Soares de Carvalho (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, Cabo Verde)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20559: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (67): pedido de autorização para uso de fotos de Guerra Ribeiro, em livro de memórias do "tarrafalista" Inácio Soares de Carvalho (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, Cabo Verde)

Foto nº 1


 Foto nº 1-A


Foto nº 2

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá  > Bambadinca > BART 2917 (1970/729 > Março de 1972 > Carreira de tiro > Foto nº1 > Da direita para a esquerda: (i) na primeira fila: o Comandante do CAOP 2, o General Spínola, e o ten cor Polidoro Monteiro (comandante do BART 2917); e atrás, na segunda fila, (ii) o Paulo Santiago (,de bigode e óculos escuros), o ten-cor Tiago Martins (, comandante do BART 3873). e o antigo administrador do oncelho de Bafatá, o então intendente Guerra Ribeiro (Foto nº1-A)

Foto nº 2 > em primeiro plano, dois civis, da administração colonial , sendo o segundo o intendente Guerra Ribeiro, no meio de militares, com o gen Spínola ao centro; ao fundo, à direita o nosso grã-tabanqueiro Paulo Santiago, na altura instrutor e comandante de companhia de milícias.


Fotos (e legendas): © Paulo Santiago (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso leitor Carlos Carvalho, guineense de origem cabo.verdiana, viva na Praia, Santiado, Cabo-Verde, é historiador e arqueólogo de profissão, filho de um antigo militante do PAIGC:

Data - sexta, 22/11/2019, 13:3722/11/2019
Assunto - Memórias: pedido de autorização


Exmo Senhor Luis Graça

Antes de mais meus melhores cumprimentos.

Sou Carlos de Carvalho, natural da Guiné, de nacionalidade cabo.verdiana.

Estou concluindo as Memórias de nosso falecido pai, um Combatente de Liberdade da Pátria, Inacio Soares de Carvalho, de nome de luta Naci Camara, varias vezes preso pela PIDE durante o tempo que durou a luta pela independência.

As Memorias narram a vida politica dele,  desde 1956 a 1974.

Nelas, numa das passagens, ele cita o famoso Guerra Ribeiro com o qual teve um "encontro" nada amigável. Procurando uma imagem desse administrador, alguém me recomendou ver seu blogue. Efectivamente, no seu blogue  vi as duas figuras, o Guerra Ribeiro e o Governador Spinola,  que precisava para ilustrar a passagem narrada nas Memórias.

Nesta conformidade e para salvaguardar os direitos autorais e de imagem, venho, por este meio, solicitar sua autorização para o uso dessa imagem, supondo ser de sua autoria essa fotografia. Em não sendo, muito agradecia que me informasse como poderia chegar à fonte e solicitar autorização para o efeito.

Certo de que este meio correio merecera sua devida atenção, agradeço antecipadamente.

Meus melhores cumprimentos.

Carlos de Carvalho

PS: Venho apreciando com enorme prazer o seu blogue com informações e imagens que ajudam a conhecer e reviver um pouco da historia recente daquela nossa martirizada terra. Às vezes da para perguntar se aquela música "Oh tempo volta pa trs" ´, não tem sentido. 


2. Resposta do nosso editor Luís Graça, com data de 22/11/2019, 17:33, e conhecimento ao Paulo Santiago:


Caro Carlos Carvalho:

Tenho todo o gosto de satisfazer o seu pedido. O nosso blogue (de ex-combatentes da guerra colonial e outros amigos da Guiné, incluindo guineenses, cabo-verdianos, etc.) pretende ser uma ponte entre os nossos dois povos que, afinal, têm uma história em parte comum, além de laços linguísticos e afetivos. (**)

Temos pelo menos 4 referências no nosso blogue ao administrador, e depois intendente da administração colonial, Guerra Ribeira (de seu nome completo, Manuel da Trindade Guerra Ribeiro. natural de Chaves).

As fotos que o Carlos refere são do meu camarada Paulo Santiago, que conheceu o Guerra Ribeira em Bambadinca, por volta de março de 1972...

