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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22965: (Ex)citações (400): A Suécia... sempre original (José Belo) - Parte I: as "renoducts", pontes para as renas sobre as linhas férreas e estradas da Laponia...


No país dos Samis (, lapões, é um termo racista...)... As renas do Zé Belo, que também estão ser a vítimas das alterações climáticas... Foto do álbum do autor (2021)



José Belo

José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West,  Nova Orleans...); (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jubilado; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 215 referências no nosso blogue; e (vii( faz hoje anos.


1. Mensagem do José Belo:


Data - terça, 1 fev 2022, 12:34

Assunto - A Suécia... sempre original (*)


Caro Luís


Um pouco de ar de New Orleans (ou NOLA como se diz localalmente)...

Seguem dois artigos, do jornal inglês "The Guardian", um sobre corvos "funcionários camarários" para apanhar "beatas", e outro relacionado com as pontes construídas para as renas sobre algumas autoestradas da Laponia.

Um grande abraco com votos de saúde. J. Belo

https://www.theguardian.com/world/2021/jan/20/sweden-to-build-bridges-for-reindeer-to-safely-cross-roads-and-railways

https://www.theguardian.com/environment/2022/feb/01/swedish-crows-pick-up-cigarette-butts-litter


2. Comentário do editor Luís Graça

Tens razão, a tua segunda pátria (?) , a terra dos teus filhos,  onde já vives há mais anos do que aqueles que viveste em Portugal e no seu ex-império, é um país... "original".  Pelo menos onde se pode dizer que economia, concertação social, democracia, equidade social (igualdade de oportunidades) e ecologia até podem "rimar"...

Essa de construir pontes para renas sobre estradas e linhas férreas na Lapónia, nunca lembraria ao diabo em Portugal... Primeiro porque não há renas, muito menos rebanhos de renas,  em Portugal  (, a não ser no "jardim zoológico"...) e o diabo é capaz de ser mais amigo dos contribuintes portugueses do que das renas samis... Não há renas, mas há outra bicharada, dos linces aos veados, que também são trucidados nas autoestradas e caminhos de ferro... 

Vamos ao "teu" primeiro artigo, deixando o outro para melhor ocasião, ou para a II parte deste poste...

O primeiro é  da autoria de  Jon Henley, e foi publicado no jornal inglês The Guardian, quarta-feira, 20 de janeiro de 2021 13h16 GMT... Tem mais de um ano, avisam-nos. Faço uma adaptação, com tradução mais ou menos livre, e nalguns casos reproduzindo alguns excertos.

Espero que este poste seja, em 4 de fevereiro de 2022,  no dia dos teus anos, uma boa "prenda de aniversário" para ti (**)... e para as tuas renas!... Se tivesses ovelhas no Alentejo estavas bem pior... com a seca com que começámos o primeiro mês do  ano da graça de 2022...  Ainda me lembro do tempo, em que os putos da escola praguejavam, para poder fazer fazer gazeta: "Quem dera que chova três dias sem parar!"...  Eram cheias certas no Rio Grande da minha vilória, construída em antigo leito de mar... (LG)


3. A Suécia, para fazer face às alterações climáticas,  está a construir pontes para renas sobre estradas e linhas férreas

A Suécia vai construir uma dúzia de pontes para que as renas possam atravessar,  em segurança,  as linhas férruas e as principais estradas do Norte do país,  como resposta ao problema do  aquecimento global  que obriga os animais  a percorrer maiores distâncias em busca de comida.  

A medida tem o apoio de investigadores na área da ecologia e das ciências agrárias...para quem “num clima em mudança com condições difíceis de neve, será extremamente importante encontrar e ter acesso a  pastagens alternativas”...Os  pastores de renas também foram consultados sobre a localização e as especificações técnicas  das pontes bem como sobre este projeto, deveras original.

A primeira destas pontes terá começado já  a ser construída  (ou estará construída) em 2021,  na cidade oriental de Umea, segundo a emissora pública Sveriges Radio. “Renoducts” é o nome destas pontes,  uma junção da palavra reno (renas) e  de viaduct (viaduto). 

O  aquecimento global está já ter  um impacto devastador nas 250 mil  renas da Suécia e nos 4.500 proprietários indígenas Sami (lapões),  com licença para as pastorear. (Em média, 55,5 renas por rebanho..).  Algumas pastagens de inverno ainda estão a  recuperar de secas e incêndios florestais que atingiram, sem precedentes,  o Norte da Suécia.

Os líquens  constituem uma parte fundamental da dieta das renas. Ora está-se a tornar difícil para elas encontrar os líquens, no inverno, agora mais quente e húmido. Em vez de neve, cai chuva. Quando as temperaturas descem abaixo de zero,  formam-se  entretanto camadas impenetráveis ​​de gelo  no solo  em vez da normal  crosta de neve macia. Nestas circunstâncias, as renas são incapazes de sentir o cheiro do líquen  ou de escavar para chegar até ele...

Estes animais, para além do sua função ecológico e cultural, têm grande importância económica para as populações locais, sendo criadas pelo valor  da sua  carne, da sua pele e das suas hastes...

As renas são agora obrigadas a deslocar-se  para  mais longe em busca de comida. Pelo caminho, têm de atravesar  linhas férreas ou estradas principais, muitas vezes vedadas,   e onde correm o risco de serem atropeladas e mortas.

As doze "renoducts" cuja construção está planeada   n Norte, nos condados de Norrbotten e Västerbotten,  pretendem mitigar ou aliviar a situação...  E, pelo menos,  as autoridades já não terão, 
de futuro,  de fechar a principal autoestrada norte-sul, a  E4,  quando um rebanho estiver em  trânsito.

[ Tradução, adaptação livre, fixaçáo  de texto, para efeitos de publicação neste poste: LG]

Fonte: Jon Henley - Sweden to build reindeer bridges over roads and railways. The Guardian, 20Wed 20 Jan 2021 13.16 GMT... Com a devida vénia...

 
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 19 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22920: (Ex)citações (399): Ética na guerra ? O caso do "matador" do comandante de bigrupo Mário Mendes (1943-1972): "Não se mata um homem de costas", disse ao António Duarte, o apontador da HK 21, do 4º Gr Comb da CCAÇ 12... (Seria o Cherno Baldé ?)

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22670: Manuscrito(s) (Luís Graça) (205): E na hora da tua morte, ámen!... (Ninguém, por certo, te perguntará p'los teus sonhos... de menino)






Lourinhã > Praia da Areia Branca > 26 e 27 de outubro de 2021 > O põr do sol, um espetáculo, por enquanto gratuito, para quem tem o privilégio de viver à beira-mar ou perto do mar...Um espetáculo que eu não dispenso, sempre que posso, desde há muitos anos... Afinal, nasci a ouvir o mar...mas raramente me podia permitir, quando criança, o luxo de dizer "até amanhã, meu irmão sol"... Entre mim e o sol, a pôr-se  no mar do Cerro dos meus antepassados, havia os cabeços e os monhos de vento...

(...) Nasceste a ouvir o mar, o barulho do mar e dos moinhos de vento que te deixaram os árabes, dizem uns, ou os flamengos, dizem outros. Sabes lá tu o que está inscrito no teu ADN. Batizaram-te cristão, na pia da igreja, gótica, do castelo, que foi românica. E como antes terá sido mesquita mourisca ou capela visigótica, e, muito antes ainda, templo romano ou anta, dólmen, menir. Perdeste-te, por amores e guerras, no caminho sul de Santiago e chamaram Grande ao rio da tua infância. (...).

