Mostrar mensagens com a etiqueta Tony Borié. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Tony Borié. Mostrar todas as mensagens

domingo, 30 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16658: Atlanticando-me (Tony Borié) (14): O nosso encontro em Águeda

Águeda, 18OUT2016 - Rio Águeda
Foto: © Dina Vinhal


Décimo quarto episódio (especial) da série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).



O nosso “Encontro”

Uff, nem sabemos bem como nos vamos “atlanticar” de novo, um rio de emoções deixa-nos abalados, era bonita aquela paisagem, o rio dos nossos avós, aquele cartaz turístico do rio Águeda, que quer voltar a ser “a Linda”, do poeta Adolfo Portela, naquela manhã fresca, do mês de Outubro.

Ao fim de uma dezena de anos, voltámos por uns dias à Pátria Mãe, ainda hoje não sabemos ao certo, se era a tal “promessa a Fátima”, da Isaura, nossa companheira e esposa há cinco décadas, se era a vontade de comer de novo, os tais “carapaus fritos em molho de escabeche da Ti’Gloria”, claro, são pequenos “fenómenos” da vida de emigrante!

O Carlos Vinhal, que por alguns anos nos “aturou”, sempre com paciência para corrigir e dar um aspecto mais agradável aos resumos, por vezes eram só um aglomerado de palavras, que ele transformava em textos, que se podiam ler, fazendo com que chegasse ao conhecimento dos nossos companheiros, algumas mensagens de tempo de guerra e não só.

O Carlos, na companhia da sua querida esposa Dina, mostrando a sua qualidade de pessoa de bem para com as pessoas que ao longo de alguns anos com ele contactam, na primeira oportunidade que surgiu, tirou tempo da sua vida, fez alguns quilómetros e veio ver-nos a Águeda, calculam a alegria, um abraço, emoções, a Dina, sua querida esposa, uma “autêntica pessoa de relações publicas”, logo a colocar boa disposição no nosso pequeno grupo, dizendo: “falem, falem, contem lá tudo da guerra que lá viveram na então Guiné Portuguesa, eu e a Isaura, vamos falar de coisas mais agradáveis, olha que linda paisagem o rio nos oferece”! Assim começou o nosso encontro, que se prolongou pela tarde, com o nosso grupo a aumentar, com outras pessoas de Águeda, que iam aparecendo e, conhecendo-nos, alguns do tempo da Escola Primária, íamos falando, trocando abraços, e claro, “molhando a palavra”.

Que convívio agradável, oxalá se possa repetir, com a mesma boa disposição, com saúde e alegria de viver, nesta nossa avançada idade, em que a memória nos recorda a juventude passada neste cenário de Águeda, onde passa um rio, que no inverno engordava, trazendo lá da Serra do Caramulo alguma lama, restos de árvores e outras coisas, parecidas com o que víamos em alguns rios da então nossa Guiné.

Consideramos que este foi um dos momentos mais bonitos desta nossa “autêntica maratona” de alguns dias, que terminou com uma longa viajem de 8 horas e 27 minutos, entre Madrid e Miami, onde entre outras coisas, lemos o livro do José Saúde, que o Carlos gentilmente nos ofereceu, com prefácio do “comandante” Luís”, onde muito bem diz, é um testemunho privilegiado de um português e militar que soube fazer tanto a guerra como a paz.





 

 Bem hajam, Carlos e Dina, pelos momentos agradáveis que nos fizeram passar.

Tony Borie, Novembro de 2016.

************

2. Águeda, 18 de Outubro de 2016
Memorável encontro com o casal Borié
Carlos Vinhal

Águeda, 18 de Outubro de 2016 - Tony Borié
Foto: © Carlos Vinhal

Mal podia esperar pelo dia em que iria conhecer um dos camaradas que mais trabalho me dá no Blogue, no melhor dos sentidos, claro. Ainda por cima alguém que há tantos anos atravessou o Atlântico, em busca de uma vida melhor, e descobriu na nossa página um meio de contacto com camaradas da Guiné, com os quais pode falar e aos quais pode contar aquilo que já ninguém quer ouvir.
São já 247 as entradas que nos levam às memórias dos tempos em que militava no CMD AGR 16, anos de 1964 a 1966, em Mansoa, até às mais recentes viagens e aventuras por aquele imenso país, os Estados Unidos da América.

Na hora aprazada, o Tony estava já no local do encontro, eu estava do outro lado da rua, não o vendo. Resolvi procurá-lo e vejo alguém de costas que só podia ser ele.
Chamei: - Borié.
As suas primeiras palavras foram: - Julguei que não pudesses vir.
Trocámos um abraço sentido, daqueles que só amigos e camaradas, com um passado comum e duro, como nós os que estivemos na guerra, somos capazes de trocar.

Apareceu de seguida a esposa Isaura, fizeram-se as apresentações das respectivas esposas, trocaram-se lembranças e começou logo ali uma sessão de fotografias. Não havia tempo a perder, a tarde ia ser pequena.

Águeda, 18OUT2016
Foto: © Dina Vinhal

Fomos almoçar e logo se juntou um casal amigo da família Borié, o Lino e a Virgínia, ele também de Águeda e ela de Lisboa, ambos da também da diáspora americana.

Do almoço, de excelência, deixo esta foto.

Águeda, 18OUT2016 - Virgínia, Lino e Isaura. De pé: Vinhal e Borié
Foto: © Dina Vinhal

Não se pense que por se estar fora de Portugal há mais de quatro décadas, as pessoas se esquecem umas das outras. Qual quê? Fui testemunha dos amigos que passavam e, reconhecendo o Borié, o cumprimentavam afavelmente, parando para lembrar tempos idos, bem idos. Um dos companheiros de escola primária, o amigo Canas, dono de um estabelecimento comercial na baixa de Águeda, alterou a sua tarde de trabalho para se juntar ao grupo. As mulheres conversavam por um lado, os homens por outro, sendo grupo já de oito.
A determinada altura, o amigo Canas convidou o grupo inicial, mais dois outros amigos que entretanto se nos juntaram, para um copo no seu cantinho, uma pequena dependência anexa à sua residência, por onde passou gente famosa nas várias vertentes artísticas: cantores, instrumentistas, jogadores de futebol, etc, conforme as muitas fotos penduradas nas paredes.
Porque estávamos no norte, sobressaíam inúmeras fotos antigas com as diversas equipas de futebol do "FêCêPê", e até uma do Rui Veloso, que ali mesmo tocou, cantou e, com certeza, encantou. E aquele emblema do FCP, bordado a ponto de cruz, ficava ali mesmo muito bem.

Águeda, 18OUT2016 - Vinhal, Lino, Canas e Borié. Na foto faltam três senhoras e mais dois amigos também presentes.
Foto: © Dina Vinhal

E, de repente, tinham passado mais de 6 horas. A tarde correu sem darmos por isso. Excelente convívio, quase todo ao ar livre, com temperatura amena, apesar do céu encoberto.
O Tony, que tinha anulado compromissos por minha causa, ainda tinha pessoas de família à sua espera.
Chegou o momento da despedida, um pouco tenso, mas com a esperança, quase certeza, de que este foi só o primeiro encontro.
O regresso a Leça da Palmeira, relativamente perto de Águeda, tornou-se penoso, demorando mais de duas horas, apesar de feito todo em autoestrada, mas valeu a pena. Conhecemos pessoalmente o Tony e a sua simpática esposa, e ganhámos dois amigos para a vida.

Um comentário final só para dizer que se outras virtudes não tivesse, a vinda do Borié à sua terra natal, fez com que ele voltasse a escrever para nós.
Caro Tony, não percas o balanço, porque me disseste que tens em caixa outra aventura para narrar.

Foi um enorme prazer estar contigo. Espero ver-te em breve.
Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16039: Atlanticando-me (Tony Borié) (13): O que não te mata, faz-te andar como um coxo

domingo, 1 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16039: Atlanticando-me (Tony Borié) (13): O que não te mata, faz-te andar como um coxo

Décimo terceiro episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




O que não te mata, faz-te andar como um coxo

Companheiros, hoje queríamos falar de coisas alegres, coisas que coloquem no nosso pensamento alguma diversão, que nos façam viver com alguma esperança, que nos façam esquecer a maldita guerra que lá vivemos, coisas que envolvam bom tempo com família e amigos, viagens, antigas paixões, amores, alguns de ocasião, recordações e exageros de juventude, mas... mas, ainda não vai ser hoje, talvez na próxima.

