Mostrar mensagens com a etiqueta Santos Andrade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Santos Andrade. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20545: Notas de leitura (1254): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (40) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Era inaceitável não se fazer uma referência, ligeira que fosse, a quem escreveu poesia durante e depois da comissão. É a dimensão literária mais pobre que temos, mas há um ponto intrigante, a meu ver muito pouco explorado no blogue: a poesia popular. Reconheço que não se pode inventariar estes livrinhos que circulam nalgumas reuniões anuais, atribui-se pouca importância para a explicação histórica, é muito pessoal mas, reconheça-se, de grande pendor afetivo, deixo à vossa consideração a hipótese de se procurar tentar fazer um levantamento, não tenho nenhuma receita.
Para se olhar ao espelho com o bardo do BCAV 490 só me ocorre, pela máquina poética, Álamo Oliveira, o poema escolhido parece-me gracioso, um açoriano carregado de saudades da Guiné.
Que eu saiba, Álamo Oliveira não regressou ao tema.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (40)

Beja Santos

“Foi ferido um Furriel
ao pé da enfermaria.
A 489 com coragem
novamente se distinguia.

Como é de calcular,
ainda existe grande bando
e a 18 de Abril o Comando
eles vieram atacar.
Granadas começaram a jogar,
caindo muitas fora do quartel.
O nosso amigo Joel
grande susto apanhou
porque quando uma rebentou
foi ferido um Furriel.

Tudo se levantou
quando na caserna uma caiu
a mala do barbeiro se partiu,
mas ninguém se magoou.
Para as viaturas tudo abalou
onde perigo não havia.
Mas neste momento se ouvia
o Furriel Mortágua aos gemidos,
foi ferido pelos bandidos
ao pé da enfermaria.

Na 487 rebentaram
umas minas há tempos atrasados.
Ficaram alguns colegas atordoados,
mas todos recuperaram.
O Pardal foi dos que ficaram
estendidos na folhagem.
Contra o grupo selvagem
luta-se sem pena nem dó
por isso entrou em Sulucó
a 489 com coragem.

Avançando uns carreiros,
ao local preciso chegaram,
o acampamento cercaram,
desorientando os bandoleiros.
Cá de trás com os morteiros
muito fogo se fazia,
neste momento a Companhia
arrancou com os seus pelotões
e apanhando armas e munições
novamente se distinguia.”

********************

Enquanto decorrem estas refregas, cuide-se de saber se há livros de poesia dedicados à Guiné, ou com afinidades. Armor Pires Mota chegou a ser galardoado com o prémio Camilo Pessanha pelo seu livro "Baga-Baga". Há, em pequenas edições, outras obras de poesia popular. Um dia recebi de um antigo soldado, António Veríssimo, da CCAÇ 2402, um livro de perfeita rima métrica, detive-me num poema muito singelo, afetuoso, senti-o quase como padrão da poesia popular de toda a guerra da Guiné, veja-se esta “Carta P’rá Família”:

“Boa saúde a todos desejo
E que a vida vos corra bem
Eu não sei se mais vos vejo
Ou se pereço aqui, na terra de ninguém

Estou ótimo graças a Deus
Vou vivendo no meio da guerra
Esperando voltar para os meus
Para a paz da minha terra

Corre carta, corre carta
Sai daqui, vai embora
Leva a meus pais esta farta Saudade que eu sinto agora

Voa carta, carta voa
Segue sempre em frente
E quando chegares a Lisboa
Vai ter com a minha gente

Segue carta o teu caminho
Leva beijinhos e saudades também
Diz lá no meu cantinho
Que aqui mal! Eu estou bem”

********************

Álamo Oliveira
Como é óbvio, não há condições mínimas para se proceder a um inventário desta poesia popular, encontrámo-la casualmente, tal como eu tive a dita de encontrar em casa de alfarrábios esta obra do bardo do BCAV 490.
Mas há outros atrevimentos poéticos, um deles merece citação pelo que é e de quem é. “Triste vida leva a garça”, por Álamo Oliveira, Ulmeiro, 1984, precede uma obra já aqui referenciada, Até Hoje (Memória de Cão), também da Ulmeiro, 1986. Álamo Oliveira andou por Binta, honremos o bardo falando da poesia de Álamo Oliveira, aqui ficam extratos do seu poema “cantigas de ter ido à guerra não p’ra matar ou morrer – pico, soldado – mais nada”, com ressaibos açorianos, não se pode desmentir o sangue:

“Guiné, meu campo de guerra,
Gindungo com que tempero
A alcatra da minha terra…
Vinho de palma não quero.

Antes ‘cheiro’ que me aguarda
Com confeitos e alfenim.
Não fui herói de espingarda,
Não fui cobra de capim.

Noites longas, sem mulher;
Noites de cio em segredo.
- Seja soldado quem quer,
Toda a farda mete medo.
(…)
Foi mau. Foi duro. Foi reles.
(Hoje é só bruma passada).
Ó terra de curtir peles,
Mochila cheia de nada.

De resto, quem não recorda
O pavor que nos lançou
O Mastigas numa corda
No dia em que se enforcou?

Fui soldado. Simplesmente.
Soldado de corpo nu.
Amei África e sua gente…
Muito sumo de caju.

Por isso, canto, em quadra
A saudade que engatilha
A arma que me desarma:
- África-mim/minha ilha!

Dos companheiros de armas,
Guardo o rosto e afeição.
Soldados com espingardas
Murchas e presas à mão

Para puxar o gatilho
No momento de matar.
Antes, sachavam o milho,
Agora, são de odiar.

Hoje, à distância de anos,
Meia légua do caixão,
Coso, de memória, os panos:
- Meus companheiros quem são?
(…)
Que eu quis de África o chão,
O lugar e a madrugada;
Amei o seu povo sem pão…
Eu fui soldado – mais nada.

Ansumane, meu amigo,
Ainda estás na mesquita?
Sonho, às vezes, contigo,
Teu olhar mago me fita.

De toga, África te veja,
Verde-oiro bordado à mão,
Curvado – Alá te proteja! –,
Nas rezas do Alcorão.

Num só Deus me comprometo,
De um só Deus te não arranco.
O teu é negro de preto,
O meu é alvo de branco.
(…)
Terras de Binta, Mansoa,
Safim, Bissau, Jumbembem,
E outros nomes que, em boa
Verdade, não me lembro bem.

Lá no fundo da picada,
Vejo avançar para mim,
Negra balanta gingada
Com um molhe de capim.

Carrega o filho às costas,
Seios caídos de fora,
Mãe-negra, em quem apostas
O teu futuro agora?

Que eu vi cacheus e gebas
Caminharem com a maré,
Mas, por mais rios que bebas,
Não terás teu candomblé.
(…)
Mãe-negra – África-mim,
Meu postal desilustrado,
Tempo de angústia e capim
Ao meu ombro pendurado.

Que bem faço por esquecer
Armas, mosquitos, viagem.
África ferrou-me o ser,
Trouxe-a feita tatuagem.

Se da guerra me livrei,
Do seu povo é que não.
Na farda, não me piquei,
Mas trouxe, na minha mão

Ritos de fanado e morte,
Rios mansos que o sol coa,
Luar branco, trovão-forte,
Negro vogando em canoa.
(…)
Guiné! Guiné! Voz de gente!
Doce de coco e baunilha!
Bem te sinto, no meu ventre,
A pulsar no som da ilha,

Que é de mar, enxofre e lava
Hortênsias e solidão.
Guiné, minha irmã-escrava,
Mango caído no chão.”

Por aqui fiquemos, não posso escusar dizer que esta desgarrada com marca de água açoriana me impressiona profundamente, é toada nova de poesia de sabor luso-guineense, um espinho de saudade, ele é porta-estandarte dessa Guiné que ficou para muitos como uma irmã-escrava lá nas terras do poeta feitas de enxofre e lava.

