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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16758: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (1): Amílcar Cabral e os desertores portugueses: os casos dos 1ºs cabos Armando Correia Ribeiro e José Augusto Teixeira Mourão


Guiné  > Região Óio > PAIGC > Base de Sará > c. 1966 > É muito provável que os indivíduos, brancos, sentados, e assinalados por elipse a vermelho, sejam os desertores portugueses José Augusto Teixeira Mourão e Armando Correia Ribeiro. Tinham "livre trânsito"  nas bases do PAIGC mas provocaram alguns dissabores a Amílcar Cabral, antes do posterior envio para Argel... Desconhece-se o fim desta história...
Foto do Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, com a devida vénia. (JA)

Citação:

(1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC, base no interior da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43576 (2016-11-20).





Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona. Damos início a uma nova série, da sua autoria, "(D)o outro lado do combate".


1. Introdução 

Na elaboração da anterior narrativa [P16721] (*), a terceira relacionada com a entrevista ao médico-cirurgião Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), foram incluídas referências a casos de deserção de militares das NT, nomeadamente o dr. Mário Moutinho de Pádua, considerado o primeiro oficial desertor da história da Guerra do Ultramar, ocorrida em Outubro de 1961, em Angola [Alf Mi Médico do BCAÇ 88].

Decorridos seis anos após essa sua tomada de decisão, o dr. Mário Pádua acabaria por integrar uma equipa de clínicos cubanos em missão de apoio ao PAIGC, primeiro no Hospital Militar, em Boké, na Guiné-Conacri, durante os meses de julho e agosto de 1967, fixando-se depois no Hospital de Ziguinchor, no Senegal.

Referiram-se, ainda, os casos de David Ferreira de Jesus Costa [David Costa], soldado da CART 1660 (1967/1968), aquartelada em Mansoa, que em 17 de maio de 1967 foi aprisionado na mata circunvolvente ao quartel por grupo de guerrilheiros, e o de Manuel Fragata Francisco [Manuel Fragata], soldado da CART 1690 (1967/1969), sediada em Geba, que ao ficar ferido em combate na “Op Invisível”, realizada em 19 de dezembro de 1967, na mata do Oio, não lhe permitiu retirar-se do local por ausência de mobilidade própria, sendo igualmente aprisionado. Em ambos os casos os militares portugueses foram levados para a base [Lar/Hospital] de Ziguinchor.

Por lapso, associei o nome de David Costa ao de Daniel Alves [militar identificado com "dupla deserção"] e que fora noticiada por Amílcar Cabral [1924-1973] em nota, por si manuscrita, enviada aos seus camaradas no início de janeiro de 1969 [P16722] (**).

Da pesquisa realizada para encontrar alguma referência acerca do caso do Daniel Alves, fugido de Dacar no final do ano de 1968, tendo por fonte privilegiada a «Casa Comum – Fundação Mário Soares», ela não produziu qualquer resultado. Porém, tive acesso a outros documentos relacionados com o tema “deserções”, pelo que decidi partilhá-los convosco, elaborando, por ordem cronológica de acontecimentos, mais esta pequena narrativa.


2. OS casos de Armando Correia Ribeiro, da CCAV 789, e de José Augusto Teixeira Mourão [, unidade desconhecida] 

A referência a estes dois militares metropolitanos que decidiram desertar de unidades do exército português em missão no CTIG foi encontrada em documento, sem data, manuscrito por Amílcar Cabral, em francês,  e que abaixo reproduzimos. Os nomes referidos são:

(i) Armando Correia Ribeiro, 1º cabo  ["caporal"], n.º mecanográfico 1919/64, da CCAV 789, com 24 anos de idade, natural de Coimbra, e chegado a Bissau a 28 de abril de 1965. [Repare-se na subtileza do apontamento de Amílcar Cabral: "séjour dans notre pays depuis le 28 avril 1965", ou seja, "permanência do nosso país desde o dia 28 de abril de 1965"];

(ii) José Augusto Teixeira Mourão, 1º cabo, n.º mecanográfico 3426/64, unidade militar desconhecida, com 23 anos de idade, natural do Porto, e chegado a Bissau a 6 de abril de 1965.



Citação:
(s.d.), "Informações relativas a dois militares do exército português", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41210 (2016-11-20)


Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07058.016.013
Título: Informações relativas a dois militares do exército português
Assunto: Informações relativas a dois militares do exército português: Armando Correia Ribeiro e José Augusto Teixeira Mourão.
Data: s.d.
Observações: Doc incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral 1961-1963
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos




Galhardete da CCAV 789

Uma vez que não existe no espólio do nosso blogue qualquer elemento historiográfico da CCAV 789, tendente a ajudar-nos a entender as razões ou as motivações que estiveram na origem da deserção do Armando Correia Ribeiro, avançámos para a elaboração do quadro de baixas em combate verificadas nesta unidade durante a sua comissão, com relevância para as respectivas datas
De referir que a CCAV 789, a terceira unidade operacional do BCAV 790, instalado em Bula, chegou a Bissau a 23 de abril de 1965 e o regresso à Metrópole verificou-se a 8 de fevereiro de 1967. As duas viagens foram realizadas a bordo do N/M Uíge. A CCAV 789 esteve aquartelada em Teixeira Pinto e Binar.

Quadro estatístico do autor - Fonte: http://ultramar.terraweb.biz/Convivios_Imagens/BCAV790/BCAv790_osmortos.pdf, (com a devida vénia).

Quanto ao caso do José Augusto Teixeira Mourão, desconhecem-se, igualmente, os antecedentes que o levaram a desertar do exército português, a que se adicionam todos os elementos relacionados com o seu currículo militar [a não ser que o nosso camarada e colaborador permanente do blogue, José Martins,  nos possa ajudar neste âmbito].

No entanto, a primeira referência de que há registo sobre José Augusto data de junho de 1966 e foi relatada pelo médico cubano Domingo Diaz Delgado no primeiro fragmento da sua entrevista [P16234] (***).
Recuperamos essa passagem: 

[…] Lilica Boal [...] levou-me a sua casa [em Dacar], aonde permaneci três ou quatro dias até que me dão a conhecer [junho de 1966] um desertor do exército português, de nome José Augusto [José Augusto Teixeira Mourão], e apresentam-me como admirador do Movimento e que queria participar na guerrilha contra o seu governo. A este ex-militar deram-lhe numerosos detalhes e dizem-lhe que sou cubano. 

Desde aquele momento não fiquei tranquilo e pedi que me mudassem de casa, pois não confiava naquele homem [, o José Augusto]. Mudam-me para outra moradia, onde fiquei mais um dia. […]

 O principal trabalho em Sará [base], durante esses meses [julho a dezembro de 1966], foi a extração de dentes. Tenho um caderno onde registei a quantidade de pessoas que tratei, incluindo o português desertor [José Augusto] que me apresentaram em Dacar, que depois se confirmou tratar-se de um agente da Inteligência portuguesa [PIDE]. Esse homem permaneceu preso no Norte da Guiné, convivendo connosco nesse acampamento. [...]

Creio que podemos validar, com elevada margem de segurança,
a hipótese de a imagem [, que encima este poste], ser referente à base de Sará, na região do Óio, e ao ano de 1966...

Observando-a com mais detalhe [, imagem à direita,] nela se vê um homem jovem , branco, [provavelmente um militar português] vestido “à civil”, com barba de duas semanas, calçando ténis... Ao seu lado é possível identificar a perna esquerda de um outro corpo, cuja situação deveria ser igual à sua.  Daí podermos considerá-los como sendo o José Augusto e o Armando Ribeiro, fazendo fé nas referências produzidas nos vários documentos a seguir identificados. 

Pelo nº mecanográfico, eram dois militares da incorporação de 1964, um com 24 anos o Armando) e outro com 23 (o José Augusto), na altura em que se entregaram ou foram capturados pelo PAIGC em 1967.  É bem possível que tenha havido, também aqui, razões do foro disciplinar para explicar a deserção. O José Augusto já estava, em Dakar,  com o PAIGC em agosto de  1966.


3. Reunião com os desertores portugueses em 31 de agosto de 1967: 

Por decisão de Amílcar Cabral foi realizada, na data em título, uma reunião com os dois desertores portugueses, onde foram abordados os seguintes pontos [resumo]:

– Desculpa-se de só agora os ter podido ouvir [, aos desertorres].

– Fala do significado da deserção. Refere os cuidados que nós [PAIGC] devemos ter também com os desertores. Referiu o caso de um desertor que levado até Dacar fugiu e hoje se encontra em Bissau [será o caso do David Costa ?]. 