Falamos um pouco da guerra que lá vivemos, no nosso caso, e talvez muitos de vocês, talvez seja, “andar pela tabanca”.

A nossa geração fez a diferença, mas pagando um preço exorbitante, por exemplo, nesta última semana, ao abrir o computador, havia mensagens comunicando-me a hospitalização de dois “irmãos de guerra”, um aí em Portugal, o Alexandre, que foi “o nosso Alferes” no aquartelamento de Mansoa, outro aqui na Florida, o Jorge, de quem já escrevi a sua história de guerra, que serviu em Bissau, claro, além de nós que temos um pequeno problema de movimentação, mas é uma “avaria” que está a ser reparada, oxalá a “avaria” dos nossos “irmãos de guerra”, entre os quais se encontram os que já mencionámos, também possa ser reparada.

Este tempo em que temos estado “inactivos”, passamos o tempo, entre outras coisas, vendo fotos a preto branco, tiradas na então nossa Guiné, estão lá companheiros, quase todos, lá foram parar sem estarem minimamente preparados tanto física como mentalmente, aliás, ninguém pode estar preparado, pelo menos mentalmente para viver numa zona de combate, as privatizações eram tantas, os resultados eram devastadores, alguns de nós foram empurrados para as piores áreas, pensando muitas vezes que aquele momento, era o seu último, passando dias sem dormir, semanas sem tomar banho e, meses e meses pensando que não mais retornavam à sua aldeia, em Portugal, mas nós fomos treinados e mentalizados que estávamos a fazer a diferença, a libertar o povo da tirania, fazendo uma coisa boa para os outros. Nesta altura da nossa vida, esperamos sinceramente que fique provado, para as gerações vindouras, que estávamos errados, e que o povo da então nossa Guiné, encontre o seu rumo, possa finalmente viver independente, em paz e progresso, construindo uma nação onde os guinéus possam ter um futuro risonho, pelo menos sem fome e livres de guerra.


Quando voltámos para a Europa, voltando à vida civil, foi um desafio, para dizer no mínimo, porque quem vinha duma zona de combate, servindo o seu País, continuar a ser “desprezado” pela sociedade de então, pois emprego era para as pessoas e amigos do regime, nós andávamos vestidos conforme ganhávamos, por tal tal motivo, andávamos sempre com roupa velha, já coçada, alguma dada por amigos, foi difícil acostumar a não ver as pessoas nativas da Guiné, não ver as savanas e pântanos, a não se assustar quando se ouvia o barulho dos foguetes em qualquer romaria, pois o trauma do pensamento estava lá, causado pelas explosões, que alterou a forma como o cérebro funciona, pensando nós, que era a explosão de uma qualquer mina, fornilho, ou mesmo um ataque ao aquartelamento. Tudo isto companheiros, sem falar quando se estava num espaço público ou mesmo na taverna da nossa aldeia, ficávamos sempre a um canto com as costas para a parede, considerando todos, como um possível inimigo.

Mas nem tudo foi mau, também havia os momentos da chegada da coluna de alimentos, que trazia cigarros e álcool, da avioneta do correio, convívios forçados que criaram verdadeiras amizades de “irmãos de guerra” e, pelo menos para nós, felizardos que sobrevivemos, produziu no nosso pensamento efeitos prolongados, uma força interior, bastante forte, que não nos vai deter ou impedir de realizar qualquer coisa, mas as marcas, os resultados dessa vivência, desse tempo, de angústia e stress, estão a aparecer, pois a idade já é um pouco avançada e, nós dizemos algumas vezes:
"O que não te mata, faz-te andar como um coxo"

Tony Borie, Abril de 2016.
____________

Nota do editor

Poste anterior da série de 10 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15957: Atlanticando-me (Tony Borié) (12): Um mau dia

domingo, 10 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15957: Atlanticando-me (Tony Borié) (12): Um mau dia

Décimo segundo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Um mau dia

Sem te fazer um “Ultra-Som” e um “MRI” a essa perna, não te posso curar. Pode por aí haver um qualquer tumor ou até cancer, vais fazer esses testes, quero ver o resultado depois falamos de novo. - E “virou-me as costas”, saindo do consultório, com cara de amargura, tal como quando entrou. Ficámos desolados, possivelmente antes tinha consultado outro paciente que mostrava todos esses sintomas.

Todos os dias nem sempre é o melhor dia, mas quando isso acontece, temos que ter o poder de transformar tudo ao nosso redor, é nossa responsabilidade livrar-nos do mau humor, passando para outros horizontes, ver as coisas de outra maneira, uma maneira mais agradável.

Tudo tinha começado uns dias antes, nas nossas habituais “caminhadas”, tínhamos sentido uma “dorzita”, ao fundo da perna, quase onde começa o pé, parecia quase nada, mas chegados a casa começou a aumentar o volume tanto nas dores corporais, como na dimensão da perna. Porra, temos que ir ver o “fdp do doutor” e, foi o que fizemos.

Tudo isto companheiros, acontece porque já não somos jovens. Na nossa juventude, quantas vezes, caminhamos, algumas descalços, por vales, pequenas montanhas, calcando mato e “tojos”, lama, areia, terra batida, riachos, mais tarde, savanas e bolanhas lá na Guiné e, sempre sem qualquer dor, se nos arranhávamos, esfregava-se com álcool, ou mesmo aguardente, amarrava-se um qualquer “trapo”, continuando a nossa rotina, hoje é diferente, o doutor não faz nada sem os tais “testes”, pois não quer assumir responsabilidade de qualquer “azar” nas suas decisões.


Continuando com o mau humor que por vezes, pelo menos na nossa idade, nos visita e nos tortura, temos que resistir, temos que mandar “esse dia cão”, para longe, temos que ir buscar forças, a tal força de combatente e, pensar em outras coisas, iniciar um fluxo de energia positiva, cantar, ligar a música de que gostamos, às vezes bem alto de maneira que nos entre “na pele”, dançar em pijama, ter um romance de juventude no pensamento, convidar o “mau humor” para que dance connosco, perguntar-lhe se quer ter uma festa de pijama, dizer-lhe que por mais que nos queira atormentar, só nos dará força, até para dançar.

Passámos as duas últimas semanas com algumas dores e algum constrangimento, não nos podendo deslocar para outras paragens, mas também foi agradável, sentados, ver as fotos antigas, onde aparecem familiares ou amigos que podemos lembrar dizendo: "Oh meu Deus, não me lembro. Quando fizemos isto?”. Depois no pensamento, começamos histórias grandiosas, mesmo dizendo, "deixa-me ver, este “gajo” era fodi.., fazia coisas do caral.. ". Hoje, já andamos melhor, cremos mesmo que está a passar, mas no futuro vamos ter cuidado, embora pensando que as nossas pernas são o melhor meio de transporte com que o “criador “ nos contemplou, pois podem levar-nos a lugares que qualquer outro meio de transporte nunca conseguirá.

Tony Borie. Abril de 2016.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15878: Atlanticando-me (Tony Borié) (11): Simplesmente, um ovo

domingo, 20 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15878: Atlanticando-me (Tony Borié) (11): Smplesmente, um ovo

Décimo primeiro episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Simplesmente, um ovo!

Já devia passar das oito horas da noite, era para lá do “Paralelo 48 Norte”, naquela altura do ano, continuava de dia, havia alguns chuviscos, descíamos a montanha, por uma estrada de terra, lama e pedra, depois de passar pelo topo, onde alguma neve desaparecia lentamente, em direcção a algum ribeiro onde, entre outros animais um urso procurava algo para comer. Já tínhamos passado a fronteira, para os Estados Unidos, depois de viajar por território do Canadá, a estrada já estava mais bem tratada, mas todo o cuidado era pouco.



Próximo do fim da montanha, onde o terreno começava a ser plano, surge-nos uma placa de sinalização com alguns nomes de localidades, entre os quais estavam as palavras, “Chicken 43 milhas”. A primeira coisa que proferimos para a nossa esposa e companheira, foi:
- Chicken!. Deve haver por lá galinhas e ovos!

Ovos que adoramos e que estivemos por um período de dois anos sem poder comer, pois não se fabricavam, nem havia qualquer hipótese de os obter em quantidade para fazer parte da dieta de qualquer militar combatente que estivesse estacionado no aquartelamento de Mansoa, na então nossa Guiné. Podemos estar a cometer um erro, mas cremos mesmo que naquela altura, não era só em Mansoa, devia-se passar o mesmo em qualquer aquartelamento do interior da província, ovos, era um luxo quase impossível de obter. Tão simples, um ovo, talvez os companheiros não se recordem, mas não era fácil encontrá-los.