(continua)
____________

Notas do editor:

Poste anterior de 3 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20523: Notas de leitura (1252): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (39) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20534: Notas de leitura (1253): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20523: Notas de leitura (1252): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (39) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
O bardo descarrega as suas penas, o seu companheiro de viagem prossegue em grande círculo, vai ao início da guerra, às suas primícias, tenha o leitor curiosidade e fartas leituras o esperam, tanto para entender o que foi a ascensão nacionalista na Guiné e como cedo se impôs o pensamento de Amílcar Cabral, como para acompanhar a digressão do aparato subversivo, em ondas os insurretos foram-se formar na China e na Checoslováquia, mais tarde na URSS, muito mais tarde virá o apoio cubano, entrementes haverá notórios progressos no armamento.
Por isso aqui se recupera as memórias do "Homem Ferro", um fuzileiro que conheceu a subversão desde 1962, por muitas andanças, em 1963, se apercebeu do alastramento da guerrilha e dos seus focos poderosos.
E aqui também se fala da CCAÇ 675, em 1964 encontraram Binta como território onde agentes do PAIGC se deslocavam folgadamente. Os reforços portugueses foram chegando a conta-gotas, revelar-se-ão insuficientes para estancar a dispersão da guerrilha.
A lira do bardo tem acordes de sofrimento, temos toda a vantagem em tentar perceber os ventos que sopram da guerrilha.
É o que aqui se faz.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (39)

Beja Santos

“Dois colegas com azar
os seus dias terminaram.
O pessoal do Batalhão
grande mágoa passaram.

Para serem tratados
os médicos os examinaram
e algumas chapas lhes tiraram.
Sendo ambos operados
alguns dias foram passados
e soro começaram a levar.
Fartaram-se de penar
com os sofrimentos de gravidade
e foram para a eternidade
dois colegas com azar.

O Francisco António foi o primeiro
que a morte levou.
O António Amaro, desmoralizado
ao ver a falta do companheiro,
o 1.º Cabo e o Furriel enfermeiro
a falar o reanimaram.
A verdade não lhe contaram
para ver se ele não esmorecia.
Mas como o azar o perseguia
os seus dias terminaram.

Este último se aguentou
quarenta e seis dias a sofrer.
Mas começou a emagrecer
porque a hemorragia não estancou.
De dia a dia piorou
levando muita injeção.
A 10 de maio se soube então
que o último suspiro deu.
Pois ele e o Francisco comoveu
o pessoal do Batalhão.

Os pais com aflição
souberam que os filhos tinham morrido.
Pois lançaram grande gemido
naquela região.
Perto da mesma povoação
estes rapazes se criaram
para o Ultramar abalaram
despediram-se com suspiros e ais
e no fim do tempo seus queridos pais
grande mágoa passaram.”

********************

Continua a litania dos padecimentos, o bardo não pára de trombetear desaires e agonias, parece que todo o Batalhão está exposto às mais rudes provas. É nisto, por contraste, que este companheiro do bardo vasculha esta nova guerra da Guiné na sua fase primigénia e encontra um relato sobre os primórdios da luta armada, até ao seu desenvolvimento. Dele já fez referência em obra sua com parceria, intitulada “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: um roteiro”, Fronteira do Caos Editores, 2014, tem a ver com as memórias de um combatente intitulada “Homem Ferro”, seu autor é Manuel Pires da Silva, responsável pela edição, com data de 2008. Tem-se sempre em conta que o leitor é leigo, iniciou-se nestas leituras da guerra da Guiné, procura compreender como desabrochou o conflito na área militar, mais complexo é explicar que houve uma prolongada germinação do nacionalismo, formaram-se diferentes partidos, em 1959, Amílcar Cabral em reunião com outros companheiros do Partido Africano para a Independência, tomaram decisões de fundo, Rafael Barbosa e outros ficaram no interior da Guiné em subversão, Cabral e outros partiram para Conacri para encontrar apoios que dessem incremento sério à guerrilha, como veio a suceder, o mesmo Cabral capitaneou os grandes debates com forças concorrentes, o PAIGC, a partir de 1965, foi reconhecido como a força categórica e exclusiva na frente da libertação nacional. Vejamos agora o que viveu um jovem, a partir de 1962, é um relato que dá muito para pensar.

As memórias do fuzileiro Manuel Pires da Silva trazem surpresas, uma delas é abrir novas perspetivas ao que se passou na Guiné em 1962, ninguém desconhece que as investigações dirigem-se sempre para os acontecimentos a partir de Janeiro de 1963, insista-se que há como que uma nebulosa sobre os preparativos da subversão e a respetiva resposta do lado português. Manuel Pires da Silva conta-nos como se fez marujo, ele levou uma vida atribulada em Vale de Espinho, concelho do Sabugal, mourejou no campo, trabalhou com o pai numa oficina de carpinteiro de carros de bois, andou a furar batentes de portas com martelo e formão, fez a instrução primária, andou no contrabando e apanhou alguns sustos. Adolescente, veio com o irmão mais velho para Lisboa, deram-lhe trabalhos de construção civil, foi depois carpinteiro de cofragem, sentia-se desalentado, queria ir mais longe. Inscreveu-se na Marinha, fez a recruta em Vila Franca de Xira, aos 17 anos era segundo-grumete voluntário. Em 1961, foi frequentar o curso de Fuzileiro Especial, recebeu a boina.

É incorporado no DFE 2, destinado à Guiné, ali chega em Junho de 1962. Que missões tiveram? Fazem guarda ao Palácio do Governador, levam prisioneiros do PAIGC para a Ilha das Galinhas, são mandados para o Sul, onde o PAIGC já desencadeava ações de sabotagem. A primeira operação de reconhecimento visava obter informações das gentes das tabancas de Campeane, Cacine, Gadamael Porto, entre outros lugares; seguem depois para Bula, havia fortes suspeitas de guerrilheiros infiltrados naquela zona. Descreve o efetivo da Marinha, ao tempo. O DFE 2 é pau para toda a obra: operação em Darsalame; vão ao rio Corubal em lanchas de fiscalização, “chegam às tabancas e só vêem velhos, mulheres e crianças, que fogem para todo o lado. Rebentam-se canoas, interrogam-se pessoas, mas ninguém sabe nada”. Em Dezembro, vão até Caiar. “Quando se tentava contactar com a população da tabanca, surge o tiroteio, o primeiro contacto com as armas de fogo do inimigo. O comandante é ferido no pé direito, tendo sido o primeiro fuzileiro ferido em combate”. Pouco antes do Natal, voltam ao rio Corubal, os botes são postos na água e sobem o rio. “Passada cerca de meia hora após largar do navio, ouvem-se rajadas de pistola-metralhadora”. E escreve mais adiante: “A situação agravava-se de dia para dia. O Comandante-Chefe andava preocupado, pois Lisboa não mandava reforços suficientes. Esta preocupação era partilhada pelo Comandante da Defesa Marítima, Capitão-de-Fragata Manuel Mendonça”.

Em Março de 1963, fazem batidas nas áreas de S. João, Tite e Fulacunda, no mesmo mês em que os guerrilheiros se apoderaram dos navios “Arouca” e “Mirandela” perto de Cafine. A situação agrava-se no rio Cobade e Cumbijã, os guerrilheiros atacam ousadamente as embarcações. Na sequência do acidente aéreo que vitimou um piloto e levou à captura do Sargento-Piloto Lobato, os fuzileiros bateram a zona, encontraram o cadáver do piloto sinistrado e os restos do avião. “Os guerrilheiros tinham a população do Sul completamente controlada. Os fuzileiros estavam ali sozinhos a remar contra a maré”. Em Julho, com o apoio de um pelotão de paraquedistas, passam Gampará a pente fino. É nisto que foi necessário acudir na área do Xime, todos os dias há fugas para o mato; no mês anterior, foram até à tabanca de Jabadá, tendo sido recebidos a tiro. O inimigo já desencadeia ações violentas a partir da mata do Oio. “Entretanto, a ilha do Como começa a tornar-se intransitável devido à presença dos guerrilheiros”; a tabanca de Jabadá continua em pé de guerra, a aviação lança bombas de napalm, para intimidar os guerrilheiros, o destacamento desembarca e só encontra velhos e miúdos feridos. A guerra surge à volta de Porto Gole, o inimigo não se deixa intimidar e reage com muito fogo, os fuzileiros sentem-se encurralados, aproveitando uma aberta, eles retiram e pedem apoio da aviação. No dia seguinte voltam, desta feita assaltam o objetivo. “Quando o bombardeamento pára, o destacamento arranca para o assalto final. Depara-se com mais de 50 casamatas, algumas crianças feridas, a chorar, e dois ou três velhos, também feridos. Registam as informações que eles querem dar”. Quando estão a retirar, recebem instruções da aviação, um grupo de guerrilheiros voltou ao objetivo. Os fuzileiros conversam entre si, tanto esforço e o inimigo não se apresenta. A seguir a este relato, o DFE 2 anda numa completa dobadoira, seguem para Gã Vicente e descobrem um novo inimigo, as abelhas. Por esse tempo vão chegando à Guiné mais reforços, o DFE 7, mas a subversão ultrapassa a capacidade de tomar sempre a iniciativa, a fazer fé em tudo quanto ele escreve, o Sul não dá parança. O que está hoje historicamente provado, e muito bem documentado. Em Novembro, é por de mais evidente que o PAIGC controla as ilhas de Como, Cair e Catunco. A resposta é a operação Tridente em que o DFE 2 participa. O DFE 9 chega em finais de Fevereiro.