Apesar da nossa boa vontade, dos nossos princípios de humanidade, do nosso bom coração, temos de estar vigilantes. Refere os casos de tentativa de fuga, de um deles lá dentro [?] e de outro, de fuga em Dacar, onde se juntou. Diz ainda que os Relatórios mostram contradições nas suas afirmações.

- Mourão (José Augusto) – Chegou a Dacar. Esteve três dias preso. Liberto, foi para o Lar [Ziguinchor?!]. Dois dias depois foi beber uma cerveja com um camarada nosso (Joaquim), numa taberna de um tal Lima (que é Pide). Este pediu-lhe para o ajudar no seu trabalho. Mais tarde conheceu um tal Germano Monteiro (Pide) que o levou à freira. Conversaram na embaixada e fizeram-lhe perguntas. As suas respostas eram comunicadas ao telefone ao embaixador da Suíça. Depois comunicam com a Lilica [Boal] que, segundo afirma, lhe disse que se quisesse ir para Lisboa esta lhe obteria os papéis [documentos oficiais].

- Amílcar – Esclarece que Lisboa começa mesmo em Dacar com qualquer Pide. Esta pode matar em sua casa o desertor, pode fazer desaparecer o corpo e enviá-lo para Lisboa. Pode também liquidá-lo mesmo na Embaixada ou obrigá-lo à força a sair para Lisboa.


- Lilica Boal  [, Maria da Luz Freira de Andrade, n. 1934, Tarrafal, Santiago, Cabo Verde]– esclarece que é falso o que diz e o que se passou foi o seguinte: afirmou-lhe que se quisesse ir para Lisboa o liquidariam.



Nota: O texto acima corresponde à transcrição da página 1, abaixo reproduzida.



- Fala Armando [Ribeiro] (desertor) – Conta que foi com dois camaradas nossos longe do Sará [base] para ir beber e que se embebedou. Voltou à base e começou a falar sozinho. Depois, porque estava a dizer coisas sem nexo, um camarada criticou-o pelo que disse. O José Augusto começou a provocá-lo e depois jogaram à pancada. 

Em consequência disso, aborrecido, saiu da base à noite e depois encontrou um grupo de guerrilheiros que o conduziu à base. Ia às vezes caçar, mesmo sozinho. Outra vez afastou-se para uma Tabanca, tendo depois sido acusado de tentativa de fuga.

- Pergunta de Fidelis (a José Augusto) – Porque mostrou a figura de Amílcar e de outros responsáveis do Partido a um desconhecido que estava numa taberna, cerca da C.R.P. [Casa de Reclusão do Partido?].

- José Augusto – Explicou a coisa.

- Amílcar – Diz que se tratará o problema da melhor maneira possível. Damos-vos comida, tratamo-los bem, damos-lhes dinheiro. Devem ter toda a confiança. Irão conversar com os camaradas Fidelis, Araújo, Vasco e talvez Armando [Ramos]. Diz que podem comunicar com a família.

- PRESENTES – Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, Fidelis Almada, Armando Ramos, Joseph Turpin, Nino Vieira e Lilica Boal.


Nota: O texto acima corresponde à transcrição da página 2, abaixo reproduzida.


Citação:
(1967), "Reunião com os desertores portugueses", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41297 (2016-11-20)



Instituição:  Fundação Mário Soares
Pasta: 07072.125.007
Título: Reunião com desertores portugueses
Assunto: Apontamentos da reunião com os desertores portugueses. Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, Fidelis Cabral de Almada, Armando Ramos, Joseph Turpin, Nino Vieira e Lilica Boal.
Data: Quinta, 31 de Agosto de 1967
Observações: Doc incluído no dossier intitulado Relatórios VI 1962-1971.
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos


2.2. Pedido de autorização ao Ministro das Forças Armadas da República da Guiné, com data de  5 de setembro de 1967, para envio dos dois desertores do exército português para Argel:

Cinco dias após a realização  desta reunião com os dois desertores portugueses – Armando Ribeiro e José Augusto Mourão – ,  Amílcar Cabral, procurando resolver o problema conforme prometera, solicita, em carta enviada ao Ministro das Forças Armadas da República da Guiné-Conacri [General Lansana Diané (1920-1985)], autorização para o envio daqueles militares para Argel.

Eis a sua transcrição na íntegra [, tradução nossa, do francês para português].

Conacri, 5 de Setembro de 1967

Senhor Ministro das Forças Armadas e do Serviço Cívico 

Conacri

Senhor Ministro e caro companheiro de luta.

Depois de termos desencadeado a nossa luta armada de libertação nacional, vários militares portugueses e africanos desertaram das fileiras das tropas coloniais para se juntarem às nossas forças, abandonando, assim, a guerra colonial. A maioria dos desertores portugueses, dos quais obtivemos o melhor acolhimento, juntaram-se com a nossa ajuda aos movimentos antifascistas de Portugal, após terem passado pela República da Guiné. Outros passaram através do Senegal.

Dois militares portugueses, 1º cabo, n.º 1919/64, Armando Correia Ribeiro, e  1ºcabo n.º 3426/64, José A. [Augusto] Teixeira Mourão, que desertaram das tropas coloniais no Norte do país, foram transferidos para o Sul, encontrando-se presentemente em Conacri. Sujeitos às medidas de segurança necessárias, estes desertores forneceram-nos uma série de informações que considerámos interessantes.

Como os anteriores, gostaríamos de os enviar para a Argélia para inclusão num dos movimentos antifascistas portugueses mais representativo, com o qual temos boas relações [, Frente Patriótica de Libertação Nacional].

É por isso que tenho a honra de lhe solicitar nos conceda, por favor, as autorizações necessárias às suas viagens para Argel.

Aceite, Senhor Ministro e caro companheiro de luta, a expressão dos nossos sentimentos de elevada e fraternal consideração.

P’ Bureau Político do P.A.I.G.C.

Amílcar Cabral
Secretário-Geral

 
C:\Users\Jorge Araujo\Pictures\desertores - carta para argélia.GIF
Citação:
(1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35016 (2016-11-16)


Instituição:  Fundação Mário Soares
Pasta: 04606.045.134
Assunto: Solicita autorização junto das autoridades de Conakry para enviar dois desertores do exército português para Argel.
Remetente: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC.
Destinatário: Ministro das Forças Armadas e do Serviço Cívico, Conakry
Data: Terça, 5 de Setembro de 1967
Observações: Doc incluído no dossier intitulado Cartas e textos dactilografados enviados por Amílcar Cabral 1960-1967
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência

Para além do escrutínio aos documentos supra, nada mais relevante foi encontrado, pelo que continuará incógnito o que terá acontecido, a partir de 5 de setembro de 1967, na vida de cada um dos nossos dois camaradas, a não ser que, entretanto, surjam novos desenvolvimentos.

Vamos acreditar que tal possa acontecer.  Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
21nov2016.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de novembro de 2016~> Guiné 63/74 - P16721: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [III]: o encontro, em Boké,com o médico português Mário Pádua (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 15 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16722: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (22): Quem terá sido o Daniel Alves, "duplamente desertor" ? Primeiro, fugiu das nossas fileiras, possivelmente em 1967, e depois das fileiras do PAIGC... Amilcar Cabral, traído e preocupado, escreveu: "O Daniel Alves conseguiu enganar a malta (sic) e fugiu em Dacar. É um facto banal numa luta (deserção ou traição), mas pode complicar-nos muito a vida em relação aos amigos"....

(***) Vd. poste de 24 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16234: Notas de leitura (852): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte II: a vida dura nas base de
Sara, na região do Oio (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15712: Efemérides (209): Há 47 anos, 47 baixas mortais... Em 6/2/1969, em Cheche, no Rio Corubal, no desastre da jangada, na sequência da retirada de Madina do Boé


Guiné > Região do Boé (?) > "Cemitério à beira do Rio Cheche" (sic)... Estranha (e perturbante) foto do Arquivo Amílcar Cabral, sem legenda nem uma data precisas/(1963-1973)... Estas cruzes só podem ser de militares portugueses... Será de alguns dos nossos camaradas que perderam a vida em 6/2/1969, mais a montante, em Cheche (vd, mapa de Jabia) ?


1. Os corpos poderão ter sido resgatados mais a jusante, na foz do tal Rio Ché Ché Piri (vd. mapa de Padada) ? Terão sido resgatados pelos nossos fuzileiros ? 

De qualquer modo, esta foto deve ter sido tirada por alguém do PAIGC e enviada para Conacri. É a única referência (mesmo indireta) que encontrei, no Arquivo Amílcar Cabral, a esta brutal tragédia que nos enlutou.

A imagem  consta da pasta 05360.000.124 do Arquivo Amílcar Cabral.  Não resistimos à tentação de a publicar, com a devida vénia... precisamente hoje, 47 anos depois do desastre do Cheche, em que tivemos 47 baixas mortais (46 militares e 1 civil).

