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segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23590: Notas de leitura (1489): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VII: A incrível história do soldado 25, cabo-verdiano, aliciado pela amante, uma "mulher do mato" de Cobumba, para cometer um acto de alta traição: tomar o quartel e matar todos os tugas...



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 4ª CCAÇ (1965/67) > s/d > "Mulheres do mato. Ao centro está o alferes Oliveira." 

Fonte: Manuel Andrezo . "Panteras à Solta", edição de autor, s/l, 2010, pág. 398 (Com a devida vénia...).



O gen Arnaldo Schulz em visita à 4ª CCAÇ em Bedanfa, s/d (c. 1964/67). Foto do Arquivo Histórico Militar, reproduzida por CECA (2014), p. 257.


Fonte: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014), pág. 257
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1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67] (*)

No livro "Panteras à solta" (que cobre o período que vai de julho de 1965 a julho de 1967, em que o cap inf Aurélio Manuel Trindade esteve à frente da 4ª CCAÇ e depois CCAÇ 6, em Bedanda),  há várias referências ao "comandante militar" e/ou "brigadeiro comandante militar" sem nunca o autor o nomear.  Também não há qualquer referência ao com-chefe e governador da Guiné, desse tempo, o brigadeiro e depois general Arnaldo Schulz...

Rcorde-se que desde o início da guerra,  era comandante-chefe o coronel tirocinado do CEM, Fernando Louro de Sousa (nomedo em 19mar63). Irá exercer as funções cumulativamente com as de comandante Militar, tendo substituído no cargo o coronel do CEM João Augusto da Silva Bessa. Promovido a brigadeiro (em 9jul63),  terminaria a comissão em 20mai64, altura em que  seria  substituído,no dia seguinte, pelo brigadeiro Arnaldo Schultz, que por sua vez acumularia as funções com as de governador da província. Promovido a general em 20abr65, Schulz cessaria funções em 23maio968. A partir de 7set66, há um novo comandante militar, o brigadeiro António M. Malheiro Reymão Nogueira.  Para os leigos, nem sempre é clara a distinção entre comandante militar e comandante-chefe...
 
Uma das preocupações iniciais do cap inf Cristo ("alter ego" do autor), quando chega a Bedanda,em rendição individual, em julho de 1965, para comandar a herogénea 4ª CCAÇ, é o reforço da coesão,  do espírito de corpo, da disciplina e da lealdade dos seus homens. 

Tanto Bissau como o comando de sector,  o S3, em Catió (onde estava sediado o BCAÇ 619, 1964/66, rendido depois pelo BCAÇ 1858) tinha  reservas em relação a esta companhia de guarnição normal, por alguns incidentes de natureza disciplinar. Era considerada uma boa companhia, do ponto de vista operacional, mas com altos e baixos, e a passar em meados de 1965 por um "mau momento"... 

Havia, ao que parece, por parte de Bissau (onde na época o governador geral e com-chefe já era o gen Arnaldo Schulz que nunca é mencionado no livro) um preconceito, fundamentalmente racista, em relação aos "caçadores nativos" (e em especial aos "cabo-verdianos"). A perceção de que os principais dirigentes do PAIGC eram cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana (a começar pelos irmãos Cabral) pode ter alimentado e agravado a desconfiança em relação os militares das NT, cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana.

Aiás, só tarde, e devido à persistência do cap Cristo, os "soldados nativos" passaram a ter a novíssima G3 em lugar da velhinha Mauser, da II Guerra Mundial... E combatiam um inimigo dotado de armamento superior (a começar pelas armas automáticas, como a Kalash). Diz o tenente-coronel que vem de Bissau, mandado pelo "brigadeiro omandante militar":

(...) "Você tem que compreender que comanda uma companhia de negros em quem não confiamos totalmente. Já houve aqui uma tentativa de revolta e ninguém nos diz que não possa haver outra, e era muito aborrecido se eles fugissem para o mato com as G3. (...) (pág. 124).

A situação deveria ser semelhante nas outras duas companhias de "caçadores nativos", de guarnição normal: a 1ª CCAÇ, que estava em Farim (e que deu origem à CCAÇ 3); e a 3ª CCAÇ (que estava em Nova Lamego) e que deu origem à CCAÇ 5.  O nosso colaborador permanente José Martins, ex-fur mil trms dos "Gatos Pretos" (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) recorda-se que que na sua secção, no seu tempo,  havia 6 mausers e 6 G3...
 
2. Por volta de finais de 1964 ou princípios de 1965, tinha havido, na 4ª CCAÇ, um incidente grave que poderia ter  tido consequências trágicas,  Recorremos a alguns excertos do livro que estamos a ler, "Panteras à Solta":

(...) "─ Eu também queria dizer algo meu capitão ─ disse o 1º Sargento. ─ Há alguns meses atrás, antes de eu vir para a companhia, houve qualquer coisa com alguns soldados negros, principalmente cabo-verdianos, que fez com fossem conduzidos ao Comando do Batalhão, em Catió, onde ficaram detidos. São soldados da companhia que ainda lá permanecem presos. Não sei o que se passou mas a companhia tem necessidade de resolver este assunto. (...) (pp- 31/32)

(..) ─ Obrigado ─ disse o capitão. ─ Algum dos senhores sabe alguma coisa mais que me queira dizer sobre os soldados da companhia presos em Catió?
─ Eu, meu capitão ─ disse o Alferes Ribeiro. ─ Eu já estava na companhia quando
isso aconteceu. Não falei antes porque julguei que em Bissau, quando por lá passou, o nosso capitão Xáxa ou alguém lhe tivesse falado nisso. 

O alferes Ribeiro descreveu, então, os antecedentes da situação.  Um dia, ao cair da noite, estavam para sair para uma operação e dispunham de um prisioneiro, capturado na operação anterior que ia servir de guia. Aconteceu que o alferes Cordeiro encontrou o prisioneiro, fora da prisão, a sair calmamente do quartel. Prendeu-o novamente e interrogou-o para saber como tinha conseguido sair da prisão, tanto mais que havia um soldado a guardá-lo à vista. 

Inicialmente o prisioneiro não queria falar mas com a habilidade do alferes Cordeiro ele acabou por confessar que tinha sido solto pelo soldado 25 e que se dirigia para o seu acampamento, em Cobumba

Chamado o soldado 25, outro cabo-verdiano, foi o mesmo posto perante os factos. Negou, a princípio, qualquer interferência, mas perante as evidências acabou por confessar. A declaração dos motivos foi bem mais difícil de obter. Mas o alferes Cordeiro, perito na arte do interrogatório, conseguiu que o soldado 25 confessasse os motivos da sua acção.

Tinha uma amante, mulher do mato da zona de Cobumba. Todos as semanas a mulher vinha à povoação comercial vender arroz e comprar cana e tabaco, e dormia uma noite com o soldado. Na cama, ela ia procurando saber coisas da companhia.

Tantas vezes dormiram juntos, tanto falaram da companhia, que a mulher lhe prometeu o comando de Bedanda se ele a ajudasse a tomar o quartel. As promessas eram tão aliciantes que ele aceitou ajudar desde que lhe dissessem o que tinha de fazer e lhe comunicassem o momento de agir. Fez ligações com outros soldados do seu pelotão, na maioria cabo-verdianos, e estabeleceram um plano de acção que, na sua essência, apontava para a tomada do quartel pelas força. 