Tudo se agrava no rio Corubal, as embarcações são constantemente alvo de emboscadas, atacam a navegação na Ponta do Inglês, e mesmo no canal do Geba. Volta-se à península de Gampará, vão com o apoio de forças terrestres, conclui-se que o inimigo não estava até então implantado no terreno. E depois atacam Cafal Balanta, Cafal Nalu e Santa Clara, há fogo do inimigo que só deixa de reagir quando chegam os T6. E no mês de Junho acabou a guerra para o DFE 2. Ele volta à metrópole, à Escola de Fuzileiros, é convidado para dar instrução. E em Outubro de 1965, lá vai Manuel Pires da Silva no DFE 13 a caminho de Luanda.

Vamos agora mais adiante, ao Diário da CCAÇ 675, a Companhia do Capitão do Quadrado, quando chegaram em meados do ano de 1964 à região de Binta, encontraram tudo em estado de sítio, já se fez referência à sua mentalidade ofensiva, o Capitão do Quadrado foi ferido e está hospitalizado em Bissau, a unidade militar em agosto nomadiza até Guidage, no fim do mês regressa o Capitão do Quadrado e em setembro recomeça a polvorosa, golpes de mão, patrulhamentos, batidas.
Também o furriel-enfermeiro é poeta como o nosso bardo, deixa um sinal dos seus afetos numa publicação de caserna, abre com versos melancólicos, lágrimas de despedida lá no cais, são os dias de viagem até à Guiné, ele questiona:  
“Viverei? Voltarei a ver os meus? A Pátria Querida?”.

E despede-se com versos confiantes, animosos:
“À dúvida, ao desânimo, seguem-se a segurança, a fé;
O dever do bom português é mais forte. Vamos lutar,
As dificuldades, os sacrifícios vencem-se de pé.
Mais fortes, mais homens, com honra havemos de voltar.

E quando chegar esse dia ansiosamente esperado,
os vossos corações alvoraçados, delirantes
Voltarão a descortinar no cais festivo, engalanado,
Sorridentes mães, esposas, noivas, felizes como dantes.”

Mas ainda há muito que contar desta Companhia. E um dia destes, pasme-se, chega a hora do BCAV 490 ir para território menos atribulado. Bissau espreita, o estado de ânimo do bardo dará sinais de uma candura, de um rejuvenescimento que desconhecíamos desde aqueles tempos em que a grande questão era a má comida da recruta.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 27 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20504: Notas de leitura (1250): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (38) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20514: Notas de leitura (1251): “Dias Sem Nome, Histórias soltas de um médico na guerra da Guiné”, por João Trindade; By the Book, edições especiais, 2019 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20504: Notas de leitura (1250): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (38) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Era dever elementar tentar uma contextualização da "média duração" do período embrionário do nacionalismo guineense até aos anos de arranque da luta armada, isto para melhor entender as atribulações em que vivia o BCAV 490 e as dores e atribulações que o bardo notifica no seu longo poema. É curioso o que Silva Cunha escreveu em "O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril", em 1977, a propósito da sua visita à Guiné onde foi confrontado com a falta de resposta adequada a uma guerrilha que fora metodicamente planeada para irradiar entre a região Sul, o Corubal e o Morés, havia a expetativa de, com as populações em fuga e o desmoronamento económico, fosse impossível repulsar a guerrilha. Silva Cunha atribui a responsabilidade em parte ao diferendo entre o Governador e o Comandante-Chefe, julgava-se que Arnaldo Schulz, na unificação dos poderes político-militares, operasse um milagre. O que não aconteceu, mesmo passando os efetivos de 10 mil para 25 mil homens, por razões que todos nós hoje conhecemos, não era uma questão de fé nem de bravura nem de habilidade na liderança, não se suspeitava de que aquele adversário ia gradualmente ganhando consciência de que o seu armamento era muito mais sofisticado do que o português.
O tempo e a determinação fizeram o resto.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (38) 

Beja Santos 

“Nos fins da nossa comissão
continuamos a lutar.
Da 487, 3 companheiros
foram feridos ao retirar.

Todos os dias alinhamos
não conseguimos descansar.
Para a estrada patrulhar
grandes martírios passamos.
Emboscadas apanhamos
nesta nossa transição,
carregamos os géneros de alimentação
e bebida para se beber.
Mas continuamos sempre a sofrer
nos fins da nossa comissão.

Do Batalhão de Cavalaria
todos os homens são arrojados,
passam-se uns maus bocados,
mas temos sempre valentia.
O bando de rebeldia
armadilhas nos vem armar.
Os Sapadores a examinar
algumas vão levantando,
enquanto o tempo se vai passando
continuamos a lutar.

24 homens se emboscaram
perto da mata cerrada,
passaram lá a madrugada
até que os bandidos chegaram.
Grande ataque travaram
morrendo muitos bandoleiros.
O grupo de traiçoeiros
pensou em nos cercar,
e tiveram então azar
da 487 3 companheiros.

Um tiro no pulso apanhou
o amigo Augusto Ribeiro.
Foi perto de um carreiro
que o Amaro ferido ficou.
O António Francisco também levou
uns tiros ao regressar,
tiveram que o evacuar
junto aos seus camaradas.
Por haver muitas rajadas
foram feridos ao retirar.”

********************

Enquanto o bardo não pára de clamar os sinistros, as muitas canseiras, a expetativa do fim da comissão militar, voltamos à companhia de Leopoldo Amado, pedindo-lhe colaboração para o grande plano de fundo em que evoluiu a luta armada, talvez o exercício valha a pena para melhor se clarificar as atribulações em que viveram as gentes do BCAV 490 e companheiros próximos como a CCAÇ 675. Num extenso ensaio intitulado “Da embriologia nacionalista à guerra de libertação na Guiné-Bissau”, inserido no livro “Guineidade & Africanidade”, Edições Vieira da Silva, 2013, Leopoldo Amado vai até aos alvores do nacionalismo guineense na década de 1950, recorda as independências nos países limítrofes, a presença crucial de Amílcar Cabral a partir do outono de 1952 até 1955, quando regressou com a mulher, ambos bastante combalidos com paludismo, a criação do MING – Movimento para a Independência da Guiné, que será uma das alavancas do PAI (depois PAIGC), os acontecimentos de 3 de agosto de 1959 no Pidjiquiti, o processo sinuoso da fundação do MLG – Movimento de Libertação da Guiné, as decisões tomadas em Bissau em 1959, em que Rafael Barbosa é constituído como o dínamo da subversão, recrutando jovens para Conacri, a presença de Cabral em Conacri onde irá fundar a Escola Piloto, o envio, em 1960, de 25 elementos para a formação ideológica e militar na Checoslováquia e outros 30 para a China e 5 para a União Soviética, enquanto decorre a mobilização no mundo dos agricultores. Dentro desta trajetória, é desencadeada a partir de fevereiro de 1960 uma operação de difusão de panfletos e comunicados subscritos pelo Movimento de Libertação da Guiné, as autoridades locais informam Lisboa, a conta-gotas chegam unidades militares. É tido em consideração um histórico de aproximações e roturas entre grupos pró-independentistas, com um extenso corolário de lutas renhidas em território senegalês e da Guiné Conacri. 1962 é o ano da prisão de importantes quadros do PAIGC na Guiné enquanto se prepara a operação subversiva a partir da região Sul, certificado igualmente que na região do Morés há condições excecionais para desencadear e fazer irradiar a luta armada. A questão interminável dos diferendos entre grupos e grupúsculos acaba por pôr frente a frente a FLING e o PAIGC, no ano seguinte é o PAIGC que ganha o reconhecimento internacional inequívoco.