O Rio Ché Ché Piri, afluente, vai desaguar na margem direita do rio Corubal (vd. mapa de Padada). Mas há um topónimo Ché Ché ou Cheche, que fica na margem esquerda do Rio Corubal, mais a nordeste, do Rio Ché Ché Piri.  Era passagem obrigatória para quem vinha de Nova Lamego  até Madina do Boé, passando por Canjadude, sede da CCAÇ 5 (Os Gatos Pretos). O nosso camarada José Martins pode esclarecer-nos melhor sobre onde terá sido tirada a foto.

2. Comentário do José Martins:

Vou fazer um comentário "soft".

Esta foto, para mim, não é só surreal como ofensiva. A zona de Burmeleu, a jusante do Cheche, não tem as margens como a imagem sugere.
A tragédia ocorreu no rio Corubal e não no Rio Ché Ché Piri. Acho muito estranho que os militares do PAIGC, mesmo depois da independência, fossem retirar cruzes das campas dos militares portugueses, para as colocar ali.

Alguns corpos foram recolhidos por guineenses, mas não prestariam esta homenagem, até porque, ocuparam o espaço de cemitérios com novas moranças, como se viu em reportagens televisivas, na zona de Bafatá.
Perdoai-lhes, Deus, porque  Jesus e Alá são um e único Senhor.
______________

Nota do editor:

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15397: (Ex)citações (301): O álcool na génese de não poucas baixas mortais no CTIG: relato de um quase acidente que se passou comigo, e que podia ter resultado em tragédia (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

1. Mensagem de ontem do Abílio Magro, ex-fur mil amanuense,  CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74), com a seguinte nota:

 "Caros camaradas destas e de outras lides: Aqui vos envio mais uma pequena peripécia (uma rapidinha) vivida por um bravo do ar condicionado durante o seu "martírio" por terras de Kaku Baldé.
Abraços".

Acontece que esta história já fora publicada, na série "Um Amanuense em terras de Kako Baldé ", há um ano e meio atrás  (*)... O Abílio já não se devia lembrar...Mas merece ser de novo reproduzida aqui (**), tendo em conta  a questão da existência ou não de "batota", na classificação das nossas "baixas" (por acidente, doença e em combate), ainda recentemente objeto de debate no nosso blogue.

Esta história ilustra muito bem a arte lusitana do "desenrascanço" (por exemplo, na gestão de conflitos). Também pode servir para ilustrar um certo "nacional-porreirismo" e, seguramente, a camaradagem que existia entre nós, no TO da Guiné, independentemente do sítio onde se estava, não sendo relevante, para o caso, a distinção  entre quem estava no mato ou em Bissau... Camaradagem também significava bom senso  e recusa do militarismo do RDM...

Por fim, o caso aqui relatado pelo Abílio chama a atenção para o grave problema do álcool em tempo de guerra: já antes tinham sido publicadas outras histórias com casos  que originaram tragédias (***)... As baixas mortais que daí resultaram foram classificadas, eufemisticamente, como "acidentes"...  Mais uma vez o nosso "nacional-porreirismo"...

Também ficamos a saber que a PIDE/DGS, em Bissau,  tinha as "costas quentes", ou melhor, sabia que podia dormir decansada,  com segurança militar à porta, de noite e de dia... Sinais dos tempos. 

Acrescentámos os comentários que, na altura, foram feitios e enriqueceram o poste do Abílio Magro. LG
______________

Pelas tarefas que desempenhava na CSJD/QG/CTIG (Serviço de Justiça), fui-me apercebendo que muitas doenças, ferimentos e até mortes, eram resultantes do abuso na ingestão de bebidas alcoólicas, mas quem, durante a sua comissão, não apanhou a sua "tosgazita"?

Porém, quando estamos num TO e somos possuidores de uma arma de guerra, uns copitos com os camaradas e algum descontrolo, podem resultar em tragédia. 

Este pequeno episódio que se passou comigo é bem elucidativo disso mesmo, e se o multiplicarmos por dezenas, ou até centenas (durante toda a guerra colonial, talvez milhares) e o transpusermos para uma qualquer companhia no mato, não será difícil adivinhar a quantidade de incidentes com finais trágicos que ocorreram durante aquela guerra.

Numa das minhas muitas seguranças nocturnas que fiz às instalações da PIDE-DGS em Bissau, junto ao bairro do "Pilão", comandando um pequeno grupo de 6 ou 7 homens, deu-se um episódio que me deixou bastante incomodado e "acagaçado". 

O pessoal que integrava estes pelotões pertencia à CCS/QG e apresentava-se à noite para efectuar o "serviço" já bastante cansado das muitas picadas percorridas durante o dia entre gabinetes e, alguns, com muitas paragens para reabastecimento no Bar. 

Por norma estacionávamos numa pequena ruela, nas traseiras da DGS, que dava acesso ao Bairro do Cupilom e ali, junto a uma palhota, o pessoal "ferrava o galho" com uma "pinta do caraças"!
Eu nunca dormia e não era por medo ..., não senhor! Era pelo meu elevado sentido de responsabilidade e pela obrigação moral de zelar pelo merecido descanso daqueles bravos militares. 

Nessa noite, íamos talvez fazer o turno das 00h00 às 04h00 e tínhamos acabado de chegar ao "objectivo" quando entra na ruela um táxi conduzido por um negro e com um "pendura" negro 
também.
De repente, um "fabiano" do pelotão manda parar o táxi, puxa a culatra a trás, e apontando a arma ao "pendura", indaga: 
- "Quem és tu, para onde vais!?" 

Oh balha-me Deus, carago, que é isto!? Pergunto-me a mim próprio, completamente abananado. 

Passados uns segundos logo me apercebi que o "fabiano" estava com uma valente "tosga", daquelas chamadas de "caixão à cova". Ai meu Deus se o gajo dispara aquela merda!
Com pinças e tentando manter a calma do "fabiano" (eu tremia todo e devia estar azul - ai s'aquilo dispara!), a muito custo, mas muito de levezinho, lá consegui retirar-lhe a arma e desarmá-la, apetecendo-me logo de seguida dar-lhe uma valente coronhada na "tola", mas, lembrando-me de algumas "tosgas" próprias, lá pedi desculpas ao taxista e Companhia e mandei-os seguir viagem. 

Pelo "telemóvel" contactei o Alferes Mil de prevenção (um amigo dos tempos do QG de Lisboa) e, com receio de possíveis escutas, disse-lhe apenas que precisava da presença dele pois havia um pequeno problema. 

Apareceu passado pouco tempo de Unimog e com mais um pelotão, meio abananado também por não perceber o que se estava a passar. 

Chamei-o à parte e lá lhe contei o que acontecera. Substituiu-se o "fabiano" que seguiu de Unimog 
para o Quartel e tudo o resto decorreu normalmente. 

Acordamos depois que não faríamos qualquer participação e o "fabiano" livrou-se duma valente "porrada". 

Eu ..., apanhei mais um valente "cagaço".

Abílio Magro
______________

Notas do editor:


Comentários:

(i) JD disse...

Caro Abílio,

Bom regresso ao meio tabancal. A minha intervenção agora tem a ver com o epíteto "fabiano". Retenho que foste contemporânio do Fabião, pelo que associo o termo ao nome do futuro comandante da entrega da Guiné. Asim, peço-te para me esclareceres, se sim, ou não, a associação existe, e em que circunstâncias o pessoal recorria ao termo "fabiano".

Um abraço
JD



(ii) Abílio Magro disse...

Caro JD:
"Fabiano" nada tem a ver com o Brig Carlos Fabião e trata-se de um termo que ouvi algumas vezes ser usado por militares do QP quando se queriam referir a um qualquer militar do QC e outras pessoas usam-no em vez de "fulano", por brincadeira, como é o meu caso.

Durante a minha passagem pela Guiné nunca me apercebi de que fosse comum entre os militares.
Abraço

(iii) Abílio Magro disse...

O texto que enviei terminava assim: Eu ..., apanhei mais um valente "cagaço".
O camarigo Carlos Vinhal resolveu não incluir a última frase que, efectivamente, é perfeitamente desnecessária por se encontrar sobejamente implícita nos outros postes que enviei.
Sempre atento o nosso Editor-Mor!
Abraço


(iv) Abílio Magro disse...

fabiano
adjetivo
HISTÓRIA relativo a Fábio, general e estadista romano (275-203 a. C.)
nome masculino
1. HISTÓRIA antigo sacerdote romano
2. popular indivíduo indeterminado
3. popular indivíduo inofensivo
4. membro da associação socialista inglesa, Fabian Society, criada em Londres em 1863
(Do latim Fabiānu-, «Fabiano»)

fabiano In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014.
(v) JD disse...

caro Abílio,
Muito obrigado pela diligência explicativa. Com isto acabo de enriquecer o meu léxico.
Manda mais, que voltarei a pedir-te ajuda, se me esquecer da Infopédia.
Um abraço
JD



(vi) Carlos Esteves Vinhal disse...