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na véspera do Dia dos Mortos (que a nossa tradição cristã celebra, afinal, no dia 1 de novembro, dia que se quer luminoso, o dia de todos os santos), e do início incerto de mais uma Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a de 2021, também conhecida como COP26,  a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Gasgow, 31 de outubro-12 de novembro de 2021), fui revisitar e rever um poema que me é caro, e que me ajuda a mitugar a angústia existencial... Gostava um dia de o ler em voz alta, ao pôr do sol,  para a minha neta, que vai fazer dois anos em 12 de novembro,  no Funchal, e  a quem não sei dizer, se ela um dia mo perguntar,  que raio de planeta lhe vou deixar.


E na hora da tua morte, ámen!

por Luís Graça



De rio em rio se alcança a foz 
e se galga o mar,
vais na torrente, 
a espernear e a bracejar.

De mar em mar se vai ao longe,
p’ra naufragar, no oceano, largo e profundo,
… ou p’ra encalhar, 
ao cabo do mundo.

De estrela em estrela navegas por toda a parte,
à boleia dos sonhos que te venderam,
alguém por certo com engenho e arte,
mas a  preço de saldo.

Do planeta ao planetário vai um salto,
há apenas uma fina tela, a separar-te
do desastre humanitário.

Na deriva da vida segues em contramão,
como um cavalo com o freio nos dentes,
fora da estrada, 
em louco tropel.
e sem seguro de acidentes,

Daqui para a frente, 
e até ao planeta Babel,
vais pouco confiante e nada crente,
como no carrossel 
da feira de setembro,
quando eras menino e moço:
já não é caminhada, 
já não é jogging,
muito menos passeio ameno pelo areal,
é alucinação,
é salto mortal,
vais de camuflado 
e corda ao pescoço,
pela picada armadilhada, 

Preferes nada saber de astrofísica,
muito menos de metafísica,
seria bom saberes um pouco mais
de economia 
do risco.

Porque um dia, 
vão-te cobrar a portagem,
no fim da viagem 
ou numa qualquer paragem, técnica,
quando o teu planeta azul perder 
o contrato de concessão
ou a simples licença de habitação.

Um dia, faça chuva ou faça sol,
ou radiações ultravioletas,
vais ser despojado do teu corpo,
com todas as letras,
desalojado do teu frágil habitáculo,
como a lagosta ou o caracol.

Quem te prometeu um tabernáculo,
ergonomicamente correto, 
digno de um deus, mesmo  que menor,
nada sabia de ergonomia, 
nem de poesia,
e muito menos era arquiteto.

Afinal, não passas de um animal terráqueo,
numa casa que não é tua,
e, na melhor das hipóteses, 
és um erro de casting do criador…

Alguém te há de lembrar
que não passas de um simples hóspede,
e que o hóspede e o peixe ao fim de três dias… fedem,
como assegura o anexim popular.

Na tua aldeia global, 
na hora da tua morte,
tocará, a finados, o sino.
Com sorte,
e se ainda houver um resto de humanidade,
alguém teu conhecido fará questão de dizer, 
por piedade,
uma última oração 
à beira da tua cova,
e lembrará que também foste menino:

“Pode não ter sido um grande poeta,
nem um cidadão exemplar,
muito menos um herói,
mas foi, dizem,  
um bom filho,
um bom homem,
um bom amigo, 
um bom camarada, 
quiçá até um bom pai”…

Dobrará o sino
no campanário  da igreja da tua aldeia...
O padre encomendar-te-à  a alma
para que, mais leve dos pecados, 
chegues depressa à eternidade.
Mas ninguém, por certo, te perguntará
p'los teus sonhos... de menino.

Lisboa, março de 2015,
Lourinhã, revisto, 31 de outubro 2021.

____________

Nota do editor:

Últino poste da série > 22 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22476: Manuscrito(s) (Luís Graça) (204): Caminhando contigo pela picada da vida...

domingo, 15 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22458: (De)Caras (173): "Afinal, de quem são as árvores?"... Recordando os madeireiros Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta) e Albano Neves (Contuboel) (José Eduardo Oliveira, JERO, 1940-2021 / António Rosinha / Valemar Queiroz / Cherno Baldé)






Anúncio da empresas madeireira Manuel Ribeiro Carvalho,  com estabelecimentos em Binta e Farim, em meados dos anos 50. Imagem reproduzidas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).


1. Dois conhecidos madeireiros do nosso tempo de Guiné, são aqui evocados, por camaradas nossos, em comentários a postes diferentes,um de 2015 e outro de 2021. Vale a pena ir recuperá-los (**):

(i) José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2020):

"Tropecei" com particular emoção neste anúncio do madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho, que conheci em Binta no 2º.semestre de 1964. 

Pertenci à CCaç 675 que esteve em Binta desde 30 de Junho de 64 a finais de Abril de 1966. Fui o Furriel Enfermeiro da Companhia e recorda-me de ter tratado do sr. Ribeiro duas vezes: a uma retenção de urinas, em que tive o algaliar e um "ataque" de abelhas muito grave. 

A minha Companhia fez-lhe segurança em algumas idas ao mato para cortar madeiras quando se aproximava a data do carregamento de barcos que vinham até Binta, pelo Rio Cacheu. Falei muitas vezes com ele. Era uma pessoa de bom trato e , nesse tempo, já com uns 30 anos de Guiné.

Quando vi o seu "anúncio" nesta postagem fiz uma autêntica viagem ao passado. E já vão 50 anos !!! Obrigado. Jero.

5 de fevereiro de 2015 às 21:02 (**)


(ii) António Rosinha:

Amigo Jero, Binta era de facto um antigo importante ponto de embarque de troncos de madeira, talvez a maior parte para exportação.

Se te lembras tinha uma ponte cais de madeira, pois o governo de Luís Cabral que dava muita importância ao transporte fluvial, ainda conseguiu dinheiro para substituir a pequena ponte cais de madeira por uma idêntica mas em betão armado.

Luís Cabral foi corrido e já não viu a sua obra. Mas os guineenses já não precisavam da ponte cais porque com o equipamento e máquinas modernas e grandes tractores e camiões da Volvo que a Suécia ofereceu, num instante cortaram e transportaram a maioria dos grandes troncos no porto de Bissau, e por via terrestre. (...)

5 de fevereiro de 2015 às 22:18 (*)


(iii)  JERO:

Boa, noite António Rosinha

Tenho muitas fotos da ponte cais que referes e "vi" muitos anos depois a de betão, que descaracterizou Binta. Digo eu. (...) Abraço de Alcobaça. JERO

5 de fevereiro de 2015 às 22:51  (*)

 
(iv) Valdemar Queiroz:


Lembro-me, em Contuboel, da serração do Sr. Albano (Neves). Quem passou por Contuboel, pelo menos, de Fevereiro  a Maio/Junho de 1969, interrogava-se, afinal de quem são as árvores?. Nunca soubemos.

Depois CART2479 / CART11 foi para Nova Lamego, para o Quartel de Baixo. Grandes árvores faziam parte da área no nosso Quartel, principalmente uma grande árvore que fazia sombra ao refeitório dos nossos soldados, á cantina e ao armazém da Companhia. 

Um dia, um enxame de abelhas fez poiso, na grande árvore do refeitório. Tanto o refeitório dos soldados, como o dos oficiais/sargentos, do outro lado, em frente, começaram a ser fustigados pelas abelhas. O 2º. Sargento Almeida, "o Velho Lacrau', aprontou-se para resolver o problema e, munido de um archote ateado, subiu à árvore para escorraçar as a abelhas com o fogo e conseguiu afasta-las para nunca mais serem vistas. Mas criou outro problema, pegou fogo ao 'coração' da grande árvore. Para apagar o fogo no interior da árvore despejaram-se vários 'Unimogs' de água, mas nada conseguia afastar o, mais que provável, desmoronamento da árvore. 

Por isso, surgiu ideia de contactar o senhor (cujo nome já não recordo),  da serração local, para abater a árvore. Depois, numa manhã, bem cedo, dois homens quase nus, apenas de tanga, com grandes serras e cunhos de ferro chegaram para abater a árvore que, entretanto, já tinha sido desbastada dos ramos principais. 

