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terça-feira, 8 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24539: Questões politicamente (in)correctas (58): Ainda a própósito do eventual recurso ao "trabalho forçado" (teoricamente abolido em 1961, por Adriano Moreira) (Cherno Baldé)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I.

Foto do álbum do Albano Gomes, que vive em Chaves, e que foi 1.º cabo op cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto (e legenda): © Albano Gomes (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I > Milhares de nativos  (c. 7 mil) são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 100 a 200 metros.

Fotos do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (1944-2021)

Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem  

Foto (e legenda): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É mais uma questão "politicamente incorreta" (*), aqui levantada pelo nosso arguto, sagaz e frontal  Cherno Baldé, a propósito do trabalho de capinagem ou desmatação (**): era ou não, "de jure et de facto", "trabalho forçado", teoricamente abolido em 1961 nas províncias ultramarinas portuguesas, no âmbito das reformas do ministro do ultramar Adriano Moreira (1922-2022)?

(i) Comentário de Cherno Baldé (**):

Voltando ao Poste do dia e sobre o fundo da questão, acho que estamos na presença de imagens que, na linguagem da época da Guiné portuguesa, se designava por "trabalho obrigatório" ou "trabalho forçado". 

Do ponto de vista oficial, era trabalho voluntário de limpeza das vias e arredores dos aquartelamentos, mas na realidade e para a população civil era um trabalho a que eram obrigados a fazer por ordens dos chefes de Postos e autoridades tradicionais legítimas ou impostas.

A presença dos individuos armados com mauseres e G3 no meio dos trabalhadores tanto poderia ser para a segurança assim como um meio de pressão psicológica e de intimidação, tratando-se sobretudo de jovens pertencentes a etnia Balanta de Cutia e arredores.

É a minha opinião à luz da realidade dos anos 60/70 de que fui testemunho e participante. No meio disso tudo, alguns elementos da tropa metropolitana, mal preparada previamente, sobre os reais objectivos e fundamentos da colonização, paradoxalmente, contrariavam estas linhas de orientação que muitas vezes não compreendiam e mal aceitavam excepção feita aos oficiais superiores que estavam melhor informados. 

Na fase final da guerra, o General Spínola tentou acabar com estas práticas, consideradas muito nocivas e que não se enquadravam na nova política "Por uma Guiné melhor" chocando-se fortemente com hábitos há muito estabelecidos e que davam jeito aos comandantes e chefes de Postos nos aquartelamentos do mato a braços com problemas de meios humanos, financeiros e materiais para todas as tarefas necessárias.

(ii) Comentário do editor LG (a propósito da Op Cabeça Rapada( (***):

É um número impressionante de trabalhadores de etnia fula e mandinga, mas também balanta, naturais dos regulados de Badora (e talvez do Corubal). Desconheço se foram recrutados "voluntariamente" e "devidamente pagos"... É muito provável que tenham sido apenas pagos em géneros: em alimentação e  mais um suplemento em arroz... A tradição da administração colonial, antes do início da guerra, e teoricamente até pelo menos a 1961, era a do "trabalho forçado", puro e duro (...).

Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus" (sic).

Tratava-se do tenente de 2ª linha Mamadu Bonco Sanhá ( que será fuzilado, sem julgamento,  pelo PAIGC a seguir à independência), "um homem (...) já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, biafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem,  especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (História do BCAÇ 2852... Cap. II, pag. 1).

Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora.O quer se dizia sobre ele era manifestamente exagerado: o tenente Mamadu Bonco Sanhá era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocêntrico e até ofensivo dizer que a população, muçulmana, o "considerava como um Deus"... Convenhamos que é uma figura de estilo"... 

O administrador do concelho de Bafaté (Guerra Ribeiro) e o régulo de Badora eram, na altura, figuras poderosas, com capacidade para recrutar milhares de braços...

Recorde-se que, segundo a Convenção nº 29 da OIT - Organização Internacional do Trabalho (adotada em 1930, e ratificada por Portugal em... 1956)), trabalho forçado ou obrigatório é todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de uma sanção e para o qual a pessoa não se ofereceu espontaneamente (nº 1 do artº 2ª)... Mas depois havia as exceções do nº 2 do artº 2º...

(iii) Comentário do Torcato Mendonça (1944-2021) (vd. poste P9541) (****):


(...) Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti. Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [na realidade, quatro.]

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores,  à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:

  • dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada [, 8.19 de março de 1969]; 
  • mostrar que as populações estavam com as NT;
  • fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares  [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou:  "
Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?".

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT. 

Só em meados de Agosto. o IN veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando [, o comandante Mamadu Indjai, gravememte ferido em emboscada montada por forças da CART 2339].

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações. Embarcámos em 4 de Dezembro de 1969 [de regresso a casa]. (...)
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 16 de junho de 2022 Guiné 61/74 - P23355: Questões politicamente (in)correctas (57): O luso-tropicalismo e os seus mitos (José Belo, Suécia e EUA)

(**) Vd. poste de 30 de julho de 2023 Guiné 61/74 - P24519 Fotos à procura de... uma legenda (175): Capinadores e "homens armadas" em Cutia, tabanca e destacamento no setor de Mansoa, ao tempo do BCAÇ 2885 (1969/71) (José Torres Neves, capelão)


Vd.também postes de:




quinta-feira, 25 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24339: Tugas, pocos pero locos: algumas das nossas operações temerárias (2): Op Gavião (Madina / Belel, 4-6 de abril de 1968): 300 homens desbaratados pelas abelhas, armas extraviadas, um cadáver abandonado, um homem perdido, etc.