Na noite aprazada para o ataque, os cabo-verdianos, ao tempo do pelotão do alferes Barata, facilitariam a entrada dos guerrilheiros, matando nos quartos todos os brancos, oficiais e sargentos e alguns cabos especialistas. Durante o ataque, o pelotão dos revoltosos e mais alguns soldados negros que aderissem ao movimento, liquidariam todos os soldados que não quisessem juntar-se aos guerrilheiros. 

Conquistado o quartel e feita a limpeza de militares e de civis que não aderissem, o 25 passaria a comandar toda a área de Bedanda. Como tudo se veio a saber por confissão do soldado 25, todos os militares implicados foram presos e enviados para Catió onde seu deu início aos autos. Nessa noite, ninguém saiu para o mato, refizeram-se os pelotões até que se recebessem novos efectivos em praças. 

A partir dessa data passou a exercer-se um controle apertado de entradas e saídas das mulheres do mato, para se averiguar as que dormiam em Bedanda, onde e com quem.

─Meu capitão, nós todos, oficiais e sargentos, ficámos convencidos de que estávamos sentados num barril de pólvora. Se dessa vez tivemos sorte ao descobrir a tempo a conspiração, na próxima poderemos não ter, pelo que todos temos  de ficar atentos e permanentemente vigilantes. " (...) (pp. 32/33).

Ficamos sem saber se os militares sediciosos da 4ª CCAÇ, tal como soldado 25, maioritariamente "cabo-verdianos" (sic), eram nascidos em Cabo Verde ou na Guiné. Sendo do recrutamento local, era mais provável que fossem guineenses, de origem cabo-verdiana...
 
3. Ficamos, todavia,  a saber que, ao tempo da 4ª CCAÇ (e mesmo depois, com a CCAÇ 6), havia um sistema de livre trânsito em Bedanda, para as "mulheres do mato", que iam à "povoação comercial" vender os seus produtos e comprar outros que lhes faziam falta. 

Em geral, eram mulheres, mães, filhas  ou parentes de guerrileiros.   Eram oriundas "de Cobumba, de Pericuto, de Chugué. (...) (pág. 116), ou seja, de povoações que ficavam a escassos   quilómetros,  em redor de Bedanda.

As mulheres vinham de zonas onde havias boas bolanhas, e que continuavam a ser cultivadas. O arroz (e outros produtos, como a mandioca) era suficiente para as necessidades dos guerrilheiros e da população sob o  seu controlo. Em contrapartida, havia falta de arroz (e produtos frescos) em Bedanda.

Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...)  são aliciados pelo PAIGC.  A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleo chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes.

(...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros.  

Fazia-se um intercâmbio grande entre a população comercial e as mulheres do mato. Traziam arroz, mancarra e óleo, e voltavam com tabaco, cana e panos para elas e para os homens. Se era difícil para os militares compreender a sua posição como um elo na cadeia logística dos guerrilheiros, mais difícil era verificar que os outros tinham mais comida do que a população que a tropa controlava. O capitão ia reagir a esta situação de uma forma pouco usual. (...) (pp. 76/77).

Em suma, a tropa facilitava a entradas das "mulheres do mato" em Bedanda por onde circulavam livremente (exceto nas intalações militares), havendo todavia sido criado, para o efeito, um mecanismo de controlo (que não vem descrito em detalhe no livro): 

(...) Dado estar autorizada a entrada das mulheres do mato na povoação comercial, existe um sistema de controlo que permite ao coma companhia saber quantas mulheres entraram e donde vieram. Muitas vezes as mulheres trazem galinhas e ovos para vender, e o próprio capitão tem comprado algumas, pondo-as numa capoeira no pelotão da cantina. Normalmente tem lá três ou quatro galinhas.

 O capitão, acompanhado do Lassen, desloca-se muitas vezes aos acessos a Bedanda, de manhã cedo, para falar com as mulheres do mato e aproveita para mandar a sua mensagem. Quando quer saber informações de determinadas áreas, o capitão utiliza várias pessoas que vão desde comerciantes a soldados ou aos homens grandes da tabanca, nomeadamente soldados da milícia. Quando isso acontece, o capitão autoriza que se façam despesas nas casas comerciais, em tabaco e em cana, para se criar um clima de confiança. Por vezes é um trabalho demorado mas permite ao capitão ficar a saber o que se passa na mata à sua volta. (...) (pág. 102)-

Chegaram a estar em Bedanda, num só dia,  uma centena de "mulheres do mato" que o cap Cristo também usava para fazer a sua "psico" e obter informações sobre o que se passava do lado de lá, ao mesmo tempo que aproveitava para  transmitir "recados" aos "homens do mato", e em última análise ao 'Nino' Vieira:

(...) "No dia seguinte, às onze e meia da manhã, mais de 100 mulheres estavam
concentradas no pelotão da cantina. O capitão tinha mandado recolher aos abrigos todos os soldados. Além disso, tinha avisado a tabanca, o administrador e todos os comandantes de pelotão de que a artilharia iria fazer fogo ao meio-dia". (...) (pág. 272).

Segundo o cap Cristo, o 'Nino' teria estatado inicualmente na tropa portuguesa, dizia-se. E tinha estado justamente em Bedanda. Razão por que Bedanda era um "espinho encracado" na sua garganta (pág. 269). Daí a tentativa, gorada, de um dia tentar conquistar, ocupar e ou destruir Bedanda. Falava-se num força de 800 homens. (Vd. capáitulos "Os 800 do Nino", pp. 269-273).

(...) Utilizando o cabo Francisco o capitão dirigiu-se às mulheres.
─ Soube que os vossos maridos e filhos se preparam para atacar Bedanda para matar o nosso capitão. Mas nosso capitão não tem medo nem que venham mil guerrilheiros. Nosso capitão sabe que Nino só ainda tem 800 para o vir atacar. Digam-lhe que é pouco. Para entrar em Bedanda e matarem nosso capitão precisa de muito mais gente. Nosso capitão não foge suma galinha. Quem foge suma galinha são os vossos maridos, são os guerrilheiro do Nino. Traduz para elas." (...) (pág. 272)

Mas, como vimos com a história do soldado 25, o sistema também funcionava a favor do PAIGC. Digamos que havia um "modus vivendi" que agradava a todos, por muito insólito que isso possa parecer hoje aos olhos dos nossos leitores que não conheceram o sector S3... Noutros sectores como o L1 (Bambadinca), que eu cnheci (em 1969/71) as coisas não funcionavam assim: as "mulheres do mato" arriscavam ser emboscadas, presas ou mortas, quando se dirigiam a Nhabijões e a Bambadinca, cambando o rio Geba,  para visitar os parentes e/ou fazer compras...

(Continua)
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Notas do editor:

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23488: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte IV: mais gentes de Bissá, c. 1970


Foto nº 1A > Guiné Região do Oio > Bissá > c. 1970 > Celeiros para a bianda... O capelão é o primeiro, de perfil, à direita (1): manifesta curiosidade e boa disposição olhando para o Periquito-massarongo [, nome científico Poicephalus senegalus], quje o alferes,comandante do destacamento,ostenta ao ombro.


Foto nº 1 > Guiné Região do Oio > Bissá > c. 1970 > Celeiros para a bianda... O capelão é o primeiro, de perfil, à direita (2)... Encostado a um dos potes de barro (onde se guardava o arroz), está o alferes mil, comandante do destacamento, cujo nome ignoramos (deveria pertener à CCAÇ 2587 ou à CART 2411, dependendo da data em que a foto foi tirada, antes ou depois de 5/3/1970, altura em que a CCAÇ 2587 rendeu a CART 2411).