Resolvido um grave problema relacional entre as autoridades da República da Guiné e o PAIGC por causa de armamento que entrava à sorrelfa através do porto de Conacri, e que chegou mesmo a levar à detenção de responsáveis como Aristides Pereira, Luís Cabral e Vasco Cabral, questão que foi resolvida com o regresso de Amílcar Cabral, iniciava-se a mobilização da população no Sul.
Vale a pena dar a palavra a Leopoldo Amado:  
“A região ao Sul do rio Geba e a Oeste do rio Corubal tem o aspecto de uma gigantesca mão cujos dedos, apontados para o Atlântico, formam alongadas e sucessivas penínsulas separadas pelos rios Grande de Buba, Tombali, Cumbijã e Cacine, apresentando uma óptima configuração para a prática de guerrilha, na medida em que essas penínsulas são extraordinariamente recortadas por centenas de canais e de rios que quase as atravessam de um lado ao outro, não menosprezando, neste particular, a enorme amplitude das marés, quando as águas sobem, mesmo na época seca, em que as margens dos rios e dos braços ficam alagadas em enorme extensão, tanto mais que toda a terra é excepcionalmente plana e baixa.
Compreende-se assim a razão por que, na altura, as estradas eram poucas e más e porque todas elas dispunham de inúmeras pontes e pontões. A destruição destas obras, fácil de levar a cabo, determina o isolamento terrestre das povoações que passam a ficar dependentes da navegação fluvial ou das ligações aéreas. O PAIGC, conhecendo bem o terreno, escolheu justamente a região Sul para nela iniciar uma actuação que supunha poder levar a cabo com relativa rapidez e facilidade”.

Decorre o segundo semestre de 1962 num estado de agitação permanente que fragmenta a economia, apavora as populações, é-se obrigado a tomar partido, uns partem sobre a proteção do PAIGC, outros apelam às unidades militares mais próximas. Está dado o mote para a separação das águas.

Leopoldo Amado

Voltando ao texto de Leopoldo Amado, em julho foi criada a Frente Norte, na região de Mansoa – Mansabá – Farim. Isto não esquecendo que provocado o estilhaçamento no Sul se atravessou o Corubal, atacando a povoação do Xime, era nítido que o PAIGC procurava estender a sua atividade para mais longe. Mansoa é uma das portas da região do Oio, região de florestas densas e quase sem estradas.

E o historiador escreve:
“Em 30 de Junho de 1963, um grupo armado do PAIGC inutilizou a jangada de Barro, no rio Cacheu, a qual garantia a ligação entre aquela localidade e Bissorã, indiciando esta acção a intenção de atacar toda a região. Efectivamente, a 1 de Julho foram alvejadas viaturas entre Binta e Farim. Em 2, os grupos guerrilheiros do PAIGC tentaram destruir com explosivos diversas pontes e pontões nas estradas Olossato – Farim, Olossato – Mansabá e Mansoa – Nhacra. Montaram também uma emboscada na estrada Mansoa – Bissorã, fazendo cinco feridos às tropas do Exército português. Em 4 atacaram Binar, onze quilómetros a leste de Bula e Olossato, entre Bissorã e Farim. Em Binar mataram o régulo e raptaram o encarregado do Posto Administrativo. Em Olossato saquearam as casas comerciais. Em 6 de Julho, ao entardecer, os grupos guerrilheiros do PAIGC emboscaram uma força de Mansabá, quando esta regressava de um reconhecimento ao Morés. Na noite de 12 para 13, outros grupos destruíram vários pontões na estrada Olossato – Mansabá. E em 18 atacaram Encheia, onde não havia qualquer força militar. A situação deteriorou-se depois, o Exército português, apesar dos esforços esperados feitos para recorrer aos pontos atacados. Os efectivos militares eram, porém, muito escassos. Pelo contrário, o PAIGC dispunha de numerosos grupos, todos dotados de armamento relativamente aperfeiçoado e abundantes munições. A breve trecho, em grande parte da região do Oio, as populações nativas, aterrorizadas pelos contendores, ou faziam causa comum com eles ou eram expulsas das suas tabancas. Aquelas que resistiam ou que queriam manter-se neutrais, eram castigadas ou dizimadas e as suas tabancas incendiadas. Assim aconteceu em Bigene, Canfandá, Mamboncó, etc.”

Leopoldo Amado regista a evolução da luta armada na região Sul, com mais cortes de estradas, destruição de pontões, flagelações, colocação de abatises, lançando o pandemónio nos transportes, inclusive foi incendiado o barco a motor da carreira Bolama – Ponta Bambaiã. O fornecimento de armamento é cada vez maior, as autoridades portuguesas estão confusas quanto à dimensão da atuação do PAIGC. Por falta de efetivos, as unidades militares sentiam-se impotentes para fazer frente ao ataque metódico às infraestruturas rodoviárias.
Mais uma vez se dá a palavra a Leopoldo Amado:
“Além de criar um vácuo que lhe proporcionasse refúgio seguro em Morés, o PAIGC pretendeu também inutilizar os eixos rodoviários de interesse económico como sejam os de Mansoa – Mansabá – Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida pelo Leste da Guiné e alguma da madeira cortada na região do Oio. Aliás, Mansabá constituía um importante cruzamento de estradas, pois por ela passam, além do eixo Mansoa – Bafatá, os de Bissorã – Bafatá e Farim – Mansoa. Daí que, a certa altura, parecesse ser intenção do PAIGC de isolar Mansabá. Esta actuação fez diminuir o trânsito rodoviário para o Leste da Guiné com o que ficaram sobrecarregados os já congestionados transportes fluviais do rio Geba”.

As informações obtidas pela PIDE não eram suficientes para asfixiar ou repulsar o movimento subversivo. Havia enorme expetativa do que se iria passar a Norte, Senghor era ainda extremamente prudente com o tráfego das armas, via nesta fase com desconfiança o PAIGC, tinha um grave contencioso com Conacri. A situação vista do lado português é de acalmia na Península de Bissau e no Arquipélago dos Bijagós, o “chão manjaco” não aceita interferência do PAIGC e de Bafatá para o Gabú os Fulas asseguram fidelidade à soberania portuguesa. Silva Cunha visita a Guiné e constata a crispação existente entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa. Irá escrever, depois do 25 de Abril, que “Do nosso lado, não havia uma ideia de manobra bem definida e, o que era mais grave, não se acreditava que fosse possível resistir eficazmente ao adversário. As nossas guarnições estavam distribuídas pelo território numa quadrícula nem sempre bem concebida, mantendo-se nos aquartelamentos, numa posição de pura defensiva. Praticamente não havia forças de intervenção e se nessa altura não sofremos um revés sério foi mais por falta de força dos adversários do que em resultado da nossa acção”. Há, pois, neste período de 1963 a 1965 alguns “olhos do furacão”, o BCAV 490 está num deles, assim se compreende a aflição do bardo, registando pelos seus nomes os camaradas sinistrados.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 20 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20474: Notas de leitura (1248): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (37) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20490: Notas de leitura (1249): “Dias Sem Nome, Histórias soltas de um médico na guerra da Guiné”, por João Trindade; By the Book, edições especiais, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20474: Notas de leitura (1248): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (37) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Deixei para hoje uma questão referente à investigação da Guerra da Guiné que reputo do maior relevo. Na ausência de uma investigação sobre a guerra que abarque os seus antecedentes, à exceção do nacionalismo, o aparecimento de declarações a pedir a independência da Guiné, o mundo fervente de Dacar e Conacri onde proliferavam múltiplos grupos e onde paulatinamente o PAIGC passou a ter o papel de exclusivo representante na luta pela independência da colónia portuguesa, a atuação de Peixoto Correia e dos seus comandos militares, o desencadear das hostilidades no segundo semestre de 1962, as diretivas e instruções para ir travando os movimentos de guerrilha, o horror e o terror que se viveu no Sul, ainda antes de janeiro de 1963, o desnorteamento dos Comandos militares até à chegada de Louro de Sousa que, como agora se pode estudar, procurou ser lúcido na análise do terreno, incutindo uma mentalidade ofensiva para obstaculizar a progressão da guerrilha... É toda uma desarticulação que leva ao separar das águas, mas tudo ineficaz, como a História comprovou.
Acontece é que quem faz investigação mastiga em matéria mastigada, não vai aos Arquivos e dá como comprovado que tudo azedou devido às inépcias dos dois primeiros oficiais-generais...
Daí a importância que se atribui ao homem providencial, António de Spínola, veio tentar introduzir uma estratégia político-militar que colapsasse o PAIGC. É neste puro engano ou baile trapalhão na confeção de papéis que tem andado enfronhado o universo investigacional. Nem se reconhece validade à Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África e muito menos sequer arregaçar as mangas e ir até aos arquivos para confirmar o comportamento estratégico de Louro de Sousa e Arnaldo Schulz.
A História da Guerra da Guiné demorará muitos anos a fazer.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (37)

Beja Santos

“Com coragem lutando
nesta mesma ocasião
da 489 em Fevereiro
distinguiu-se uma Secção.