Disseram, quem viu, que os dois homens a serraram, compassadamente, de cachimbo aceso na boca, apenas pararam para meter os cunhos de ferro que iam aguentando a parte serrada, até chegarem ao fim, completamente a verterem suor por todo corpo que mais parecia uma nascente em cascata, até à queda da grande árvore. Depois, foi sendo levado tudo da árvore, para a serração. Não sei, nem agora estou interessado em indagar, como é que foi feito o 'contrato'.

8 de fevereiro de 2015 às 02:00 (*)


(v) Cherno Baldé:

A Serraçao do Português Albano Neves, com sede em Contuboel continuou a explorar madeira nesse Sector antes, durante e depois da guerra colonial (1963-1974). Eu cresci a ver os velhos camiões desta empresa a transportar madeira para Contuboel, inclusive depois da independência a partrir de sitios dos mais improváveis da nossa zona.

E a plantação de novas árvores pelos madeireiros ou quaisquer outras entidades para recuperação ou compensação era um mito, pois eu nunca vi uma única planta de substituição em todo o Sector e nunca vi nenhuma obra de infraestruturas para beneficiar a população local. 

E acreditem que eu conhecia a minha terra como poucos pois fazia pastorícia desde a mais tenra idade e só deixei de o fazer com a minha partida para os estudos em 1985 (em Kiev). Os sinais da exploração da madeira eram visíveis em todas as partes da floresta onde cortavam o bissilão o pau-de-sangue e o pau-de-conta.

A exploração dos recursos do continente, sejam eles florestais ou aliêuticos sempre foram feitos com a participação dos europeus em primeira linha,  sejam eles do Leste ou do Ocidente. Pessoalmente sou a favor da exploração controlada se isso fosse possível num pais tão desprotegido e fragilizado, porque de qualquer modo todas essas riquezas naturais estão condenadas a desaparecer seja pela acção do homem seja por causas naturais ligadas às mudanças climáticas.  E, porque não aproveitar quanto antes (digo eu) ?!

 12 de agosto de 2021 às 11:02  (***)


(vi) António Rosinha:

A "Serração do Albano", só foi do Albano após o 25 de Abril, pois o verdadeiro proprietário entregou as rédeas ao Albano que era o gerente ou encarregado.

Rezavam as crónicas dos moribundos resistentes brancos que iam desaparecendo de Bissau aos poucos,  que aconteceu isso com outros comerciantes e proprietários brancos,  entregarem as suas propriedades e casas a empregados enquanto eles, patrões, cansados de guerra, desvaneceram-se.

Só que o Albano não só manteve como desenvolveu e se entendeu muito bem com aquela empresa com a independência da Guiné Bissau.

Albano, quase sem exemplo, digo "quase". Entendeu-se às mil maravilhas, como peixe na água.

Na Guiné só se modernizou ou tentou modernizar a industria madeireira à "grande e à sueca" com Luís Cabral e seus ministros e continuou.

Até uma moderníssima fábrica de contraplacados e afins se montou em Buba, coisa linda, não sei como estará hoje.

Entraram mais máquinas, tratores, máquinas de corte, giratórias e camiões todo o terreno, tudo Volvo, tudo moderno para a Socotram de 1975 a 1983, do que desde 1500 até 1974 para os rudimentares madeireiros portugueses.

Aliás, era precisamente a medíocre iniciativa industrial e comercial e mineira dos portugueses, que os dirigentes dos movimentos nacionalistas mais criticavam e mesmo ridicularizavam o "portuga" e a sua presença nas colónias.

Dai-nos a independência e vão ver o que fazemos desta terra. (o que eu ouvi em Angola e depois repetido no Brasil, e depois na Guiné na inauguração da fábrica do Nhaie-Citroen).

Falar em ecologia em África é muito complicado, e na Guiné não é o pior país. Há linhas de água na Nigéria que o petróleo de pipe lines rotos contaminou. E nós, exploradores indignos, selávamos furos de prospecção de petróleo.

Eramos mesmo uns ecologistas, lá e cá, só mais tarde é que caímos nessa dos eucaliptos e celuloses, que estupidez de riqueza.

12 de agosto de 2021 às 18:27  (***)
___________

Notas do editor:

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22451: Casos: a verdade sobre... (27): os "madeireiros" de ontem e de hoje: a desflorestação da Guiné-Bissau





Dois anúncios de empresas madeireiras da então província portuguesa da Guiné, talvez duas das maiores, existentes no território em meados de 1950, possuindo ambas "serrações mecânicas". Imagens reproduzidas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).



1. Comentários a propósito da "bela e intermável praia de Varela" (**) e das mudanças climáticas que nos ameaçam a todos, Portugal, a Guiné-Bissau e o resto da nossa casa comum:

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Patrício Ribeiro; Oxalá/Enxalé/Inshallah o teu neto ainda possa passar uns belos dias na tua casa de Varela...

A "bela e interminável praia de Varela" corre um sério risco, tal como grande parte da Guiné-Bissau, a começar pelos Bijagós, de desaparecer, tal como muitas das nossas "belas e intermináveis" praias ...

Patrício, temos que pôr na nossa agenda (e, portanto, das nossoas preocupações, decisões e ações de cada dia) o problema (fundamental) das alterações climáticas... E temos que combater o "negacionismo" neste domínio... Há demasiada gente, nos nossos países, a "assobiar para o lado"...

Os antigos combatentes também têm um papel a desempenhar nesta matéria. Nrm negacionismo nem catrastofismo...

(..:) Más práticas ambientais que vieram do passado (colonial) e que se têm vindo a agravar desde a independência: desflorestação, destruição das florestas antigas e sagradas (Cantanhez), queimadas, agricultura extensiva, pastorícia, monocultura do caju, erosão dos solos, sobrecaça, sobrepesca, desertificação do interior, urbanização, etc. Todos temos que fazer a nossa parte. Fala- se cada vez mais de agricultura regenerativa...

(ii) António Rosinha;

Pode-se culpar de (alguma) escravatura na Guiné, o colon português, mas não se deve culpar o colon de exploração de madeiras, desflorestação, queimadas nem de outros crimes ambientais. 

O colon até para fazer estradas era uma desmatação bem reduzida, ou nem fazia estrada nenhuma. Apenas nos anos de guerra alargava um pouco a limpeza junto às picadas. 

Após a independência é que se aproveitou para abusar. Os madeireiros coloniais não recebiam subsídios para adquirir máquinas modernas, viviam à rasquinha.

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Rosinha, seria interessante comparar os metros cúbicos de madeira que foram exportados antes e depois da independência... É verdade que não havia serras mecânicas. Nem muito menos máquinas, capazes de só num dia arrazar muitos campos de futebol de floresta... Os nossos aquartelamentos no mato foram construídos a catana, serra,  enxada, pá e pica, sangue, suor e lágrimas...

Só conheci um madeireiro, em Contuboel. Com a guerra fugiram todos, oa poucos que haviam... Com os reordenamentos houve grande abate de palmeiras (cibe). Mantenhas.

(iv) Patrício Ribeiro:

Amigos, em outros tempos, quem cortava uma árvore era obrigado a plantar outra.

Conheci alguns viveiros de árvores florestais do Estado, que vinham desde a época colonial: como Gambiel e Nova…Imbonhe /Bissorã, onde tenho feito trabalhos. Mas que,  com as privatizações,  alguns deles já desapareceram.

O nosso Amigo Pepito / AD, criou viveiros em Coli/Quebo, Guiledje, Varela, grandes plantações de tarrafe no norte do Cacheu, etc.

Agora corta, nada planta, será que os Chineses não as sabem plantar ?...Mas quem as corta são os Senegaleses e Gambianos.