Foto nº 2A > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 >  Edifício da escola > Entrada de alunos (1)


Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 >  Edifício da escola > Entrada de alunos (2)


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 >   A tabanca vista de helicóptero,  AL III


Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 > O chefe da tabanca e família


Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 > Há festa na aldeia...


Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 > Há festa na aldeia ... e "cabeças grandes" (em consequência do excesso de "vinho de palma")...


Foto nº 6 > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 > Bajuda construindo roncos


Foto nº 7 > Guiné > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > c. 1970 > Bajuda no pilão...


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/ d > c. 1970 > Tabanca e destacamento de Bissá.  

Os militares que se vêem nas fotos possivelmente pertenciam à CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885, que em 5mar70, rendendo a CArt 2411, assumiu a responsabilidade do subsector de Porto Gole, com um destacamento em Bissá.

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71).

Organização e a seleção feitas pelo seu amigo e nosso camarada Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa) e Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971) (médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996, vivendo então em Abrantes; hoje vive em Tomar).

O José Torres Neves é missionário da Consolata, ainda no ativo. Vai fazer 86 anos. Vive num PALOP. Esteve no CTIG, como capelão de 7/5/1969 a 3/3/1971, sendo alferes graduado.

As fotos (de um álbum com cerca de 200 imagens) estão a ser enviadas, não por ordem cronológica, mas por localidade, aquartelamentos ou destacamentos do sector de Mansoa. Sobre Bissá, temos cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue. A tabanca (e o destacamento) de Bissá  ficava a oste de Porto Gole.
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de junho de  2022 > Guiné 61/74 - P23369: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado  capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte III: tabanca balanta e destacamento de Bissá, c. 1970

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23280: Notas de leitura (1447): “Guiné-Bissau, dos povos à nação, uma longa marcha de sofrimento”, por Malam Sambú; edição de autor, Macau, 1999 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Nada de espetacular neste achado, trata-se de um grito de alma de um guineense que se diplomou na República Popular da China e trabalhava na Universidade de Macau ao tempo desta edição de autor, para a qual nunca ouvira qualquer referência. Agradece ao nosso confrade António Estácio o apoio dado na pesquisa bibliográfica. Apresenta alguns aspetos curiosos nas referências que faz às etnias, é manifesto que tinha a história da presença portuguesa na Guiné muito colada com cuspo, daí a sua digressão errática. As mãos não lhe doem na acusação que faz de todos os excessos do regime a partir do Estado. Um documento que fez época, de alguém que na diáspora não se conformava com a violência e o caos em que se encontrava a Pátria.

Um abraço do
Mário



Guiné-Bissau, dos povos à nação, uma longa marcha de sofrimento

Beja Santos

“Guiné-Bissau, dos povos à nação, uma longa marcha de sofrimento”, edição de autor, Macau, 1999, é escrita de Malam Sambú, natural de Mansoa, licenciado em Engenharia Elétrica e Eletrónica pela Universidade de Nanjing, China, e no momento em que deu à estampa este seu livro trabalhava na Universidade de Macau. É uma obra que possui uma narrativa divulgativa sobre determinadas etnias depois de apresentar a geografia do país, fala igualmente da chegada dos europeus (infelizmente com muitos dislates, incorreções, inverdades e até saltos bruscos na narrativa histórica) após uma descrição sumária da luta armada revela ao que vem, no essencial: traça um libelo acusatório do regime ditatorial de Nino Vieira.

Vê-se que estudou a preceito um conjunto de etnias (não trata de todas e das que trata revela manifesto desequilíbrio expositivo) e enuncia um conjunto de curiosidades que vale a pena repisar. Falando dos Balantas diz que, de entre o grupo animista eles são os mais demorosos integrando um longo bloco étnico que se estende por toda a costa senegalesa até à Costa do Marfim. A ausência de Estado explica a falta de menção quanto à sua tradição histórica. Descreve os diferentes escalões na estratificação etária, é um dos pontos curiosos da sua exposição. Os Balantas são grandes produtores de arroz. Não aceitaram pacificamente a imposição colonial de terem chefes vindos de povos islamizados, como muitos outros autores já observaram, esta base de contestação propiciou a grande adesão à luta armada desde a primeira hora.

Os Papéis, ou Pepéis, dispõem de uma organização social hierarquizada semelhante aos Mandingas e quanto à língua aparentam-se com os Brames. São originais do Sul da Guiné, da região de Quínara, foram-se deslocando para a ilha de Bissau onde criaram vários regulados, todos eles religiosamente subordinados aos Beafadas, cujos ídolos ainda hoje veneram. Para além da ilha de Bissau, distribuem-se ao longo do Litoral, desde a mata de Putama até ao rio Cacheu. Na ilha de Bissau existe um local conhecido pelo nome de Enterramento, o qual possui uma grande carga histórica. Fica na zona compreendida entre Brá e Bor, onde se encontram enterradas algumas personalidades guineenses mais importantes, caso do régulo Bacampolõ Có.

Os Mansoanques ou Suénes têm a sua difusão étnica no Norte da Guiné-Bissau. A região compreendida entre Farim e Mansoa era predominantemente habitada pela etnia Mansoanque, originários de uma cisão havida nos Beafadas. Na sequência da guerra santa que lhes foi movida pelos Mandingas, o grupo Mansoanque sofreu uma enorme retenção, é hoje um dos grupos étnicos mais reduzidos da Guiné-Bissau. Em virtude da grande semelhança que existe entre os apelidos Mansoanques e Beafadas, há quem admita mesmo que estas etnias tenham feito parte da mesma família. Há uma enorme semelhança entre apelidos, por exemplo Sambú, Djassi, Soncó e Mané.

Os Mandingas são descendentes dos povos oriundos do Sudão Ocidental e da Etiópia. Sabe-se que no século XIII os Mandingas de Malinke, sob o comando do general Sundiata Ketá estabeleceram-se na região do Gabú. A Guiné torna-se um membro do vasto império do Mali sendo dirigida por um Farim (Governador) que normalmente era escolhido de entre as famílias Mané e Sané. O Gabú era o principal estado Mandinga. No Nordeste, na margem direita do Geba, os Mandingas formaram os reinos de Oio e de Braça. Para além do território guineense havia também outros pequenos reinos mandingas nos territórios vizinhos, tais como os do Vale do Gâmbia. Diz também Malam Sambú que os Mandingas ou Incas são originários do Oio.

Fala sumariamente dos Fulas, Bijagós, Beafadas, Nalus, Cocolis, Nhomincas, Banhuns, Cassangas e Manjacos.

Temos depois o histórico da presença dos povos europeus com destaque para os portugueses. Não deixa de referir que o trabalho forçado teve uma presença pouco expressiva, sendo praticamente utilizado pelas autoridades administrativas na construção e manutenção de estradas de terra batida.

Esquematiza as diferentes etapas da luta armada e após referência à chegada entusiástica do PAIGC ao território da Guiné-Bissau faz um rol da caça às bruxas, purgas, assassinatos, execuções sem qualquer tipo de julgamento, refere invenções de golpes como o alegado preparativo de um golpe de Estado por parte dos Antigos Comandos Africanos de que nunca se apresentou um documento de acusação fidedigno, contextualiza o terror permanente das arbitrariedades da polícia secreta.