Voltando à tal localidade chamada “Chicken”, cuja tradução pode ser mais ou menos Frango ou Galinha, depende da conversação, mas para nós é Galinha, situa-se no estado do Alaska, a sudeste da cidade de Fairbanks, é uma comunidade fundada pelos pesquisadores de ouro e, é uma das poucas áreas, ainda sobreviventes, da corrida do ouro no Alasca, onde ainda se pode ver pessoas nos ribeiros, atolados na lama, procurando o precioso metal. A população era de 7 pessoas, no Censo de 2010, no entanto, em diversas alturas do ano, existem mais ou menos 17 habitantes, que ainda se dedicam à pesquisa.

 “Chicken” faz parte da lista de nomes de lugares incomuns, mas galinha e ovos são um fenómeno que às vezes fazem com que brinquemos com as palavras, sem saber quem existiu primeiro, se a galinha ou o ovo, que quase todos nós adoramos, pelo menos ao pequeno almoço, e podem ser “mexidos”, onde aparece o amarelo quase misturado com o branco, “ensolarados”, onde o amarelo é levemente cozido e o branco não, “médios”, onde a parte branca está cozida, mas o amarelo está meio cru, onde todos gostamos de molhar o pão, ou o normal “estrelado” ou cozido, que com um pouco de sal, é excelente para se beber um bom “copo de tinto”.

Voltando à localidade “Chicken”, recebeu este nome porque os primeiros habitantes, pesquisadores de ouro, que por aqui se aventuraram por volta do fim do século dezoito, eram quase como que atacados por umas aves que dão pelo nome “ptarmigan”, muito parecidas com galinhas bravas, que fazia parte da sua dieta 7 dias por semana e, quando resolveram estabelecer-se nesta comunidade uma estação dos correios, o nome só podia ser um, que era ”Chicken”. Hoje, ainda é um posto avançado para um distrito de mineração de aproximadamente 40 milhas, que começou por ter alguma projecção a partir do início de 1900, onde ainda existem minas de ouro activas, cujo ouro é suficiente para que a sua exploração continue em actividade.

Então, já puxaram pela memória, qual dos companheiros “agarrou” um ovo, lá na então nossa Guiné, que podia ser comido, “mexido”, “estrelado” em fogo médio, até só “escaldado”, “alinhavado”, ou simplesmente “cozido”?

Só agora me lembro, os ovos também servem para demonstrar alguma manifestação de que não gostamos de qualquer personagem, não só pública, onde se podem atirar, sem fazer um mal físico, lá muito grande.

Tony Borie, Março de 2016
____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15849: Atlanticando-me (Tony Borié) (10): Nós Combatentes e Elas Combatentes

domingo, 13 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15849: Atlanticando-me (Tony Borié) (10): Nós Combatentes e Elas Combatentes

Décimo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nós Combatentes e, Elas Combatentes

Era manhã, o sol despertava no horizonte, estávamos numa zona onde a estrada rápida número 10, que atravessa todo o sul dos Estados Unidos, seguia em linha recta.
O trânsito fluía normal em ambos os sentidos, umas vezes intenso outras não. Saímos num cruzamento que dava acesso a algumas quintas, passando por cima das duas vias, não resistiindo a admirar a paisagem com movimento e alguma azáfama, todos querendo seguir a sua rota, talvez fugindo de onde estavam antes, mudando-se. Camiões levando mercadoria, automóveis levando pessoas, que neste caso, felizmente, não fugiam de nenhuma guerra, mas eram pessoas, como nós, que na nossa juventude vivemos uma guerra, fomos combatentes e sobreviventes de alguns combates, onde havia homens e mulheres. Estas que quase ninguém as lembra.



Companheiros, tínhamos saído da cidade de Tucson, no estado do Arizona, seguindo em direcção ao norte, onde a terra é vermelha, parecida com a que existe em algumas savanas da Guiné e ao longe já se vislumbravam alguns edifícios da cidade de Phoenix. Ao passar pela cidade em boa hora resolvemos parar, pois ao fim de algumas voltas, mais ou menos pelo centro, em frente ao Capitólio do Arizona, que se localiza nesta localidade, abre-se uma Praça, que é o lar de aproximadamente três dezenas de memoriais e monumentos dedicados a temas tão diversos como figuras históricas, indivíduos importantes, organizações e eventos comemorativos, como por exemplo o mastro e âncora do navio de guerra USS Arizona afundado em Pearl Harbor, no Hawaii, durante a II Grande Guerra, memoriais para outras guerras, como a I Grande Guerra, a guerra da Coreia ou do Vietname, entre outras.

Uma das coisas que nos despertou a atenção, comovendo-nos, foi um monumento dedicado à Mulher, Mãe, pessoa importante na nossas vidas, que quase nunca é lembrada e que também andou na guerra, todavia neste caso era um monumento à “Pioneira”, aquela que acompanhou o marido ou companheiro, a sua família, no caminho para oeste, sofrendo todas as dificuldades que essa odisseia acarretava, mais a de ser mãe e cuidar dos filhos ainda crianças.

Já tínhamos visto outro monumento parecido em Washington, neste caso dedicado à mulher que lutou no Vietname.



Infelizmente são tão poucos estes memoriais, talvez só despertem a atenção de alguns de nós, mas são confortantes, quando podemos ver que alguém se lembrou delas, das mulheres da nossa vida.

Tony Borie, Março de 2016
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15826: Atlanticando-me (Tony Borié) (9): Aguarela de Miami

domingo, 6 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15826: Atlanticando-me (Tony Borié) (9): Aguarela de Miami

Nono episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Aguarela de Miami

Quando se menciona o nome Flórida, logo se associa a Miami, dizem logo, “ho, sim Miami”, é talvez o efeito da publicidade de Hollywood, cidades como São Francisco, Los Angeles, Miami, Nova Iorque, Washington, Las Vegas, Paris, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Colónia, mesmo Lisboa, quase todos as conhecem, embora nunca lá tivessem ido.

Quando se menciona o nome Miami, quase todos nós lembramos os edifícios a sair da água da baía, os barcos de recreio, as praias locais, os corpos de jovens bronzeados, o seu clima quente durante todo o ano, os barcos de cruzeiro a saírem o canal, enfim um certo número de coisas e factos que nos foram vendidas pelas agências de informação, com a colaboração dos média, que todos os dias nos entram pela casa adentro.

A verdade é um pouco diferente, se caminharmos pelas ruas de Miami, encontramos muitas coisas, mesmo muitas, que qualquer pessoa comum, a viver numa cidade, encontra ao sair de sua casa, existem alguns “sem-abrigo”, empurrando todos os seus haveres num carrinho do supermercado, áreas debaixo de pontes e outras infraestructuras, não muito recomendáveis para se caminhar por lá, carros de polícia ou de bombeiros, ambulâncias a toda a velocidade, com sirenes em funcionamento, avisando para que os deixem passar, algumas ruas fechadas ao trânsito, só para comércio e frequentadas por muitas pessoas, de todas as idades, curiosas, algumas fazendo perguntas a que ninguém sabe responder, alguns bairros típicos, que nós, vindo de outras paragens, temos curiosidade em conhecer, portanto, talvez pela curiosidade, como já mencionamos, gostamos de caminhar por lá, como por exemplo, única e simplesmente parar em frente a uma “tasca”, no bairro da “Little Havana”, (Pequena Havana), a que também chamam de “Calle Ocho”, (Rua 8), que é um bairro social, cultural e de actividade política, de refugiados que em tempos vieram de Cuba, onde se pode comer um pão com carne assada de “cerdo”, que nós chamamos porco, beber um “tinto”, que é um café negro, numa caneca sem asa, feito com meios ainda artesanais, adoçado com açúcar da verdadeira cana de açúcar.

Ao saborear esse “tinto”, se fecharmos os olhos, se pararmos de olhar em redor, podemos, na nossa imaginação, lembrar os “Tequestas”, que era uma tribo de Nativos Americanos que já viviam por aqui há mais de mil anos, mesmo antes da era Cristã, que tiveram a infeliz sorte de ser um dos primeiros povos a ter contacto com os europeus, depois deste facto, claro, foram a pouco e pouco desaparecendo. Por volta do ano de 1566, Pedro Menéndez de Avilés, ao serviço do reino de Espanha, navegou por aqui reivindicando toda esta área, chamando-lhe Florida Espanhola e, muitos anos e muitos combates depois, tanto no mar como nas dunas de areia, quando o reino de Espanha fez um tratado com a Inglaterra cedendo-lhe toda esta área, já pouco restava deste povo, tinham desaparecido quase por completo, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.