O Pelotão de Morteiros a alinhar
no dia 31 de Dezembro
só agora é que me lembro
que não escrevi esse azar.
Em Jumbembem foram pernoitar
poucas horas descansando.
À meia-noite tudo abalando,
andaram no mato perdidos,
foram de encontro aos bandidos,
com coragem lutando.

O Vitorino Gomes Pereira
no corpo foi atingido.
E ficando também ferido
o Gonçalves à sua beira,
o Sineiro da mesma maneira
foi ferido nesta operação.
Ordenou o Comandante do Pelotão
para ser tudo evacuado.
E dos Fulas morreu um soldado,
nesta mesma ocasião.

Uma emboscada armámos
entre Cuntima e Sitató,
matando 4 bandidos só
equipamento lhe tirámos,
duas armas apanhámos
ao grupo bandoleiro.
O nosso Comandante Cavaleiro
deu um louvor à rapaziada,
porque os terroristas levaram porrada
da 489 em Fevereiro.

O Alferes Carvalho a comandar
quis tirar bom resultado.
A Secção do Furriel Quadrado
viu os bandidos aproximar,
atirou-lhes a matar,
tombando alguns para o chão.
Barrozinho e Damas com a reacção
mostraram sua personalidade,
e lutando com heroicidade,
distinguiu-se uma Secção.”

********************

Tem sido nosso intuito enquadrar a zona de ação do BCAV 490 com a perceção da evolução da guerra, esta eclodiu formalmente em janeiro de 1963. Um dos paradoxos do estado atual de investigação da guerra da Guiné passa pela proliferação de elementos do consulado de António de Spínola e a míngua de interpretações quanto às estratégias seguidas pelos dois comandantes anteriores, Louro de Sousa e Arnaldo Schulz, isto a despeito dos diferentes volumes alusivos à Guiné da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África não terem minimamente ignorado as diretivas e instruções destes oficiais-generais, comprovadamente cientes da situação, dispondo as unidades militares em consonância com o agravamento da guerra, não só possuímos elementos sobre as ordens de batalha, como o dispositivo, o movimento e manobra, é muito o que se sabe sobre o processo operacional, o sistema de informações, a ação psicológica, e outros dados pertinentes. Contudo, a investigação não adianta um quadro clarificador: não possuímos uma sequência cronológica de toda a resposta militar. Como se exemplifica.

A tese de doutoramento de Josep Sánchez Cervelló intitulou-se “A Revolução Portuguesa e a sua influência na transição espanhola (1961-1976) ”, a tradução surgiu em Portugal na Assírio & Alvim em 1993. Uma investigação altamente sistematizada, onde se disseca o processo colonial, em todos os seus teatros de operações.

É útil ler o que ele escreve sobre este período na guerra da Guiné:  

“As dificuldades portuguesas nos primeiros dezassete meses de conflito ficam suficientemente demonstradas pelo facto de ter sido necessário substituir quatro vezes o máximo representante militar, até à chegada do General Schulz em Maio de 1974. Os problemas militares em breve convenceram certos sectores reformistas do regime de que seria mais cómodo abandonar a Guiné, devido ao elevado custo moral e humano exigido e pela falta de recursos do território. Em contrapartida, os mais ortodoxos entenderam que se abandonassem a Guiné não havia justificação para continuarem nos outros territórios.
Perante a degradação da situação militar, o Governo de Lisboa mandou para Bissau o então Brigadeiro Arnaldo Schulz. Quando ali chegou, o Exército tinha muitas dificuldades”.

E Sánchez Cervelló transcreve o que Schulz lhe disse numa entrevista com data de 1985:  

“Durante muitíssimos anos, o objectivo de uma guerra tinha sido sempre o de conquistar uma área do terreno, destruir o inimigo ou tirar-lhe a força de combater. Mas na guerra subversiva não há nenhum destes objectivos. O que há a fazer é ganhar simpatias, mas a instituição militar desse tempo ainda era a outra, a dos objectivos, em lugar da de conquistar vontades. De forma que a nossa actuação não se ajustava ao que pretendíamos”.

E o autor diz mais adiante:~

“Schulz tentou controlar o Sul e o Centro Oeste da colónia, perdidos desde o início da guerra, com acções de envergadura que foram um fracasso. A situação militar foi-se degradando progressivamente, apesar do incessante aumento de tropas, que passaram de menos de mil homens em 1960, para cerca de 25 mil em 1967, sendo a situação dramática nos primeiros meses de 1965”.

E noutro ponto do seu trabalho acrescenta:

“A situação militar que Spínola encontrou à sua chegada era a seguinte: o Sul estava nas mãos do PAIGC, quase desde o início das hostilidades; o Oeste era controlado pela guerrilha, à excepção dos Manjacos que se encontravam em fase pré-insurrecional; e só o Leste, habitado pelos Fulas, tradicionalmente aliados dos portugueses, se mantinha fiel ao poder colonial”.

Se pegarmos a frio nesta leitura interpretativa, manda o rigor que se façam perguntas sobre os buracos negros da falta da sequência cronológica e do quadro sinóptico da intervenção da guerrilha. De uma forma genérica, Salazar está bem informado de que há uma atmosfera tensional após a independência das Repúblicas da Guiné e do Senegal, manda mitigadamente efetivos, em 1958 aparece em Bissau um pequeno núcleo da PIDE, como foi afirmado acima, há menos de mil homens em 1960. Os Comandos em Bissau aguardam manifestações insurrecionais nas fronteiras, o que vai acontecer a partir do segundo semestre de 1962, no Sul, deixa-os desorientados e expetantes, a guerrilha é incipiente, mal municiada, mas faz altíssimos estragos na região Sul; a partir de 1963, atravessa o Corubal, instala-se nas matas do Morés. Ouve-se repetidamente que o Leste ainda estava pacificado, será por pouco tempo, uma coisa é a região do Gabú, outra o Boé, a partir de 1965 começa a tormenta que culminará com a retirada de fevereiro de 1969. Encurtando razões, a degradação é contínua desde o segundo semestre de 1962, quem lê os comentários destes autores pode ter a perceção de que Louro de Sousa ou Schulz não deram resposta, não procuraram adequadamente travar a evolução da guerrilha. Acresce que muitos destes comentários focam-se no posicionamento das forças portuguesas e não põem em paralelo o que se vai passando nos meios do PAIGC.

Resultado, fica-se com a ilusão de que aqueles comandantes eram incompetentes, não sabiam travar a guerrilha. Raramente se fala do armamento português e do armamento utilizado pelos efetivos do PAIGC, estes iam melhorando substancialmente, de ano para ano. A partir de 1973, quando a situação militar se turvou, os Altos Comandos Portugueses já temiam um quadro de guerra convencional e a utilização de meios aéreos por parte dos rebeldes guineenses, o que nunca aconteceu.

Para sermos sinceros, se é verdade que o consulado de António de Spínola está profusamente documentado, há livros de memórias, biografias, testemunhos, actas de reuniões relevantes, as suas instruções, as suas intervenções nos Congressos do Povo, etc., para Louro de Sousa e Schulz há um recatado silêncio, não se vai aos Arquivos dos Ministérios da Defesa e Ultramar, é aí que se podem provar se houve incúria, se, independentemente das suas instruções e diretivas, omitiram aos governantes de Salazar como se estava a processar a guerrilha e o que os seus Comandos procuravam ripostar, acolhendo as populações, melhorando o seu nível de vida, que pedidos em concreto fizeram para ter melhor armamento, como estabeleceram o dispositivo militar, e o mais que se sabe.

Com data de dezembro de 2018, o Instituto Universitário Militar deu à estampa a obra “A Campanha Militar Terrestre no Teatro de Operações da Guiné-Bissau (1963-1974), Estudo da Aplicação da Força por Funções de Combate”.