E assim chegamos ao seu território de eleição, após o 14 de novembro de 1980 a ascensão de um processo ditatorial onde o autor é meticuloso a expor os crimes e extorsões praticados por Nino, incluindo a falsificação dos atos eleitorais, o assassinato dos rivais, como Paulo Correia, a sua vida luxuosa, a sua desbragada vida sexual destruindo matrimónios e enxovalhando famílias, os seus investimentos no estrangeiro, a venda de armas aos rebeldes do Casamansa, o progressivo descalabro dos Serviços Públicos. Talvez dado o facto de trabalhar em Macau, reporta a venda de passaportes a chineses que nem sabiam onde ficava a Guiné-Bissau… Usa uma linguagem crua, não se coíbe de dizer que o expoente máximo da ladroagem era personificado por Samba Lamine Mané.

E assim chegamos à questão das armas do Casamansa, diz taxativamente que Nino tinha uma percentagem na venda das armas mas que Ansumane Mané também não tinha as mãos muito limpas, o que acontece é que todo o círculo militar estava inteiramente informado de que iria ocorrer uma nova purga e foi nesse contexto que se iniciara o sangrento conflito político-militar com a chegada de tropas estrangeiras.

Este professor universitário é uma voz solitária, apresenta mesmo um manifesto propondo o saneamento político do país. É evidente tratar-se de uma obra datada, nunca tivera qualquer referência à sua existência, é a felicidade de vasculhar os vastos descritores da Guiné-Bissau na Biblioteca Nacional que possibilitam estes achados.

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23266: Notas de leitura (1446): “Cartas à Guiné-Bissau, Registos de uma Experiência em Processo”, por Paulo Freire; Moraes Editores, 1977 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 10 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23251: Antropologia (43): Os futa-fulas fazem cortes distintivos nos temporais, mas não são os únicos a fazé-lo na Guiné e na região (Cherno Baldé)

Crianças da Guiné-Bissau. Com a devida vénia a CNBB


1. Mensagem do nosso camarada Constantino Neves (mais conhecido por "Tino Neves", ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), com data de 2 de Maio de 2022, pondo uma questão que enviei para o nosso amigo e colaborador permanente para os assuntos Étnico-Linguísticos, se pronunciar:

Camarada Carlos Vinhal.
Vou contar não uma história mas sim um acontecimento que me aconteceu com um jovem Fula ou Futa-Fula.
Já se passaram mais ou menos 2 anos, no Fórum Almada (Centro Comercial de Almada).
Estava eu numa fila para almoçar, quando chegou perto de mim um jovem guineense, afirmo desde já que seria um guineense, pelo facto de ter nos temporais um corte, que é um sinal para distinguir os Fulas dos Futa-Fulas, mas como eu já não me recordo a diferença de um corte dos que têm dois cortes, tive a ousadia de lhe perguntar se era Fula, apontando para os meus temporais? Ele teve uma reação que eu não esperava, olhou-me dum modo que eu interpretei por ódio ou algo parecido, e desapareceu.
Não é meu hábito interrogar todos os negros que encontro, mas quando por algum facto acabo por entabular conversa com algum, acabo por perguntar sempre qual a sua origem.
Pensei agora contar esta história e pedir ao Cherno Baldé, que é a pessoa indicada para nos esclarecer, pois nem todos os ex-combatentes da Guiné têm conhecimento disso.

Abraços
Tino Neves
Almada

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2. Mensagem/resposta do Cherno Baldé em 4 de Maio:


Caro amigo Carlos,
Em resposta a questão colocada por Constantino Neves, tenho a dizer que a questão nao é assim tão simples de responder porque, para isso precisava de mais elementos (físicos sobretudo). O tempo que o Constantino fez em Gabu podia permitir-lhe reter algumas caracteristicas peculiares e distintivos dos fulas e/ou futa-fulas, todavia o que é obvio para um guineense pode ser complicado para um portugués (europeu). Os futa-fulas fazem cortes distintivos nos temporais, mas não são os únicos a fazé-lo na Guiné e na região. Também os balantas fazem cortes nos temporais e, às vezes, na testa, mas, geralmente, são mais pequenos e finos e também mais difíceis de enxergar.

Os futa-fulas, de cor de bronze, mais claros de pele, antigamente (agora sáo mais raros) traziam dois cortes ligeiros e pouco profundos mas bem visíveis nos temporais, enquanto que os fulas boencas (das colinas do Boé), por serem fulas assimilados, faziam dois cortes maiores, mais fundos e mais compridos (muito feios) para além de terem uma cor mais escura. Porque razão se faziam estes sinais nos corpos das pessoas em África?

Ainda não se fizeram estudos de investigação sobre estas marcas de distinção rácica em Africa e na nossa sub-região em particular, mas as razões podem ser várias, e entre as mais importantes, posso citar as guerras, as razias e as constantes movimentaçoes de uma zona para outra (nomadismo económico) a que estas populações estavam sujeitas em virtude das suas actividades económicas (criação de animais) e pela necessidade das frequentes mudanças de uma região para outra acompanhado do seu gado, atravessando regiões onde nem sempre eram bem vistos e recebidos.
O fenómeno de roubo de mulheres e crianças também era normal e bem conhecido em diferentes regiões de África, durante muito tempo e o aparecimento do comércio de escravos veio piorar esta situação em que famílias inteiras desapareciam na natureza sem deixar rastos.

Na Guiné, os fulas ainda acreditam que os seus vizinhos balantas, para além de bons "ladrões de gado", também eram bons "ladrões" de mulheres e crianças e não é em vão que temos (fulas e balantas) quase as mesmas características fisionómicas, exceptuando aquelas que fazem deles os mais exímios lutadores assim como os melhores trabalhadores da região.

Acho que o tal jovem não era fula, provavelmente o Tino confundiu um jovem balanta, com dois cortes ligeiros nos temporais, com um fula e daí a irritação do mesmo que não gostou daquela confusão que, na sua cabeça de balanta orgulhoso, não tolera ser tomado por um fulazinho (pequeno fula, como dizem) e pior ainda de um futa-fula da Guiné-Conacry (Nania - termo depreciativo). Na Guiné-Bissau, as etnias em geral são muito orgulhosas e bem ciosas da sua pertença étnica e da sua cultura, situação que começa a mudar ligeiramente nas cidades e sobretudo no meio das novas gerações, mas que a classe política e o aproveitamento político de cariz tribal, tende a perpetuar por mal da nossa Guiné.

Resumindo:
Se o corte fosse um só nos temporais e/ou no fronte (testa), de certeza que não era fula. Podia ser balanta, da mesma forma que poderia se tratar de uma outra etnia menos conhecida. Os futa-fulas faziam dois cortes nos temporais, podendo ser pequenos ou grandes.

PS: Carlos, ainda tenho na memória a interessante história do "menino" do Manel Joaquim, o Kunte, que era de uma família Balanta-Mané do Norte e quando foi confrontada com o aparecimento de um menino que procurava os seus familiares, a mãe só teve a certeza de que era seu filho após examinar e reconhecer os sinais no corpo da criança que tinha acontecido por um acidente, quando era criança, mas que, para eles serviu como uma marca de identificação para todo o sempre. As marcas serviam para casos como esses em que um dos familiares pudesse ser raptado ou se ter perdido e fosse necessário identificar suas origens étnicas e/ou clânicas.

Com um abraço amigo,
Cherno Baldé

********************

3. Mensagem de Tino Neves, reagindo à explicação do nosso especialista antropólogo, Cherno Baldé:

Amigo Cherno.
Os meus agradecimentos pelos seus esclarecimentos.
De facto, desconhecia que havia outras etnias com essa prática.
Eu pensei, que o jovem fosse futa-fula, pelo facto de eu saber que o termo significava de algum modo "Fula de segunda", mas não tinha a certeza, dai o meu pedido, que agradeço mais uma vez. Para esclarecer mais um pormenor de que expõe: O jovem era bem negro e só tinha um corte, que julgo ser dos profundos.