Os ambientalistas, biólogos e outros estudiosos sobre o assunto, tem a informação de quantos milhares de contentores já saíram carregados para a China e continuam a sair, embora seja proibido por lei, mas não pelas armas, que o diga a nossa amiga Pepas Silva…

(v) C. Martins:

Qual ecologia..???

Após a independência os russos raparam o fundo oceânico da Guiné com os arrastões. Agora foram os chineses que limparam todas as árvores de mogno existentes, grandes e pequenas ... todas ou quase.

As elites africanas estão a vender África a pataco aos chineses, em que qualquer comparação com os antigos colonos europeus é mera coincidência, Para estes não existem direitos humanos, direito internacional, princípios éticos..  Nada de nada, só lhes interessa explorar os recursos existentes de forma a obter o maior lucro possível.

Trocam matérias primas por serviços prestados, assim vai a coisa até ao esgotamento total.

Ecologia ? Qual ecologia ?!

(vi) António Rosinha:

Ecologia? C. Martins, foi a China, foi a Shell, a Total,  etc, os pescadores russos e japoneses, estes são doidos por atum, e até mirones das Nações Unidas a assistir, etc. Foi tudo um regabofe a gozar com aquele continente.

Foi tudo a comprar uns tantos dirigentes e a espalhar uns míseros dólares e uns donativos para ajudar a calar o povo.

A Europa colonial, impotente, tenta esquecer África, mas os africanos não deixam.

2. Comentário do editor LG:

(Re)publicamos, acima, alguns anúncios dos  madeireiros que existiam na Guiné em meados  dos anos 50. A fonte são anúncios de casas comerciais, da então província portuguesa da Guiné, inseridos em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).


O Manuel Ribeiro de Carvalho seria em 1956, antes da guerra, "o maior exportador de madeiras da Guiné"; tendo serração mecânica em Binta, Farim. O Fausto da Silva Teixeira também seria outro madeireiro importante, com estabelecimento principal em Bafatá. Tem uma dezena de referências no nosso blogue.

Recorde-se que o Fausto Teixeira foi um dos primeiros militantes comunistas [segundo reivindicação do PCP],  a ser deportado para a Guiné, logo em 1925, com 20/25 anos, ainda no tempo da I República; era dono, em novembro de 1938, de "a mais apetrechada de todas as Serrações existente nesta Colónia". segundo o anúncio que se reproduz à direita.

E o anúncio acrescenta:

 "Em 'stock' sempre as mais raras madeiras. Preços especiais a revendedores. Agentes em Bolama, Bissau e nos principais centros comerciais da Guiné"... 

(Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital > Jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, p. 7, com a devida vénia. (***)

Na altura a sede ou o estabelecimento principal era no Xitole... Foi expandindo a sua rede de serrações pelo território: Fá Mandinga, Bafatá, Banjara... Era exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960... Naturalmente, sempre vigiado pela PIDE... 

Alguém se lembra destas duas empresas e dos seus donos ? Ainda conheci, em Contuboel, um madeireiro!....A serração do Albano ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969), quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CCAÇ 11 e 12. A malta da CART 2479 / CART 11 deve-se lembrar bem do Albano.

A guerra deu cabo destes negócios, nomeadamente o da exploração e da exportação de madeira.

Sabemos que o aproveitamento da "fileira florestal" vai se intensificar durante a II Guerra Mundial, na sequência do aumento das cotações da madeira. As florestas do Cacheu, ricas em bissilião, vão ser duramente castigadas. A exportação de madeira, da província, passa dumas míseras 131 toneladas (32 contos), em 1931-35, para 24 vezes mais, em 1946-50: 3133 toneladas (2514 contos).

A maior parte da madeira era exportada em toros. As serrações eram poucas e arcaicas. Com o início da guerra, em 1963, as exportações rapidamente entraram em declínio: 
  • 13551 t (6734 contos), em 1960; 
  • 18322 t (6630 contos), em 1961;
  • 17117 t (8241 contos), em 1962;
  • 17253 t (7919 contos), em 1963;
  • 3618 t (1164 contos), em 1964;
  • 3406 t (1848 contos), em 1965. 
A quebra mais acenuada, nessa década, é a partir de 1963, onde o volume das exportações ainda ultrapassou as 17250 toneladas (e os 7900 contos).

A madeira em bruto representava 78% do total em 1963 (e apenas 47% em 1965). O "bissilão", seguido do "mandobe", era a madeira mais exportada. A então metrópole absorvia então cerca de 90% das exportações, cabendo a Cabo Verde uma pequena quantidade. 

As práticas das populações locais e dos madeireiros eram já apontadas na época, em meados de 1960, como lesivas desta potencial riqueza económica da Guiné. Outro problema grave era a falta de comunicações e de transportes. 

A peso da peso da madeira e seus derivados era residual no conjunto dos produtos de exportação da colónia: basta comparar as oleaginosas, o amendoim ou mancarra  (40 mil toneladas e 126 mil contos, em 1961) e o coconote (c. de 16,7 toneladas e 47,7 mil contos, em 1961). Em 1965, a mancarra e o coconote representavam, em 1965, 61% e 28% do total das exportações, respetivamente. 

 (Fonte: Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1966, pp. 32/34).

Da revista Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2, extraímos os seguintes recortes,que mostram que a madeira e seus derivados ainda não figuravam nas lista dos cinco produtos mais exportados, com referência ao período de 1941-1950 (Produção e exportação em toneladas e em contos, valores médios):





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Notas do editor:

(*) Vd. postes de

22 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14173: Historiografia da presença portuguesa em África (52): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IV (Mário Vasconcelos): Há, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá: Jamil Heneni, Toufic Mohamed, Rachid Said, Fouad Faur, Salim Hassan ElAwar e irmão 9 de agosto de  2021 > Guiné 61/74 - P22443: Memória dos lugares (424): a bela e interminável praia de Varela, a 5 horas de Bissau... (Patrício Ribeiro)

5 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14221: Historiografia da presença portuguesa em África (58): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IX (Mário Vasconcelos): o madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta, Farim) e a carpintaria mecânica de Humberto Félix da Silva (Bissau)

 
(**) Último poste da série > 2 de agosto de  2021 > Guiné 61/74 - P22423: Casos: a verdade sobre... (26): Forças Armadas Portuguesas, 1961/74: Nº de desertores, refractários e faltosos

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22443: Memória dos lugares (424): a bela e interminável praia de Varela, a 5 horas de Bissau... (Patrício Ribeiro)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Praia de Varela > Maio de 2021 > Praia norte > A cana de pesca do Patrício Ribeiro


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Praia de Varela > Maio de 2021 > Praia sul > Quilómetros de praia, que continua a ser bela e aprazível, apesar das alterações climáticas.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Praia de Varela > Maio de 2021 >  Peixe coelho
 

Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Tabanca de Iale > Maio de 2021 > Casa tradicional felupe 


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Tabanca de Iale > Maio de 2021 >  Casa sem palha 
 

Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Tabanca de Iale > Maio de 2021 > Casa com palha nova


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Tabanca de Iale >  Maio de 2021 > Casa ao entardecer, às 6h30

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Patrício Ribeiro: português, natural de Águeda (1947), criado e casado em Angola, com família no Huambo, antiga Nova Lisboa, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. XX, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.

É o português que melhor conhece a Guiné e os guineenses, o último dos nossos africanistas: tem mais de uma centena de referências o nosso blogue; Tem também uma "ponta", junto ao rio Vouga, Agueda, onde se refugiou agora, fugindo da pandemia de Covid-19: "irreformável",  já levou   a 2ª dose da vacina contra a Covid-19,  para poder voltar àquela terra verde-rubra que tem sido a sua paixão de uma vida.


1. Mensagem de Patricio Ribeiro:

Data - 8 de agosto de 2021, 20:53  


Assunto - Fotos de Varela

Luís, conforme solicitas, envio diversas fotos que tirei recentemente pela Guiné, (vou enviar por diversas vezes).