De acordo com as nossas regras, terei que lhe pedir a sua (dele) autorização. Por parte do administrador do blogue, tem o meu OK, desde que cite a fonte:  Cortesia de © Paulo Santiago (2013) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Mas aguarde a resposta do engº Paulo Santiago, membro desta tertúlia, a quem dou conhecimento do seu pedido e da minha autorização.

Gostava depois que publicasse alguma coisa sobre o seu pai, no nosso blogue. Temos uma série,"(D)o outro lado do combate", já com mais de meia centena de referências. É muito importante que os filhos dos "combatentes da liberdade da Pátria", como é o seu caso, não os deixem "morrer na vala comum do esquecimento"... Fazemos isso, aqui, com os nossos camaradas que fizeram a guerra e a paz no teatro de operações da Guiné (1961/74).

Mantenhas. Muita saúde e longa vida. Luís Graça

3. Resposta, na volta do correio, do Paulo Santiago (, ex-alf mil,  ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72: é engenheiro técnico agrícola, reformado; vive em Águeda; tem 165 referências no nosso blogue):


Olá, Luís, boa noite

Interessante este pedido do filho do Inácio Carvalho, alguém do "outro lado" que vai falar. Acho bem acontecerem estas memórias.Vou dar autorização ao Carlos Carvalho.

Este mês, é o segundo pedido de autorização que recebo.Há dias foi de uma doutoranda,Verónica Ferreira (projecto CROME-CES UC) que chegou a mim através do Jorge Araújo. Perguntei ao Eduardo Costa Dias se conhecia a moça..."Boa miúda" respondeu-me. A Verónica vai enviar-me o capítulo (em inglês) onde será inserida a foto, e envio-te.

O Inácio esteve no Tarrafal. Em 2018 estive um mês em Santiago, Praia,e lá fiz uma visita à prisão, hoje museu da resistência...Tenebroso, aquelas celas disciplinares, a "holandinha", substituta da frigideira, horror.

Abraço, Paulo

4. Comentário do Cherno Baldé (Bissau), nosso colaborador permanente, sobre o Guerra Ribeiro (*):

(...) O Guerra Ribeiro, Administrador da Circunscrição, depois Concelho de Bafatá nos anos 60, era o terror dos nativos "indígenas" que viviam nos arredores ou visitavam a cidade, por força de uma medida administrativa que mandava prender e açoitar todos os nativos que nela entrassem de pés descalços.

A medida era inédita, controversa e paradoxal, porque no seu ambiente natural, salvo raras excepções (personalidades políticas ou religiosas), o nativo guineense, em geral, não usava sapatos no seu dia-a-dia e, também na fase inicial da colonização, o uso de sapatos entre o "gentio" ou era mal visto ou simplesmente proibido pela administração.

E, de repente, nos anos 60, o Administrador de Bafatá confundiu a mentalidade dos nativos com esta medida que intrigava muita gente e teria sido motivo para o surgimento de casos caricatos que ainda hoje se contam e são motivo de divertidas gargalhadas.

Com esta medida histórica, quem tivesse que passar por Bafatá, por qualquer motivo, sabia de antemão ao que era obrigado, mesmo que, por isso, tivesse que arrastar os pés ou andar como um coxo, porque os cipaios de Guerra Ribeiro estavam lá para fazer cumprir a ordem.

Assim, na região de Bafatá a história do uso de sapatos está intimamente ligada ao nome de Guerra Ribeiro, e a maioria dessas pessoas compravam o seu par de sapatos exclusivamente para satisfazer o Senhor Administrador de Bafatá.

O nome de Guerra Ribeiro está também ligado a construção do Bairro da Ajuda, o único Bairro digno deste nome na periferia da antiga Bissau, construído na base de trabalho obrigatório.

É por estas e outras coisas que, hoje, face a situação actual do pais, muita gente questiona (em especial os mais velhos) se não era melhor manter a ordem e a disciplina coloniais. (...)