Cracá do Pel Caç Nat 52 (1966/1974), "Os Gaviões". Divisa: "Matar ou morrer"


Operação Gavião (Madina / Belel, 4-6 de Abril de 1968)  

1. Todos os anos, pela época seca, de preferência entre março e abril, o comando do batalhão sediado em Bambadinca, Sector L1, zona leste, região de Bafatá, mandava uma força de cerca de 300 homens à procura do acampamento IN do Enxalé, algures na península de Madina / Belel, mesmo já no limite do Sector, a sudeste da base de Sara.  Por aqui o IN e a população sob o seu controlo viviam com relativa tranquilidade, só sendo importunados por alguma incursão de tropas helitransportadas ou pelos bombardeamentos da FAP. A ida a Madina / Belel era quase sempre azarada: em geral as NT levavam prisioneiros que serviam de guias, e que procuravam ludibriar as NT, "perdendo-se" propositadamente ou tentando inclusive a fuga (como aconteceu, por exemplo, na Op Anda Cá, 22 e 23 de fevereiro de 1968) (*), 

Todos os anos aconteciam erros de planeamento, guias que se perdiam, itinerários mal escolhidos, PCV (antes da época do Strela...) que denunciavam a presença das NT, falhas no abastecimento de água, progressão para o objectivo a horas proibidas, confusão de (ou chegada tardia aos objetivos), flagelações do IN, tabancas abandonadas e queimadas, casos de exaustão, insolação e  desidratação, indisciplina de fogo, ataques de abelhas, debandada geral, perda de armas e muniçóes, e até de homens, regresso dramático ao Enxalé com viaturas a sair até São Belchior para transportar os mais "desgraçados", tentatativa de recuperação, no dia seguinte, do material perdidos… e, claro, relatórios por vezes fantasiosos, pouco rigorosos, etc....

Em 1968 (Op Gavião), aconteceram também estas coisas, próprias de uma guerra de contraguerrilha, num terreno inóspito para muitas das tropas portuguesas... É também caso para dizer, "tugas pocos pero locos" (**).

2.  Op Gavião: Desenrolar da acção

Iniciada no dia 4 de abril de 1968, às 18h00, com a duração de 3 dias, tinha como finalidade excutar uma acção ofensiva na mata de Belel, começando por um golpe de mão ao acampamento IN  do Enxalé. 

Forças ( c. 300 homens) que tomaram parte na operação:

(i) Cmdt: 2º cmdt BART 1904;

(ii)  Destacamento A: CART 2338 a 4 Gr Com + Pel Caç Nat 52;

(iii) Destacamento B: CART 2339, a 4 Gr Comb + Pel Caç Nat 53


Destacamento A

O Pel Caç Nat 52 deslocou-se de Missirá para a região de Aldeia do Cuorno dia 4 de abril de 1968, às 15h00, onde se instalou protegendo a cambança das restantes forças do Destacamento (CART 2338), cambança essa que foi efectuadas às 18h45 do mesmo dia.

Uma vez completo o Destacamemnto, as NT iniciaram a marcha para Missirá, tendo pernoitado um pouco antes de o atingir, pelas 22h00. 

Reiniciaram o movimento no dia 5, às 5h30, utilizando um guia natural de Missirá, ao qual foi acordado e indicado qual o serviço a desempenhar só pouco antes do início do movimento, por razões de sigilo e segurança.

Ao fim  da tarde do dia 5 atingiu um ponto cerca de 1 km atrás do local previsto onde pernoitou.

Reiniciado o movimento no dia 6, pelas 5h30, foi detectado um sentinela por volta das 7h30. Começou então a instação de 3 Gr Comb para proteger o ataque dos outros dois grupos. 

Entretanto a sentinela detectou as NT e fugiu. Passados poucos minutos o IN emboscou as NT com LGFog e armas automáticas
Zacarias Saiegh, mais tarde,
na 1ª CCmds Africanos,
como  tenente graduado
'comando'

Com o Pel Caç Nat 52 à frente, impulsionado pelo seu comandante, o fur mil Zacarias Saiegh, que demonstrou um sangue frio, decisão e temeridade  dignos de serem apontados, reagiu à emboscada,  perseguindo o IN durante cerca de 1,5 km. 

Deparou nessa altura com a tabanca de Belel que imediatamente atacou e destruiu totalmente, tabanca essa que tinha sido abandonada recentememnte, e que tinha 25 palhotas. Foram destruídos ainda um tanque de água e uma horta grande.

Aquando da  destruição da tabanca pelo fogo, foram ouvidos uns rebentamentos muito fortes, o que levou a concluir tratar-se de um pequeno paiol.

Entretanto, o PCV infornou o Destacamento A que o objetivo destruído era o objectivo do Dest B e deu ordens para reiniciar o regresso para o local previsto onde se devia emboscar durante a acção do Dest B, o que foi cumprido,

Ao chegar ao local previsto, encontrou-se com o outro Dest, que já tinha destruído o objetivo deste Dest (B), e acabava de sofrer um ataque de abelhas que tinha provocado uma grande desorganziação. 

