Mostrar mensagens com a etiqueta diáspora. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta diáspora. Mostrar todas as mensagens

sábado, 3 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13087: Em busca de... (243): Anselmo Soares Moreira, ex-sold, CCAÇ 1419 (Bissorã, 1965/67), a viver em França... Próximo convívio da companhia: 10 de Maio, Rio Tinto, Gondomar (Manuuel Joaquim)




1. Mensagem, com data de 30 de abril último, do nosso leitor (e camarada) Anselmo Soares Moreira, residente em França:

Olá, um abraço a todos!... Venho por este email se caso seja possível me informarem:

Eu, Anselmo Soares Moreira,  soldado da companhia de caçadores 1419 que estive na Guiné em 65/67 em Bissorã, gostava de  saber se este ano, 2014,  fazem convívio,  pois como me encontro em França não recebo notícias, nem sei qual o motivo porque que não me enviam  correio para cá...

Pois se algum colega me pudesse informar,  eu agradecia. Obrigado.


2. Mensagem do Manuel Joaquim, a quem pedi que respondesse ao seu camarada de companhia:

Olá, Luís, muito boa tarde.

Irei contactar o meu camarada Anselmo Moreira mas não sei se ainda há tempo para ele poder comparecer na confraternização anual da CCaç 1419, a realizar no próximo dia 10 de maio no "Choupal dos Melros", Quinta dos Choupos, Fânzeres, Rio Tinto, Gondomar. As inscrições fecharam a 30 de Abril mas este facto não impede que o camarada Moreira compareça, caso o deseje fazer. Terá de falar com o organizador, o camarada Joaquim Silva e penso que alguma coisa se há de arranjar. Anexo o anúncio do acontecimento.

Votos de óptima e rápida recuperação. Espero que não te apaixones pelas canadianas e que as mandes dar uma volta o mais depressa possível! Até lá, aproveita bem esse convívio, trata-as bem que elas bem te querem também. Abraço amigo do

Manuel Joaquim
___________

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13004: 10º aniversário do nosso blogue (11): 40 anos depois do 25 de abril: "Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo" (Juvenal Amado)



Fotografia do francês Gérald Bloncourt [n. 1926] reproduzida com a devida vénia, escolhida por Juvenal Amado para ilustrar o seu texto. Legenda: GB fez o caminho a salto com um grupo de clandestinos e tirou algumas fotos. Esta é de março de 1965 e tem a seguinte legenda: 'Passagem clandestina de emigrantes portugueses nos Pirenéus.'  

Uma exposição temporária deste conhecido fotógrafo (que acompanhou a imigração clandestina portuguesa dos anos 60/70 e cobtri também a "revolução dos cravos") esteve no Museu Colecção Berardo, CCB, Lisboa, de 18/2 a 18/5/2008, sob o título "Gérald Bloncourt: pir uma vida melhor".


1. Texto do Juvenal Amado, enviado para comemorar os 10 anos de existência do nosso blogue e os 40 anos do 25 de abril, dia que ele viveu em Alcobaça, sua terra natal, acabado de chegar, há 20 dias, da Guiné


Vivemos tempos filho de outros tempos.

Somos ex-soldados, que de uma maneira ou de outra embarcamos para combater naquelas terras quentes, de Sol inclemente, de chuvas torrenciais e trovoadas que nos deixavam calados e tementes do poder dos elementos. A quando de essas trovoadas, lembrava-me da minha avó Maria na sua casa na serra dos Candeeiros, metida na cama com as minhas tias a rezar a St Bárbara

Mas nós fomos combater em nome do passado e nunca em nome do futuro, porque nessas terras Portugal como potência administradora, tinha há muito os dias contados.

Num país sem liberdade de escolha nem de opinião, ou aceitávamos ir combater, ou tínhamos como destino certo, a prisão ou a fuga a salto para onde não chegasse o braço da polícia política.

A maioria de nós foi combater enchendo os navios transporte de tropas, com a esperança de uma vez regressados às nossas terras nos deixariam em paz. Não eramos convictos das razões porque íamos, grande parte não acreditávamos no que íamos fazer, embora com alguma curiosidade e espirito de aventura, contaríamos os dias que nos faltavam para regressar.

Encaramos a situação como um compasso de espera na nossa vida.

Valentia houve muita, coragem, abnegação, espirito de sacrifício, nunca poderemos pôr em causa, porque é possível ser valente mesmo sem uma razão válida para além de defender a própria vida e dos seus camaradas.

Paralelamente muitos também deixaram as suas terras, a sua vida de miséria, mal sabendo ler e escrever, largaram a enxada, o gado, ou um balde de massa, as suas mulheres, namoradas e a salto rumaram a outras terras. Esses de forma consciente, tiveram a coragem de afrontar a incerteza, os perigos da jornada e de serem presos para terem uma vida melhor. Esses procuraram o Futuro.