Abraços
Tino Neves
Almada
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22076: Antropologia (42): "Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa", por Manuel Belchior (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 3 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23224: A nossa guerra em números (16): A "força africana" em 1972: mais de 20 mil homens em armas, segundo o enviado especial do "Diário de Lisboa" ao CTIG



Guiné > s/l [Bambadinca ?] > s/d [c. 1971/73] > A Força Africana... O major inf Carlos Fabião, na altura (1971/73),  comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen António Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias.(*)

In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola,  Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autores das fotos: desconhecidos. (Reproduzidas com a devida vénia)


1. Estes dados  foram  retirados do trabalho do jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues,  enviado em julho de 1972, à Guiné, por convite (e com garantias) de Spínola . 

Merecem o devido destaque, salvaguardadas as necessárias reservas por não se tratar de uma fonte independente... Nomeadamente, os que respeitam aos efetivos do PAIGC  e à população sob o seu controlo. Não é por acaso que o jornalista deu ao conjunto desses quatro artigos de reportagem o título de "Guiné, uma crónica imperfeita" (**)


TERRITÓRIO:

(i)  "A superfície cresce e diminui todos os dias, consoante as marés, situando-se numa média de 32 mil quilómetros quadrados, com 193 quilómetros na extensão Norte-Sul e 330 de Leste a Oeste".

(ii) "A estas condições geográficas tão difíceis para um exército tradicional, vem juntar-se uma fronteira de 750 quilómetros, completamente aberta tanto no aspecto físico como no povoamento".


POPULAÇÃO:

(iii) "Bissau afirma controlar 487 448 habitantes (foram os que se deixaram recensear em 1970), mantendo-se outros 27 174 em 'zonas de duplo controle' ".

(iv) "No Senegal vivem 60 000 refugiados, e na Guiné 20 000, segundo informa o Comando-Chefe, apoiando-se em  dados da Comissão de Refugiados da ONU".

(v) "A ser assim, 89,5 por cento dos guinéus viveriam no interior do TO (teatro de operações) e 82 por cento do total estariam sob controle português."

(vi) "Numa população que em 1970 era de 594 622 habitantes, os balantas seriam em 1963 perto de 200 mil, isto é, cerca de metade dos guinéus [ erro de cálculo do jornalista, é um  terço e não metade] . Uma maioria trabalhadora e explorada que forneceu à guerrilha os seus primeiros combatentes. Um povo dividido, combatendo, com o PAIGC os fulas, dominadores e contra o PAIGC, ao lado de outros fulas da Força Africana".


PAIGC:

(vii) "Os dois mil combatentes que (...) actuam dentro das fronteiras, manobram a partir das 'zonas sob duplo controle' (...), situadas ao longo do corredor florestal e particularmente nas proximidades de Bissorã / Mansabá / Canjambari, confluência do Geba/Corubal, e sobretudo na zona ao sul do rio Buba, à volta de Catió".

(viii) "Outra zona 'quente' situa-se perto do Cacheu, junto ao rio do mesmo nome, alastrando pelas florestas  ao norte do Bachile e do Pelundo".

(ix)  "Calculam-.se em 7 000 os combatentes do PAIGC actuando a partir de 25 bases da fronteira senegalesa e de 8 da República da Guiné, incluindo aqueles que se encontram dentro do TO".

(x) "Militarmente,  as forças do PAIGC estão estruturas em 'corpos de exército' integrados por um comandante, um comissário político, dois chefes de destacamento e três unidades: um grupo de bazookas, ou lança granadas foguete; uma bateria de artilharia, ou de armas pesadas de infantaria, como morteiros ou canhões sem recuo; e quatro bi-grupos. Cada bi-grupo é constituído por dois agrupamentos de trinta e cinco homens (agora reduzidos a vinte e cinco)".


FORÇA AFRICANA:

(xi) "Compõem a  Força Africana perto de 5 mil soldados regulares, cerca de 6 mil milícias e mais de 6 mil auto-defesas, além de outros 5 mil homens enquadrados na guarnição normal".

(xii) "Os regulares negros estão enquadrados em companhias de comandos africanos (uma outra está a ser constituída) com oficiais nativos, destacamentos de fuzileiros (e mais um em constituição) com alguns quadros negros, e ainda doze companhias de caçadores instaladas no 'chão' das suas etnias e igualmente comandadas por alguns graduados nativos. São a grande tropa de elite da guerra da Guiné, capazes de aguentar uma operação  de quatro a cinco dias nas zonas mais 'quentes' do mato, e sempre com um arrojo e ferocidade de fazer tremer a selva",

(xiii) "O corpo de milícias (nove semanas de instrução) é constituído por elementos novos com farda e soldo. São uma espécie de militares em part-time, com a missão fundamental de defesa das populações que habitualmente protegem durante a noite e acompanham nos trabalhos do campo. São todos voluntários, mas só em circunstâncias especiais participam em operações".

(xiv) "As auto-defesas são constituídas por civis nativos, sem instrução militar". (***)





Guiné > s/l > PAIGC > Novembro de 1970 > Um bigrupo (em geral, constituído por 30/40 elementos). Na foto contam-se 27 guerrilheiros. Repare-se que na sua generalidade  usam sandálias de plástico (só um usa botas de lona) e há uma grande indisciplina no vestuário. Metade não usa boina ou barrete. Quanto ao armamento, vemos dois apontadores de RPG, e o resto empunha armas automáticas (Kalash, PPSH, Degtyarev...)

Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. E  alegadamente. terá sido tirada   em "região libertada" (sic).

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI)  (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda. 

Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9526: As novas milícias de Spínola & Fabião (1): excerto do depoimento, de 2002, do Cor Inf Carlos Fabião (1930-2006), no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (Arquivo de História Social, ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)

(**) Vd. poste de 2 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23222: 18º aniversário do nosso blogue (10): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte III: 30 de agosto de 1972: uma formidável máquina de guerra africana contra o PAIGC

(***) Último poste da série > 15 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23079: A nossa guerra em números (15): Segundo o investigador Ricardo Ferraz, do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, a guerra colonial (1961/74) custou ao Estado Português, a preços de hoje, e na moeda atual, cerca de 21,8 mil milhões de euros

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23140: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte II: Histórias pícaras: (i) Os matraquilhos e a astúcia do capitão; (ii) Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota; (iii) As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião


Guiné > Região de Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1964/66) > c. 1965 > A ganadaria da "companhia do quadrado"..

Fonte: Belimiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira: "A nossa luta: dois anos de muita luta: Guiné 1964/66, CCAÇ 675)" (edição de autor, il.. Lisboa, 2017, 606 pp.). Com a devida vénia... (*)

1. Eis  algumas histórias,  já aqui contadas em 2009, pelo José Afonso (ex-fur mil, 3º Gr Comb, foto à esquerda), sobre o cap Salgueiro Maia e os demais bravos da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). (**)


(i) Os matraquilhos e a astúcia do capitão

 Quando a Companhia de Cavalaria embarca em Lisboa, leva já consigo a sua 1.ª receita: um jogo de Matraquilhos que em 6 dias de viagem esteve sempre ao serviço. Trabalhava de dia e noite sem parar. Foi um bom Fundo de Maneio. 

Quando chegámos a Bula, o mesmo jogo foi posto em frente do alçado da caserna dos soldados da Companhia, continuando ali a dar a receita pretendida.