____________

Notas do editor:


(...) No poste P11281 (...)  fala-se do Guerra Ribeiro, Administrador de Bafatá. Conheci a pessoa num dia em que apareceu no Saltinho,e lá pernoitou.

Mais tarde, apareceu em Bambadinca na cerimónia de encerramento do curso de Milícias. Nesta altura, já não era Administrador, era Intendente, e penso que estava em Bissau, mas sei muito pouco sobre estes cargos da Administração Civil. 

(...) Voltei a Bambadinca em Janeiro de 72 e, durante o novo curso de milícias, tive duas visitas do Com-Chefe, uma aí pelo meio e a outra no final tendo, desta vez, sido cumprido todo o programa de encerramento, que incluiu uma deslocação de viatura à carreira de tiro, que ficava para lá do destacamento da Ponte de Udunduma, a caminho do Xime. (...)

Nas fotos juntas, Março de 72, aparece o então Intendente Guerra Ribeiro. Na primeira, é a pessoa de farda amarela, atrás do Polidoro Monteiro e do Spínola. Na segunda, está a olhar para o lado esquerdo, e vê-se, também fardado,um outro elemento da Administração Civil que não sei quem é. (...)

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20012: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (12): Comemorando os 20 mil postes, com um excerto das memórias (boas e más) do Paulo Santiago, no Saltinho, como comandante do Pel Caç Nat 53 (1970/72)... Em que se fala dos banhos à fula no Corubal, de uma perna esfacelada por um coice de morteiro e cosida a sangue frio, e ainda dos foguetões 122mm...


O famoso "Jacto do Povo" (, na gíria do PAIGC), o foguetão ou foguete  de 122 mm, que terá sido utilizado pela primeira vez 24 de outubro de 1969 contra Bedanda e só depois em novembro de 1969, numa flagelação contra Bolama, segundo o nosso especialista em artilharia , o nosso camarada e amigo Nuno Rubim. Felizmente para nós, era um arma pouco precisa e fiável e a Guiné, tirando Bissau, a BA 12 em Bissalanca e Bafatá não tinha grandes alvos, civis ou miitares, apropriados...Afinal, a História com H grande, também se faz com a pequena história...



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > c. jan / fev 1971 > O comandante do Pel Caç Nat 53 (1970/72), Paulo Santiago, tomando o seu banho à fula no Rio Corubal.

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Paulo Santiago, Pombal, 2007. Foto: LG
1. Comemorando os vinte mil postes publicados em 15 anos, justamente em 21/7/2019 (*),  facto que passou despercebido à generalidade dos nossos leitores, voltamos a reproduzir um texto de memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72) (**):

Em 6 de Janeiro de 1971, fiz vinte e três anos de idade e um ano de tropa. Tinha entrado para o "calhau" em Mafra [, a EPI,], precisamente no dia em que fiz vinte e dois anos, foi o pior aniversário da minha vida, completamente perdido naquele labirinto de escadas e corredores.

Este 6 de Janeiro no Saltinho foi bem bebido, muito whisky a acompanhar umas rodelas de tomate com sal.

Em 21 de Janeiro, aí pelas 21,00 horas, entra um militar da CCAÇ 2701 pelo bar de Sargentos e Oficiais e informa, meio esbaforido, que um dos sentinelas está a avistar uma pequena luz numa curva do rio Corubal, situada aí a uns 500 metros na margem oposta à do quartel.

Saímos todos a correr em direcção ao posto de sentinela, verificando haver de facto uma pequena luz a mover-se no local indicado. Acrescento que a zona em causa daria uma boa base de fogos para uma flagelação ao Saltinho, com uma posterior retirada pelo rio. O abrigo do [Pel Caç Nat] 53 ficava ali ao lado, e foi onde me dirigi, agarrando no morteiro 60 e duas granadas.