Se caminharmos pela Miami Beach Boardwalk, que é uma avenida em frente ao oceano Atlântico, em “Miami Beach”, deparamos com uma equipa de fotógrafos que estão protegidos pelos célebres ”guarda-costas”, à espera que a equipa de maquilhadores prepare o rosto de determinada “vedeta”, a preparem-na para ser fotografada, com gestos de aparência, como sendo uma paragem normal, em qualquer esplanada de café, que depois vai correr mundo, dizendo que fulano ou fulana está de férias em Miami, passando uns dias, aí podemos lembrar que aquele local foi onde esteve erguida uma Missão Espanhola, que Pedro Menéndez de Avilés, quando aqui desembarcou, deu ordens para ser erguida, davam-lhe o nome de Missão, mas na verdade era um pequeno forte, armado, habitado por alguma população treinada para combate, pois toda esta área a que hoje chamam Miami, naquele tempo foi sempre um lugar de combate, não só frequentado por corsários, vulgo “piratas”, onde até mais tarde foi palco durante muito tempo da “Segunda Guerra Seminole”, que colocava frente a frente um povo que por aqui vivia em paz, usufruindo do que a natureza lhe oferecia, com o governo de então, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

A Segunda Guerra Seminole foi o resultado de um Tratado assinado por um pequeno número de Seminoles, por volta do ano de 1832, que exigiu aos índios que abandonassem as suas terras na Florida dentro dos próximos três anos, movendo-se para oeste. Claro que os Índios, considerando-se os verdadeiros donos das suas terras, não as abandonaram e, três anos depois, portanto por volta de 1835, o Exército dos Estados Unidos chegou para fazer cumprir o tratado, nessa altura os Índios estavam prontos para a guerra. Um tal Major Francis Dade marchou com o seu Destacamento de Exército, de Fort Brooke para Fort King, não esperando que apenas 180 guerreiros Seminoles, liderados pelos chefes Micanopy, Alligator e Jumper os atacasse, onde apenas um militar sobreviveu à emboscada, talvez para poder contar como tudo aquilo aconteceu, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Voltando a Miami Beach Boardwalk, mais um pouco à frente está um grupo de fotógrafos, com as suas máquinas apontadas a determinada varanda, pois pela tardinha vai haver lá “festa um pouco extravagante”, onde vão aparecer de vez em quando algumas caras conhecidas, que podem ser do desporto ou de Hollywood, quase sem roupa, debruçando-se na referida varanda, com poses estudadas, também para que essas imagens corram mundo, mas não vamos esquecer a tal “vedeta” que se preparava para ser fotografada, de que já falámos, talvez com um copo na mão, cheio de bebida, com pedras de gelo, muito florido, com uma rodela de limão ou laranja, em cima, pendurada de lado no copo, aí, vendo o limão ou laranja, temos que lembrar, na nossa imaginação, Julia Tuttle, que era uma rica produtora de citrinos, nativa de Cleveland e que ainda hoje mantém a distinção de ser a única mulher fundadora de uma grande cidade, onde os primeiros relatos descrevem a zona como um promissor deserto, que nos primeiros anos do seu crescimento chamavam "Biscayne Bay Country", e hoje é Miami, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Já nos estávamos a desviar da guerra, não vamos cortar o fio à meada, como se dizia no nosso tempo, as campanhas da “Segunda Guerra Seminole” foram uma demonstração notável da guerra de guerrilha Seminole. Os chefes Micanopy, Alligator, Jumper e mais tarde Osceola, dirigindo menos de 3000 guerreiros, pelos pântanos e areias desta área da Flórida, lutaram contra quatro generais norte-americanos e mais de 30.000 soldados. A Segunda Guerra Seminole durou 7 anos, foi a guerra mais feroz travada pelo governo dos Estados Unidos contra os Índios americanos, que gastou mais de 20 milhões de dólares, deixando mais de 1500 soldados mortos, não contando as baixas na população civil, que foi incontornável, assim como a relação para gerações futuras, que ficaram marcadas, entre o branco e o Índio Americano, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Tirando toda esta guerra do pensamento, pelo menos por momentos, Miami também pode ser apreciada e fotografada cá de cima, viajando no seu moderno sistema de metropolitano, com pontes sobre os canais e infraestruturas ao longo das ruas e avenidas, deste modo podemos lembrar, na nossa imaginação, Henry Flagler, um magnata dos caminhos de ferro, a quem posteriormente Julia Tuttle convenceu, não se sabe com que meios, a expandir os seus comboios até à região, talvez para transporte para o exterior do produto das suas plantações de citrinos.

Voltando à guerra, Julia Tuttle e Henry Flagler eram amigos, trabalhavam em conjunto, não como muitos anos antes, durante a “Segunda Guerra Seminole”, à medida que as hostilidades se arrastavam, as forças dos Estados Unidos, talvez frustradas, voltavam-se para medidas, algumas desesperadas, para ganhar a guerra, como por exemplo o chefe Osceola que foi capturado e preso quando se reuniu com as tropas dos Estados Unidos para pedir uma trégua, reivindicando e querendo falar de paz.

Com este procedimento, os Estados Unidos, com o chefe Osceola preso, estavam confiantes que a guerra terminaria em breve, mas isso não aconteceu, embora o chefe Osceola tivesse morrido na prisão no ano de 1838, outros líderes Seminoles continuaram a batalha, por mais alguns anos, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Uf, tanta guerra e tanto Miami, vamos caminhar para oeste, parar na “Calle Ocho”, beber um “tinto”, que é um café negro, numa caneca sem asa, feito com meios ainda artesanais, temperado com açúcar, da verdadeira cana de açúcar.

Tony Borie, Março de 2016
____________

Nota do editor

Último poste da série de 28 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15806: Atlanticando-me (Tony Borié) (8): Tunica, uma aldeia do Mississippi

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15806: Atlanticando-me (Tony Borié) (8): Tunica, uma aldeia do Mississippi

Oitavo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Uma aldeia do Mississippi

O nosso destino era a cidade de Memphis no estado de Tennessee, era ver o lugar onde viveu um nosso ídolo de juventude, o Elvis Presley, sim o tal que cantava, passando mensagens na letra das suas canções, dançando e fazendo gestos um pouco ousados para a época, tocando uma viola. Quase todos, pelo menos os que andam pela nossa idade se lembram dele.


Viajávamos pelo estado do Mississippi, procurando seguir o mais junto possível ao rio que deu o nome ao estado, o célebre Rio Mississippi, onde numa estrada estadual, quase sempre em linha recta, numa distância de aproximadamente cem quilómetros, podemos atravessar uma centena de pontes, seguindo entre povoações quase desertas, pequenas quintas onde algumas manadas de vacas pastam, pequenos lagos ou terras pantanosas onde crescem árvores e outra vegetação, cujo habitat é a água, onde os “aligatores”, que são uns animais muito parecidos com os crocodilos, vivem num paraíso, naquele lodo coberto por uma vegetação aquática.


Mississippi, Mississippi, sempre gostámos do estado, pelo menos pela paisagem, onde qualquer povoação, sem muitos recursos de sobrevivência, procura sobressair do anonimato, fazendo de qualquer motivo ou facto passado nela uma referência para as pessoas pararem, verem, andarem pelas ruas, darem alguma vida ao pasmo em que normalmente vivem. Isto foi o que nos aconteceu ao cruzarmos a cidade de Tunica, que fica dentro do distrito com o mesmo nome, muito perto do rio Mississippi, onde até o início dos anos noventa do século passado era uma cidade rural, um dos lugares mais pobres nos Estados Unidos, onde a sua população diminuiu a partir dos anos setenta, por ser um bairro com alguma fama, particularmente desprovido de condições de vida, conhecido como "Sugar Ditch Alley", cujas palavras são um pouco difíceis de traduzir, pois não são o que nos parecem traduzidas à letra, este nome explica um pouco mais, não nos orgulha falar nele, era mais uma de tantas aldeias ao longo do Rio Mississippi, habitadas principalmente por afro-americanos que por ali viviam em contacto e alimentados pela natureza, próximos da civilização, mas de uma maneira ou de outra sem acesso à mesma, a nós, com muito respeito pelos seus habitantes de então, dizem-nos que era um esgoto a céu aberto que lá estava localizado.