O trabalho inclui umas ditas investigações sobre o teatro de operações da Guiné-Bissau, o enquadramento estratégico-militar e operacional, o comando missão, o movimento e manobra, entre outras temáticas.

O último capítulo, como não podia deixar de ser, debruça-se sobre a atuação de Spínola na Guiné, os anteriores comandantes não arriscam. Folheia-se as ditas investigações, é mais do mesmo: a geografia, a população, a economia, as infraestruturas, a onda da descolonização, o que mudou na instrução das Forças Armadas a partir de então, a organização do sistema militar a partir de 1963, com as modificações de 1964 e 1966; a ofensiva político-diplomática do PAIGC, as etnias da Guiné-Bissau, quais os movimentos insurgentes desde a primeira hora, e quando se chega ao comando missão, inevitavelmente são referidos os comandantes-chefes. O Governo de Lisboa nomeia, após a saída em finais de 1962, Vasco Rodrigues para Governador e Louro de Sousa para Comandante-Chefe. Terão surgido desentendimentos gravosos quanto à sua esfera de competências. O que se passou efetivamente ficamos sem saber. É citado um autor que escreveu que “esta incompatibilidade, e ao mesmo tempo, um certo vazio estratégico, uma falta de capacidade de reacção, foram os principais factores para o avanço militar do PAIGC, em 1963”.

E é com esta conversa sofismada, sem provas documentais, com doutos palpites, que se diz fazer investigação. O que é curioso é que o PAIGC começou a agir e a subverter ainda no tempo de Peixoto Correia, a incompatibilidade entre o governador e o comandante-chefe é apresentada como a causa dominante da falta de resposta adequada… E sobre Schulz diz-se o que vem em todos os outros papéis:

“A sua acção caracterizou-se por uma manobra muito convencional de ocupação do território com unidades de quadrícula, tendo por base o batalhão, tendo sido conduzida uma guerra defensiva, cujo pilar está assente na manutenção das posições no terreno”.

Isto diz-se e ninguém contesta, como se fosse verdade axiomática, esquece-se tudo quanto se passou em 1964, o comportamento das forças especiais, o início da africanização da guerra, os bombardeamentos intensivos. São leituras alegadamente críticas, quase sempre de uma grande vacuidade, nunca se sopesam as forças do PAIGC, a sua maleabilidade, a impreparação dada nas recrutas e na especialidade, os cursos de minas e armadilhas de duas horas, a natural dificuldade de responder em cima do acontecimento ao fragor da pressão da guerrilha, exigindo apoios, sequestrando, incendiando, assassinando quem não lhe dava credo. E tudo isto se escreve com as mesmas referências bibliográficas, ir aos arquivos dá muito trabalho, há um completo desprezo na consulta dos arquivos, como se aqueles governadores e comandantes-chefes não se correspondessem com membros do Governo, de quem dependiam. Mastiga-se, volta-se a ruminar e dá-se uma cobertura nova ao que continuadamente foi escrito nas últimas décadas.

E assim estamos, publicando uns escritos que em nada contribuem para a elaboração da História da Guerra da Guiné.

(continua)
____________

Notas do editor:

Poste anterior de 13 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20448: Notas de leitura (1245): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (36) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20468: Notas de leitura (1247): "A Medicina na Voz do Povo", 3ª edição, de Carlos Barreira da Costa, médico otorrino, do Porto

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20448: Notas de leitura (1245): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (36) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Impunha-se um confronto de opiniões, entre as expressas por Leopoldo Amado e as de Hélio Felgas, para o mesmo período, não para saber quem tem razão e manipula com mais rigor os dados. Sabe-se que Hélio Felgas tinha claramente objetivos promocionais, mas há momentos em que o seu trabalho atinge o nível do paradoxo: o inimigo recua mas entretanto cresce, está cansado mas recebe melhor equipamento, há etnias desavindas com a guerrilha mas o apoio internacional é cada vez maior, etc.
Arnaldo Schulz, de toda a documentação publicada, como anteriormente Louro de Sousa, responderam ao desafio com a contingência dos meios oferecidos. Há um dado no livro de Hélio Felgas que forçosamente tem que impressionar o leitor de hoje, quando ele fala do Plano Intercalar de Fomento da Guiné que, ao contrário de províncias como Cabo Verde e Timor, não conhecia quaisquer benefícios, escândalo clamoroso num território a viver a ferro e fogo, e a situação alterar-se-á radicalmente com Spínola. Mas disso os estudiosos hoje não falam. Lendo as instruções e diretivas de Schulz, forçoso é constatar a veracidade da sua informação, ela ficará bem patente quando aqui se referir, com maior extensão, o que ele vai escrever e dar a conhecer ao Governo de Lisboa em 1 de Dezembro de 1966.
Fiquemos hoje por aqui.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (36)

Beja Santos

“Muito armamento se capturou
na primeira Companhia.
A 5 de Janeiro no Cacheu
grande desastre surgia.

Rapazes distinguiram
ao fim de uma caminhada.
E dentro da mata cerrada
um acampamento se destruiu.
Muitos objetos lá se viram
quando nossa tropa avançou.
Para Farim se levou
um rádio e munições
e com três pelotões
muito armamento se capturou.

Foi um dia recordado
ao fazerem 16 meses.
Com os Alferes Azevedo e Menezes
este tormento passado
foi Fausto e Abogão evacuado
com Naciolindo no mesmo dia.
O Natálio também se feria,
a 19 deste mês.
E fez bom serviço o Garcês
na primeira Companhia.

Tivemos grande azar
com o Pelotão de Morteiros.
Morrem oito companheiros
por não se poderem salvar.
14 deles a nadar
a sorte lhes apareceu
21 G3 se perdeu
no fundo da água salgada.
Foi esta coisa amargurada
a 5 de Janeiro no Cacheu.

Iam para uma operação
dentro da barca pequena
deu-se então a triste cena
morrendo dois cabos na aflição.
Morreu o Alberto e o João
Batista e António Maria.
Junto ao Gonçalves também morria
o Patornilho Ferreira.
E naquela maldita traineira
grande desastre surgia.”

********************

Já aqui se fez referência à tragédia vivida por estes homens do Pelotão de Morteiros. No compulsar da documentação, sempre que possível, importa tentar a procura do contraditório. O historiador Leopoldo Amado dá-nos uma versão do ano de 1964 que não é coincidente com o que escreve Hélio Felgas, fora comandante do Batalhão de Caçadores 507 e escreveu o livro “Guerra na Guiné”, editado por um serviço de publicações do Ministério do Exército em 1967. A seu tempo se referiu que foi propósito do autor fazer um enquadramento do território, da sua etnografia e etnologia, dando igualmente dados sumários sobre transportes e comunicações, situação económica, história dos movimentos de libertação e elementos afins. Há na sua exposição a propósito das perspetivas económicas da Guiné um dado muito curioso. Fala ele do Plano Intercalar de Fomento da Guiné e observa que não conhece este Plano qualquer benefício, dizendo que o de Timor foi concedido a título de subsídio gratuito, o de Cabo Verde não vence juros mas a Guiné terá de pagar o seu plano como se nada de anormal se estivesse a passar naquele território. Subtilmente conclui que “não é difícil compreender-se que com receitas orçamentais tão reduzidas, a Guiné não tem qualquer possibilidade de acompanhar o progresso das outras províncias”. Estamos na era Arnaldo Schulz, que recebeu armamento, mais unidades militares, mais meios aéreos e navais. Mas teve que fazer um desenvolvimento com a prata da casa, situação que se alterará radicalmente em 1968, António Spínola entrará na Guiné com meios farfalhudos. Mas desta discrepância de recursos os estudiosos não falam. Havia inegáveis intuitos promocionais no trabalho de Hélio Felgas, não se iludia no seu escrito que estava a apresentar serviço, respondendo euforicamente no balaço efetuado e atribuindo à governação Schulz a travagem do alastramento da guerra.
Faz logo um comentário que pode ter uma leitura contrária, vejamos:
“1964 foi um ano decisivo na guerra da Guiné. Em todo o primeiro semestre o PAIGC despendeu esforços enormes para obter qualquer resultado palpável. Graças à actuação dos nossos soldados, nada conseguiu, porém. Enfraquecido, dispersou-se, tentando abrir novas frentes e provocar a diluição das forças portuguesas. Esta diluição foi-lhe fatal pois com a ocupação militar da província estabeleceu-se uma rede que coartou por completo a sua liberdade de acção”.