Calma e pára o baile!!!
O editor não corta nada, pelo menos sem antes "conversar" com o autor dos textos.
Não consigo justificar a falta da última frase que já foi posta no seu sítio.
Ao camarada Abílio Magro as minhas desculpas.
Carlos Vinhal
Co-editor


(vi) Abílio Magro disse...

Ok, siga o baile!


(vii) Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Já fazia tempo que não tínhamos recordações de Abílio Magro (amanuense, porra!), lembram-se?

E desta vez contempla-nos com um pedaço da sua vida atribulada em Bissau.´

O 'pessoal do mato' costuma falar depreciativamente dos que estavam em Bissau. É natural, faz parte do modo de estar em zona de guerra, essa confrontação entre os que estão 'no mato' e os que estão no 'bem bom', no 'ar condicionado'...

Mas, a verdade, é que várias situações perigosas também aí sucediam. Quem não se lembra das questões, com vítimas, entre elementos das nossas "especiais"? Dos problemas com os fuzileiros? E os paraquedistas? E o Pilão (Cupilom)?
Portanto, este relato é apenas mais uma amostra de como nem tudo era 'pêra doce'.

Abraço
Hélder S.

(**) Vd. poste de 22 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15395: (Ex)citações (300): (i) Conheci de perto, em Alhandra, o Conjunto Académico João Paulo... Ouvi-os ensaiar vezes sem conta... Fiquei farto... Mesmo assim preferia-os a eles a ter que ouvir, até à exaustão, nos "rangers", em 1966, o "Sambinho Chato" e o "Et Maintenant" (Mário Gaspar); (ii) link com a canção "O Salto" (EPI, Mafra, 1966) (Inácio Silva)

(***) Vd. por exemplo poste de 23 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9256: À margem da história oficial ou oficiosa (2): A tragédia, em São João, que ensombrou o Natal de 1966 da CART 1613: o assassínio do Cap Fausto Ferraz, substituído depois pelo Cap Eurico Corvacho (que morreu anteontem)

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15383: Inquérito 'on line' (19): Batota em relação às causas das baixas das NT? Provavelmente não havia... Havia, isso sim, dualidade de critérios e os trâmites normais da burocracia da justiça militar (Abílio Magro / Manuel Amaro / Carlos Vinhal / Luís Graça / José Martins / Jorge Cabral)


Comentários ao poste P15378 (*):
1. Abílio Magro ex-fur mil amanuense,  CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74)

Os processos eram instruídos nas Companhias e, de acordo com o respectivo "instrutor", a caracterização era efectuada na CSJD/QG/CTIG. [CSJD = Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina],

Supõe-se que muitos dos "instrutores" nada sabiam das consequências futuras para os militares ou seus familiares, pelo modo pouco rigoroso como era instruído o processo. Por outro lado, outros "instrutores", bem mais preparados e conhecedores destes "meandros", lá conseguiam "dourar a pílula",  escondendo habilmente alguns factos e, assim, conseguir algum benefício para o militar atingido ou acometido de doença.

Na CSJD/QG/CTIG, face aos factos constantes do processo (reais ou não) era emitido o respectivo parecer.
´
Tenho a ideia, não a certeza, que o relato das testemunhas era manuscrito pelo instrutor (Alf. Mil, por norma) e as testemunhas não assinavam, ficando o instrutor responsável por elas. Neste contexto, o processo podia muito bem ser conduzido para o lado mais conveniente, houvesse vontade e engenho para isso. 

Para ficarem com uma ideia de como a "coisa" funcionava, quero referir o assédio de que fui alvo, em Setembro de 1974, por parte de alguns Capitães Milicianos, comandantes das Companhias que tinham regressado a Bissau e que aguardavam embarque para a Metrópole.

E o assédio tinha em vista a minha colaboração diária (nocturna e paga) a fim de os ajudar na conclusão dos vários processos pendentes na Unidade, sem o que esta não poderia embarcar, denotando os Capitães Milicianos, portanto, algum desconhecimento da matéria em causa.

Noutras circunstâncias tê-los-ia ajudado,  com muito gosto e "sem honorários", mas acontecia que eu também estava ansioso para "bazar dali" e, naquela altura, chegava ao fim do dia cansado de tanto queimar papelada e, com o calor das chamas e a fumaça, tinha sempre a garganta seca.


2. Luís Graça [editor, ex fur mil, arm pes inf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]


Não deixa de ser significativo que mais de um terço (22 em 59, ou seja, 37%) dos respondentes ao inquérito 'on line' desta semana, tenham optado pela resposta "Não sei / não tenho opinião"...

A questão é técnica e juridicamente complexa... Poucos de nós, ao fim e ao cabo, lidaram com este problema... Temos, muitos de nós, a experiência das "baixas", dos camaradas que morreram ou foram feridos... Não sabemos, em muitos casos, como é que o processo burocrático se desenrolou, seguindo os trâmites normais da justiça militar...

A alguns de nós causa estranheza ou provoca até revolta ao vermos, nas listas oficiais dos mortos na guerra do ultramar, camaradas nossos, que conhecemos, como o Quaresma, da CART 2716 (Xitole, 1970/72), terem morrido por "acidente"... 

O Quaresma morreu por estar numa zona de guerra e todos os dias armadilhar e desarmadilhar o engenho explosivo colocado numa das entradas do quartel, para a malta poder dormir "mais descansada"... E quantos casos não houve como o do Quaresma ?! Ora é preciso que estes casos venham à luz do dia!...

3. Manuel Amaro [ex-fur mil enf, CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71]

Se houve "batota",  não tive conhecimento.
Os três mortos da minha Companhia, a CCAÇ 2615, foram todos mortos em combate e todos eles considerados como tal.

O problema creio que estaria na separação entre combate e... acidente.

Não espero, nem faria sentido, aparecerem hoje os coronéis reformados a dizer que, quando eram capitães (ou alferes),  tinham mentido, tinham feito "batota".

No meu Batalhão houve dois casos complicados. O alferes Queiroz (CCAÇ 2616, Buba),  morto a levantar uma mina, junto ao quartel, creio que foi considerado em combate. Já o furriel Ferreira, da mesma companhia, morto a levantar uma mina, na estrada Buba-Nhala, terá sido considerado acidente.

Mas creio que os investigadores dos factos e as testemunhas dos mesmos, agiam sempre de acordo com a legislação.


4. Carlos Vinhal [, editor, ex-fur mil art MA, CART 2732, Mansabá, abril de 1970/março de 1972] 

No caso das minas, normalmente a diferença entre morto por acidente ou em combate dependia de a mina ser "amiga" ou do IN.

Na minha Companhia, o Alferes de Minas e Armadilhas morreu ao tentar neutralizar uma mina AP inimiga, sendo considerado morto em combate. Naturalmente, diria eu.

Um camarada, por ironia do destino impedido na Messe dos Oficiais, quando se dirigia para um abrigo para entrar de reforço, caiu abaixo do Unimog,  sendo considerado morto por acidente.

Acho que não haveria muita batota, existiriam por vezes situações dúbias que cada um classificava como queria. Os afogados, por exemplo, mesmo a fugir do IN, eram mortos em combate ou por acidente?


5. Luís Graça / José Marcelino Martins:

Veja-se mais este caso, infeliz, já aqui abordado no blogue:

7 de agosto de  2007 >  Guiné 63/74 - P2035: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (José M. Martins)


(...) 8º VOLUME – Mortos em Campanha
Tomo II
Guiné – Livro 1
1ª Edição (2001) Página 553 (2º registo)

Nome - Guido Ponte Brazão da Silva
Posto - Alferes Miliciano de Cavalaria – Operações Especiais
Numero - 19769668
Unidade - Companhia de Cavalaria n.º 2748
Unidade Mobilizadora - Regimento de Cavalaria n.º 3 – Estremoz
Estado Civil - Solteiro
 (...) Freguesia - São Vicente
Concelho São Vicente – Madeira
Local de Operações - Camamelifén [, deve ser gralha: Canquelifá]
Data do Falecimento - 22 de Outubro de 1970, em Canquelifá
Causas da morte - Acidente, com arma de fogo
Local da sepultura - Cemitério da Ajuda – Lisboa

Observações: Accionamento de granada – armadilha IN


6. Jorge Cabral [, ex-alf mil art, cmdt  Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá. 1969/71[

E os suicídios, Luís? 
Tive um no meu Pelotão, mas desconheço como foi classificado...

