Boa Noite Carlos Vinhal,
Olá Tabanca Grande!
Aqui vai mais um trabalho meu para a Tabanca mas, se achares que não não tem interesse então mete-o na gaveta.
Aproveitando este tempo de estar em casa para fazer alguns trabalhos e são já vários e não vou parar.
Apelo a todos os Tertulianos para que se cuidem e, não saiam de casa pois esta guerra está bem pior de que a que tivemos na Guiné.
Sem mais de momento,
Abraços para os Chefes de Tabanca, estendendo-se os mesmos a todos os Tertulianos
Albino Silva
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Depois de fazer a Recruta no RI8 em Braga, fui fazer a Especialidade no Regimento de Serviço de Saúde em Coimbra, seguindo depois para Santa Margarida
1 - MOBILIZADO PARA A GUINÉ
Em 18 de Fevereiro de 1968 fui mobilizado para a Guiné pelo Batalhão de Caçadores N.º 10. Fui Incorporado numa Companhia de Comandos e Serviços. E lá sigo então para Santa Margarida onde vou formar Batalhão. Em Santa Margarida estive até 30 de Abril de 1968. Durante esse tempo, chegou então uma Ordem para irmos gozar 10 dias de Licença antes de embarcarmos para a Guiné.
Aproveitados que foram esses 10 dias para estar junto da família e, fazer uns trabalhitos com o fim de angariar alguns escudos porque me iam fazer falta depois na Guiné.
Nestes dias de licença apenas disse a alguns amigos que ia para a Guiné muito embora a família desconfiasse porque até ali nunca tinha tido nenhuma licença e apenas cinco fins de semana na totalidade.
No último dia por insistência da família lá disse que ia para a Guiné que a todos deixei de lágrimas nos olhos e eu também pois ia para a guerra.
No quartel em Santa Margarida, preparávamos tudo para a partida para Lisboa. O Batalhão 2845 estava praticamente formado. Era constituído pelas Companhias: CCS, à qual pertencia; 2366; 2367 e 2368.
30 de Abril, eram 23 horas quando abandonamos o Quartel e em marcha seguimos para o apeadeiro dos Caminhos de Ferro e à meia-noite entramos no comboio que deixou aquele apeadeiro há uma hora da noite com destino a Lisboa onde chegamos às 7 da manhã. Ao cais Marítimo de Alcântara era já 1 de Maio, uma quarta-feira.
Pelas 9h00 tivemos uma formatura e após cerca de 10 minutos de incentivo por um alto Oficial, deixamos a formatura, cercados pelas Senhoras e Meninas do Movimento Nacional Feminino que a todos iam distribuindo uns maços de cigarros, lâminas e aerogramas.
Eram 10h00 quando começamos a embarcar no Navio Niassa.
Juntaram-se a nós no mesmo barco, um outro Batalhão com o mesmo destino, Guiné. Chegou o momento mais difícil que era a partida, eram 11h30 e pouco depois o Niassa deixava o Cais ao mesmo tempo que familiares, amigos e muita gente gritavam e acenavam com lenços brancos que, a todos nós nos comoviam. Eu não saí do porão onde tinha a minha bagagem e cama, para não assistir aquele momento tão triste.
Era meio-dia e o navio apitava já em direção ao Oceano e pouco depois deixamos de ver aquela multidão que no Cais de Alcântara se despedia de nós. No navio poucos eram os que tinham vontade de falar, notando-se tristeza em nossos rostos. Com o Niassa navegando logo apareceram enjoados por todos os cantos, não tendo eu mãos a medir para dar assistência, já que nunca enjoei e porque não era a primeira vez que eu navegava.
Uma hora da tarde toca um sino no Niassa, pois era a chamada para o almoço, mas, poucos eram aqueles que se seguravam de pé, e com as senhas deles eu me deslocava ao refeitório para levantar a fruta, que normalmente eram laranjas, para dar aos que iam enjoados.