Talvez vendo a fonte de receita que ali tínhamos, o Comandante do Batalhão   [BCAÇ  2928] pede a Salgueiro Maia que mande retirar dali os respectivos matraquilhos, pois estavam em local central do Batalhão e não davam muito bom aspecto.

Não se tendo conseguido nessa altura demover a tomada de posição do Comandante do Batalhão, lá tiveram que ir os Matraquilhos para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard. Aqui a receita era insignificante já que os homens eram muito menos, e também nem sempre o pessoal da Companhia ou Batalhão se deslocava cerca de 300 metros para jogar matrecos.

Salgueiro Maia tinha de arranjar maneira de os matrecos regressarem à origem. Como o Batalhão tinha falta de padeiros e os dois da Companhia estavam emprestados ao Batalhão, Salgueiro Maia vai dar a volta ao Comandante, dizendo que, com a falta de pessoal que tinha, necessitava dos padeiros da Companhia para alinharem para o mato. Levava já na manga a hipótese de deixar os padeiros onde estavam e, como contrapartida, os Matraquilhos regressarem ao Batalhão e colocados nas traseiras da caserna.

A esta proposta o Comando do Batalhão cedeu e uma vez mais Salgueiro Maia venceu.


(ii) Uma heli-evacuação  e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota

Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate,  é solicitada a evacuação por via aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira que,  ao ver o soldado Santos sem roupa,  diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.


(iii) As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião

Em Abril de 1972 aos elementos da Companhia que estavam no período de descanso, Salgueiro Maia pede voluntários para ir ao Km 13 da Estrada Bula – S. Vicente onde o 1.º Pelotão da Companhia estava emboscado e necessitava de apoio devido a um grupo de Balantas, que vinha do Senegal onde tinha ido roubar vacas, ter caído no campo de minas e algumas vacas andarem na estrada. Assim vão elementos da CCAV 3420 até ao local.

São apanhadas 2 vacas que são carregadas numa GMC. Satisfeitos os elementos da Companhia, com Salgueiro Maia à frente entram em Bula, gritando:
- Queremos carne.

À entrada do Batalhão   [BCAÇ  2928]  está o Comandante que manda parar a coluna de 4 viaturas. Quando se pensava que ia dar um louvor aos voluntários, houve-se uma reprimenda do Comandante por a tropa vir a fazer muito barulho e, dá ordens para que a coluna entre na sede do Batalhão (a CCAV 3420 era uma Companhia de Cavalaria independente mas de reforço ao Batalhão de Infantaria). Toda a actividade mais perigosa era desempenhada pela 3420.

Contrariando as ordens do Comandante, Salgueiro Maia manda avançar a coluna para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard 2641 que ficava aí a 300 metros do Batalhão pois, era ali que as vacas iriam ser comidas. Ao regressar ao Batalhão o Comandante dá ordem a Salgueiro Maia para que entregue as vacas porque diz ele que todo o material capturado ao IN tem de ser entregue ao Batalhão. Salgueiro Maia diz então que as vacas não foram capturadas, mas sim oferecidas e que foi o pessoal da Companhia que as foi buscar estando de descanso e o Batalhão não mandou sair nenhumas forças.

Mais diz Salgueiro Maia:
- As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião.

José Afonso (2009)

 (Continua)


[ Revisão / fixação de textos  e títulos, paar efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]
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Notas do editor:

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23130: Fotos à procura de... uma legenda (164): Bindoro, fevereiro de 1970: Unimog 404, em movimento, com militares e civis (balantas) à mistura, tirada pelo capelão Neves, da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Coluna, com elementos civis, de etnia balanta. (*)

Foto (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Esta foto, do álbum do nosso camarada José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), merece uma "melhor legenda", mesmo em dia de mentiras (como é tradicionalmente o 1 de abril).

Fica aqui o desafio aos nossos leitores, que são bons observadores (**). Acrescentamos apenas que:  

(i) foi tirada em andamento (e até está ligeiramente tremida); 

(ii) aquando de uma coluna para Bindoro (ou vinda de Bindoro, não podemos precisar), no sector de Mansoa;

(iii) em fevereiro de 1970;

(iv) vendo-se  que, no Unimog 404, se misturam,  num equilíbro difícil, civis (balantas, homens e mulheres) com militares que fazem a segurança...
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de maeço de  2022 > Guiné 61/74 - P23125: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte I: Destacamento de Bindoro fevereiro de 1970, guarnecido por forças da CCAÇ 2588


Podia também ser publicada na série "Passatempos de verão" (embora ainda estejamos na primavera):

terça-feira, 29 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23122: (In)citações (202): Criei o Pel Caç Nat 57, construi o destacamento de Bindoro, a pá e pica, e vivi diaramente, ombro a ombro, com esses fantásticos balantas da região do Oio (Fernando Paiva, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 57, Mansoa, Bindoro e Bolama, 1967 / 1969)


Brasão do Pel Caç Nat 57, "Os Intocáveis".
Imagem da coleção do © Carlos Coutinho (2011),
reproduzida com a devida vénia...
Também disponível aqui,


1.  Comentário  do Fernando Paiva ao poste P23099 (*)

Data - terça, 22/03/2022, 21:48

Assunto - Bindoro

Caro Luís Graça,

Muito obrigado por esta mensagem (*).

Cheguei ao Bindoro, em maio de 1967, com o Pel Caç Nat 57, para lá instalarmos um Destacamento. 

O objetivo principal era impedir o abastecimento de arroz por parte do PAIGC, junto daquela aldeia balanta, de facto abundante em arroz, dada a grande fertilidade das suas bolanhas. 

Por lá fiquei, até julho de 68. Nesse período, o comando militar era exercido pelo BCaç 1912, sediado em Mansoa.

Por pouco tempo, o acompanhamento espiritual foi exercido pelo Padre Mário de Oliveira (recentemente falecido) a quem não deram tempo para ir ao Bindoro.

Das fotos (Missa no Bindoro) (*), reconheço aquela barraquinha feita de adobes. Era onde eu dormia e guardava documentação. Depois de três meses a dormir ao relento, seguidos de outros  seis no abrigo subterrâneo, era um hotel de 3 estrelas. Até cortinas tinha (pano que servira de saco para a farinha!).

Tive um Furriel Mexia. Será este Joaquim Mexia Alves? Pelo sim, pelo não, agradecia uma nota de esclarecimento do próprio.

Tenho alguns apontamentos escritos daqueles 14 meses que passei no Bindoro e que posso partilhar com aqueles que, também, por lá passaram. Mas onde estão eles? Onde estamos nós?

Um abraço
Fernando Paiva

2. Mensagem, mais antiga, do Fernando Paiva (**)
Data - domingo, 20/11/2011, 19:03



Caro Luís Graça,

Tomei conhecimento deste seu trabalho de promover ligações entre gente que esteve na Guiné, através duma sua amiga, Laura Fonseca,  que conheci, recentemente.

Também estive na Guiné, de Abril de 67 a Abril de 69.

Fui, em rendição individual, para criar o Pelotão de  Caçadores  Nativos 57, em Mansoa. A pá e pica, construímos o Destacamento de Bindoro, onde permaneci, até Julho de 68, quando fui transferido para Bolama.

Vivi, diariamente, quase ombro a ombro, com aqueles fantásticos Balantas, gente muito boa e corajosa, que aprendeu, às suas custas, a melhor maneira de coexistir com a tropa e o PAIGC, num “jogo de cintura” que eu julgo ser muito comum, em períodos de guerra civil, como foi aquele em que se viveu, na Guiné.