Abraço.
J.Cabral
____________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15378: Inquérito 'on line' (18): Fazia-se 'batota' com as nossas baixas ? (i) "O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões" (António J. Pereira da Costa); (ii) "Teria de haver sempre duas testemunhas que confirmassem os factos ocorridos e cujas declarações tinham de ser devidamente ajuramentadas" (Abílio Magro)

1. Dois comentário de António J. Pereira da Costa sobre o tema objeto, esta semana, de inquérito de opinião no nosso blogue ["Fazia-se batota com  as causas das nossas baixas (combate, acidentem, doença")] 

[Cor art ref, ex-alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art  e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]


(i) Sobre a manipulação dos números, quero afirmar que tal não se deve à acção ou omissão dos vivos que com os feridos ou mortos lidaram. O problema residia na concepção economicista da guerra e na "necessidade" de a gerir com números de merceeiro (hoje diríamos folha de excel).

Ainda recentemente encontrei no blog "A Bigorna" uma frase do Salazar que lhe é atribuída pelo embaixador Franco Nogueira:

25 de Agosto de 1965

Trabalho no Forte do Estoril com o chefe do governo. Conversámos e conversámos sobre o problema ultramarino e a nossa posição internacional. Sobre a luta em África, diz Salazar: «A verdade é que os nossos militares não se têm batido completamente bem, salvo excepções, é claro. Não. Talvez apenas o Schulz na Guiné. Aí tem havido muita pancada. Mas em Moçambique ainda não se meteram bem dentro do assunto. E em Angola andam muito de um lado para o outro, estão sempre a contar as tropas, mas não se atiram aonde o inimigo se encontra».

Sobre a situação política interna: «As oposições, está claro, fazem o jogo americano. É o dinheiro, são os whiskies americanos. Mas há pessoas isentas, de responsabilidade e até da situação, que também vão nas mesmas ideias. Dizem que tudo se resolveria se proferisse uma palavra, uma palavrinha mágica: a de que oportunamente encararíamos a independência de Angola e Moçambique. Se disséssemos isso, tudo se resolveria. Pois têm razão: tudo se resolveria, na verdade, por perda e abandono. Mas tenho receio, temos de caminhar mais depressa. Tenho medo que aqui se perca a paciência.

E temos que baratear a guerra, senão esgotamo-nos, e não aguentamos. E aqui dentro não se teria paciência».


Reparem na última frase.

Foi, portanto,  estabelecido o conceito de morte em combate ou por acidente em serviço ou fora dele. A diferença não é clara, às vezes. Creio que as NEP da 1ª Rep/QG/CTIG ou as do COMCHEFE - PesLog devem ter estes conceitos discriminados.

O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões.


Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Da esquerda para a direita, os fur mil David Guimarães e Joaquim Manuel da Palma Quaresma, sapadores, junto ao abrigo de sargentos. Este último morreu por "acidente", em 20/10/1970. Todas as noites armadilhava a entrada para o quartel, junto à casa de Jamil Nasser, o comerciante libanês. (**)

Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. ]Edição de LG].

(ii) A "manipulação" quantitativa está fora de questão. Nem por doença (adquirida ou agravada em serviço) como foi o caso das hepatites que, a dada altura, obrigaram a criar um "pavilhão" no HM 241, nem por acidente, nem em combate.

O problema resulta da qualificação "em combate",

Há muitos casos de acidente puro,  como sempre sucede.

A doença poderia ser devida a uma situação de campanha que a agravava ou que a iniciava. Seria um caso de doença em campanha, sendo que ninguém adoece devido ao combate.
Todavia persistem dúvidas como por exemplo os mortos/feridos a montar minas. Estavam a combater ou tiveram um acidente com arma de fogo?

Não me restam dúvidas de que um sapador morto/ferido com uma mina IN estava a combater, mas há quem queira considerar que teria havido "erro humano" na manipulação do engenho...

Já a contagem dos mortos/feridos sofridos pelo IN levanta dúvidas. Por isso, a dada altura ainda nos anos 60 só contavam os mortos que o IN deixava e por isso ele procurava lavá-los ou os feridos que se traziam ou evacuavamm  conforme os casos.

As estimativas não passavam disso mesmo.

Nunca chegámos aos números que o IN apregoa(va) e que levavam a uma verdadeira carnificina.
Creio que o que está em causa e poderemos questionar é a relação dos ferimentos/mortes com o combate e campanha.

Creio que as NEP do QG/CTIG-1ª REP definiam explicitamente esta situação ao falarem de baixas devidas ou não devidas ao combate. Aí tudo passava para o relatante e para o que efectivamente tinha sucedido.

2. Comentário do Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, 
CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74):

Pelo que me recordo dos meus tempos [de furriel mil amanuense] da CSJD/QG/CTIG [Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné], a caracterização das Doenças, Ferimentos e Mortes está correctamente descrita por um tal "Mendes", num comentário ao "post" do António Duarte.

Quanto à legislação, confesso que nunca a vi, mas acredito que existisse e que fosse com base nela que os advogados da CSJD (Alferes Milicianos) proferiam os seus pareceres que, depois, eram confirmados pelo Chefe (Ten Cor Manuel de Moura) e, seguidamente, despachados pelo Comandante Militar /Brigº Alberto da Silva Banazol).

Teria de haver sempre duas testemunhas que confirmassem os factos ocorridos e cujas declarações tinham de ser devidamente ajuramentadas, isto é: tinham de declarar que juravam por Deus (ou pela sua honra,  se não fossem católicos) serem verdadeiras todas as declarações efectuadas (burocracias...)
____________



(...) Era uma vez um granada instantânea com fio de tropeçar

O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas A/P m/966 (,,,).

Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole (,,,). Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento.

Resolveu-se então que todas as noites essa entrada do quartel fosse armadilhada... Essa operação era sempre feita ao cair do dia. O material era simples: uma granada instantânea e arame de tropeçar, do mesmo tipo daquela granada que um dia matou o macaco.... Lembram-se dessa estória que eu aqui já contei (...)

E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!

Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…

O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado (,,,), o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!!

Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida (...).

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15375: Inquérito 'on line' (17): Um maioria relativa (n=13) admite que se fazia batota com as causas das nossas baixas (combate, acidente ou doença)... Num total de 25 respostas, há 10 que respondem não saber ou ter opinião... O prazo termina 5ª feira, 19, ao meio dia.

I. A questão, pertinente e oportuna, foi levantada pelo António Duarte, a propósito das baixas do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (*)...


[Manuela Castelo, viúva de um oficial pilav, morto em combate: julgamos tratar-se do cap pilav Fernando José dos Santos Castelo, piloto de heli AL III, morto em Moçambique, em 7 de Março de 1974. Foto da rodagem do filme "Quem vai à guerra", de Marta Pessoa, Portugal, 2011. Cortesia da realizadora. Vd. poste P8288].


Na CCAÇ 12, por exemplo, também se chegou a usar o truque de "mascarar" erros ou desastres nossos para "limpar" a honra da caserna ou escamotear a responsabilidade de graduados... O primeiro morto que teve a CCAÇ 12, "em combate", foi o sold Iero Jaló, no decurso da Op Pato Rufia, em 8/9/1969... No relatório da operação, lê-se em síntese o seguinte:

(...) quando o Dest A [, CCAÇ 12,] tinha iniciava a progressão en linha em direção ao acampamento IN, foi alvejado por duas rajadas de pistola-metralhadora que deram o sinal de alarme, começando as NT a ser batidas imeditamente por fogo de lança-rockets e armas automáticas a que reagiram prontamente. Foi nessa altura que um dilagrama, ao ser descavilhado, rebentou à boca da arma, por deficiência da alavanca de segurança, tendo atingido o prisioneiro Malan Mané (...) e o Soldado Iero Jaló (...) que o conduzia e que teve morte quase instantânea. Entretanto já tinham sido feridos o 1º Cabo Mateus (...) com um tiro no joelho e dois picadores da milícia [do Xime]. (...)

Técnica e legalmente, esta baixa foi "em combate". Mas a  causa (material) da morte do Iero Jaló (e dos ferimentos graves no prisioneiro Malan Mané) foi o nosso dilagrama e não o fogo IN... E o que o relatório não diz é que, quem empunhava o dilagrama, não era o seu habitual apontador, mas um graduado...

Prafraseando o ditado popular, "erros de médico e calceteiro, a terra os cobre"... Neste caso, com a ajuda do cronista que fez a história da CCAÇ 12...