Tendo então recebido ordem do PCV para iniciar o regresso da operação, acordou com o Dest B que seguisse este na frente por já conhecer o caminho. Entretanto, ao iniciar o movimenmto depois da preparação das macas improvisadas para o transporte dos elementos mais atingidos pelo ataque das abelhas, o que demorou um certo tempo, foram emboscados novamente por forças do IN, tendo sido pedido então apoio aéreo, o que foi recusado pelo PCV.

Foi reiniciado o movimento com algumas paragens motivadas por flagelações do IN, com armas automáticas, e mais dois ataques de abelhas na margem do Rio Gandurandim, o que provocou nova desorganização nos Destacamentos. 

Por fim foi atingida a estrada Finete-Enxalé, sendo o Destacamemto recolhido em viaturas em São Belchior, atingindo o Enxalé no dia 6, às 18h30.

Aí, mais tarde, foi constatado o desaparecimento de uma praça metropolitana pelo que o cmdt do Destacamento A resolveu  na madrugada seguinte ir à sua procura, não tendo sido necessário por a praça ter aparecido no Enxalé no dia 7, às 6h00.

Iniciou-se a cambança do Rio Geba para o Xime, e daí, em viaturas, iniciou-se o movimento para Fá que foi atingida no dia 8, às 15h00.

Constatou-se que, durante o ataque de abelhas, duas praças perderam as armas, pelo que o Cmdt do BART ordenou a ida de 1 Gr Comb deste Dest, e um do Dest B no dia seguinte, 8, às 5h00 ao local,  a fim de recuperar as referidas armas, o que foi conseguido. A força regerssou ao quartel em 8, às 20h00.

Destacamento B

A CART 2339 iniciou o seu movimento, em meios auto, no dia 5, às 15h00, de Fá para o Xime onde agregou o Pel Caç Nat 53. Iniciou a cambança do Rio Geba pelas 18h00, recebeu no Enxalé dois guias e iniciou a marcha pelo itinerário previsto, tendo atingido o local a norte de Madina onde se devia instalar, no dia 6, às 7h00, após alguma hesitações ("exitações", no originnal) dos guias,

Cerca das 9h00, o PCV informou que o Dest A tinha já destruído a tabanca de Belel e ordenou que se iniciasse o movimento pelo trilho Mandina-Belel, a fim de iniciar a batida à zona a sul do referido trilho.

Durante o deslocamento foi detectado o acampamento de Enxalé. que imediatamente foi atacado e destruído, sem resistência, verificando-se que tinha sido abandonado há pouco tempo. O objectivo tinha 8 palhotas, e forma capturadas 1 espingarda Mauser, 2 marmitas, 1 granada de RPG, e alguns documentos.

Aquando da destruição pelo fogo, foram ouvidos rebentamentos de munições de armas ligeiras e granadas de RPG.

Entretanto, os elementos do Dest instalados, quando se procedia ao assalto, foram atacados pela abelhas, o que provocou uma desorganiozaçáo grande, e pôs 2 homens em estado grave, que não permitiu que se deslocassem pelos seus meios.  

Devido ainda a esse ataque de abelhas, no seu movimento desordenado o Dest encontrou-se com o Dest A instalado no local previsto.

Nessa altura e como havia uma linha de água perto, 3 elementoso do Pel Caç Nat 53, sem autorização, deslocaram-se para se reabastecerem de água. Foram atacados pelo IN tendo sido abatido o soldado milícia 60/64, Tura Jau, e tendo o IN capaturado a sua arma, espingarda G3 nº 035786.

Acorrendo imediatamente ao local, repeliu-se o IN e recuperou-se o corpo  do referido mílicia.

Como o PCV informara que ía Bissau abastecer, foi pedido pela rede de operação a evacuação dos elementos feridos e do morto. Entretanto, ao chegar o PCV, foi pedida novamente a evacuação, tendo o mesmo  determinado que não houvesse evacuações, após se ter inteirado que os feridos picados pelas anelhas estavam a recuperar, e ter decidido o regresso ao quartéis em face dos objectivos previstos terem sido destruídos, o terreno a sul da picada onde nos encontrávamos estar queimado e não havendo possibilidade de se esconderem instalações do IN e ainda pelo facto do Dest GAMA (BCAÇ 1912) não se ter instalado no local previsto para proteger a acção deste Dest.

Por lapso que se explica pelas circunstâncias de momento, o PCV não foi informado que já tinha sido pedida a evacuação pela rede de operações, o que provocou a vinda do héli a Bambadinca, não sendo contudo utilizado.

Depois de uma certa demora, com o Pel Caç Nat 52 e 53 à frente, iniciou-se o regresso, tendo as NT sofrido 3 flagelações sem consequèncias, e tendo o IN sofrido 5 mortos confirmados.

Já junto da estrada Finete-Enxalé as NT sofreram mais 2 ataques de abelhas, provocando o desmaio de alguns elementos que tiveram de ser transportados às costas.

Continuando a progressão atingiu-se São Belchioronde se foi recolhido por viaturas para Enxalé, que foi atingo cerca das 18h00.

Verificou-se que o morto tinha ficado na zona d0 último ataque de abelhas pelo que foi decidido o Pel Caç Nat 53 ficar em Enxalé, a fim de ir de madrugada no dia seguinte recuperar o corpo, o que foi feito.