Gostava de ter alguma informação, quer da gente do Bindoro, quer dos militares, de cá e de lá, com quem partilhei alguns dos momentos mais emocionantes da minha vida.

Muito obrigado pela sua iniciativa e pela sua dedicação. (***)

Fernando Paiva
Amarante

3. Comentário do editor LG:

Camarada Paiva: volto a repetir em parte o que te escrevi em 2011, e que não sei  se chegaste a ler, uma vez que nunca deste sinais de vida, a não ser há dias...

Destaquei, na altura, o facto de teres: 

(i) sido um dos fundadores do Pel Caç Nat 57, e o seu primeiro comandante;

 (ii) andado por Mansoa e por Bindoro (cujo destacamento construíste, a pá e pica); 

e (iii)  e falado dos balantas com tão grande apreço e inteligência.

E, a propósito, também concordo contigo e assino por baixo, relativamente ao que escreveste sobre os teus balantas: "gente muito boa e corajosa, que aprendeu, às suas custas, a melhor maneira de coexistir com a tropa e o PAIGC, num 'jogo de cintura' que eu julgo ser muito comum, em períodos de guerra civil, como foi aquele em que se viveu, na Guiné").

Logo na altura, em 20/11/2011,  te  convidei para te "sentares aqui ao nosso lado, à sombra do nosso poilão, nesta Tabanca Grande que não tem muros, nem arame farpado, nem cavalos de frisa, nem abrigos, nem espaldões, nem ninhos de metralhadora... É um espaço de partilha de memórias e de afetos, onde cabem todos os camaradas da Guiné, sem qualquer distinção".

Por outro lado, e mais de dez anos passados, continuamos a não ter, na Tabanca Grande, nenhum representante do Pel Caç Nat 57, temos gente de (ou referências a) todos os Pel Caç Nat do 50 ao 70, com exceção do 62, 64, 66 e 68  (que também existiram). 

Serás o camarada certo para nos falares dessa unidade que ajudaste a criar.  O mesmo se passa com esse topónimo, Bindoro, um lugar de que também sabemos pouco. Se tens alguns apontamentos sobre as tuas vivências desses 14 meses que aí passaste, então partilha-os connosco, agora sentado à sombra do nosso poilão. 

Tenho o lugar n.º 860 disponível para ti, se me responderes na volta do correio. Só te peço que nos mandes as duas fotos, digitalizadas, da praxe: uma do "antigamente", e outro mais ou menos atual. Temos algumas "regras de convívio bloguístico" que já deves conhecer, e que podes reler aqui: as 10 regras da política editorial do blogue... (E uma das regras mais elementares é o tratamento por tu como antigos camaradas de armas, que beberam a água do Cacheu, do Mansoa, do Geba, do Corubal, do rio Grande de Buba, do Cumbijã, do Cacine....)

Um abraço de boas vindas. Ficarei muito feliz se te decidires juntar aos 859 "amigos e camaradas da Guiné", entre vivos e mortos. Um beijinho para a Laura Fonseca se a voltares a encontrar pelas tuas bandas: tem casa na Lixa, Felgueiras, era vizinha e amiga do saudoso padre Mário de Oliveira (1933-2022), que foi capelão, por 4 meses, do BCAÇ 1912, a que estiveste adido. Vejo a Laura com frequência (e falo com ela regulamente).

Luís Graça

Aproveito para te esclarecer que o Joaquim Mexia Alves, que vive hoje na Marinha Grande, não é nem podia ser o teu furriel Mexia, embora tenha também passado por Mansoa. É mais novo do que tu. É um histórico do nosso blogue, com quase 300 referências, foi Alf Mil Operações  Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; comandante do Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão e passou ainda pela CCAÇ 15, Mansoa, entre 1971 e 73. É o "regulo" da Tabanca do Centro (sediada em Monte Real, tertúlia que antes da pandemia se reunia todos os meses em almoço-convívio).


(***) Último poste da série > 24 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23107: (In)citações (201): Invasão da Ucrânia pela Federação Russa (3): Similitudes (Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec Inf do CMD AGR 2957)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23028: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XVII: A última operação no CTIG, em 31 de março de 1967: cerco e limpeza à tabanca de Bissá onde, explorando uma notícia do BCAÇ 1888, deveriam estar elementos IN numa festa


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969 / 1971) > 

Legendas:

Foto nº 1 > O António Rodrigues, em tromco nu, à esquerda, no porto fluvial de Bissá,na margem direita do Rio Geba,  durante um reabastecimento; Bissá era alvez um dos piores destacamentos que existiam na Guiné, principalmente nos períodos das chuvas, na opinião do autor das fotos;

Foto nº 2 > O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411 [Enxalé, Porto Gole e Bissá, 1968/70), subunidade de que não temos qualquer representant no nosso blogue;

Foto nº 3 > O António Rodrigues, no regresso de uma emboscada;

Foto nº 4 > Estrada de Porto Gole para Bissá e Mansoa.

Fotos do álbum de António Rodrigues, ex-1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2587, 3º Gr Comb / BCAÇ 2885 (Mansoa 1969/71). (O seu blogue, BCAÇ 2885, Guiné, 1969/71, não é atualizado desde 29 de abril de 2019; gostava que o António Rodrigues, que mora em Coimbra, integrasse a nossa Tabanca Grande.)


Fotos (e legendas): © António Rodrigues (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa de Porto Gole e Bissá, e de outras povoações na margem direita do rio Geba, abandonadas com a guerra, e que o nosso camarada João Crisóstomo, alf mil da CCAÇ 1439,  bem calcorreou, "em perigos e guerras esforçado"...


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


A CCAÇ 1439 teve como unidade mobilizadora o BII 19 (Funchal), partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967, tendo passado por Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole, Missirá, Fá Mandinga. O comandante era o cap mil inf Amândio Manuel Pires, já falecido. Alferes (milicianos): Freitas (Funchal, Madeira), Crisóstomo (Torres Vedras, hoje a viver em Nova Iorque), Sousa (Vila Nova de Famalicão), Zagalo (Lisboa, ator de teatro, já falecido).





João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)
(a viver em Nova Iorque desde 1977,
depois de ter passado por Inglaterra e Brasil)



I. Continuação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil at inf, CCAÇ 1439 (1965/67):


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque) (*)


Parte XVII :  A última operação no CTIG, em 31 de março de 1967: cerco e limpeza à tabanca de Bissá onde, explorando uma notícia do BCAÇ 1888, deveriam estar elementos IN numa festa



Desde o início do ano de 1967 até ao final da comissão da CCAÇ 1439 em princípios de Abril, a história da unidade (ou o  relatório do capitão, a que tenho acesso),  enumera um grande número de operações, sem sofrermos mais baixas e sem haver também grandes resultados contra o IN. 

 Parece até que era um “jogo do gato e rato”: as NT estavam resolvidas e teimosas em encontrar o IN “para fazer contas” e o IN decidido a não se deixar apanhar. Verifica-se porém o seu crescente poder de fogo como se viu pouco antes antes no ataque a Missirá. Alguns dos seus “acampamentos” apresentam já abrigos subterrâneos bastante profundos e espaldões,  o que sugere confiança e determinação de defenderem com sucesso as suas bases em caso de ataque das nossas forças. Felizmente connosco isso nunca chegou a suceder, tendo o IN escolhido fugir sem resistência, limitando-se na maioria das vezes a fazer flagelações de longe para nos indicar que sabiam da nossa presença. 