Achamos que, em geral, não manipulávamos os números das baixas... Das "nossas" baixas... Era preciso ter lata de mais para esconder mortos e feridos... Já quanto ao número das baixas infligidas ao IN (guerrilheiros e elementos pop), aí podia haver alguma fanfarronice e arbitrariedade... Havia a distinção entre baixas (mortos e feridos) "confirmadas" e "estimadas"... Exageravam-se os "indícios"...

O PAIGC, por seu turno, também usava e abusava dos números... Em qualquer guerra, todos os comandantes querem ficar bem na fotografia... O capitão quer chegar a major, o major a tenente coronel, o tenente coronel a coronel... E havia milicianos também a fazer "batota", quando se substituíam ao capitão...

Já na contabilidade dos feridos (graves ou ligeiros), podia também haver alguma "batota"... A apreciação da gravidade podia ser sujetiva, não havendo a maior parte das vezes um médico ali ao lado. De um modo geral, um ferido grave tinha de ser evacuado para o HM 241, em Bissau. De heli, evacuação Ypsilon...

Por outro lado ainda, havia a tropa de primeira e a de segunda (classe)... Um milícia nosso ou do PAIGC não era a mesma coisa para efeitos de contabilidade final... Ou um assalariado civil, utilizado pelas NT (carregadores, guias, etc.).

Mas o problema, nalguns relatórios de operações e histórias de unidades, são as causas das baixas: casos de presumível suicídio e homicídio eram sempre tratados como "acidentes com arma de fogo"... Era preciso salvar a honra (e o moral) da tropa...

A doença, por seu turno, não tem nada a ver com a guerra... A doença é sempre "por causas naturais"... Tal como o acidente, que tende a ser  visto de maneira redutora: "falha técnica" ou "erro humano"...

Julgamos que os critérios eram ambíguos nos outros casos: o que era um morto ou ferido em combate ?... E os desaparecidos ? E os "retidos" pelo IN ?

Percebe-se que a questão levantada pelo António Duarte, e já aqui debatida por alguns camaradas, dá "pano para mangas"... Mas temos que ser cautelosos: nada de generalizações abusivas... Como em tudo, houve casos e casos...

II. Há um camarada que só assina por Mendes, e que pode ter pertencido à FAP, que escreveu o seguinte comentário ao poste do António Duarte (*):

(...) Estava legislado que: "Morte em Combate" é a que ocorre por acção directa ou indirecta do inimigo. Vamos a exemplos concretos:

- acidente de viatura deslocando-se ou não para zona de operações: morte por acidente;

- morte ao manipular a arma individual: morte por acidente;

- morte ao montar uma mina: morte por acidente;

- morte ao levantar mina IN: morte em combate;

- afogamento no decurso ou não de uma operação: morte por acidente:

- morte provocada por fogo directo ou indirecto IN, independentemente do lugar onde se registou: morte em combate;

- morte provocada por fogo amigo reagindo a contacto IN: morte em combate (...)


Era bom  tentares saber qual era essa legislação, meu caro Mendes...


III. A resposta ao inquérito de opinião pode ser dada, pelos nossos camaradas, até 5ª feira, dia 19, até ao meio dia.. Podem responder, diretamente, no canto superior esquerdo do blogue, antes de irem ao almocinho da Tabanca da Linha, que é nesse dia... 

Esperamos que se tenham inscrito a tempo... os de Lisboa e arredores, incluindo o Juvenal Amado que agora vem mais vezes à capital: neste caso, para tratar e começar a falar do seu livro, a ser apresentado oficialmente em 23/1/2016 (tem por sugestívo título "A tropa vai fazer de ti um homem", e vai ser publicado pela Chiado Editora).

Um abraço fraterno para todos/as.

Os editores, Luís Graça e Carlos Vinhal


IV. Seleção de mais dois comentários ao poste P15355 (*):


(i) António J. Pereira da Costa:

(...) A História do BArt 38753, ao qual pertenci, está escrita com certa fantasia. Há várias imprecisões entre as quais a data da minha apresentação no Xime que surge dois meses depois de ser ter efectivado. Não será importante, mas dá uma ideia da "ligeireza" com que foi escrita. 

Não sei quem "escreveu" a História da Unidade, mas sei que, às vezes, não havia intenção de branquear nada, mas antes o querer despachar "aquele dever" chato e sem interesse. No fundo quem viesse atrás que fechasse a porta que nós embarcamos para a semana. No fundo, que importava se o tipo morreu em combate ou por acidente. Morreu e pronto. 

Lembro que a CArt 3494 teve um morto em combate e três por acidente no Rio Geba. Tenho ideia que ninguém morreu, por doença, mas que houve vários feridos ligeiros na emboscada na Ponta Coli, em abril de 72.

Morreu, além disso,  um milícia no Enxalé, em combate, durante um ataque com armas pesadas. (...)

(iii) José Marcelino Martins:

Sobre a guerra, a morte e as suas causas, muito há, ainda, para contar.Infelizmente.

V. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

“FAZIA-SE BATOTA COM AS CAUSAS DAS NOSSAS BAIXAS (COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA)"

1/2.Sempre ou quase sempre / Muitas vezes  > 9 (36,0%)

3. Algumas vezes  > 4 (16,0%)

4/5. Poucas vezes /5. Nunca ou raramente > 2 (8,0%)

6. Não sei / não tenho opinião  > 10 (40,0%)

Votos apurados: 25 

Encerramento: 5ª feira, dia 19, às 12h25

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Notas do editor:

(*) Vd, poste de 12  de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15355: Direito à indignação (13): "Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva pela forma manipuladora da síntese das baixas do meu batalhão" (António Duarte, ex- fur mil, CART 3493 / BART 387 3, e CCAÇ 12, 
1971/74)

(...) Perguntas-me se o BART 3873 só teve, efetivamente, dois mortos em combate, sendo um deles milícia..... Esta "manipulação" dos números é curiosa. Efetivamente convinha apresentar um baixo número de mortos em combate. (...)

(...) da CART 3493, que inicialmente esteve em Mansambo e depois foi para Cobumba, situação que melhor conheço, por ser a minha primeira companhia, há quatro baixas. (...)  O alf António Jorge Abrantes, deslocado para as companhias africanas, foi nomeado comandante de um pelotão independente. Fruto de uma discussão com um soldado africano, foi "varrido" com uma rajada de G3. (...). Em outubro de 73, morrem em Cobumba dois elementos. Um soldado que não me recordo o nome e o furriel Francisco Galiano, de Évora, vítimas do rebentamento de uma mina anticarro, levantada de manhã e que por acidente rebentou na arrecadação. A versão oficial era que a mina teria dispositivos retardadores. Provavelmente treta. O rebentamento ocorreu porque alguém fez algo que não devia. 

Por último já em janeiro de 74, morre o furriel Manuel João Roque Trindade ,em Bissau, vítima de uma manobra pouca prudente com uma camioneta, por parte de um condutor. Estava a companhia nessa altura a fazer segurança nos arredores de Bissau. Curiosamente foi ele que levantou a mina que estoirou em outubro e matou dois camaradas. Era de operações especiais, do 1º turno de 71, corajoso, generoso e o campeão dos levantamentos de minas (pessoais e anticarro).

Enfim, sabemos que a estatística é uma ciência "elástica" que dá para tudo. O correto era fazer uma síntese, arrumando as baixas do batalhão com as causas associadas e assim tudo seria mais transparente. Destas quatro mortes, só uma é por acidente de viação, mas claramente em serviço. (...)

(**) Último poste da série> 7 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15338: Inquérito 'on line' (16): Para 42% dos respondentes (num total de 69), "100 pesos" era de facto dinheiro, era bastante patacão... Segundo a Companhia Seguros Douro, que oferecia na época um "seguro militar", cobrindo o risco de morte ou de incapacidade (total ou parcial) em teatro de guerra, cem contos (pouco mais de 28 mil euros, hoje) era quanto podia valer a vida de um herói!

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15355: Direito à indignação (13): "Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva pela forma manipuladora da síntese das baixas do meu batalhão" (António Duarte, ex- fur mil, CART 3493 / BART 3873, e CCAÇ 12, 1971/74)

1. Mensagem de António Duarte


[ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; foto atual à esquerda].Data: 11 de novembro de 2015 às 18:41



Assunto:  Guiné 63/74 - P15349: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXVII: Alguns números sobre a atividade operacional e a ação psicossocial: 32 mortos (IN), 4 prisioneiros, 113 moranças e 8 toneladas de arroz destruidas ao IN; 132 elementos pop recuperados, 1 mesquita e 9 escolas construídas, 4 reordenamentos iniciados, 2 tabancas reocupadas...