Vamos em frente com a história, pois felizmente hoje tudo é diferente, a cidade melhorou muito a partir da data que já referimos, pois a sua proximidade ao Rio Mississippi trabalhou em seu favor, teve um desenvolvimento fora do normal, criando uma área de casinos e restaurantes de luxo nas suas proximidades, tendo um crescimento populacional, onde os principais casinos, que atraem visitantes não só do estado do Mississippi, mas também do estado de Tennessee, do Arkansas e outros estados do sul e, onde se emprega quase toda a população da cidade.


Agora falando um pouco de guerra, nesta cidade existe um parque dedicado aos combatentes das diversas guerras em que os Estados Unidos, de uma maneira ou de outra, estiveram envolvidos, não vamos traduzir qualquer legenda, vamos, pedindo desculpa pelo espaço roubado ao nosso blogue, publicar as fotos, pois aqui estes parques são frequentes, fazendo lembrar aos vindouros aqueles que morreram em combate, aqueles que perderam a vida, dando exemplo de coragem, defendendo um futuro, que eles, os vindouros, esperamos possam usufruir em paz.

Tony Borie, Fevereiro de 2016.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15775: Atlanticando-me (Tony Borié) (7): Talvez lá, como cá

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15775: Atlanticando-me (Tony Borié) (7): Talvez lá, como cá

Sétimo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Talvez lá, como cá!

Quando, numa manhã fria de Janeiro do ano de 1965, foram dadas ordens a um Esquadrão de Caças F-105 da Base Americana de Okinawa, no Japão, para que se transferisse para a Base Aérea de Da Nang, no Vietname do Sul, para dar cobertura ao Corpo de Marines, que tinham por missão cruzar o Paralelo 17, que era uma linha de demarcação militar provisória e desmilitarizada entre o Vietname do Norte e o Vietname do Sul, estabelecida na Conferência de Genebra de 1954, que pôs fim à Guerra da Indochina, embora não coincidindo com o verdadeiro paralelo, pois no terreno era uma região um pouco a sul ao longo do rio Ben Hai, na província de Quang Tri, até à vila de Bo Ho Su e dali para oeste até à fronteira entre o Vietname e o Laos, foi quase o mesmo quando anos antes o responsável pelo então governo de Portugal disse em frente às câmaras de televisão, referindo-se ao então ultramar que, “vamos para a guerra e em força”.

Quando no dia seguinte, 49 destes caças levantaram voo da base de Da Nang, para atacar alvos do Vietname do Norte, fazendo com que a partir desse dia a guerra não ficasse mais restrita ao território do Vietname do Sul e, o primeiro desembarque de 3500 soldados americanos em Março, naquele território, já se havia transformado em 200 mil, em Dezembro do mesmo ano e, quando em 1973, as tropas americanas se retiraram do conflito, havia cerca de 58 mil soldados americanos mortos, contudo o conflito prosseguiu com a luta armada entre o Norte e Sul do Vietname, que ficou dividido, terminando em absoluto em 1975, com a invasão e ocupação de Saigon, então a capital do Vietname do Sul e a rendição total do exército sul-vietnamita, foi quase o mesmo quando os militares de Portugal, um ano antes, se revoltaram e destituíram o então governo de Portugal, ficando para trás um número de mortos, nas então províncias ultramarinas, que nós pelo menos não sabemos exactamente, mas devia andar pelas dezenas de milhar, talvez milhões, nas populações que foram ou viriam a ser afectadas pelo conflito, que infelizmente foi armado.

Quando terminou o conflito, no caso do Vietname, os números não eram precisos, mas oscilam entre milhão e meio a dois milhões de vietnamitas mortos, entre civis e militares, onde parte considerável desta população era economicamente activa, que morreu durante o conflito e, como se compreende, este facto provocou uma grave crise económica nos anos seguintes ao seu final, além dos talvez milhões de pessoas, oriundas do Camboja e do Laos, que foram arrastados para a guerra com a propagação deste mesmo conflito.


Comparações com a guerra que vivemos em África? Os números são gigantes, nós chamávamos aos guerrilheiros “Turras”, os americanos chamavam "Vietcongs". Este termo, abreviado para "VC", deu origem ao termo utilizando a fonética militar de "Victor-Charlie" de onde surgiu o nome "Charlie", também como apelido aos guerrilheiros, tirando isto talvez houvesse mais coincidências: na data, no combate e contacto com o inimigo nas selvas húmidas e pântanos da Guiné, mas em cenário de guerra não há lá muita comparação, nós lutávamos com um infinito de dificuldades, tanto em material logístico, como em alimentação, alojamento, assistência médica, evacuação de feridos e mortos em combate, tal como outros motivos de sobrevivência. Valia-nos, entre outras coisas, um pouco de audácia, coragem e improviso, em que éramos e continuamos a ser, pelo menos os que nasceram nos anos quarenta ou cinquenta do século passado, alguns com a instrução escolar mínima, um pouco melhor que a média, talvez por sermos descendentes de diversos povos que em tempos habitaram a Península Ibérica, que eram sobretudo guerreiros por natureza.

Nós aprendemos depressa que aquela era uma guerra que só poderia ter um fim político e não de luta armada, onde uma faca, por vezes era a melhor arma de combate e, a pior, no nosso modesto entender, era um avião. Enquanto os soldados americanos se armaram de grande poder de fogo, em artilharia e aviação de combate para destruir as bases inimigas e impedir as suas ofensivas, pois no terreno praticavam acções defensivas, deixavam a acção ofensiva para os F-105 e helicópteros armados, embora eles fossem treinados e instruídos para guerras ofensivas, os seus comandantes eram psicológica e institucionalmente pouco qualificados para essas acções defensivas, no entanto nós éramos treinados para lutar e ir ao encontro do inimigo, fazer aquelas incursões no terreno, diárias, ir ao encontro, não importava se a zona era perigosa e base de inimigos, nós tínhamos que caminhar por lá, calcar minas e fornilhos mortais, onde o inimigo usava os segredos daquela selva e daqueles pântanos em seu favor, onde havia a necessidade de beber a para nós, “célebre água da bolanha”, motivo por que hoje começam a aparecer sinais de doença, como por exemplo, entre outras, o cancro, de que não se sabe a origem.

Quando o Jack, que nasceu no estado do Wyoming, depois de fazer dois “tours” de seis meses cada à guerra do Vietname, regressou ao continente americano, continuou no Corpo de Marines, seguindo a carreira militar, pois as suas possibilidades de sobrevivência nas planícies do Wyoming eram montar um cavalo durante todo o dia, guardando manadas de vacas ou cavalos, comendo carne de algum animal que tivesse que ser abatido, carne essa que podia ser consumida assada ou seca e curada, para ser comida crua durante sete dias por semana, tal como o nosso sargento da messe, lá no aquartelamento de Mansoa, que era oriundo das planícies do Alentejo.

Quando o Smith, soldado do Alabama, que foi ferido em combate e transferido para o hospital militar de Saigon, hoje se faz transportar numa cadeira de rodas, se orgulha de ser combatente dizendo alto e bom som que não se queixa do destino, pois criou a sua família e sempre foi ajudado pelo governo, que lhe proporcionou algum conforto no meio da sua vida de pessoa com alguma desvantagem. Ou mesmo o John, soldado ferido em combate, a quem posteriormente foi amputado um membro superior, não quer qualquer ajuda, mudando ele mesmo a roda do seu carro, tal como qualquer João, José ou Manuel, companheiros feridos nas savanas da Guiné.

Tudo isto companheiros, vem a propósito de que os soldados americanos regressados dessa guerra, e nós somos testemunhas privilegiadas devido à nossa posição, quando em actividade de oficial da United Steelworkers, que é hoje o maior sindicato de trabalhadores de metalúrgica nos Estados Unidos, porque convivemos durante anos com alguns destes militares, por vezes mediando conflitos, que embora tivessem pouca instrução escolar e estivessem um pouco traumatizados, foram sempre encorajados na procura de trabalho, na compra de casa e outros bens. Existe mesmo um Banco dos Veteranos que lhes facilita empréstimos para compra de habitação ou qualquer outro investimento. Foram sempre preferidos e respeitados, por vezes bastava-lhes dizer que eram veteranos, que quase todas as portas se abriam, claro, havia excepções como em tudo na vida, mas os ainda sobreviventes da guerra do Vietname têm assistência. Existem os Hospitais dos Veteranos, localizados nas principais cidades de quase todos os estados, têm ajudas relativas em algum caso de necessidade extrema e, acima de tudo, orgulham-se do seu passado de combatentes. Quando começamos qualquer conversa, as primeiras palavras deles são para dizer que não querem nem ouvir a palavra, “Vietnam Syndrome”, levantam a cabeça e dizem bem alto que são veteranos de guerra. 