 Essa situação iria mudaria para pior, depois de termos regressado, como se viu numa das operações levada a efeito pelas tropas que sucederam à CCAÇ 1439 em que houve avultado número de mortos, tanto das tropas regulares como das milícias de Porto Gole incluido o régulo Abna na Onça e, segundo me contaram, o abandono dum destacamento em Bissá, construido quando a CCAÇ  1439 já tinha regressado.

Tomei parte em várias destas operações aqui mencionadas e, salvo o contínuo cansaço pelo grande esforço que isso impunha a todos, uma vez que não tivemos baixas,  nada me causou suficiente trauma para me lembrar de pormenores e por isso pouco lembro já destas operações.

Mas para que conste vou mencioná-las todas, as operações mencionadas no relatório, fazendo um resumo tão sucinto quanto possa, dando destaque a alguma coisa que mereça especial atenção e que não deve ficar em completo esquecimento.

Dia 9 de Janeiro de 1967

Realizou a Operação Hipnose. Patrulha de reconhecimento e combate à região de Madina / Belel e picada para Queba Gila. As NT accionaram uma armadilha anti-pessoal que só funcionou parcialmente e o IN disparou de longe, mas furtou-se ao contacto.


Dia 5 de Fevereiro de 1967

Efectuou-se a Op Hóstia em Chubi para exploração immediata duma informação recebida. Realizado um golpe de mão,  foram capturados dois homens e uma bajuda. Esta foi entregue ao chefe da tabamca e os prisioneiros entregues no batalhão.


Dia 17 a 25 de Fevereiro de 1967

Embora sem grandes acontecimentos de destaque, dada a dimensão desta operação, copio na íntegra o que consta:

(...) " A CCaç 1439 com um efectivo de três grupos de combate participou na Op Farejar 2 sob o commando do Exmo 2º comandante do BCaç 1888, desenrolada na região de Sarauolo e Mantem,

Em 17 e 18 concentração das NF em Porto Gole.

Em 19 aproximação para a 1ª base de patrulhas, seguindo o itinerário de Porto Gole, Bessunha, Cãmanadu, picada para Naté Vale de Mansoa-Vale de Mansoa para Oeste até S de Mantem.

Em 20 patrulha de reconhecimento à região de Mantem.

Em 21 transferência de base de patrulhas para Mantem.

Em 22 reconhecimento à zona de Sarauolo.

Em 23 transferência da base de patrulhas de Mantem para a região vizinhança de Vale de Mansoa.

Em 24 emboscada na região de Mantem.

Em 25 regresso ao quartel.

Resultados obtidos  –Baixas infligidas ao IN . Confirmadas: Uma

Baixas prováveis não confirmadas; Três

Destruição de 6 acampamentos do IN abandonados.

Destruidos cerca de 12,5 toneladas de arroz,  além de vários objectos de uso normal domésticos e três canhangulos.

Verificou-se que os acampamentos IN tinham abrigos subterrâneos,bastante profundos e vários espaldões.

O IN flagelou por duas vezes as bases de patrulha. Não houve baixas na CCaç 1439.

Referência elogiosa do Ex.mo brigadeiro Comandante Militar

“ Comunico a V.Excia. que deve ser transmitida às Forças que intervieram na Op Farejar 2” o seu agrado pela determinação e entusiasmo com que executaram uma área totalmente desconhecida e aonde embora não não tivesse ( havido) contacto, se obtiveram muitos e bons resultados.” (...) 



Em 5 de Março de 1967

A CCAÇ 1439 realizou a Op Haraquiri, no Chão Balanta, que foi praticamente uma repetição da que teve lugar a 17 de Dezembro de 1966.


Em 8 de Março de 1967


Efectuou-se a Op Horizonte a qual consistiu num cerco e batida na tabanca de Colicunda,…

(...) "Resultados obtidos: foram capturados três elementos clandestinos desarmados em Colicunda que tinham cambado o Geba e que foram entregues no BCaç 1888. Foi capturada uma canoa contendo 300 kg de arroz os quais ficaram à guarda do Capitão Ebna Na Onça, também participante na operação, a fim de serem entregues à Administração.

"Referência elogiosa do Agrupamento no 1980: sobre as Op Haraquiri e a Op Horizonte pelos resultados obtidos”. (...) 



No dia 21 de Março de 1967

A  CCAÇ 1439 realizou a Op Heureca. Mais ou menos como as anteriores, IN detectou a aproximaçnão das NF, acampamento abandonado e flagelações.

Resultados: Capturadas duas granadas de mão ofensivs;  baixas infligidas ao IN em número não estimado. ão houve baixas nas NT.

Dia 31 de Março de 1967:  Ultima operação da CCAÇ 1439 na Guiné

Lembro esta operação por uma razão simples:

Eu e o meu pelotão estávamos em Missirá e pouco tempo depois foi de Missirá que o meu pelotão saiu para, juntamente com o resto da Companhia, irmos para Fá e daí para Bissau para o navio que nos levaria de regresso. Já não esperávamos mais saídas para nós.

Eu e o pessoal do meu pelotão que teve de participar nesta saida, ficámos surpreendidos pois “nas nossas contas”-- em que os pelotões em princípio “se revezavam nas saídas ao mato” “não era a nossa vez de sair”.

Por isso esta saida/surpresa não foi bem recebida por ninguém do meu pelotão. A mim pessoalmente custou-me pois me lembrava estar a chegar o dia do aniversário do meu pai. Eu, que desde o primeiro dia que cheguei à Guiné disse para mim mesmo que não valia a pena ter medos pois não dependia de nós o que nos ia suceder ou não, nesse dia senti receio de que agora nos últimos dias me sucedesse alguma coisa.

Mais confuso fiquei quando “foi sugerido” que a nossa companhia se ofereceu (o que duvido muito…) para fazer esta operação de última hora. Mas que podia fazer? Fui obrigado a “defender-me” dizendo que em tempo de guerra seguem-se as ordens sem as discutir, mesmo que não concordemos com elas; e que simplemente haveriam razões que eu desconhecia.

Copio na íntegra o que consta no resumo do capitão sobre este dia:

(...) "No dia 31 de Março de 1967 realizou a CCAÇ 1439 sua última operação denominada Hipoteca que consistiu num cerco e limpeza à tabanca de Bissá a fim de explorar uma notícia do BCAÇ 1888, que refere realizar-se uma festa em Bissá onde comparecerão provavelmente elementos IN.

Feito o cerco e limpesa não foram encontrados quaisquer elementos IN. Informações da população referiram que havia estado em Bissá nesse mesmo dia um grupo de 20 homens armados vindos da região de Mansoa, mas que os mesmos só demoraram o tempo necessário para comer.

Durante o regresso a Porto Gole através da picada de Sée e Chubi foi referenciado por um grupo de exploração que ia à frente, um grupo de dois elementos IN armados de P.M., os quais, mal se aperceberam da presença das NT, puseram-se em fuga disparando algumas rajadas de PM,

O grupo de exploração sem se importar com os disparos IN seguiu em perseguição dos mesmos tendo atingido um dos elementos.

Resultados obtidos -Baixas infligidas ao IN: Um morto confirmado

Material capturado: 1 Pistola Metralhadora Thompson nº 69565 | 1 carregador c/ 19 cartuchos PM.

Não houve baixas nas NT.

Foi distinguido nesta acção o soldado nº 6/65, Abel Fernandes Vieira de Jesus." (...)


(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de janeiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22940: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XVI: brutal ataque ao destacamento e tabanca de Missirá na véspera do Natal de 1966