Depois do Almirante me ter mandado chamar a Lisboa para apanhar o “2º vírus”, lá fui tirar as fotos ... Dormi em: Bissau, Varela, Bolama e Bafatá, algumas noites.

Tive que passar 15 noites seguidas na mesma cama (com o bicho). Portanto, não consegui tirar mais que umas dezenas de fotos, nos meus passeios por estes lados.

Junto fotos tiradas em Varela, no final de maio, 2021. Na bela e interminável praia, durante as minhas pescarias para o tacho, ou para a grelha. Lá não há supermercado, ou sabes pescar, ou abres latas de atum, embora já haja 3 hotéis, a funcionar!

Praia de água quente, 32º antes das chuvas, com muito distanciamento, sem ninguém por perto e como podem ver, toda a praia livre, nesta época do ano.

A água vai avançando uns bons cm por ano, para dentro de terra; há uma grande erosão e leva as árvores que estão perto da praia e areia do solo. Acontece na época das chuvas.

Fala-se num projeto para combater esta situação … fala-se …

Estrada até Varela desde Bissau, 5 horas!!!

Outras fotos, tiradas às casas dos Felupes na Tabanca de Iale – Varela, casas muito bonitas. Todas com quintal e horta. Eles preservam muito as árvores, ao contrário de outras etnias. Eles são os donos do Chão de Varela, (são outras histórias complicadas).

Aproveitei a estadia para encomendar palha, tecer a palha, cobrir novamente a palhota. Esta nova palha, deve aguentar mais uns 5 anos. Ver fotos, p.f.

Com as alterações climáticas, nos últimos anos tem havido nesta zona, tornados na época das chuvas, que têm danificado tudo o que encontram pela frente, inclusive árvores antigas.

Recomenda-se a quem quiser apanhar sol, água do mar quente, distanciamento “natural” e sem máscara, passar uns dias a beber cerveja ou vinho de palma, uma viagem até Varela …

Não deve é conviver muito, para ter um teste negativo e poder voltar quando pensa, o que não está a acontecer, a muito boa gente amiga …

Luís, agora já ando noutros trabalhos [na ponta do Vouga, em Águeda]:  aplicar calda bordalesa nas videiras e nos tomates; a regar a horta etc, etc …

Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guiné-Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com

2. Comentário do editor LG:

Sobre Varela temos mais de meia centena de referências no blogue. Ver também a carta de Varela (1953), escala 1/50 mil.
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Nota do editor:

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20172: Fotos à procura de... uma legenda (119): Seleção das minhas fotos do Festival Todos 2019... Parte II: enquanto vou ali e já venho (Luís Graça)


Foto º 121

Foto nº 123

Foto nº 128
 

Foto nº 130 


Foto nº 206


Foto nº 202 


Foto nº 203 


Foto nº 75


Foto nº 204


 Foto nº 217


Foto nº  251



Foto nº 260


Foto nº 201


Foto nº 274


Foto nº 91 


Foto nº 204
 


Foto nº 262


Foto nº 254
   


Foto nº 108 


Foto nº 98
 


Foto nº 70

 Festival Todos 2019, Lisboa, São Vicente: Largo da Graça e imediações


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  O Festival Todos já tem um público fiel. O seu mérito é o de ajudar a contribuir para que Lisboa seja cada vez mais uma cidade inclusiva... Tal como o  nosso blogue, "onde cabem todos, com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa"...

Da Mouraria à Graça, do Poço dos Negros à Colina de Santana, já foram 11 edições, muitas e boas andanças... E até já os turistas se associam à festa... Alguém vandalizou a planta do jardim da cerca da Graça, escrevendo em inglês: "Tourists please... leave us" [, Senhores/as turistas, por favor deixem-nos em paz!]... 

Lisboa é já um cidade que sofre da síndroma do "sobreturismo", como Veneza, por exemplo ? Ainda não me apercebi da hostilidade para com os turistas... Este é apenas um "grafito"  antiturista... Não andei à procura, mas não encontrei mais...

Tudo começou no Martins Moniz / Intendente, em  2009... E ainda bem, por se tratar de uma zona "mal afamada", "estigmatizada", onde poucos forasteiros se aventuravam à noite... Hoje dizem-me que tem 6 mil habitantes, a Mouraria, e mais de 50 nacionalidades e etnias  representadas entre a sua população... mas a Câmara Municipal de Lisboa anda à nora, não sabe o que fazer ao tão maltratado largo Martins Moniz... Já vem sendo maltratado, pelo menos do tempo do Estado Novo...

Desgraçadamente este ano estava todo "entaipado". As gentes daqui, a "moirama",  reivindicam este espaço até como contraponto à baixa pombalina que foi tomada de assalto pelo "turistame"...Na  miradouro da Senhora do Monte, um casal de turistas brasileiros pergunta-me o caminho para chegar à Mouraria... Levei-nos pelo Carocol da Graça até ao jardim da Cerca... Perguntaram-me, com santa ingenuidade, se ainda viviam lá mouros ou se os matamos todos...

Enquanto vou ali e já venho, à Clínica da Reboleira onde o Francisco Silva e o João Correia me esperam para uma artroscopia ao joelho esquerdo (, espero voltar, já na 4ª ou 5ª feira, ao convívio da Tabanca Grande), deixo-vos com a continuação das minhas fotos do Festival Todos 2019, uma seleção das 570 que fiz este fim de semana...  Façam, se fazem favor,  pelo menos um comentário a alguma(s)  delas.   

Alfabravo, Luís.

PS - Este ano o tradicional  talher de plástico foi destronado pela nossa olaria portuguesa.. Os pratos e os copos eram de barro. E os talheres de madeira...Palmas para a organização e para a animação do  largo da Graça, a cargo do grupo de teatro O Bando. 
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Nota do editor:

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20108: Vemos, ouvimos e lemos..., e não podemos ignorar (1): Carta aberta ao presidente da república do Senegal: os dramáticos efeitos das barragens senegalesas de Niandouba e de Anambé, construídas na bacia do rio Kayanga / Xaianga / Geba, que vêm privando a Guiné-Bissau de valiosos recursos hídricos desde 1984 (Umaro Djau)



Fotograma do vídeo Rio Kayanga / Geba (apresentação em crioulo, por Umaro Djau) (13' 48'')






Capa da página Rio Geba, criada por Umaro Djau com o objetivo de divulgar, assinar e partilhar a carta aberta ao presidente do Senegal





I. Do cidadão guineense Umaro Djau, nascido em Pirada, jornalista,  ativista social, recebemos a seguinte mensagem; 

Assunto: Carta Aberta ao Presidente da República do Senegal, Macky Sall

Sirvo-nos da presente nota para vos informar sobre uma Carta Aberta que dirigi à Sua Excelência, o Presidente da República do Senegal, Sr. Macky Sall.

A referida carta aberta debruça-se sobre os efeitos das barragens senegalesas de Niandouba e de Anambé que vêm privando a Guiné-Bissau de valiosos recursos hídricos desde 1984.

A carta aberta foi traduzida para duas outras línguas internacionais, nomeadamente o inglês e o Francês (em anexo).

Sem mais assuntos no momento, subscrevo-me com a mais elevada estima e consideração.

Umaro Djau, MA.
Strategic Communications Specialist | Journalist & Producer | Political Analyst & Commentator
Skype: umaro.djau

Mobile: +1-404-723-7225 (USA) | +245-96-520-5911 (Guinea-Bissau)
LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/umarodjau/



II. Carta Aberta ao Presidente da República do Senegal, Macky Sall, por Umaro Djau

Agosto de 2019

A Sua Excelência
O Presidente da República do Senegal
Macky Sall

Senhor Presidente,

Chamo-me Umaro Djau e sou natural da Guiné-Bissau. Começo parabenizando-lhe, do fundo do meu coração, pela sua releição para um segundo mandato, no escrutínio de Fevereiro passado.