Procuro um local, com visibilidade para a curva do rio, instalo o morteiro, joelho direito em terra, mão direita no tubo, calculo a inclinação e aí vai granada. Tudo foi feito com rapidez, esquecendo-me que a zona do Saltinho, contrariamente à maior parte da Guiné, era rochosa, o que resultou em azar. Não vi, estava escuro, o prato da arma ficou assente num afloramento de rocha. À saída da granada o prato desliza na pedra, atingindo-me a perna direita acima do joelho. A pancada foi tão forte que caí para o lado, cheio de dores, pensei logo ter ossos partidos.

O Cap Clemente e o Alf Julião, da CCAÇ 2701, que estavam ao meu lado, agarram-me ao colo e trazem-me para o Posto médico, onde me deitam na marquesa. Felizmente o osso ficou à vista, mas não estava partido. Havia que coser a perna, trabalho para o Fur Mil Enf Freire.

Como não havia anestesia, estavam quatro matulões a imobilizar-me e eu a sentir a agulha a coser-me, a repuxar músculos e peles. Hoje suporto a dor com alguma rusticidade, deverão ser
ainda resquícios do que passei naquela noite. Levei exteriormente quinze pontos e fiquei
inoperacional um mês e poucos dias.

No dia seguinte, deveria ficar de cama, não consegui e rebentei de imediato com um dos pontos. Agarrado a uma pseudo-bengala lá vim beber uns copos para o bar. Foi um mês de grandes exageros (ainda mais) com as bebidas. O maior problema passou a ser o banho, não podia mergulhar no rio, então protegia o penso com um plástico, sentava-me à beira da rio e, com uma bacia, ia virando água por cima da cabeça, um banho à fula.

Chegamos ao Carnaval e resolvem fazer um baile na escola que ficava junto do quartel, ficando eu a beber uns copos no bar . Por volta das vinte horas, ouço várias saídas de arma que não sei determinar. Venho agarrado à bengala dar uma espreitadela à parada, vejo o rasto de vários foguetões (?) dirigindo-se na direcção de Aldeia Formosa, ouço o estrondo dos rebentamentos, repetindo-se de imediato a mesma cena, várias saídas, o rasto dos foguetes e respectivos rebentamentos.

Chega entretanto o pessoal que andava no baile, ficando também a assistir aquela chuva de foguetes e a ouvir os rebentamentos. Aparece o Fur Rui, das Transmissões, informando que o quartel de Aldeia Formosa acaba de perguntar se estávamos a ser atacados, e quais as armas utilizadas no ataque.

Chegou-se à conclusão que as granadas estavam a cair em zona entre Saltinho e Quebo
e a arma era desconhecida. Passados alguns dias veio informação do Com-Chefe: naquele ataque falhado a Aldeia Formosa, o IN tinha utilizado pela primeira vez Foguetes Katyusha, também
conhecidos por Órgãos de Estaline

O foguete 122 mm, o Grad
 (na terminologia do PAIGC
ou "jato do povo").
Foto: Nuno Rubim (2007)
2. Nota do editor LG:

O pretexto é termos chegado aos 20 mil postes e aos 15 anos a blogar (***),  sem esquecer os cerca de 11,2 milhões de "visitantes" e os quase 800 membros (registados) da Tabanca Grande... Mas, como o tempo é curto, e o relógio não pára, e não há patacão para festas, vamos lá ao que interessa, para  refrescar a nossa memória e corrigir a memória futura...

Na realidade, os tais foguetões ou foguetes 122 mm,  já se teriam estreado antes, no TO da Guiné, em Bolama, em 3/11/1969, ou em Bissorã, em 1/5/1970, segundo a tese do nosso camarada Armando Pires (****), o que o Paulo Santiago contesta, em comentário ao poste P9337:

(...) "Não quero contrariar o camarada Armando Pires, mas não estamos a falar da mesma arma, isto é certo. A Katiusha, Orgãos de Estaline, BM 21 Grad,chamemos-lhe um destes nomes, à escolha, é uma arma, conjunto de tubos de lançamento de foguetes, colocada numa viatura pesada. Tem de haver uma picada para a viatura se deslocar, não pode ser levada às  costas. Assim, não estou a ver nenhuma possibilidade de uma viatura pesada, do PAIGC, se deslocar no interior da Guiné para atacar Mansoa, Bissorã, Bolama. Um quartel, perto da fronteira, com alguma dimensão de espaço, caso de Aldeia Formosa, o ataque foi possível, mas com resultados nulos (para o IN). Também não estou a ver um ataque de Katiusha (4 foguetes) lançar apenas três (Bolama) num alvo de grande dimensão.