Sem talvez terem consciência disso, ajudaram com o seu esforço e as suas remessas de moeda forte, a prolongar a guerra e o regime que tão mal os tratara, a ponto de se irem embora procurar sustento e vida melhor.

Na verdade o que é que esses homens deviam  à Pátria?

O que é que a Pátria tinha feito por eles para lhes exigir a vida? Eram por acaso as nossas famílias que estavam em perigo? Eram as nossas aldeias e cidades a serem invadidas? Eram as riquezas dessas províncias ultramarinas, que lhes iam trazer o bem estar que até aí lhes tinha sido negado?

Mesmo assim, houve quem voltasse para fazer a tropa e ir combater pelo direito de poder voltar à sua terra. Outros, findas que foram as comissões, tiveram que emigrar, pois não tinham cá condições para viverem condignamente. Hoje há mais descendentes portugueses espalhados pelo Mundo dos que cá vivem.

Sabemos, hoje, que muitas organizações clandestinas defendiam a resistência ao regime. Enquanto umas defendiam que não se devia desertar a não ser que estivesse em risco a própria vida, outras que defendiam abertamente a deserção.

Pelo que entendo, umas pretendiam a implosão do Estado, utilizando as instituições vigentes, enquanto outras pretendiam que o fim do regime fosse atingido pela luta de fora para dentro.

Como se viu o objectivo foi atingido de dentro para fora, utilizando os militares que operavam nos três ramos das forças armadas, muitos ao nível de comando com larga experiência em combate, o que me faz parecer justíssima a primeira opção, não quero com isto tirar o valor a quem acreditava noutras vias.

Naquela madrugada, já os militares revoltosos estavam a caminho dos objectivos, bebia eu umas imperiais no café do Omar, um galego há muito radicado em Portugal (Ele brincando com o seu nome transformou-o em Roma). Era ali mesmo frente ao Mosteiro de Alcobaça, eu mais um amigo que cavaqueávamos sem nos apercebermos de nada. Tinha chegado há 20 dias da Guiné no Niassa e ir para a cama, era a última coisa que me apetecia tal era a ânsia de absorver o regresso. Três horas mais tarde a minha mãe entrava no meu quarto acordando-me com um misto de alegria e medo, “há uma revolução em Lisboa” disse ela.

O meu pai exultava e não tardaram a passar colunas militares a caminho das Caldas da Rainha, pois que, vencida a revolta de 16 de Março, esse quartel estava sem ligação.

Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo.

Depois regressaram muitos que de cá tinham fugido. Vieram de avião, de comboio e até de automóvel. Uns talvez filhos de “papás”, mas a grande maioria tinha hipotecado o seu futuro académico, os seus empregos, as suas famílias, a liberdade em nome de um ideal de justiça e bem estar, que se vivia nos países livres da guerra e repressão.

Todos ajudaram à formação de uma consciência colectiva para derrubar nesse dia o governo que subjugou este país 48 anos. Para trás ficaram perseguições, dezenas de anos de luta, centenas de anos de prisões, mortes, torturas e degredo.

Por causa desse dia os nossos filhos conheceram outra realidade que não a nossa, nem têm possivelmente consciência do que é não ter o que têm e que nós não tivemos:

(i) Assistência médica para todos, a quase erradicação da mortalidade infantil;

(ii) Só 13% dos alunos ultrapassavam a 4ª classe e havia milhares a não passar da 2ª e 3ª;

(iii) Liberdade dos presos políticos, fim do delito de opinião e eleições livres.

(iv) Democratizar, Desenvolver, Descolonizar.

Muito se fez, muito ficou por fazer mas 40 anos passados, apesar dos avanços e recuos nada se compara ao que tínhamos antes.

Muito se escreveu sobre o 25 de Abril, uns contra, outros a favor, mas a verdade é que todos podemos expressar a opinião e pela parte que me toca, é com muito orgulho que recordo e festejo esse dia luminoso, em que o verde azeitona das fardas ocupou Lisboa e a espingardas G3, se encheram de cravos vermelhos.

Um abraço a todos

Juvenal Amado
[ex-1.º Cabo Condutor Auto,
CCS/BCAÇ 3872,
Galomaro,
1971/74;
ex-empresário]

__________________

Nota do editor:

Último poste da série > 17 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13001: 10º aniversário do nosso blogue (10): O baú das memórias já está muito rapado... mas ainda consegui uma foto, que diz muito: um abrigo no K3 (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421, Mansabá, 1965/67)

sábado, 23 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12331: Blogoterapia (242): Quantas histórias, quanta mudança! Quanto esforço, escrevendo a história (Maria Helena / Vasco Pires)

Incrível túnel do tempo!!! 
Quantas histórias, quanta mudança!
Quanto esforço, escrevendo a história!
Parabéns a todos os participantes deste álbum!
M Helena


1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 13 de Outubro de 2013: 

Caro Luis,
As palavras são de justiça, e agradecer não há que; não estou mitificando ninguém, a mim parece óbvio que a equipa que você lidera, presta relevante Serviço à nossa tão injustiçada geração.