Tony Borie, Fevereiro de 2016.
____________

Notas do editor

1 - Realce do último parágrafo do texto da responsabilidade do editor

Último poste da série de 14 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15745: Atlanticando-me (Tony Borié) (6): Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15751: (De)caras (30): Vencendo o medo, a estigmatização e a hipocrisia social gerados pela doença oncológica: mensagens de apoio à coragem e diginidade do nosso camarada António Eduardo Jerónimo Ferreira


Coimbra > IPO (Institituto Português de Oncologia)  > 2015 > Foto tirada durante a quinta sessão de quimioterapia no IPO de Coimbra: o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Cobumba eBissau, 1972/74). Tem um blogue, Molianos.  (Molenos ou "Molianos" é uma povoação da freguesia de Évora de Alcobaça, concelho de Alcobaça).

Foto (e legenda): © António  Eduardo Ferreira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


Gestor de ausências 

É o tempo que não volta. 

A saúde que nos abandonou. 

Aquela mulher que um dia nos olhou ternamente, 
mas não deixou o seu contacto.

Alguns amigos que supunhamos ter, 
ao mais leve estremecer se evaporaram. 

Alguém que disse sim com a voz… 
e não com o pensamento. 

O passarinho que todos os dias cantava à nossa janela, 
e o gato, um dia, devorou. 

O nosso amigo que um dia uma mina destroçou. 

O caminho por onde passávamos, 
já lá não está. 

Alguém, que era único, 
e um dia a morte levou. 

Ainda há quem diga, 
ele já nada faz. 


António Eduardo Ferreira



1. Seleção de 10 comentários ao poste P15737  (*) (incluindo mensagens  enviadas para o correio interno da Tabanca Grande) (**):


(i) Maria Arminda [Santos]: 

Olá, António Ferreira. Parabéns por esse espírito lutador e de esperança que revelou no seu depoimento. É um desabafo e uma lição de vida. Entre camaradas e amigos que passaram por dificuldades na mesma guerra, faz todo o sentido trazer ao conhecimento de todos, o seu estado de saúde. Fez muito bem. Para quê esconder, uma doença que cada vez está mais presente nas nossas vidas e que quando se revela há que a encarar com serenidade, fé e esperança?!.. Apesar de tudo por que passou, veja que está e continuará a estar entre nós.

Alguém disse que "há um cancro adormecido em cada um de nós" e que um dia, desperta!... Há três anos em (2012) o meu despertou, ou por outra, um feliz acaso permitiu-me o conhecimento da sua existência e que felizmente foi retirado a tempo e sem consequências. Não necessitei de nenhum tratamento adicional, mas apenas a vigilância periódica, que ainda se mantêm. Penso que irei ter alta após a próxima colonoscopia, que aguardo não revelar alterações.

Devemos todos fazer os exames de rotina que nos forem aconselhados, pois há bastante sucesso, em muitos casos.

Desejo-lhe a continuação de uma boa recuperação.

Um abraço amigo,
Mª Arminda Santos.


(ii) Tony Borié (EUA):

Olá, António. Também sou António, também fui afectado com a doença de câncer, também me submeti ao tratamento de radiação e outros tratamentos que me deixavam sem forças e atormentado, às vezes desejando e tendo atitudes não muito comuns num combatente que fomos, mas no fundo resisti, com tu vais resistir e, vais viver muitos anos, és um combatente e isso faz-te diferente, bebeste água da bolanha e resististe, ouviste tiros dirigidos a ti e aos teus companheiros e resististe, sofreste a amargura de viver em zona de combate e resististe, portanto esta fase menos feliz da tua vida é somente a vivência de outra guerra, onde vais sair com vida, tornar a conviver normalmente com a família e amigos, e com vontade, entre outras coisas, de escrever as tuas vivências para os teus companheiros de guerra que te admiram!

Um abraço de esperança, companheiro António.
Tony Borié


(iii) António Medina (EUA):

Olá. Luís: acabei de ler o teu mail relacionado com a doença do câncer que está afectando muitos dos nossos camaradas da Guerra da Guine.

Fui vítima do câncer da próstata há cerca de três anos atrás, gracas a Deus foi visto a tempo e hora, hoje me sinto curado de acordo com a opinião dos médicos que me assistiram durante aquele período turbulento da minha vida.

Apanhei 48 sessões de radioterapia, nunca até hoje tomei sequer um comprimido por nunca me ter sido indicado. O Hospital Oncológico Dana Farber em Boston me mantem sob vigilância, apresentando-me de seis a seis meses para uma avaliação não só pelo toque rectal mas também pelas diferentes análises a que me sujeito. Fica sempre alguma mazela como assim a ereção. Mas sinto-me porreiro e opino a qualquer um que não faça da doença um tabu, deve comunicá-lo abertamente e actuar quanto mais depressa possível procurando assistência médica. Tratando é que se encontra a cura.

Melhoras a todos aqueles que sofrem dessa maldita enfermidade.

Um abraço,
A. Medina



Boa tarde, Luis Graça. Estive na Guiné-Bissau de 1966 a 1968 (Mansabá, BCAV 1897).

Em 2009 foi-me descoberto um cancro (linfoma). O mundo caiu na minha cabeça , mas com a ajuda de um excelente oncologista, das medicações , da família e amigos, estou aquí , mas em alerta para que não retorne .

Precisamos ter fé. Abraços,
Armandino

(v) Mário Beja Santos:

Caro António Eduardo Ferreira, um blogue de camaradas da Guiné é um anfiteatro adequado para tu te exprimires com a autenticidade com que o fizeste. Faço parte de uma organização onde se agrupam mais de duas dezenas de associações de doentes crónicos: esclerose múltipla, traumatizados cranioenceláficos, Alzheimer, doenças reumáticas, doentes da próstata, doentes reumáticos, e por aí adiante. 

Aqui há uns mese atrás entrei lampeiro numa conferência internacional sobre multimorbilidade e envelhecimento. Um colega de ocasião achou estranho eu estar com ar tão afoito, não sei se ele estava à espera que eu me arrastasse com canadianas ou tivesse um ombro mais alto do que outro. Expliquei que era doente crónico como ele, que há 20 anos ou mais tomo sulfato de glucosamina para travar a degenerescência das cartilagens dos joelhos, tenho tido sorte; expliquei-lhe igualmente que tomo três comprimidos diariamente para aplacar as dores na perna esquerda, sequela da segunda operação que fiz à L4. 

E lá procurei dizer-lhe que é preciso ter sorte, já Napoleão Bonaparte dizia que gostava de ter generais aguerridos mas que em batalha preferia que eles tivessem acima de tudo sorte. Isto para dizer que também nos habtiuamos ao sofrimento e que é um dos mais negros preconceitos não dizer a verdade sobre o nosso estado de saúde, esse silêncio acaba por nos fazer sofrer mais. E hoje muitos cancros estão a ser debelados, desde o da mama ao da próstata. 

Espero que na vida tu tenhas pelo menos tanta sorte como eu tenho tido e recebe um abraço do
Mário




Camarada António Ferreira: este teu depoimento não é uma queixa, um desabafo, um "fado da desgraçadinha". Pelo contrário é um depoimento de um HOMEM! Observado de outro ângulo - é, até, boa literatura.

Dizes (e muito bem!) que há quem esconda a doença, como se isso diminuisse a condição de homem (ou mulher), como se afectasse a honra da família, como se fosse um mal peganhento, contagioso, uma coisa porca e extra-terrestre.

Pois, Vinicius de Morais, no seu célebre poema, no qual refere a grande proliferação da doença (nas suas variadíssimas nuances...), chega a afirmar que "até Deus tem câncer!".

Recebe um GRANDE e FORTE abraço do
Alberto Branquinho



(vii) Luís Graça:

António Eduardo Jerónimo Ferreira, emocionei-me, primeiro, com (e depois orgulhei-me de) o teu testemunho!...