Se aceitarmos os princípios da teoria da guerrilha, esta diluição funciona a favor dos guerrilheiros, a dispersão faz crescer exponencialmente os problemas logísticos, a gestão dos recursos humanos, avoluma as dificuldades operacionais, guerrilha é sinónimo de bate e foge, de casa de mato ou de santuário que pode ter algumas dimensões de inexpugnabilidade, exige meios de destruição fortíssimos, depois regressa-se ao destacamento, e o guerrilheiro regressa ao seu ponto de partida. Ora o primeiro semestre, e agora vamos fazer fé no que escreve Hélio Felgas, denotou uma atividade guerrilheira intensa, foi-se alastrando, e há logo um ponto no que ele diz ao norte do Geba que tem a ver com a vida do BCAV 490.
Escreve ele:
“No final de Janeiro, Farim, centro populacional já importante, encontrava-se quase isolada, pois os bandoleiros, destruindo pontes, montando emboscadas, colocando abatises e minas, procuravam cortar as estradas que ligavam a vila às povoações de Bigene, a oeste, Bissorã, a sudoeste, Mansabá, a sul, e Cuntima, a nordeste. A situação agravou-se durante os meses de Fevereiro e Março, tendo Farim e Binta sido flageladas pelos terroristas que destruíram novas pontes e pontões e começaram a fustigar as populações nativas da área de Jumbembem-Canjambari-Cuntima. Esta actuação levou Fulas e Mandingas a fugirem para o Senegal e originou a paralisação quase completa das serrações locais e da actividade madeireira de que Farim é um dos principais centros da Guiné”.
E também escreve que o PAIGC alastrara a sua atuação na direção de Binar e Bula, e a tornar-se intransitável a estrada Mansabá-Bafatá, a sua posição dentro do Oio tornara-se uma realidade. Em abril a atividade em torno de Farim incrementou-se, como ele escreve:
“Conjugada com a obstrução das estradas que, na margem sul do Cacheu, dão acesso à região, aquela actividade abrangeu o ataque às serrações madeireiras que restavam e a destruição das tabancas Fulas da zona fronteiriça de Cuntima”.
E, escreve mais adiante:
“Também entre os rios Cacheu e Mansoa aumentara a actividade guerrilheira. A leste de Binar, ocorreu a primeira emboscada na estrada de Nhamate. Os chefes das tabancas de Ponta Fortuna e Ponta Penhasse, ambas a norte de Bula e habitadas por Balantas e Mancanhas, foram assassinados por acolherem bem as tropas portuguesas. As populações da importante península de Naga, a nordeste de Bula e a oeste de Bissorã, começaram a fugir das nossas patrulhas de reconhecimento. O aquartelamento do Olossato foi atacado no dia 21 de Abril, aqui se empregou pela primeira vez uma metralhadora pesada de calibre 12,7 milímetros. Mansabá foi flagelada novamente e as estradas que lhe dão acesso tinham cada vez mais abatises”.

Também no chamado Centro-Leste, a situação estava longe de ser boa (a região pode incluir o Cuor, o Enxalé e todo o regulado do Xime). Flagelações em Enxalé e Xime, atos terroristas junto das populações de Missirá e Finete. E na margem direita do Corubal passou a haver flagelação às embarcações. Iniciava-se um problema sério, como garantir a navegabilidade do Geba, numa importância nada comparável com a do Corubal. E pouco há a dizer que não se saiba sobre o crescimento da influência do PAIGC na região Sul: Cabedu, Fulacunda, Cacine, Bedanda, Cumbijã, Cachil, Enxudé, Empada, Catió, flageladas com regularidade. Fez-se a reabertura da estrada Guilege-Campeane. Procedendo ao balanço deste primeiro semestre, Hélio Felgas não mostra nenhum otimismo. E quanto ao campo externo, Amílcar Cabral averbara sucessos político-diplomáticos, na organização da unidade africana, na NATO, colhia simpatias até junto de certas democracias ocidentais. E Hélio Felgas passa a analisar o segundo semestre, logo dizendo que as forças portuguesas começaram a assenhorear-se da situação na Guiné. O autor considerava que os grupos do PAIGC tinham perdido a iniciativa mostrada em 1963 e na primeira metade de 1964. Diminuíra a sua atividade nas áreas habituais. No entanto, e de um modo paradoxal, refere o crescimento organizativo do PAIGC, a sua iniciativa a partir de setembro, tanto ao norte do Geba como nas regiões de Farim e do Oio. Aumentara o apoio internacional em armamento e equipamento. Nas regiões fronteiriças das Repúblicas da Guiné e do Senegal, os centros do PAIGC ganhavam importância. Se por um lado havia uma aparente frenagem da atividade do PAIGC, próximo do fim do ano relata o autor um crescendo de ações, sobretudo no Sul, mas também no Norte e no Leste. Fala de sucessos à sombra da bandeira portuguesa: a colaboração prestada pelas populações nativas, o início da africanização da guerra, a ação psicossocial, a melhoria dos serviços de saúde, o desenvolvimento do ensino primário por todos os lugares.

Em novo capítulo, diz que a situação militar melhorara a olhos vistos em 1965, isto ao mesmo tempo em que vai falando das atividades operacionais do PAIGC em número alargado.
E já não se sabe muito bem o que melhorou quando ele escreve coisas como esta:
“Quanto ao Sul da Província, o aumento da actividade terrorista, verificado já em Dezembro de 1964, manteve-se nos primeiros meses de 1965, tendo sido especialmente visados os aquartelamentos das forças portuguesas. Em Janeiro, alvejaram os quartéis fronteiriços de Cameconde, Cacoca, Sangonhá e Ganturé, além de Buba, Bedanda, Fulacunda, Cachil e Cufar. Também o quartel de Tite sofreu diversas flagelações, tal como as tabancas vizinhas”.
E introduz uma novidade, a presença da guerrilha no nordeste da Província, em especial no triângulo Piche-Buruntuma-Canquelifá.

Em jeito de conclusão, faz previsões de grandes dissidências dentro do PAIGC, cansaço dos seus guerrilheiros, fala nas grandes qualidades do militar português e termina de forma sibilina: “Seja qual for a sua evolução, podemos estar certos de que o Exército, a Marinha e a Aviação saberão manter na Guiné as melhores tradições militares portuguesas".

(continua)

Depois da explosão de uma mina anticarro
Imagem retirada do livro de Hélio Felgas

Jangada a atravessar as margens do Corubal em Cheche
Fotografia de Hélio Felgas, datada de 1969
____________

Notas do editor

Poste anterior de 6 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20420: Notas de leitura (1243): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (35) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20432: Notas de leitura (1244): “Missão na Guiné, Cabedu, 1963-1965”, por António José Ritto e Norberto Gomes da Costa, com a colaboração de José Colaço; DG Edições, 2018 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20420: Notas de leitura (1243): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (35) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Aproveitando a circunstância de o bardo se centrar em situações do quotidiano, desde acidentes de viação a caneladas com fratura, pretendeu-se dar o quadro ambiental daquele ano de 1964, turbilhonante, foi um doloroso separar de águas, gente em fuga para países limítrofes, gente a ser obrigada a tomar posição, como o régulo Malan Soncó, do Cuor, que resistiu a todas as ameaças e pediu proteção às tropas portuguesas.
Na área em que se movimentavam as unidades do BCAV 490 este relato do Leopoldo Amado parece rigoroso, minucioso, sobre tudo quanto aconteceu naquela convulsão territorial. Leopoldo Amado estudou aturadamente a documentação portuguesa, como demonstrou. Atribui a Schulz uma falta de estratégia e de conhecimentos para uma resposta firme, o que está longe de ser verdade, basta ler as suas diretivas e instruções. Quando ele chega à Guiné, em maio de 1964, está tudo num autêntico pé de guerra, ele tinha que responder à defesa das populações, foi a reboque do alastramento imprimido pelo ímpeto guerrilheiro. Veremos adiante que estas diretivas de Schulz estavam sustentadas por um conhecimento real da situação, fez previsões que bateram certo, importa não esquecer que não lhe deram os meios que aquela avalanche exigia, independentemente de todos os erros que terá cometido na implantação de destacamentos.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (35)

Beja Santos

“Setúbal teve grande azar,
sendo logo evacuado.
O Sadio, bom camarada,
ficou um pouco atrapalhado.