Foram momentos difíceis por alguns dias.
O Nissa ia sulcando os mares e ao fim de quatro dias já se sentia aquele calor intenso de África, e a correria ao bar era constante, pois eram a cerveja, coca cola e laranjadas para matar a sede. Ao fim cinco dias e meio chegamos à Guiné. O Niassa atracou ao largo de Bissau, era o dia 6 de Maio.
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O Navio TT Niassa atracado em Bissau
Foto: ex-Alf Mil António Sá Fernandes
2 - DESTINO A TEIXEIRA PINTO
Com o Niassa atracado ao largo de Bissau, desembarcaram as companhias operacionais, 2367 e a 2368, enquanto que a Companhia 2366 e a CCS entramos na LDG Alfange, que juntamente com aqueles Fuzileiros começamos a subir rio acima era então 01h00 da noite.
Todos caladinhos mas de certo modo tranquilos, visto que confiávamos naqueles Fuzileiros já com calo daquela guerra. Durante a noite e a viagem o calor era muito e o silêncio era profundo e ninguém pregava olho.
Eram sete horas da manhã do dia 7 de Maio quando finalmente chegamos a Teixeira Pinto.
Tivemos a informação dada por um Furriel que a Companhia 2367 iria seguir de Bissau para Olossato e a 2368 para Bissorã, enquanto que a 2366 iria atuar na zona de Jolmete, 28 dias depois de estar em Teixeira Pinto.
O Aquartelamento em Teixeira Pinto com cerca de 400 metros por aproximadamente 200 de largura, era vedado com arame farpado em todo o redor e ficava a cerca de 600 metros do cais. Em viaturas seguimos para o Quartel onde fomos recebidos pelos militares lá aquartelados que nos iam gozando chamando-nos Periquitos enquanto algumas crianças e adolescentes nos iam atirando uns grãos de mancarra (amendoim) já descascado e assim fomos durante algum tempo os Periquitos, a conviver com a velhice que por lá andava.
Teixeira Pinto
Foto: ex-Alf Mil Cav Francisco Gamelas
Por ordem do Comandante de Companhia, Capitão Queiroz, que nos tinha mandado formar, foram distribuídas Rações de Combate, pois só no dia seguinte iríamos ter refeições quentes. A caserna era um antigo armazém de amendoim de uma casa comercial, com as camas de um lado e de outro onde cada um escolheu a sua mas, como o meu serviço era na Enfermaria seria lá que eu iria ter a minha a minha cama.
Antes de começarmos a fazer serviços dei uma volta ao arame farpado e vi que tinha nove postos de serviço. Do posto 1 (Porta de armas) ao 4, era a Avenida e depois Campo de Futebol e Tabancas, e depois até ao Posto 9 era a Bolanha.
Ao terceiro dia lá começamos a fazer serviços, que eram bastantes, já que eram assegurados pela CCS. guardas ao quartel, reforços, rondas, guardas ao Fortim que ficava ao fundo da Avenida na Rotunda, serviços de guarda à Ponte Alferes Nunes, patrulhas de reconhecimento, depois era a CCS que fornecia Condutores, Sapadores e pessoal do Serviço de Saúde para as Escoltas de reabastecimento de géneros alimentares, água, material de construção e munições.
Comecei meu trabalho na Enfermaria e todos os dias estava de serviço pois ficava sempre na vez de outros camaradas porque gostava daquele serviço ao lado do Médico do Batalhão, Dr. Fernando António Maymone Martins, Alferes, que dava consultas à tropa até às 13h00 e depois ia para o Hospital Civil dar consultas e outros serviços com pequenas cirurgias, aos civis.