A CART 2339 inicou a travessia do Rio Geba, e deslocou-se em viaturas para Fá, que atingiu no dia 7 às 3h00.

Ao conferir o material foi constatada a falta de 2 espingardas G3 e alguns cantis e bornais ("burnais", no original), o que foi comunidacado ao Cmdt do BART que ordenou a ida no dia seguinte à zona do último ataque das abelhas juntamente com 1 Gr Comb da CART 2338, o que foi feito e conseguido recuperar parte do material perdido. As NT regressaram  a Fá, que atingiram no dia 8, às 20h00.

Fonte: Excerto das  páginas 43, 44 e 45 da História da Unidade: Batalhão de Artilharia nº 1904, 1966/68. Relatório da Op Gavião, iniciada em 4 de Abril de 1968: com a duração de três dias, e destinada a executar um golpe de mão contra o acampamento do Enxalé, do PAIGC, na mata de Belel, teve a participação da CART 2338, a 4 Gr Comb, mais o Pel Caç Nat 52 (Destacamento A), bem como da CART 2339, a 4 Gr Comb, mais o Pel Caç Nat 53 (Destacamento B). Foi comandada pelo 2º Comandante do BART 1904.


Documento digitalizado: © Armando Fernandes (2008). Direitos reservadas.


3. O Armando Fernandes, ex-alf mil cav, cmdt do  Pel Rec  Info,  CCS / BART 1904, Bissau e Bambadinca, 1966/68), mandou-nos em 8 de maio de 2008 fotocópias das páginas 43, 44 e 45 da história da unidade, com base nas quais transcrevemos o texto acima (com algumas adaptações, devido ao facto de estar mal redigido e ter alguns erros de ortografia).

Na altura, o nosso camarada escreveu o seguinte:

Professor Luís Graça:

Chamo-me Armando Fernandes, fui alf mil cav, comandei o Pel Rec do BART 1904 que esteve sedeado em Bambadinca, de Janeiro a Setembro de 1968. Durante todo o ano de 1967 o Batalhão esteve sedeado em Santa Luzia, Bissau, onde rendeu, em Janeiro de 67, o BCAÇ 1876.

Entrei ontem, pela 1ª vez, no seu blogue e chamou-me a atenção o nome de uma operação referido em P2817 (***), Operação Gavião.

Sobre essa operação consta da história do BART 1904, pags. 43/45 (edição não canónica em meu poder) que o fur mil Zacarias Saiegh nela participou, o que está em desacordo com uma resposta do doutor Beja Santos registada em P2817. Parece, também, que relativamente à entrada em Belel há discrepância entre o registado na história do BART e o afirmado no mesmo poste. Onde estará a verdade?

Em anexo envio cópia das páginas que referi.

Apresento os meus cumprimentos, Armando Fernandes

4. Comentário do editor L.G.:

Na altura agradeci ao camarada Armando Fernandes, dizendo-lhe que ia divulgar a sua versão (que era a versão do BART 1904)  (****) e dar conhecimentos aos camaradas que tinham escrito sobre a Op Gavião (Mário Beja Santos, do Pel Caç Nat 52, e Torcato Mendonça e Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, estes dois últimos participantes da Op Gavião) (*****). 

Escrevi então: 

"A nós interessa-nos a verdade e só a verdade... Em muitos casos, há discrepâncias factuais entre os nossos relatórios de operações e os depoimentos pessoais. É normal. O Mário Beja Santos, que comandou o Pel Caç Nat 52 (a partir de agosto de 1968), não poderia obviamente ter participado nesta Operação Gavião (abril de 1968). Socorre-se da memória dos seus antigos soldados, alguns dos quais felizmente ainda estão vivos e vivem em Portugal."

O ex-alf mil Torcato Mendonça e o ex-fur mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), esses,  infelizmente, já náo estão entre nós...

Na altura também convidei o Armando Ferreira  a ingressar na nossa Tabanca Grande.  Infelizmente nunca mais nos contactou, pelo que nem ele nem mais ninguém representa o BART 1904 no nosso blogue.

De qualquer modo, ficou claro na altura que  o fur mil Zacarias Saiegh, a comandar interinamente  o Pel Caç Nat 52, tinha particiapdo na Op Gavião, e que recebera do comandante da operação, rasgados elogios, como se depreende deste excerto do relatório:

(...) "Com o Pel Caç Nat 52 à frente, impulsionado pelo seu comandante, o fur mil Zacarias Saiegh, que demonstrou um sangue frio, decisão e temeridade  dignos de serem apontados, reagiu à emboscada,  perseguindo o IN durante cerca de 1,5 km. " (...)
__________

Notas de L. G.:

(*) Vd. poste de 23 de fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desaosa operação a Madina/Belel

(**) Último poste da série > 21 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24330: Tugas, pocos pero locos: algumas das nossas operações temerárias (1): Op Tigre Vadio, 30 de março a 1 de abril de 1970, sector L1, Península de Madina / Belel, zona leste, sector L1 (Bambadinca)