Ès digno da nossa geração (sofrida mas corajosa) que esteve na Guiné e fez a guerra da Guiné... O teu depoimento é também uma pedrada no charco da hipocrisia (social) que rodeia a doença oncológica no nosso país... Hipocrisia, estigmatização e discriminação...

Quem disse que o teu testemunho não tem nada a ver connosco, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ?  Hoje já falamos em neoplasia, cancro... Há uns anos atrás nem sequer a palavra nos atrevíamos a pronunciar: fulano tal morreu de doença incurável... Felizmente que hoje a maior parte dos cancros são curáveis e a taxa de sobrevivência é elevada...

Tenho um filho, que é psiquiatra, e que é nosso grã-tabanqueiro, que escolheu ir trabalhar no IPO de Lisboa... Precisamos, todos, de reforçar a rede de apoio psicossocial ao doente oncológico!... Acredito que temos, neste momento, muitos camaradas nossos em sofrimento, a lidar e a lutar contra esta doença!... Estes precisam do carinho, apoio e solidariedade de todos nós... Afinal, a nossa vida tem sido um picada cheia de minas e armadilhas!...O cancro espreita-nos a todos!...

O meu amigo Sobrinho Simões, uma autoridade mundial na matéria, diz que um em cada dois dos portugueses vai ter um cancro em 2050... E que isso não é nenhuma tragédia, é o preço que temos de pagar por viver cada vez mais anos...

Um xicoração fraterno, António Eduardo!... Bebo um copo à sua saúde, à tua convalescença, à tua coragem, à tua dignidade, á tua camaradagem!... Luís

PS - Por que é que o raio do cancro haveria de ser um tabu ? Por que é que não haveria de ser um dos tópicos do nosso blogue ? Se as balas da russa Kalashnikov e os "rockets" chineses das RGP não nos mataram, a nós, felizardos, que fomos à guerra e regressamos a casa, sãos e salvos, com maiores ou menores mazelas, se alguma coisa haveremos de morrer, se calhar de cancro, quem sabe ?!.. Pois que não seja,  ao menos,  de morte macaca, e que quando a malvada chegar, para nos cobrar o bilhete de viagem para o "outro lado donde não se regressa", que seja ao menos com lucidez e dignidade!...



És de facto um exemplo ao dar a cara sobre uma coisa que muitos escondem.

És igualmente um exemplo pela coragem que demonstras, pois nunca é fácil a entrada nesses hospitais e menos ainda quando se vai a uma consulta, o primeiro impacto é complicado, mas ao encararmos de frente o problema e aceitá-lo, tal como se apresente, torna mais fácil a vida e os tratamentos.

És um lutador e espero que recuperes rapidamente.
Um abraço,
BS

(ix) Francisco Baptista:

Amigo António Ferreira:  obrigado pela lição de optimismo e coragem que nos dás,  não só aos que sofrem desse mal mas também a todos e são tantos que têm familiares ou amigos atingidos por ele.
Pela tua coragem psicológica e intelectual tu demonstras ser um guerreiro que não esmorece na luta e ainda arranjas forças para dares alento a outros que necessitem. O teu texto é um hino à vida e merecia ter uma divulgação maior do que a deste blogue para ser lido por mais gente a quem por vezes falta o ânimo que a ti te sobra.

Desejo-te também as tuas rápidas melhoras e ai dando notícias.

Um grande abraço,
Francisco Baptista.


Força, António,  e a resignação com enfrentaste sobre rodas as minas e as emboscadas na Guiné. 

Enfrentando as atribulações da vida, o homem poderá sofrer derrotas, mas não será vencido! 

Estou certo do restabelecimento da tua saúde e hoje vou beber por ela.

Aquele abraço,
Manuel Luís Lomba
´______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de fevereiro de 2016 >  Guiné 63/74 - P15737: Blogoterapia (274): Portas estreitas da vida onde nem sempre se consegue passar (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto, CART 3493, Mansambo, Fá Mandinga, Bissau, 1972/74)

(...) A minha doença foi diagnosticada nos últimos meses do ano de dois mil e quatro, seguiram-se cinco meses de espera e a cirurgia em fevereiro do ano seguinte, hoje talvez esperasse menos tempo, passados cerca de dois meses, fui sujeito a trinta e cinco tratamentos de radioterapia, reagi sempre bem, os efeitos secundários foram quase inexistentes. Ao longo destes anos continuei sempre a ser seguido no IPO de Coimbra.

No início do ano passado [, 2015,] os valores tumorais estavam demasiado altos, foi então que foi decidido que tinha de fazer quimioterapia o que aconteceu a partir do início do mês de abril, seguiram-se dez tratamentos com intervalos de três semanas. No início fiquei um pouco assustado,  atendendo ao que ouvia falar acerca dos possíveis efeitos secundários, no primeiro dia fui acompanhado por uma pessoa de família ao tratamento, a viagem é de aproximadamente cem quilómetros de minha casa até ao hospital, nas restantes nove sessões a que fui sujeito entendi que não era necessário ir alguém comigo.

Tudo foi menos complicado que eu imaginava (...). Terminadas as dez sessões, fim do tratamento, senti um alívio enorme próprio de quem passou por mais uma porta estreita da vida, daquelas que nunca se sabe se conseguimos passar, os efeitos secundários comparando com o que acontece a algumas pessoas foram poucos,  o que me permitiu continuar a fazer uma vida quase normal, com exceção do dia do tratamento, todos os outros continuei a fazer a caminhada como antes fazia, de aproximadamente uma hora. (...)

Hoje assino com o nome completo,
António Eduardo Jerónimo Ferreira

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15745: Atlanticando-me (Tony Borié) (6): Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

Sexto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

Olá companheiros.
Novo ano, oxalá continuemos juntos, pelo menos até às novas Festas de fim de Ano e, já agora com saúde e alegria, no meio de todas estas “modernices”. Se tiveram pachorra, leram a história do Nico, que era Eurico, talvez seja igual a dezenas de “Manéis, Antónios, Josés e Joões, que deixaram o seu país, na esperança de uma vida mais confortável, ou talvez só para ver novos continentes, novos costumes ou novas pessoas.

Não queremos falar no novo título, que dá pelo nome de “Atlanticando-me”, que até nós temos dificuldade em pronunciá-lo, como quase todos já sabem o nosso preferido era “A Pedra da...”, mas esse potencial título já tem dono... o Hélder não o larga, e faz muito bem, pois é muito original e dá “pano para mangas”!.

Voltamos à guerra, às armas de fogo, à Guiné, a Mansoa, onde havia uma comunidade de militares, civis e talvez alguns guerrilheiros onde, para os mais velhos, não era necessário ter divisas, davam ordens aos mais novos, era a regra, era a origem das coisas, cumpria-se e, só depois de cumprir, se “refilava”. O nosso sargento da messe, que na altura devia andar pelos trinta e tais, para nós parecia um “velho”, hoje lembramo-nos que podia ser nosso neto, mas adiante, frequentemente ordenava-me mais ou menos isto:
- Olha, vê se me limpas e oleias a pistola e a G3, porque qualquer dia isto já não dispara.

Nós não estávamos muito familiarizados com armas de fogo, contudo pedíamos ao furriel do pelotão de morteiros, aquele que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão, que pertencia ao nosso grupo de “fumadores e bebedores”, que ajudou a construir um cabanal, onde havia uma mesa feita de barris de vinho vazios, onde limpavam e davam manutenção ao equipamento de combate, que depois de limpo andava por ali a dar tiros, aos pássaros da bolanha ou a qualquer outra coisa que mexesse e, ainda hoje não sabemos se esses tiros eram dados para passar a mensagem de que se estava vivo e se andava por ali, ou se eram tiros de raiva contra o sistema que nos mandou para África.

Tudo isto bem a propósito de que o nosso Presidente Obama, limpar algumas lágrimas em frente a um canal de televisão, lamentando tantos tiros que por aqui são dados, onde morrem adultos e crianças inocentes, as suas lágrimas também são nossas, juntamo-nos a ele nesta luta para acabar com a venda de armas de fogo a qualquer um que as queira comprar, sem haver uma identificação rigorosa, seguida de um treino em estabelecimento apropriado, que devia durar o tempo suficiente para que no final o instruendo pudesse ser avaliado por um júri qualificado.