Como sempre acontecia,
e quando havia vagar,
o futebol íamos praticar
a qualquer hora do dia.
O Artur tudo vencia
com o seu modo de driblar.
O Ruas, a atrapalhar,
fez grande exibição
e o Rebelo ao jogar-se ao chão,
Setúbal teve grande azar.

O 1.º Cabo Clarim
de Setúbal é natural.
Ficou com a perna muito mal
ao jogar à bola em Farim.
A pouca sorte surgiu assim,
sem andar no mato cerrado:
este pobre desgraçado
a perna direita rachou
e a avioneta poisou,
sendo logo evacuado.

O nosso amigo Caixeiro
quis ser condutor na estrada.
Ia levando uma porrada
pelo nosso Comandante Cavaleiro.
Pagou grande conta em dinheiro,
ajudado pela rapaziada.
Numa árvore deu uma pancada
que o Unimog amolgou
e grande susto apanhou
o Sadio, bom camarada.

Rondas temos que fazer
aqui neste aquartelamento.
No mato em todo o momento
terroristas se estão a prender.
Aqui a Farim vieram ter
mas não tiraram resultado.
O Jacinto ficou assustado
atirando-se para o chão
e o Sargento Napoleão
ficou um pouco atrapalhado.”

********************

O bardo dá-nos notícias do quotidiano, onde não faltam acidentes mortificantes. De novo emerge a vontade de procurar entender um pouco melhor o que se vai passando nesse ano de 1964 por toda a Guiné, e assim perceber com mais clareza as tribulações em que vivem as unidades do BCAV 490. Vai-se fazer uso da tese de doutoramento de Leopoldo Amado publicada com o título “Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional, 1950-1974”, edição do IPAD – Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, 2011, precisamente dando atenção ao que ele escreve sobre esse ano de 1964:
“Em todo o primeiro semestre o PAIGC despendeu esforços enormes para dispersar as tropas portuguesas, nomeadamente com a abertura de novas frentes de combate, com objetivos claros de provocar a diluição daquelas, apesar de concentrar o principal esforço de guerra ao Norte do Canal do Geba, de onde alastrou a Farim, na margem direita do rio Cacheu, e a toda a área circunvizinha, em especial para Leste e Nordeste. No final de Janeiro, aquele centro populacional, já importante, encontrava-se já isolado, pois as unidades guerrilheiras do PAIGC, destruindo pontes, montando emboscadas, colocando abatises e minas, procuraram cortar as estradas que ligavam a vila às povoações de Bigene, a Oeste, Bissorã, a Sudoeste, Mansabá, a Sul, e Cuntima, a Nordeste. Além disso, havia notícias de novas infiltrações de grupos do PAIGC pelas fronteiras Leste e Nordeste da Guiné, na direção de Farim. Estes grupos teriam o seu ponto de irradiação em Koundara, na República da Guiné.
Esta situação agravou-se ainda mais durante os meses de Fevereiro e Março, com as constantes flagelações a Farim e Binta, onde o PAIGC objetivava claramente a destruição de infraestruturas, a saber, pontes e pontões, ao mesmo tempo que fustigava as populações civis da área de Jumbembem – Canjambari – Cuntima, com o objetivo de as desequilibrar psicologicamente e de as ‘coagir’ a colocarem-se do seu lado. Esta atuação levou Fulas e Mandingas a fugirem para o Senegal e originou a paralisação quase completa das serrações locais e da atividade madeireira, de que Farim é um dos principais centros da Guiné.
Entre os rios Cacheu e Mansoa, a grande mancha florestal do Oio era a mais afetada, tendendo o PAIGC a alastrar a sua atuação para Oeste, na direção de Binar e Bula, e para Leste, tomando como eixo a estrada Mansabá – Bafatá. Por quase toda esta grande área, os guerrilheiros atacavam as forças militares portuguesas em operações que flagelavam aquartelamentos e povoações. Essas ações do PAIGC foram em geral caraterizadas por uma enorme agressividade, na área de Umpabá – Biambi (entre Binar e Bissorã) e no troço Bissorã – Olossato (que viria a deter o recorde de emboscadas entre todas as estradas da Guiné). Merece também referência especial a oposição do PAIGC à reabertura da estrada Mansabá – Bafatá, numa altura em que elementos do Exército Português estavam entregues às tarefas de limpeza de inúmeros abatises”. 

Leopoldo Amado
E, mais adiante:
“Nesse ano, o PAIGC alarga a sua atuação para o Norte, a partir do Oio até à fronteira com o Senegal, criando assim condições para poder ser reabastecido a partir deste país. Iniciou também a atividade no extremo Noroeste da Guiné e na área do Boé, visando pressionar a etnia Fula, e surge pela primeira vez com o chamado Exército Popular, numa ação sobre Guilege. De notar ainda, neste princípio de 1964, as flagelações em Mansabá, a Binar, ao Olossato e às zonas suburbanas de Bissorã e de Mansoa, bem como a primeira atuação dos guerrilheiros na estrada Bula – São Vicente, única que permitia ligações seguras entre Bissau e toda a região fronteiriça a Norte do rio Cacheu.
Em Abril, a atividade do PAIGC agravou as já enormes dificuldades das atividades económicas coloniais, na medida em que, conjugada com a obstrução das estradas que, na margem Sul do Cacheu, dão acesso à região, a sua ação abrangeu o ataque às serrações madeireiras que restavam e a destruição das tabancas fulas da zona fronteiriça de Cuntima, povoação, aliás, alvejada mais do que uma vez, na noite de 27 para 28, por diversos grupos de guerrilheiros que nesses mesmos dias atacaram Farim. O trânsito nas estradas tornava-se dia a dia mais difícil e perigoso, pois o PAIGC não só continuava a destruir pontes e pontões, a colocar abatises e a montar emboscadas, como começava também a implantar minas.
A primeira colocação de minas foi assinalada a norte do rio Cacheu, em Maio de 1964, numa altura em que a atividade do PAIGC já atingira o porto de Binta e se aproximava de Bigene. Os ataques às tabancas de Genicó e Sansancutoto, respetivamente a oeste e noroeste daquele porto, e a destruição da ponte de Sambuiá indicavam que os guerrilheiros pretendiam interromper as ligações rodoviárias entre Bigene e Farim e tornar ainda mais precária a situação em toda a área, ao mesmo tempo que, no Senegal, se procedia a uma grande campanha de mobilização junto dos refugiados (…). Em Junho de 1964, grandes massas nativas indefesas refugiam-se quer no Senegal (a maioria), quer ainda em Bissau, procurando fugir a todo o custo das pressões exercidas sobre elas dos dois lados: guerrilheiros e exército português”. 

E Leopoldo Amado acrescenta uma outra dimensão do alastramento da guerrilha:
“O alastramento para oeste do meridiano de Bula, realizado por grupos vindos do Senegal, foi feito em perfeita combinação com a progressão para leste de Farim e do Oio. Do mesmo modo, junto à fronteira senegalesa, o PAIGC começava a atuar na área de Canhamina, a sudeste de Cuntima. Um conjunto de ações e infiltrações desde Canhamina, ao norte até Cantacunda, Banjara e Badora, indicava claramente que o PAIGC pretendia alargar para leste a atividade que até então desenvolvera apenas nas regiões do Oio e de Farim”.

O historiador recorda também as atividades na chamada Região Centro-Leste, Enxalé, Xime, aliás foi no Xime a primeira localidade a usar-se o RPG, a bazuca soviética. No Corubal, em especial entre Margai e Ponta Varela, começaram os ataques aos navios comerciais ou de transporte pessoal. Ao norte de Bambadinca, em abril, a tabanca de Missirá foi assaltada. Outro aspeto que não se pode minimizar é o do uso de novos armamentos, metralhadoras, morteiros 82, o seu uso alastrou-se por muitas regiões e o uso de minas anticarro armadilhadas e detonadas à distância com a ajuda de um fio preso à cavilha de segurança. Pensa-se que ficou mais nítido o ambiente narrado pelo bardo a partir de Farim. Em Binta, como veremos adiante, a CCAÇ 675 reage com uma mentalidade ofensiva pouco comum, iremos ler algumas páginas do diário de JERO.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 29 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20395: Notas de leitura (1241): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (34) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20409: Notas de leitura (1242): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (4): “O Prazer da Leitura”; Teorema e FNAC, 2008 (Mário Beja Santos)