(***) Vd. poste de 7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2817: Blogoterapia (51): O Alentejo do Casadinho e do Cascalheira, o Tura Baldé, a Op Gavião... (Torcato Mendonça / Beja Santos)
(****) Vd. poste de 11 de maio de 2008 > Guiné 63/74: P2833: Op Gavião (Belel, 4-6 de Abril de 1968) (Armando Fernandes, Pel Rec CCS / BART 1904, Bissau e Bambadinca, 1966/68)

(*****) Vd. ppostes de:

9 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2823: Dando a mão à palmatória (11): Operação Gavião, 5 de Abril de 1968, com as CART 2338 e 2339 (Torcato Mendonça / Beja Santos)

2 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9303: Memórias do Carlos Marques dos Santos (Mansambo, CART 2339, 1968/69) (1): Op Gavião: Abril de 1968, antes o fogo do IN que o ataque das abelhas

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24218: As nossas geografias emocionais (3): Fá Mandinga, o "Bairro da Paz", ao tempo do Pel Rec Daimler 1113 e do BCAÇ 1888 (1966/68)... Nunca foi atacado, uma das coroas de glória do "alfero Cabral"... Nem aqui viveu e trabalhou o outro Cabral, engenheiro agrónomo... Foi aqui que se formou a 1ª CCmds Africanos.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > Aqui esteve instalado, de agosto a novembro de 1966, o Pel Rec Daimler 1133 (Fá Mandinga e Bambadinca, 1966/68), comandasdo pel alf mil cav Carlos Manuel de Sá Ramalho; estava então adido ao BCAÇ 1888 e depois ao BART 1904.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) >  1968 >  Outra perspetiva do "Bairro da Paz"... Fotos do álbum do Jaime Machado, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) (*)

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2008).Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Parada do quartel: o grupo de combate do alf mil Torcato Mendonça (1944-2021), cerimónia do arriar da bandeira... Os "Viriatos" estiveram aqui três meses (de fevereiro a maio de 1968) antes de partirem para Mansambo para ali construirem um quartel, novo, de raiz. (**)

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Zona Leste > Sector L1 >  Bambadinca > 2.º semestre de 1970 > Velhinhos e periquitos > A rapaziada, à civil, em Santa Helena, nos arredores de Bambadinca, a caminho do bife com batatas fritas da Transmontana e das bajudas de Bafatá. Malta da CCAÇ 12, na sua maioria, e da CCS do BART 2917 (1970/72). Eis a legenda do fotógrafo:

(...) "Passeio dominical à Transmontana, em Bafatá, para ir comer o célebre bife com batatas fritas, pois batatas era um luxo na messe. Reconhecem-se na 2.ª fila da esquerda para a direita: o 1.º não me lembro, o 2.º, de camisola azul, é o Bilocas da Cooperativa de Riba d'Ave, ex-alf mil dos reabastecimentos do BART 2917 [o Abílio Machado, de contabilidade e adminmistração]; o 3.º, fardado, era o alf mil de, julgo, transmissões do BART 2917; e o condutor era o Rocha da CCAÇ 12.

"Na 1.ª fila são todos da CCAÇ 12, a começar pelo José Luís Vieira de Sousa, furriel miliciano, o Zé da Ilha, tocador de viola, baladeiro, hoje mediador de seguros no Funchal; a seguir, o 2.º é o Pedrosa, que era o fur mil mecânico (periquito que foi substituir o nosso 1.º mecânico que era o Joaquim Moreira Gomes, do Porto e que quando cá veio de férias em 69 arranjou uma cunha no Hospital Militar lá no Porto e já não voltou à Guiné); em 3.º temos o Arlindo Teixeira Roda, fur mil, natural dos Pousos-Leiria, mas agora a residir em Setúbal onde dá, ou já deu, aulas (chmávamos-lhe o Tê Rodas); o 4.º é este ilustre vosso servo com 23 ou 24 anos (que saudades!) e vestido de verde, eu que até sou simpatizante, de meia tigela mas sou, do SLB; a seguir em 5.º é o António Manuel Martins Branquinho
 [1947-2103], fur mil. alentejano de Évora (trabalhou no Centro Regional de Segurança Social de Évora); e por último o alf mil José António Gonçalves Rodrigues, já falecido, e que trabalhava no Centro Regional de Segurança Social, aqui em Lisboa na Av Afonso Costa no Areeiro"(...)
 

Guiné >  Região Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > 1970 >  Era aqui a sede do Pel Caç Nat 63 e da 1.ª Companhia de Comandos Africanos... Diversos furriéis e alferes da CCAÇ 12 e da CCS / BART 2917, de visita a Fá Mandinga (e possivelmente a caminho de Bafatá para almoçar, em traje domingueiro, em meados de 1970: reconheço do lado direito, o alf Machado (CCS) e o alf Abel Maria Rodrigues (CCAÇ 12). Do lado esquerdo, também à civil, de camisola vermelha, o fur António Branquinho 
[1947-2013] e de camisola verde o fur Humberto Reis, ambos  da CCAÇ 12.

Fotos (e legendas): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > Carta de Bambadinca (1955), escala 1/50 mil (1955) > Posição relativa de Fá Mandinga, a escassa meia dúzia de quilómetros de Bambadinca, na direção de Bafatá. Ficava na margem esquerda do rio Geba Estreito. Foi, durante anos, sede de batalhões e também Centro de Instrução Militar: nele foi formada, por exemplo, a 1.ª CCmds Africanos.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlada pelo PAIGC) e que recebiam "visitas do mato"...

Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos das NT. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... Bambadinca era sede de posto administrativo e tinha correios, telégrafo e telefone, além de um posto sanitário ("missão do Sono")... Era, além disso, um importante porto fluvial. Era banhado pelo caprichoso Rio Geba (ou Xaianga), temível em Mato Cão... Até 1968 as LDG da Marinha chegavam até lá... Depois, já em 1969, ficavam-se pelo Xime que passou a ter "porto fluvial" (na realidade, um cais acostável)... De Bambadinca a Bafatá (cerca de 30 km) a estrada era já alcatroada... no tempo da CCAÇ 12  (1969/71).

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


1. Esta série é dedicada à(s) "Memória(s) dos lugares"... Logo no princípio do nosso blogue, tínhamos, na badana (ou coluna estática) do lado esquerdo uma listagem (com links) de lugares por onde passámos, documentados com fotografias e infografias...

Ia já em 24 topónimos, mas faltavam muitos mais... Começámos a sua recuperação com o topónimo Bafatá, e depois Bambadinca.(***)

As imagens estavam originalmente alojadas na página pessoal do nosso editor, Saúde e Trabalho - Luís Graça, no servidor da ENSP/NOVA. Foi descontinuada, em 2022, com o redesenho da página oficial da instituição. Estamos agora a recuperá-la através das capturas feitas pelo Arquivo.pt, bem como dos ficheiros originais. É uma tarefa morosa e ingrata...

Luís Graça > Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné > Antologia, preservada pelo Arquivo.pt

E vamos aproveitar para refrescar e atualizar os nossos álbuns fotográficos, por topónimos da Guiné (se não todos, pelo menos os principais). Afinal, trata-se de não perder  as nossas "geografias emocionais". Muitas das fotos que vamos publicando estão dispersas. São de diferentes autores e anos... É agora a altura de as tentar reunir.


2. Fá Mandinga ficava na margem esquerda do rio Geba Estreito. Durante anos foi sede de batalhão (ou de subunidades de diversas armas: infantaria, cavalaria, artilharia), sucedendo-lhe Bambadinca (como sede do Sector L1). 

E, mais tarde, foi centro de instrução militar: no 1.º semestre de 1970, foi lá que se formou a 1.ª CCmds Africanos, comandada pelo cap graduado 'comando' João Bacar Jaló. Foi de lá  que partiu, a 1.ª CCmds Africanos, para a aquela que viria a ser mais tarde, em 22 de novembro de 1970, a Operação Mar Verde (invasão anfíbia de Conacri). E a seguir à 1.ª, vieram lá formar-se as 2.ª e 3.ª CCmds Africanos, com as quais se constituiu mais tarde o Batalhão de Comandos Africanos.

Também foi sede do Pel Caç Nat 63, ao tempo do  nosso glorioso "alfero Cabral" (1969/70), antes de ser transferido para Missirá em meados de 1970. 

Aparentemente  Fá (Mandinga, havia outra, Balanta, perto de Santa Helena) teve um papel discreto na guerra... Pertencia ao regulado de Badora. Ao que parece, nunca foi atacada ou flagelada, contrariamente a Missirá (que já pertencia ao regulado do Cuor).

Durante muito tempo esteve associada, erradamente, ao nome do engº agrónomo Amílcar Cabral. De facto, a estação agrária experimental de Fá tinha boas instalações, entretanto desafetadas com o início da guerra. Mas Amílcar Cabral nunca ali trabalhou, e muito menos lá viveu. Ele e a sua primeira esposa, portuguesa, Maria Helena Rodrigues, silvicultora, viveram e trabalharam na estação agrária experimental de Pessubé, nas imediações de Bissau, entre setembro de 1952 e março de 1955, como recordou o nosso amigo Pepito, também ele engenheiro agrónomo (1949-2014) (****)

Também houve aqui, em tempos (1947), uma moderna serração mecânica, do empresário Fausto da Silva Teixeira, antigo deportado político.


Guiné - Bissau > Regiáo autónoma de Bissau > Pessubé >2013 >  Fotografia atual da casa onde Cabral e Maria Helena viveram na Granja Experimental de Pessubé, de 400 hectares.  Num notável artigo sobre o Amíllcar Cabral enquanto engenheiro agrónomo na Guiné, o nosso amigo Pepito (1949-2014) escreveu:

(...)  Ele e Maria Helena instalam-se na casa da Granja Experimental do Pessubé, atribuída ao seu diretor, na altura situada muito longe do centro de Bissau, num bairro popular da periferia e numa zona isolada e de difícil acesso. A Granja dispunha de cerca de 400 ha onde existia grande número de essências florestais e um pequeno número avulso de algumas espécies frutícolas, como por exemplo cacaueiros.

Nesta altura, quando começa a exercer a sua profissão, Amílcar está convencido de que o processo de independência decorrerá de forma pacífica, nos moldes como se virá a processar nos outros países africanos, pelo que decide começar a construção do novo edifício conceptual agrícola que iria substituir gradualmente o modelo colonial existente.