Estou a escrever-lhe para partilhar as minhas preocupações sobre os efeitos das barragens de Niandouba (de regulação) e de Anambé (de confluência), construídas na bacia hidrográfica do
Kayanga/Geba, da qual, a maior parte (65%) está localizada na Guiné-Bissau. De facto, o Geba, a parte jusante dessa mesma bacia, é o maior rio da Guiné-Bissau.

As barragens citadas, particularmente a de Anambé, localizada entre as áreas de Kolda e Velingara – apenas 20 quilômetros da fronteira com a Guiné-Bissau - vêm privando o meu país de valiosos recursos hídricos desde 1984, aquando da sua construção na confluência entre os rios Anambé e Kayanga. Reconhece-se, no entanto, a diminuição da pluviosidade na região, nos últimos anos, como sendo um dos factores adicionais na redução dos caudais do leito principal da bacia e dos seus afluentes.

Nenhum outro lugar mostra as consequências dessas ações (no lado guineense) mais do que os rios Bidigor, Campossa e Gambiel, todos tributários/afluentes do rio Geba/Kayanga. Assim que a estação seca começa (em Novembro), esses rios secam muito rapidamente, devido a uma diminuição drástica do caudal de água da parte montante do rio, no território senegalês. Esse fraco e debilitante fluxo de água está a afetar de forma grave e diretamente mais de meio milhão de pessoas nas regiões rurais de Gabú, Bafatá e Oio, de acordo com dados divulgados em 2009.

Hoje, um número superior de pessoas estará a ser afetado. Com base em dados disponíveis (e situações visíveis), permita-me, Senhor Presidente, citar algumas das consequências das barragens construídas no seu território:

• Alterações hidrológicas profundas na parte jusante do rio Kayanga/Geba, com a diminuição dos níveis de água na Guiné-Bissau;

• Morte lenta dos afluentes do Kayanga/Geba: Bidigor, Campossa e Gambiel;

• Escassez dramática de água que é a fonte da vida e responsável pela sobrevivência da humanidade e dos ecossistemas;

• Um impacto negativo nas atividades das populações, incluindo a interrupção da agricultura, pecuária (animais de pasto, especialmente gado) e caça;

• Degradação ambiental em geral devido a uma redução drástica da flora (perda de biodiversidade na vegetação) e fauna aquática e terrestre;

• Empobrecimento do solo, a deterioração das margens dos rios e o aumento da salinização, especialmente nas áreas costeiras da Guiné-Bissau;

• Aumento da profundidade de captação nos poços artesianos de águas subterrâneas devido ao abaixamento do nível estático dos lençóis freáticos;

• Efeitos sociais irreparáveis com a deslocação indiscriminada dos guineenses em busca de outros locais e regiões com cursos de água mais acessíveis, ou seja, a incrementação da transumância.

Sr. Presidente, é compreensível o facto do Senegal não querer desperdiçar os valiosos recursos
hídricos que atravessam o seu território (a montante) e que eventualmente não estariam a ser utilizados pela Guiné-Bissau (a jusante). Também estou informalmente ciente de que, através da
SODAGRI (Sociedade para o Desenvolvimento Agrícola e Industrial no Senegal), o seu país teria eventualmente entrado em contato com as autoridades da Guiné-Bissau nos anos 1970/80 para mantê-las a par do que pretendia fazer, ou seja, os estudos iniciais e as diferentes fases de implementação dos projectos das referidas barragens.

Sem o pleno conhecimento dos factos que cercam esse período e as respectivas concertações, a
fraqueza institucional da Guiné-Bissau é, todavia, bem documentada e conhecida entre os seus
parceiros regionais, nomeadamente as frequentes crises domésticas, a falta de recursos financeiros, a limitação no tocante ao conhecimento especializado, assim como a falta da capacidade técnica, sobretudo na primeira década após a sua independência. Todos esses obstáculos contribuíram certamente (e muito) para um comportamento pouco ou não responsivo por parte do Estado guineense.

Independentemente do que possa ter acontecido naquela época, compreendo a necessidade do Senegal de sustentar as necessidades agrícolas da sua população do sul, através da agricultura
irrigada , nomeadamente o cultivo do arroz, a prática da horticultura e a conservação da água. Assim, as barragens foram construídas e têm beneficiado grandemente o seu país, o Senegal, através de projetos nacionais ambiciosos destinados a reforçar os meios de subsistência do seu povo (a produção de energia elétrica, a captação e a acumulação de água para a agricultura, a pesca, a piscicultura, a horticultura, a pecuária, etc.).

Devo confessar que, da última vez que passei pelas áreas de Tabendo e Kounkane, fiquei encantado com a sua paisagem. A ponte de Kounkane e os seus arredores estão repletos de água proveniente do reservatório de Waima que já mudou todo o ecossistema local, criando oportunidades económicas substanciais nessas áreas. Waima e outros dois reservatórios (Niandouba e Confluência Anambé) são tidos como depósitos essenciais de todas as águas da bacia, estimadas em mais de 130 milhões de metros cúbicos.

Sr. Presidente, a bacia hidrográfica Kayanga/Geba é um curso de água transfronteiriço que nasce nas montanhas de Fouta Djalon, perto da aldeia de Labé, na República da Guiné-Conacri. Este curso natural de água atravessa o território do Senegal, antes de se desembocar na vila de Xime (perto de Bambadinca, na Guiné-Bissau), onde Kayanga/Geba se cruza com o rio Koliba/Corubal.

Durante séculos, os nossos ancestrais comuns - das terras altas de Fouta Djalon (Guiné-Conacri) ao sul do Senegal e até à Guiné-Bissau - compartilharam e desfrutaram pacificamente desses recursos cruciais hídricos fornecidos por este rio de cerca de 550 quilômetros em extensão.

O mesmo senso comum, as mesmas relações e os mesmos princípios ancestrais não regulamentados levaram à coexistência pacífica entre os nossos povos, superando todos os obstáculos de comunicação, nas eras de impérios e doutras chefias que reinaram por muitos séculos, em toda a nossa Costa Ocidental da África.

Para preservar ainda mais o compromisso ancestral entre países - agora na era da regulamentação
e de interesses nacionais – a Organização para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG) nasceu em
1978 com os objetivos de promover e coordenar ações conjuntas, por forma a garantir o uso racional e durável dos recursos dessa importante Bacia Hidrgráfica, com realce para os domínios de conservação e de desenvolvimento, realçando especificamente os componentes de “estudos, planeamento e infraestrutura, agricultura e ambiente, bem como outras tarefas de desenvolvimento dos recursos dos rios Gâmbia, Kayanga-Geba e Koliba-Corubal nos territórios dos estados membros”,  nomeadamente a Gâmbia, o Senegal, a Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau, tendo este último se juntado ao grupo em 1983.

É importante salientar que o Rio Kayanga/Geba já ganhou um estatuto internacional e todas as suas obrigações legais estão em vigor e sob à gestão da OMVG, sublinhando, neste particular, a existência de uma Convenção para a gestão desta Bacia já aprovada no Conselho de Ministros da organização, faltando apenas a sua promulgação pelos Chefes de Estado.

Sr. Presidente, embora eu lhe esteja a lembrar detalhadamente sobre alguns princípios legais baseados em convenções, acordos, e declarações internacionais e regionais, deixe-me também afirmar que não sou um advogado e nem estou a tentar produzir um argumento legal contra o seu país nas suas decisões soberanas. Mas, permita-me informar-lhe que hoje, os nossos dois países podem confiar em várias diretrizes e estruturas institucionais nacionais, regionais e internacionais que podem servir de guia para a produção de melhores e mais adaptadas medidas e políticas no tocante às águas transfronteiriças, a saber:

1. Declaração de Madrid sobre o Regulamento Internacional relativa à Utilização dos Rios Internacionais para Fins Distintos da Navegação (1911) adverte contra alterações unilaterais dos fluxos de rios e lagos - contíguos ou sucessivos - sem o consentimento de um Estado co-ribeirinho. Essa Declaração recomenda a criação de comissões conjuntas de água.