Boa noita, Luís

Perguntas-me se o BART 3873 só teve, efetivamente, dois mortos em combate, sendo um deles milícia....

Esta "manipulação" dos números é curiosa. Efetivamente convinha apresentar um baixo número de mortos em combate.

Então vejamos: da CART 3493, que inicialmente esteve em Mansambo e depois foi para Cobumba, situação que melhor conheço, por ser a minha primeira companhia, há quatro baixas.

O alf António Jorge [Cristóvão] Abrantes, deslocado para as companhias africanas, foi nomeado comandante de um pelotão independente. Fruto de uma discussão com um soldado africano,  foi "varrido" com uma rajada de G3. Era de Viseu e filho de um oficial do quadro, suponho oriundo de sargento. Aconteceu em [18 de] setembro de 72.

Em outubro de 73, morrem em Cobumba dois elementos. Um soldado que não me recordo o nome e o furriel Francisco Galiano,  de Évora, vítimas do rebentamento de uma mina anticarro, levantada de manhã e que por acidente rebentou na arrecadação. A versão oficial era que a mina teria dispositivos retardadores. Provavelmente treta. O rebentamento ocorreu porque alguém fez algo que não devia. 

Por último já em janeiro de 74, morre o furriel Manuel João Roque Trindade ,em Bissau, vítima de uma manobra pouca prudente com uma camioneta, por parte de um condutor. Estava a companhia nessa altura a fazer segurança nos arredores de Bissau. Curiosamente foi ele que levantou a mina que estoirou em outubro e matou dois camaradas. Era de operações especiais, do 1º turno de 71, corajoso, generoso e o campeão dos levantamentos de minas (pessoais e anticarro).

Enfim, sabemos que a estatística é uma ciência "elástica" que dá para tudo. O correto era fazer uma síntese,  arrumando as baixas do batalhão com as causas associadas e assim tudo seria mais transparente.

Destas quatro mortes, só uma é por acidente de viação, mas claramente em serviço. 

Por estas e por outras é que se ouvia dizer aos habitantes portugueses das colónias, sobretudo em Angola, que a maior parte dos mortos era por acidente. Parece redutor, mas convinha manter este perfil.

Quanto à companhia que inicialmente foi para o Xime, a CART 3494 (do Jorge Araújo e do Sousa de Castro), tiveram quatro mortos, que me lembre. O furriel Bento, vítima de emboscada em Ponta Coli, em abril de 72 e mais três soldados afogados no Geba, salvo erro em agosto de 72, aparentemente devido a ordens mal dadas pelo comandante da operação. O Araújo sabe bem a história, já que a viveu ao vivo e a cores.

Penso que a companhia do Xitole, a CART 3492,  teria tido também pelo menos um morto, com acidente de arma de fogo, num destacamento numa ponte onde se passava nas colunas ao Xitole/Saltinho [, Ponte dos Fulas]. A confirmar com alguém da companhia.

Quanto a feridos graves, a CART 3493 teve quatro amputações de pé/perna. Um furriel, dois cabos e um soldado. Feridos ligeiros, teve bastantes, devido a minas anticarro, rebentadas sobretudo em Cobumba.

De facto a história só pode ser escrita daqui a mais 50 anos. Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva, pela forma manipuladora, da síntese das baixas de um batalhão. A minha pena é que daqui a 50 anos não estou cá, para finalmente saber a "verdade"... que eu/nós vivi/vivemos.

De facto das baixas que aqui relato, só uma foi diretamente com o fogo do IN. Mas,  e as outras? Morreram a tomar banho na piscina? A praticar desporto?... Se fosse crente diria "Valha-nos Deus". Os políticos são todos muito parecidos, sejam os do tempo do António, sejam os de agora.

É em alturas como esta que vejo uma das grandes utilidades do teu/nosso blogue. Os homens da história vão ter material para trabalhar e encontrar uma das verdades. Qual, não sei. A minha? A tua? A nossa?

Abraços
António Duarte (Cart 3493 e Ccaç 12 dez 71 a jan de 74)




Mapa referente à distribuição geográfica inicial do contingente do BART 3873 (1972/74), na zona leste, setor L1: Bambadinca (comando e CCS), Xime e Enxalé (CART 3494), Mansambo (CART 3493) e Xitole (CART 3492). Detalhe da carta da província da Guiné, escala 1/500 mil (1961)

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12692: Direito à indignação (12): Por favor, respeitem a verdade dos factos... E, sobretudo, respeitem, os mortos e os vivos… de um lado e do outro da guerra! (Ernesto Duarte)

sábado, 13 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11837: Op Mabecos Bravios (1-8 de fevereiro de 1969): a retirada de Madina do Boé, com o trágico desastre no Cheche, na travessia do Rio Corubal, foi há 44 anos (1): Relato do cmdt da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (Galomaro e Dulombi, 1968/70)



Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > A travessia, em jangada, do Cheche (que ficava do outro lado, na margem direita).


Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Uma coluna logística: Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Nova Lamego (1)


Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Uma coluna logística: Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Nova Lamego (2)


Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Finalmente a rendição !



Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). >  O interior do aquartelamento e da tabanca



Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). >  Um cemitério de vitaturas



Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). >  Discreta mas orgulhosa, a bandeira nacional.




Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). >  A mascote da conpanhia.


Seleção de algumas fotos, notáveis, do álbum do Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms,  CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).


Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar]


1. A Op Mabecos Bravios, destinada a cobrir a retirada das forças estacionadas em Madina do Boé, que teve  um desfecho trágico para 46 camaradas nossos, da CCAÇ 2405 (Galomaro) e da CCAÇ 1790 (Madina do Boé), mais um civil guineense.

Aconteceu há 44 anos, quase meio século. A efeméride passou quase despercebida, em 6 de fevereiro de 2013.

 Na história do BCAÇ 2852 (Bambadinca,19768/70) há uma versão parcial do relatório dessa  operação de triste memória, relativa á participação da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70) que formava o Destacamento F. Vale a pena reproduzir esse documento (Cap II, pp. 36-38).

 Em Fevereiro de 1969, a CCAÇ 2405 estava sediada em Galomaro, com um pelotão em Samba Juli, outro em Dulombi e um terceiro em Samba Cumbera. Voltamos a transcrever o post de 2 de Agosto de 2005, com o relatório da Op Mabecos Bravios, o que se justifica pela efeméride (o 44º  aniversário desse dia trágico de 6 de Fevereiro de 1969).

É também um pretexto para a nossa Tabanca Grande  prestar a sua sentida homenagem aos camaradas desaparecidos para sempre nas águas do temível Rio Corubal, quer os da CCAÇ 2405, comandada pe.lo cap mil inf Novais Jerónimo, quer os da unidade de quadrícula de Madina do Boé, a CCAÇ 1790, comamdada pelo cap inf José Aparício (que conheci pessoalmente há uns tempos, em Lisboa,  juntatmente com o cap mil António Vaz).

A evocação desse dia negro na história da guerra colonial da Guiné e a homenagem aos nossos mortos já aqui foram feitas, ainda na I Série do nosso blogue, por camaradas como o  José Martins (ex-furriel miliciano de transmissões da CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70): vd., por exemplo,  poste de 4 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins), bem pelo Rui Felício, um dos três alf mil da CCAÇ 2405 que participaram na Op Mabecos Bravios (poste de 12 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405).

E ainda recentemente puiblicámos fotos, tiradas opelo Xico Allen, na sua viagem de 1998, mostrando restos do cemitério de viaturas em que se transformou a picaca Canjadude - Cheche - Madina do Boé - Beli (*). Mas sobre esta operação ea  trágica travessia do Rio Corubal, em Cheche, no regresso a Nova Lamego,  ainda nem tudo estará dito e escrito. Nomeadamente, há falta de documentação fotográfica. Paer os membros da Tabanca Grande mais recentes, julga.se oportuno voltar a mexer neste doloroso dossiê das nossas memórias.


2. Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Classificação: Reservado. Cap. II. 36-38.
.

Iniciada a Op Mabecos Bravios, em 1 [de Fevereiro de 1969], com a duração de 8 dias, para retirar as nossas tropas de Madina do Boé. Entre vários destacamentos, tomou parte no Destacamento F a CCAÇ 2405 [ .Comandante: Cap. Mil. José Miguel Novais Jerónimo; 1º Grupo de Combate – Alf Mil Jorge Lopes Maia Rijo; 3º Grupo de Combate – Alf Mil Rui Manuel da Silva Felício; 4º Grupo de Combate – Alf Mil Paulo Enes Lage Raposo].

Desenrolar da acção:

O Dest F com o efectivo de 112 homens (4 oficiais, 10 sargentos e 98 praças - estão incluídos 1 secção de sapadores e 8 condutores auto), saiu de Galomaro em 1 de Fevereiro de 1969, pelas 9.30h, e chegou a Nova Lamego por volta das 13.00h do mesmo dia, sem qualquer novidade.