O meu serviço diário era logo de manhã tomar apontamentos daqueles que iam às consultas, depois chamar pelos mesmos ao gabinete do médico e ajudar na Enfermaria a atender o pessoal, pois além da tropa, que era muita, também os civis lá iam receber tratamento, e por isso era muito o trabalho para quem estava de serviço. Basta que em média por dia davam-se 300 injeções e havia feridas para serem tratadas , e ainda o pessoal lá internado e uns à espera de evacuação para Bissau.
Era muito o trabalho e ainda a pedido do Furriel Enfermeiro Garrido, fazia a requisição de Material para Bissau, que depois de recebido o ia conferir, mas eu gostava bem do serviço que ia fazendo e assim foi durante 13 meses.
Depois comecei a alinhar com um Pelotão da Companhia de Caçadores 2313 que era comandado pelo Capitão Penim, em saídas para o mato, em escoltas e para a Ação Psicológica, em picagem de estradas com um Pelotão da Companhia 2368 do meu Batalhão e também em operações com este pelotão.
Para substituir o 1.º Cabo Enfermeiro Vitorino da 2368, que havia sido evacuado para Bissau, fui um mês para o destacamento de Caió, regressando depois a Teixeira Pinto à minha Enfermaria para de imediato sair com uma Secção da 2313 para uma Acão Psicológica lá para as Tabancas de Calequisse e Caió.
Sinceramente, gostava de ir fazer esse trabalho porque era minha Especialidade e dar consulta aquele pessoal que em filas tão longas dava para os perder de vista. Por vezes começava a atender a partir das 8h30 e terminava quando mais ninguém estava na fila, que embora tivesse sido grande, não levava muito tempo a atender aquele pessoal já que, quando os primeiros que se queixavam diziam que estavam fracos, e eu como dava uns comprimidos vitaminados que eram um pouco adocicados, e então eles passavam palavra uns aos outros e todos se queixavam do mesmo e, por isso era rápido. Passava mais tempo, sim, quando havia alguns com feridas para tratar. Ao meu lado estava sempre pessoal armado, e até o Alferes ajudava. Da parte da tarde ia fazer atendimento nas Tabancas a pessoas acamadas e doentes sem se poderem levantar.
Era nessas visitas à Tabanca que me ofereciam frangos e laranjas, e até cheguei a levar depois para o Quartel aos 20 Frangos que deles faziam umas churrascadas mas sobravam sempre uns 15 frangos que eu não podia guardar porque ou seriam roubados ou morriam à fome.
Então fora do Quartel havia um libanês, de seu nome Viriato, que tinha uma espécie de Restaurante e era a ele que eu oferecia os frangos pois muitas vezes me oferecia uma refeição desde que começou a frequentar a Enfermaria.
Chegava a noite e então o Alferes escolhia um local para pernoitarmos, e eu não concordando com ele dizia-lhe:
- Meu Alferes, não viu aquele pessoal todo em fila para serem atendidos?... Pois tenho a certeza que muitos dos homens que lá estavam não era doentes e até eram bem possantes, mas estavam lá apenas para espiarem, basta olhar para as Tabancas e ver que eles nos seguiam na direção que levávamos.
Ele, o Alferes ao princípio não estava muito de acordo mas depois percebeu, quando eu lhe disse que tinha estado no norte de Angola quando se deram os massacres [de 1961], e que tinha alguma vivência de África. Disse-lhe ainda que eles nos viram seguir aquela direção e o melhor que devíamos fazer era, no cair da noite, seguir outro itinerário para pernoitarmos e assim foi.
Passamos então a noite entre arbustos e arvoredo, e manhã cedo levantamos sem que tivesse havido qualquer tipo de problema. Seguimos o itinerário que havíamos deixado no dia de trás, e cerca de 2 quilómetros e já perto do rio, encontramos na picada algumas munições e as marcas na terra ainda frescas do calçado que eles usavam.
Aí o Alferes com um bom abraço agradeceu-me por o ter convencido a ter mudado o rumo, e a partir daquele dia sempre que saíam do quartel em serviço eu era requisitado à CCS para sair com eles.
(Continua)
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