Falámos com o nosso vizinho a respeito de armas de fogo, ele, que por aqui vive há mais de dez anos, veio de Nova Iorque com a esposa, andam pela nossa idade, emocionado disse-nos mais ou menos estas palavras:
- Após meses de exame de consciência, decidimos comprar um revólver, não foi uma decisão de ânimo leve, pelo menos os nossos filhos tentaram dissuadir-nos, mas depois do que vemos e ouvimos na televisão todos os dias, com actos de violência em todo o lado, ficámos com a sensação de que deveríamos fazer algo diferente, não estamos dispostos a esperar que alguém nos proteja, temos a sensação de que devemos ser nós a assumir a nossa segurança. Também sabemos que não somos os únicos a lutar com esta decisão, pois as lojas de armas em todo o país estão a revelar um aumento nas suas vendas, entendemos que é um facto triste que as vendas de armas vão para cima depois de um qualquer tiro ou ataque terrorista, mas uma coisa é certa, não temos ilusões, pelo menos nós, que somos seres humanos, portanto criaturas emocionais, vamos continuar a ser boas pessoas e bons vizinhos, apesar de possuirmos uma arma de fogo, contudo não vamos continuar a ser um alvo fácil, vamos fazer como alguém já disse, “quando tentarem roubar-te a vida, fala macio e mostra um cajado dos grandes", pelo menos nós, não nos queremos sentir num alvo fácil.

Por aqui, em alguns estados, a venda de armas é quase um ritual normal, quase como ir a um “supermercado”, comprar, batatas, cebolas, arroz e pão, para consumo normal de uma vida normal, abastecer-se, embrulhar e trazer para casa, só com a diferença que devem preencher um simples formulário, que posteriormente será entregue ao departamento de segurança da sua área, entretanto, já saem armados do estabelecimento, dizem-nos até que armas de fogo, munições e outras partes de equipamento de combate, são um investimento, compra-se uns milhares de munições calibre tal, passado um tempo já valem mais, mesmo na “feira das pulgas”, que é uma feira de fim de semana, que se realiza na área onde vivemos, já abriu uma loja de armas de fogo, está sempre ocupada com potenciais clientes honestos, ou futuros homicidas, dizem-nos que compram armas para protecção pessoal, colecção, divertimento de tiro ao alvo, ou para a caça aos ursos, fazendo de nós pessoas inocentes, “uns grandes ursos”.

De um modo ou de outro, todos nós sabemos uma coisa que cada vez se torna mais verdadeira, anda por aí muito idiota, que não consegue controlar-se e decide largar toda a sua raiva em pessoas inocentes, usando uma arma de fogo. Se entrevistarem 10 pessoas que possuem armas de fogo, pelo menos 6 vão responder que entre outras coisas é por receio ao terrorismo, palavra muito frequente entre o nosso vocabulário, enquanto combatentes, lá nas bolanhas e savanas da então nossa Guiné.

Antes de terminar, só mais um pequeno pormenor, há por aqui estados, como por exemplo o Texas, onde possuir uma arma de fogo é normal, como qualquer cidadão usar um par de sapatos para protecção dos pés, portanto é uma sociedade quase armada, mas educada por gerações, onde se respeitam, pois quando se cruzam duas pessoas na rua, não vão entrar em conflito, pois sabem que tanto um como o outro podem estar armados, portanto é uma sociedade altamente resistente a qualquer ataque

Tony Borie, Fevereiro de 2016
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15716: Atlanticando-me (Tony Borié) (5): Nunca é tarde (5)

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15716: Atlanticando-me (Tony Borié) (5): Nunca é tarde (5)

Quinto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - Capítulo 5

Companheiros, o tempo cura tudo, o nosso interlocutor, à parte, disse-nos que quando era jovem, também sofreu uma grande dor de amor, pois a sua namorada fugiu para uma praia no México, com o seu melhor amigo, que sabia todos os seus segredos, anos mais tarde, regressaram, pedindo-lhe perdão e, ele já não se lembrava da cara da namorada, mas adiante.
Lembram-se que no último episódio o Mike deixou a política? Cá vai a continuação.

Agora, o Nico, com o filho Mike, à frente de todos os negócios, tinha mais tempo livre, começou por dizer ao filho:
- Eu não preciso de te dizer nada que tu já não saibas, gere os negócios dos teus avós, o melhor que puderes, e se vires que eu ajudo em alguma coisa só dizes, que eu vou acabar com os pensamentos horríveis que tenho na cabeça.

O Mike, ao ouvir estas palavras da boca do pai, ficou um pouco assustado, e responde:
- Que pensamentos horríveis, são esses pai?
E o Nico, diz-lhe:
- Quero ir a Portugal, ver se os teus avós, ainda estão vivos.
O Mike, abraça-se ao pai, e diz-lhe:
- Até que enfim, ganhaste coragem, vai, se forem vivos, podias trazê-los, aqui há muito espaço para eles.


O Nico, outra vez com coragem, vem no comboio até Nova Iorque, compra passagem num navio com bandeira italiana que fazia a carreira da Europa, passando por Lisboa, e embarca.

Passados uns dias, com uma pequena paragem no porto de Vigo, Espanha, desembarca em Lisboa, vem um pouco nervoso, não sabia bem se era dos nervos ou outra coisa qualquer, mas não vinha confiante. Toma o comboio para a cidade de Aveiro, toma um táxi, viajando para o lugar onde vivia quando jovem, que o deixa à porta da taverna, que já não era taverna mas sim um café, com uma esplanada com algumas cadeiras. Entra sem dizer nunca quem era, pergunta pelos pais, se ainda eram vivos, e o dono, homem novo, não se recordava de ninguém com esse nome. Nesse instante, vem de lá de dentro uma mulher, que estava na cozinha, limpando as mãos ao avental que trazia vestido, e diz:
- Devem ser aqueles que viviam naquelas terras perto do canal de água salgada. Oh, já morreram há alguns anos, estão no cemitério numa campa muito bonita, logo à entrada, está sempre cheia de flores.

O Nico não pôde ouvir mais, primeiro começaram uns suores frios, depois começou a faltar-lhe a vista, a cambalear, sentou-se numa cadeira, os donos do café, vendo-o assim, perguntam-lhe:
- O senhor sente-se bem? Oh homem vai buscar um copo com água. Meu Deus, que o senhor está com uma cara!
O Nico, bebeu a água, já com um pouco mais de força, respondeu:
- Não é nada, deve de ser da fraqueza, pois ainda hoje não comi nada, mas digam-me onde é o cemitério?

O Nico, depois de informado, caminha com passos lentos até ao cemitério, vai direito à campa onde pensa que os seus pais estão enterrados, vê uma senhora vestida de preto, ajoelhada na frente da campa, rezando. Ele, a muito custo, pois as palavras não lhe saíam, pergunta:
- Desculpe, é aqui que estão enterrados?...

Não acabou de terminar as palavras, pois essa senhora era a Dina que esperou toda a sua vida pelo seu amor. Ao ouvir estas palavras, logo reconheceu o seu Nico e, tal como fez, quando ele lhe pediu para namorar com ele, o encheu de beijos, na frente de toda a gente. Agora se levantou, olhou para o Nico, abraçou-se a ele, dizendo:
- Eu sabia que regressarias, tal como prometeste, eu acreditava, sabia que falavas verdade quando me disseste que logo virias para casar comigo, me ias levar para os Estados Unidos, afinal, era verdade, continuo com o meu enxoval completo, esperando por ti.
Em seguida lhe contou todos os anos de ausência, esperando por ele, os seus pais, na altura da sua morte, deixaram uma carta onde o perdoavam e o compreendiam.

Casaram numa capela das Gafanhas, regressando ambos aos Estados Unidos, onde o Mike, antigo político de profissão, ao recebê-los, sorridente, de braços abertos, tal como fazia nos comícios de propaganda do seu partido, lhes disse:
- Então pai, que mãe mais bonita me arranjaste, não deve nada à minha falecida mãe. Parabéns pai.

E o clube dos Açores fechou de novo as portas ao público para celebrar uma festa privada, comemorando a chegada do patrão Nico e da sua esposa.

E em breve iria fechar de novo as portas ao público, mas desta vez para celebrar a festa de casamento do Mike, pois andava de amores com uma rapariga cujos bisavós tinham emigrado dos Açores, que era desinibida e sem preconceitos, tinha cabelo preto, quase castanho que lhe tocava nos braços quando lhe falava e usava uma saia curta, mesmo curta, um pouco abaixo do joelho, que quando se movimentava, os deixava ver.

Fim.

Tony Borie, Julho de 2015
____________

Nota do editor

Último poste da série de 31 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15689: Atlanticando-me (Tony Borié) (4): Nunca é tarde (4)