Aqui fizeram-se os preparativos finais da organização da coluna que partiu às 5.30h do dia 2 [D]. 

Abro [o autor do relatório] um parêntesis para discordar do pormenor da organização da coluna:

Os meus condutores e mecânicos tiveram que conduzir e dar assistência técnica a viaturas que não lhe pertenciam e das quais desconheciam as mazelas. Daqui resultaram perdas de tempo inúteis e uma tremenda confusão resultante do facto de os atiradores terem guardado parte dos seus haveres e utensílios militares em viaturas que supunham pertencer às unidades e que, sem que se saiba porquê, foram trabalhar para unidades diferentes.

A coluna saiu de Nova Lamego para Canjadude com o pessoal totalmente embarcado e atingiu-se esta povoação por volta das 9.00h sem qualquer problema. A partir de Canjadude a coluna progrediu com guardas de flancos tendo o Dest F colaborado na guarda da rectaguarda da coluna fazendo uma progressão apeada que não estava prevista.

Atingiu-se o Cheche [entre Canjadude e Madina do Boé] por volta das 17.00h (sempre com uma cobertura aérea excelente).

 Imediatamente os Dest D e F fizeram a transposição do [Rio] Corubal e foram ocupar as posições estratégicas previstas. Já escurecia e o Dest D levava 1 minuto de avanço sobre o Dest F. Subitamente o 1º Pel[otão] revelou achar estranho algo que se passava à nossa direita, parecendo-lhes ter visto elementos estranhos. Por outro lado o guia assegurou tratar-se de turras pelo que a Companhia tomou posições de combate, lançando-se ao solo e imobilizando-se. Seguiram-se dois disparos rápidos de morteiro (os clarões foram facilmente visíveis quando as granadas saíram à boca da arma). Foram tiros curtos na direcção sudoeste, e os rebentamentos deram-se próximo do local que o Dest F iria ocupar daí a momentos.

O IN não voltou a manifestar-se mas obrigou-nos a uma vigilância nocturna permanente e a uma mudança de posição por volta das 23.00h.  Às 20.00h ouviram-se na direcção oeste dois tiros que me pareceram de arma nossa, fazendo fogo de reconhecimento.

 Pelas 5.30h [do dia 3, D + 1] mandou-se um Pelotão a Cheche buscar um Pelotão do Dest E que fazia guarda imediata às viaturas e que eu devia levar até Madina.

Pelas 6.30h dirigi-me à zona do Dest E onde se organizou a coluna com o Dest F à frente e uma guarda de flanco avançada e o Dest D atrás igualmente com guarda de flanco. Iniciei o movimento guiado com carta e bússola porque a marcha foi feita a cerca de 200 metros (mínimo) da estrada. O meu objectivo era surpreender o IN pela rectaguarda tanto mais que os aviões me anunciaram haver possibilidade de sermos emboscados.

Cerca [ das 10.00h ] o Dest F sofreu um violento ataque de abelhas e teve que recuar cerca de um quilómetro para se reorganizar de novo. Um soldado, em consequência, ficou imediatamente fora de acção. Foi pedida a respectiva evacuação bem como a de outro soldado que apresentava sintomas de insolação.

As evacuações fizeram-se para Nova Lamego dos 1ºs cabos Carlos G. Machado, Agostinho R. Sousa, e dos soldados José A. M. S. Ferreira, Manuel N. Parracho,  Benjamim D. Lopes,  Fernando A. Tavares,  Cândido F. S. Abreu,  António S. Moreira e, para Bissau, O 1º Cabo Adérito S. Loureiro. [Omitem-se os nºos mecanográficos. L.G.]

 O héli desceu mais tarde para reabastecer o pessoal de água.

 Reiniciada a marcha, sofremos segundo ataque de abelhas que inutilizaram mais uma praça para quem teve de ser pedida mova evacuação. Entretanto, eram 14.30h, e mais 2 soldados, esgotada a sua provisão de água, apresentavam sintomas de insolação. Foram evacuados conjuntamente com 2 praças do Dest D que apresentavam sintomas semelhantes (vómitos, intensa palidez, olhos dilatados, respiração frenética).

O Dest D passou para a frente e reinicou-se a marcha, sempre fora da estrada até à recta que leva a Madina. Nada mais se passou além do sofrimento intenso das tropas por via do calor. O Det D foi reabastecido de água. Atingimos Madina  [do Boé] por volta das 19.00h  [do dia 3] desligados do Dest D que prosseguiu a sua marcha quando F teve que parar para reajustar o dispositivo e tratar os mais debilitados (4 praças e 1 furriel).

Houve descanso em Madina e tomou-se uma refeição quente. 

No dia 4 (D + 2) o Dest F dirigiu-se para [ Felo Quemberá,  ilegível] ocupando a posição 3 que se  atingiu sem dificuldade por volta das 11.00h. Alternadamente ocupou-se as posições 3 e 4 de acordo com o plano.

Em D + 3 [5 de Fevereiro de 1969] por volta das 7.30h recebemos ordens do PCV [Posto de Comando Volante] para a abandonar a nossa posição e seguir ao encontro da coluna. Uma hora depois atingimos o campo de aviação de Madina onde fomos reabastecidos de água e r/c [rações de combate].

Pelas 9.00h a coluna pôs-se em movimento e meia hora depois 4 carros da rectaguarda tiveram um acidente. Não obstante, a coluna prosseguiu e o pessoal do Dest F mais os mecânicos resolveram a dificuldade.

Entretanto, o final da coluna pôs-se em movimento acelerado para apanhar as viaturas da frente e deixaram a guarda da rectaguarda isolada no mato, num momento particularmente difícil em que precisávamos evacuar 2 soldados vencidos pelo esgotamento físico e nervoso (2 noites seguidas sem dormir, ataque de abelhas em D +1, intenso calor).

O Comandante da coluna ordenou que se fizesse a evacuação e o reabastecimento de água. Feitos estes, iniciou-se a marcha e a breve trecho tomámos contacto com a coluna e tudo correu normalmente até ao Cheche. A cobertura aérea pareceu-me impecável.

Próximo de Cheche recebi ordens para ocupar a posição que ocupara que tivera em D / D+1 porque o Exmo. Comandante da Operação [, cor inf Hélio Felgas,] entendeu dever poupar alguns quilómetros ao Dest F e D, bastante atingidos pela dureza dos respectivos percursos. Essa foi a razão porque não transpus o [Rio] Corubal em D + 3 [ 5 de Fevereiro] só o vindo a fazer em D + 4 [6 de Fevereiro] por volta das 9.00h.

O IN continua sem se manifestar (ou sem se poder manifestar). Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb [da CCAÇ 2405 e da CCAÇ 1790], respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F e grandes quantidades de material perdido.

 Por voltas das 10.00h de D+ 4 [6 de Fevereiro] saímos de Cheche para Canjadude que atingimos por volta das 16.30h com o pessoal deste Dest embarcado.

Descansou-se e em D + 5 [7 de Fevereiro] às primeiras horas a coluna pôs-se em movimento para Nova Lamego que foi atingida por volta das 11.00h. Às 12.00h as tropas ouviram uma mensagem do Exmo. Comandante-Chefe [, brig António Spínola,]  que se deslocou propositadamente para a fazer.

Permaneci em Nova Lamego para organizar a coluna do dia seguinte. Às primeiras horas de D + 6 [8 de Fevereiro] iniciei o movimento para Galomaro onde cheguei cerca das 10.30h.
[Revisão de texto: L.G.l

Nota de L.G. - Sabemos que a 10 de fevereiro de 1969, o 2º cmdt do BCAÇ 2852 (1968/70), o maj inf Manuel Domingues Duarte Bispo, deslocou-se de Bambadinca a Galomaro "onde assistiu a missa celebrada pelo capelão do BCAÇ 2856, por intenção dos desaparecidos na Op Mabecos Bravios" (HU, Cap II, p. 46). O nº (e a identificação) dos mortos (17) da CCAÇ 2405 não constam do relatório da Op Mabecos Bravios que acima se transcreve. Falta-nos o(s) relatório(s) de outras forças que participaram, na Op Mabecos Bravios, nomeadamente da CCAÇ 1790 (que sofreu 29 mortos). Na realidade, na época esse tipo de baixas era contabilizada sob a categoria do "desaparecido".

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 10d e julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11822: Álbum fotográfico do Xico Allen: região do Boé, 1998: trágicos vestígios 'arqueológicos' da guerra colonial, entretanto já destruídos ou desaparecidos...