A Granja de Pessubé vai ser o ponto de partida, para começar a pôr em prática uma estratégia, em três vertentes principais, que ele considera importantes para o desenvolvimento da agricultura guineense- (...) (****)

Foto (e legenda): © Carlos Schwarz (2013). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Unidades que passaram por Fá Mandinga 

Unidade
Origem
Chegada
Saida
Destino
BCaç  697 -   CCS
RI 15
Jul 64
Abr 66
Fim comissão
CCaç   674
RI 16
Jul 64
Jul 64
Fajonquito
CCav    678
RC 7
Set 64
Jan 65
Ponta do Inglês
Pel Rec  Daimler 809
RC 6
Nov 64
Jan 66
Dulombi
BCaç 1856 - CCaç 1417
RI 1
Set 65
Mai 66
Bajocunda
Pel Mort 1028
RI 2
Set 65
Nov 66
Bambadinca
BCaç 1888 -  CCS
RI 1
Abr 66
Nov 66
Bambadinca
BCav  705 - CCav   702
RC 7
Abr 66
Mai 66
Fim comissão
BCaç 1887 - CCaç 1547
RI 1
Mai 66
Set 66
Bula
Pel Rec Daimler 1133
RC 6
Ago 66
Out 66
Bambadinca
BCaç 1887 - CCaç 1546
RI 1
Out 66
Dez 66
Bissau
BCaç 1888 - CCaç 1551
RI 1
Nov 66
Jan 67
Xitole
BCaç  1894 - CCaç 1589
RI 15
Dez 66
Abr 67
Madina do Boé
CCaç   817
BC 10
Jan 67
Fev 67
Fim comissão
CCaç   818
BC 10
Jan 67
Fev 67
Fim comissão
CArt  1661
RAC
Fev 67
Abr 67
Enxalé
BCaç 1912 – Ccaç 1685
RI 16
Abr 67
Out 67
Fajonquito
CCaç 1426
RI 16
Abr 67
Mai 67
Fim comissão
CCaç 1439
BII 19
Abr 67
Mai 67
Fim comissão
BArt 1913 - CArt 1689
RAP 2
Mai 67
Jul 67
Catió
BArt  1904 - CArt 1646
RAP 2
Ago 67
Jan 68
Xitole
BArt  1904 - CArt 1646
RAP 2
Set 67
Out 69
Fim comissão
BCaç 1933 - CCaç 1790
RI 15
Out 67
Jan 68
Madina do Boé
BCaç 1888 - CCaç 1551
RI 1
Nov 67
Jan 68
Fim comissão
CArt  2338
RAL 3
Jan 68
Abr 68
Nova Lamego
CArt  2339
RAL 3
Fev 68
Mai 68
Mansambo
CCaç 2383
RI 2
Mai 68
Jul 68
Nova Lamego
CArt  2413
RAP 2
Ago 68
Set 68
Xitole
BCaç 2852 - CCaç 2405
RI 2
Dez 68
Dez 68
Galomaro
BCaç 2851 – Ccaç 2403
RI 1
Fev 69
Abr 69
Mansabá
1ª CCmds Africana
CTIG
Jul 69
Jul 69
Bajocunda
1ª  CCmds Africana
CTIG
Set 70
Jul 71
Brá
Pel Caç Nat  52
CTIG
Jan 71
Jul 71
Missirá
2ª CCmds Africana
CTIG
Abr71
Out 71
Brá
3ª CCmds Africana
CTIG
Abr 72
Set 74
Extinção  Unidade
Pel Caç Nat   52
CTIG
Abr 72
Jul 72
Ponte R Unduma
Pel Caç Nat 63
CTIG
Jul 69
Ago 74
Desativada
BArt 3873 - CArt 3493
RAP 2
Dez 73
Jan 74
Bissau

Fonte: José Martins (2014) (com correções do nosso saudoso Jorge Cabral: (i) O Pel Caç Nat 63 foi para lá em julho de 1969; e  (ii) a 1ª CCmds Africanos chegou em fevereiro de 1970.


3. Estranhamente não temos muitas fotos de Fá Mandinga, a não ser as que se salvaram do álbum do Jorge Cabral (1944-2019). Mas temos cerca de 150 referências a este topónimo.

Em contrapartida, temos alguns descrições do aquartelamento. Escolhemos três:

(i) Armandino Alves [1944-2014] , ex-1.º Cabo Aux Enf,
CCAÇ 1589 (1966/68)

(...) Sobre o Aquartelamento de Fá Mandinga, ainda recordo que:

Em Dezembro de 1966, a minha CCAÇ 1589, recebeu guia de marcha para Fá Mandinga.  Embarcámos em Bissau numa LDG em direcção a Bambadinca e daí seguimos em viaturas, pela estrada em terra batida, que estava a ser aberta pelo Batalhão de Engenharia, em direcção a Bafatá [mais tarde alargada e asfaltada, no 2º semestre de 1967].

A certa altura virámos à esquerda e entrámos na picada que nos ia levar a Fá. Era tão estreita que mal lá cabiam uma GMC ou uma Mercedes. Passámos o Aquartelamento de Fá de Cima e começámos uma íngreme descida até Fá de Baixo.

O Aquartelamento era constituído por 4 grandes barracões, dois de cada lado, com uma grande parada no meio. À volta era só capim, que era preciso desbastar para podermos ver mais longe e evitar surpresas “desagradáveis”, embora o pessoal de Fá de Cima nos protegesse pois, devido à sua posição no cimo da colina, viam muito mais longe. Mas, pelo que eu sei, Fá nunca foi atacada.