2. A Declaração de Montevidéu (1933) argumenta que nenhum estado pode, sem o consentimento do outro Estado ribeirinho, introduzir em cursos de água de caráter internacional quaisquer alterações que possam ser prejudiciais aos outros Estados interessados, mesmo para os efeitos da exploração industrial ou agrícola (artigo 2).

3. As Regras de Helsínquia (1966) recomendam o equilíbrio entre as necessidades variantes (económicas e sociais) e as demandas das nações fronteiriças, aplicando o princípio de “uma parcela razoável e equitativa” nos usos benéficos das águas de uma bacia de drenagem internacional, excepto onde existem outros acordos (Capítulo 2, Artigo 4, 5), sem causar danos substanciais a um estado de co-bacia.

4. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito dos Usos Não Navegacionais dos Cursos de Água Internacionais - adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1997 e que entrou em vigor em 17 de Agosto de 2014 - defende os princípios fundamentais de “utilização equitativa e razoável” e a “obrigação de não causar danos significativos”. Esta Convenção foi ratificada pela Guiné-Bissau desde o ano de 2010.

Como podemos concluir, muitas dessas regras, declarações e convenções recomendam uma forma “razoável e equitativa” de usar as águas transfronteiriças e obrigam as partes a evitar a alteração dos fluxos naturais dos cursos de água, cujas ações podem levar a “danos significativos” num dos países.

Apesar de toda a minha explicação, factos e argumentos até aqui apresentados, o objetivo desta carta não é culpar o Senegal por ter optado pelas políticas que considera corretas para o seu povo, mas sim fazer com que a Sua Excelência esteja consciente sobre os efeitos dramáticos dessas medidas (as barragens de Niandouba e Anambé) sobre o povo da Guiné-Bissau.

Sr. Presidente, nasci em Pirada, uma pequena vila perto da fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal. Na verdade, quando era criança, o meu pai ocasionalmente me levava para as localidades vizinhas de Nianao e Wassadou, para o mercado semanal, conhecido por "Lumos". Durante a minha infância, confesso que não via muita diferença entre os dois lados da fronteira, devido à minha inocência da criança. De facto, as proximidades e as semelhanças geográficas, sociais, étnicas e culturais fazem com que as localidades fronteiriças do Senegal e da Guiné-Bissau sejam difíceis de diferenciar e dividir.

E ainda durante essa época - no final dos anos 1970 e início dos anos 80 - pequenos agricultores
e pastores de gado na região de Gabú costumavam contar com as dádivas do rio e dos riachos que desciam da fronteira norte pelo país adentro. Os campos de arroz, ou seja as “bolanhas”, permaneciam verdes o ano inteiro, cheios de vida e de esperança. A abundância em água satisfazia quase todas as necessidades, de homens e animais.

Infelizmente, os corredores da água e outras reservas hidrográficas já se evaporaram há muito tempo devido, em parte, às barragens construídas no Senegal. Estou, todavia, ciente doutras condições climáticas e humanas que têm tido impactos negativos em toda a região do Sahel, mas todas as áreas transfronteiriças da Guiné-Bissau estariam significativamente melhores em termos hidrográficos, se o seu país gentilmente mantivesse a circulação regular da água doce de montante para a parte jusante, através do Rio Kayanga/Geba.

Sr. Presidente,

Como a Sua Excelência deve saber, grande parte do mundo depende da água dos rios que percorre de uma nação para outra. Por exemplo, o vital recurso hídrico do Senegal, o rio com o mesmo nome, nasce das maravilhas de Semefe e Bafing (na Guiné-Conacri e no Mali, respectivamente) com as bênçãos dos rios Faleme (também da Guiné-Conacri) e do Gorgol (Mauritânia). Seria desconcertante para o seu país se as necessidades humanas nesses três países os obrigasse a mudar os cursos daqueles fluxos naturais de água, assim como os seus padrões geológicos. Do mesmo modo, o próprio Rio Gâmbia,  o fulcro do projecto OMVG, nasce nas montanhas de Fouta Djalon, percorrendo uns 1.200 quilómetros de distância.

No mundo de hoje, equilibrar as necessidades económicas e humanas é um dos grandes desafios
- seja na África ou noutros lugares. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO), existem mais de 3.600 tratados relacionados com os recursos hídricos
internacionais e que incluem os aspectos da navegação, da demarcação de fronteiras, do uso, do
desenvolvimento, da proteção e conservação de recursos naturais.

Outros dados indicam que também existem mais de 260 bacias hidrográficas (entre rios e lagos)
transfronteiriças no mundo e elas cobrem quase a metade da superfície terrestre. Em quase todas as circunstâncias, os países a montante têm o dever moral e ético de partilhar os recursos hídricos
com os seus vizinhos a jusante. De facto, há muitos exemplos interessantes, encorajadores e inspiradores dessas práticas em todo o mundo. Aqui passo a transcrever alguns deles:

• Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã têm compartilhado o Rio Mekong desde 1957, mesmo durante a Guerra do Vietnã;

• Israel e a Jordânia têm compartilhado o Rio Jordão desde 1955, mesmo sob constantes ameaças de conflito regional;

• Índia e o Paquistão têm compartilhado o Rio Indo, apesar das duas guerras entre os dois países;

• Mais de 160 milhões de pessoas de pelo menos 10 países africanos têm compartilhado o Rio Nilo, assim como outras cinco bacias - Congo, Níger, Nilo, Zambeze, etc.;

• Rio Danúbio ainda serve mais de 10 nações da Europa Central e Oriental;

• Rio Colorado é uma fonte vital de água para mais de 40 milhões de pessoas, tanto nos Estados Unidos como no México.

Sr. Presidente,

Reconheço ser difícil conseguir um consenso global sobre os problemas da água no mundo, mas gostaria de lhe pedir respeitosamente que considere as seguintes observações e recomendações de muitos especialistas da Guiné-Bissau e internacionais com os quais abordei as minhas preocupações:

• O Senegal deve estabelecer uma regra do jogo justa em relação ao nosso curso de água comum, o que levaria à partilha dos seus benefícios para um desenvolvimento sustentável em ambos os países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem capacitar a sua Comissão Conjunta de Gestão de Recursos Hídricos, através da Comissão Hidrológica, para se reunir periodicamente para avaliar o comportamento da bacia Kayanga/Geba, bem como para testemunhar as descargas e represas periódicas das águas para garantir o seu fluxo apropriado de um lado para o outro, o que não acontece desde o ano 1998. As tais descargas regulares e suficientes da parte superior da bacia podem permitir a recuperação de alguns afluentes, bem como recarregar as águas subterrâneas, fontes de abastecimento de água para a população local nos dois países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem envidar esforços para mitigar os impactos negativos mencionados anteriormente, através de atividades de reflorestamento, recuperação de terras e formação pública sobre questões ambientais;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem reconhecer que revisões periódicas são necessárias para sustentar o curso de água, protegendo assim os ecossistemas e atendendo às necessidades humanas e um equilíbrio justo entre os dois países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem rever todas as disposições existentes sobre o monitoramento, a avaliação, a execução, a pesquisa e o desenvolvimento, o intercâmbio e o acesso à informação para uma partilha mais equitativa e adequada do rio Kayanga/Geba e as suas bacias;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem conduzir mais consultas para encontrar um quadro aceitável no âmbito da OMVG ou bilateralmente para implementar mecanismos que levem à cooperação através da celebração de acordos específicos e/ou criação doutros órgãos conjuntos.