A info do COMCHEFE  foi que aquele ataque direccionado para Aldeia Formosa, tinha sido o primeiro com a utilização dos Órgãos de Estaline. É só." (****)

Oiçamos também aqui o nosso especialista de armamento, o Luís Dias: havia dois tipos de "foguetão 122 mm", o foguete (míssil) no calibre 122mm, desenvolvido em 1963,  o 122mm BM-21 GRAD, de lançamento múltiplo, e uma variante, o foguete 9P132/BM-21-P,  também de calibre 122mm (mais curto que o modelo standard) a ser lançado por um único tubo – o lançador 9M28/DKZ-B.  (*****)

(...) "A arma Katyusha era originalmente a denominação para os foguetões utilizados pelos multi-lançadores, que eram transportados em diversos tipos de camiões. Depois da guerra, os soviéticos aperfeiçoaram estes multi-lançadores, com o surgimento do míssil 122mm BM-21 GRAD, colocados em viaturas diversas e com diverso número de tubos.

 Aperfeiçoaram também um míssil portátil, na origem do anterior, mas ligeiramente mais curto, com o mesmo calibre, com a denominação 9P132/BM-21-P, que era lançado pelo uni-tubo 9M28/DKZ-B e era este o míssil mais utilizado nos ataques por foguetões na Guiné, pelo menos dentro do território, tendo sido, inclusive, capturadas diversas rampas de lançamento do tipo referido, conforme diversas fotos existente" (...)

O Nuno Rubim (, um abraço para ele, e as suas melhoras!) também prefere chamar-lhe foguete, embora ficasse conhecido, entre nós, no TO da Guiné, como "foguetão 122mm".  Terá sido utilizado pela primeira vez, em Bedanda, antes de Bolama, Cacine e Cufar (******).

__________



(*****) Vd. poste de 1 de janeiro de  2012 > Guiné 63/74 – P9344: Armamento (7): O foguetão de 122 mm (Luís Dias)

(...) O lançador de foguetes Katyusha é uma arma de artilharia (lançador de foguetes múltiplos) desenvolvida e utilizada pelo Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial. Foi apelidado na época de "Órgão de Estaline" pelas tropas alemãs (em alemão: Stalinorgel) em referência ao dirigente soviético com o mesmo nome. Já o nome Katyusha foi dado pelo Exército Vermelho,  retirado de uma música famosa durante o período da guerra, que contava a história de uma jovem russa (Katyuhsa, diminutivo russo para Catarina) cujo namorado estava longe em virtude da guerra. 

(...) O desenvolvimento dos foguetes lançados por artilharia na URSS iniciou-se em finais dos anos 40, a fim de se substituírem ou complementarem os Katyusha de 82mm, 132mm e 300mm, da II Guerra Mundial. A fábrica estatal, situada em Tula, sob a liderança de A. Ganichev, apresentou um foguete (míssil) no calibre 122mm, em 1963, denominado 122mm BM-21 GRAD. Ao longo de 1964 foram produzidos diversos tipos desta série e a serem transportados em camiões e outros veículos de vários tipos e dimensões, com diversos conjuntos e combinações de lançamento múltiplo. 

Também foi fabricado o Foguete 9P132/BM-21-P, no calibre 122mm (mais curto que o modelo standard, embora também pudesse ser usado por um multi-tubo), a ser lançado por um único tubo – o lançador 9M28/DKZ-B." (...)

(******) Vd. poste de 10 de junho de  2007 > Guiné 63/74 - P1828: Armamento do PAIGC (3): O Foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (Nuno Rubim)