A partir daqui fizemos várias operações, com outras Companhias que tinham a sua base em Porto Gole. A maior delas foi à mata do Saraoul, durou 10 dias e foi feita a nível de Batalhão.

(...) Pouco tempo depois recebemos guia de marcha para Madina do Boé.

Quanto ao quartel de Fá, lembro-me que o 1.º barracão se situava do lado direito de quem entrava no quartel e servia de caserna dos praças e quartos dos sargentos, e o 2.º destinava-se aos Comandantes e, creio que também, a camarata dos oficiais.

Nas traseiras do 1.º barracão estava instalado o “meu” Posto de Socorros e o reboque com o material de Campanha do SS, que nunca foi usado. O 2.º pavilhão, do lado esquerdo, só estava meio ocupado por nós, pois a outra metade estava vedada com rede e tinha guardado o material, para a fazenda do Amílcar Cabral [informação errónea, já que o eng agr Amilcar Cabral nunca trabalhou aqui, mas sim na Granja de Pessubé, a norte de Bissau (LG)].

Não me lembro onde ficavam a cozinha nem as oficinas auto. (...) (*****)


(ii) Torcato Mendonça  [1944-2021], ex-alf mil art, CART 2338 
(Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)

(...) Finalmente chegaram. Já a tarde ia alta e Fá Mandinga aí estava. Não parecia um aquartelamento. A entrada tinha a cancela com arame farpado, uma leve protecção para o militar da porta de armas e, enquanto rolavam aquartelamento dentro, iam aparecendo os edifícios adaptados à tropa. 

Coluna parada e ordem para desembarcarem. Deu-se então o reencontro com um alferes e um sargento que, umas semanas antes, por via aérea os tinham precedido a fim de tratarem das burocracias e instalação da Companhia Independente. Tiveram recepção calorosa e a vida, de burocracias e instalação facilitada. Breve formatura, material diverso arrumado e está a tratar da instalação. 

A ele e ao outro alferes indicaram-lhe uma “vivenda”. Já lá estava o outro alferes instalado. A dita vivenda, certamente de algum antigo colaborador de Amílcar Cabral, tinha quartos para os alferes, messe de oficiais e sargentos, cozinha e arrumos e duas ou três casas de banho. Não sabia que aquele quarto, que agora ocupava e onde ia arrumando as suas roupas, livros e demais haveres, seria o primeiro e único quarto onde viveu na Guiné. Nunca mais teve tal luxo. No futuro seria o abrigo, a morança das tabancas ou, se pernoitasse em Bambadinca ou noutra cidade, lá teria o quarto de empréstimo. Houve outros poisos mas são outras vidas… 

Bateram à porta e disse: 
- Entre. 

Abre-se a porta e aparece um africano com um sorriso alvar e franco. 
- Sou o Lali e trabalho aqui para os oficiais. Venho acender o Lion Brand. 
- Vem acender o quê? - disse. 

O Lali ria, mostrava uma caixa e disse: 
- É para os mosquitos fugirem. 

Foi a vez de ele rir. Depois de acender, perguntou se ele precisava de alguma “coisa”. 

- Sente-se aí, que quero fazer umas perguntas. 

De pronto o Lali respondeu: 
- Não posso sentar… 

Olhou-o e compreendeu.
 - Logo falamos então. 

Saiu e dirigiu-se às instalações do Grupo, apanhando o ar, ainda quente, do final da tarde, sentindo aqueles cheiros e sons tão diferentes. Estava tudo a correr bem, conversaram um pouco, viram escalas e serviços e sentia-se, os outros também certamente, deslocado naquele ambiente. Depois do jantar veio até cá fora um pouco e não tardou a regressar ao quarto. Agora é que era e “a dança ia começar”. (...) (**)


(iii) António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto,
CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba 
e Bissau, 1972/74) 

(...) Em Fá Mandinga, local onde passámos "uma espécie de férias”, existiam instalações de grandes dimensões em que as telhas que as cobriam, pelo menos algumas, tinha sido fabricadas na então metrópole, na região de Porto de Mós, onde existiam muitas fábricas, o que me tocava ainda mais dada a proximidade da minha terra. 

Existia também no local, um espaço em mau estado com vários motores inoperacionais que noutro tempo ali teriam funcionado para produzir energia. Um pouco mais abaixo, junto à bolanha, havia mais instalações, onde os padeiros da nossa companhia iam fazer o pão. Creio que não estou errado… foi há muito tempo...

Dizia-se que aquelas instalações pertenciam a Amílcar Cabral quando a guerra começou. Mas diziam-se tantas coisas…

Durante o tempo que lá estivemos, para além do pessoal da cozinha e os padeiros, não me lembro que mais alguém tivesse feito qualquer serviço, eu sei que não fiz assim como os outros condutores. Mas o lado psicológico não deixava ninguém tranquilo. A mais pequena coisa... levava a comportamentos nada comuns. 
(...)  (******)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2918: História da Cavalaria em Bambadinca (1): Pel Rec Daimler 1133 (1966/68) adido ao BCAÇ 1888 e ao BART 1904 (Jaime Machado)

(**) Vd. poste de 11 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4809: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): Fá Mandinga, o único sítio onde tive direito ao luxo de um quarto