Sr. Presidente,

Já deve estar claro para a Sua Excelência de que acredito piamente em princípios como a “partilha justa” de recursos. Nesse sentido, estou particularmente atraído por uma iniciativa específica da ONU conhecida como "Águas Compartilhadas, Oportunidades Compartilhadas". Esta iniciativa defende a ideia de que “fomentar as oportunidades de cooperação na gestão transfronteiriça da água pode ajudar a construir o respeito mútuo, a compreensão e a confiança entre países e promover a paz, segurança e o crescimento económico sustentável”.

De facto, o respeito mútuo, a compreensão e a confiança podem e servir-nos-ão bem, pois o Senegal e a Guiné-Bissau têm certamente procurado assegurar e construir um futuro melhor para os seus cidadãos que estão ansiosos em permanecer bons e indivisíveis vizinhos hoje e nos séculos vindouros.

Assim, compartilhar amigavelmente os recursos que nos foram dados pelo poder divino seria o
primeiro passo em direção a esse objetivo. Na verdade, a promoção do uso equitativo desses recursos hídricos comuns ajudaria a sustentar o nosso clima regional, combater a pobreza e estimular o desenvolvimento económico em ambos os países.

Sr. Presidente, estou esperançoso de que possa haver um futuro para o Rio Geba se o seu país, o
Senegal, puder gentilmente e regularmente ter em mente que doutro lado da sua fronteira, há um
vizinho que está igualmente carenciado e sedento pelo curso de água do Kayanga. Seria desnecessário lhe reiterar que este recurso hídrico transfronteiriço é também a nossa herança
comum que devemos todos valorizar, compartilhar, cuidar e preservar.

Sr. Presidente,

Reconhecendo que as barragens aqui mencionadas alteraram dramática e negativamente os modos de vida da população na Guiné-Bissau, é necessária uma forte vontade política para forjar uma compreensão mútua e cooperação entre o Senegal e a Guiné-Bissau, no quadro propício da OMVG, em prol de uma partilha consistente e fidedigna de benefícios num futuro próximo.

Sr. Presidente,

Embora eu não represente o Governo da Guiné-Bissau, gostaria de ter a oportunidade de me encontrar com a Sua Excelência para discutir esta questão vital. Mais importante ainda, encorajaria a Sua Excelência para se aproximar das autoridades da Guiné-Bissau para discutir as medidas urgentes que são necessárias para começar a abordar as questões e as preocupações expostas nesta carta aberta, podendo posteriormente com as autoridades que envolvem os dois estados, mandatar os peritos especializados em matéria de hidrologia, meio ambiente e desenvolvimento durável, a elaboração de uma proposta técnica concreta e viável, que poderia servir de roteiro para a atenuação da situação vigente.

Sr. Presidente,

Hoje, pela importância e valor dos recursos hídricos na luta contra a pobreza e como uma garantia de
tranquilidade e paz social no mundo, é aconselhável institucionalizar a hidrodiplomacia e a
hidrossegurança, como abordagens apropriadas para resolver a escassez de água e conflitos hídricos,
através da cooperação, gestão e desenvolvimento sustentável, como recomendado pelas muitas iniciativas globais e regionais, nomeadamente o Fórum Mundial da Água de Brasília, Brasil (Março de 2017).

E, por outro lado, se a Sua Excelência também achar necessário, por favor, não hesite em entrar
em contato comigo pelo telefone +1-404-723-7225 ou através do meu e-mail pessoal:
umarodjau@gmail.com.

Obrigado, Sr. Presidente, por ter reservado este valioso tempo para ler esta carta aberta que destaca uma questão de extrema importância para as populações da Guiné-Bissau, na medida em que tentam lidar com os dramáticos efeitos das barragens de Niandouba e Anambé no Rio Kayanga/Geba, ações que acabaram por influenciar negativamente os afluentes Bidigor, Campossa e Gambiel.

Que Allah/Deus lhe proteja e lhe dê forças e coragem para continuar a servir não só o Senegal, mas também toda a humanidade, a começar pela própria sub-região.

Sinceramente,
Umaro Djau

Um obrigado especial para as seguintes individualidades:
Eng. Inussa Baldé e Eng. Justino Vieira

Com o conhecimento das seguintes instituições e dignitários:
Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz
Presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá
Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau, Aristides Gomes
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, Suzi Barbosa
Ministro dos Recursos Naturais e Energia, Issufo Baldé
Bancada Parlamentar do PAIGC na ANP
Bancada Parlamentar do MADEM G-15 na ANP
Bancada Parlamentar do PRS na ANP
Bancada Parlamentar da APU-PDGB na ANP
Partido União para a Mudança, UM
Partido da Nova Democracia, PND
Embaixada da República do Senegal na Guiné-Bissau
Embaixada da Guiné-Bissau no Senegal
Secretário-geral das Nações Unidas
Assembleia Geral das Nações Unidas
Missão Permanente

III.  Nota do editor:

Declaração de interesses:

(i) parafraseando a nossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, há realidadades que "não podemos ignorar", sobretudo depois de  "vermos, ouvirmos e lermos"... 

(ii) esta carta aberta do guineense Umaro Djau, filho do Gabú, e de que certamente por lapso não foi dado conhecimento ao Governo Português, à CPLP e à União Europeia, merece o devido destaque no nosso blogue, até por todas as razões e mais uma, de natureza afetiva: muitos de nós conhecemos o leste da Guiné-Bissau, as regiões de Bafatá e de Gabú, antes e depois da independência, e  o passado, o presente e o futuro dos nossos amigos da Guiné-Bissau não nos são indiferentes: de resto, só há uma terra, uma casa comum da humanidade, e a hidrossegurança é um requisito fundamental para a paz e o desenvolvimento;

(iii) o rio Geba (ou Xaianga, segundo a preciosa cartografia militar portuguesa) também é meu, também é nosso; temos cerca de 90 referências no nosso blogue a este rio que tanto amámos e odiámos durante a guerra colonial (1961/74);

(iv) o documento parece-nos bem elaborado, do ponto de vista técnico, e escrito em bom português, tendo tido a colaboração de especialistas guineenses em recursos hídricos  e geologia, como o engº Inussa Baldé, quadro superior do Ministério de Recursos Naturais, engº Justino Vieira, antigo secretário-geral da Organização para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG), ou Orlando Cristiniano da Silva, geólogo guineense com residência no Brasil:

(v) não discutimos aqui questões como a oportunidade da sua divulgação que alguns  vão querer associar ao recente lançamento, na Guiné-Bissau,  de um novo partido, o Movimento Guineense para o Desenvolvimento (MGD), fundado e liderado por Umaro Djau;  julgamos que esta causa é transversal, e deve mobilizar todos os guineenses e todos os seus amigos e os seus vizinhos;

(vi) depois de ler este notável documento, eu não posso assobiar para o lado e dizer que, de acordo com as nossas regras editoriais, o nosso blogue não se pode imiscuir nos assuntos de Estado e na atualidade política e social;

(vii) Umaro Djau é um conhecido jornalista, que se formou, viveu e trabalhou  nos Estados Unidos;

(viii)  o editor do blogue não conhece o Umaro Djau, tendo no entanto recebido deste,  em 13 de fevereiro de 2007,  no seu endereço pessoal, a seguinte mensagem:  (,,,)" Chamo-me Umaro Djau e fiquei deveras surpreendido com o seu maravilhoso blog. Sou guineense e Jornalista. Resido nos EUA há mais de 11 anos. Trabalho para a cadeia da TV mundial, CNN. Gostaria de poder corresponder consigo".

(ix) o nosso coeditor Carlos Vinhal convidou-o, em 2008,  para integrar a Tabanca Grande, convite que não teve resposta até hoje (*).

(x) apoio a petição mas não consigo assinar, devido a erro informático... LG
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Nota do editor