Falando em justiça, não posso deixar de "confessar" a minha dívida pessoal, com duas pessoas, cada uma a seu modo, que me guiaram e incentivaram, nesses por vezes tão íngremes e tortuosos caminhos da memória; e só nós sabemos, que o "caminho da memória" dos veteranos de guerra, por vezes é ainda mais tortuoso que o do comum dos mortais.

A Maria Helena, minha companheira do pós-guerra, que é psicóloga clínica, foi quem me guiou com datas e factos que já estavam "jogados" no subconsciente, e me incentivou a essa catarse. E o Camarada Carlos Vinhal, quem me recebeu nesta GRANDE TABANCA, criou até o caminho para os FANTASMAS saírem, e sempre me incentivou a encaminhá-los para o papel.

As palavras, como disse acima, são de JUSTIÇA e GRATIDÃO.

Forte abraço a todos
Vasco Pires


2. Comentário do editor:

De vez em quando é necessário verificar o correio um pouco mais antigo pois por vezes acontecem lamentáveis esquecimentos.

Desta feita, esta mensagem do nosso camarada Vasco Pires, na diáspora em Terras de Santa Cruz, de 13 de Outubro passado, não estava esquecida, antes à espera de alguma coragem para ultrapassar um certo acanhamento, já que a mesma diz directamente respeito às nossas pessoas e ao trabalho que aqui vamos desenvolvendo com o maior prazer.

O título deste poste são palavras da psicóloga/companheira do nosso camarada Vasco Pires e são uma homenagem a toda a tertúlia deste Blogue e a todos os camaradas que utilizando os diversos meios ao dispor na internete, publicam memórias e fotos que ficarão a navegar como testemunho da geração de jovens portugueses dos anos 60 e 70 que participaram na Guerra do Ultramar, levada a cabo numa África de clima e terrenos hostis para qualquer europeu, na maioria das vezes em condições mínimas de sobrevivência, em abrigos precários e deficiente alimentação.

O álbum a que se refere a nossa amiga Maria Helena, é um dos muitos que se podem encontrar navegando no Google, neste caso, refere-se a esta pesquisa:

https://www.google.com.br/search?q=VASCO+PIRES+23%C2%B0+PEL+ART+GADAMAEL&espv=210&es_sm=93&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=prNaUpurAsquqAGNwIHIDQ&ved=0CAkQ_AUoAQ&biw=914&bih=594&dpr=1

Aqui fica o testemunho de inúmeros ex-combatentes. Aqui ficam retratados os mais variados instantâneos de uma guerra que não quisemos, mas fizemos.

CV
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12323: Blogoterapia (241): Somos todos privilegiados sobreviventes (Vasco Pires)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12319: Manuscrito(s) (Luís Graça) (13): Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana... E onde se fala da atualidade dos Baratas, dos Cavetos e dos Heróis

1. Da Ilha de Luanda, com um Alfa Bravo fraterno para os nossos amigos e camaradas da Guiné que nos leem...

Como aqui  não há muito tempo para escrever para o blogue e a rede sem fios nem sempre é muito fiável, deixo-vos um texto que vou utilizar hoje, de manhã,  nas minhas aulas, sobre psicossociologia do trabalho e das organizações, no âmbito no 1º Curso de Especialização em Medicina do Trabalho, a decorrer em Angola (2013/15), na Clínica da Sagrada Esperança, Ilha de Luanda, Luanda, Angola...(E, a  propósito, sinal de como este país mexe é a quantidade de formadores, tugas e de formandos, angolanos, que estão aqui, esta semana... Gente da clínica e  fora da clínica, que pertence à Endiama, que estão aqui a receber formação nas mais diversas áreas, chegaram, na 4ª feira passada, aos 130, desde  médicos a bombeiros, dissseram-me no gabinete de formação).

Volto a penates, sábado, no avião da TAP que, por enquanto ainda é nosso, português... Não sei se terei coragem de voltar a viajar na TAP quando mais esta "joia da coroa" for alienada, como de há muito o acionista Estada promete ou ameaça... Já nos restam poucos consolos, a nós, tugas, quando vemos, nos tempos que correm, a delapidação do nosso património e a destruição de símbolos fortes da nossa identidade colectiva como é ainda a TAP, a  nossa companhia de bandeira...

E a propósito, gostei de ver a felicidade estampada no rosto  dos tugas de Luanda (e de muitos amigos angolanos), na sequência do apuramento da nossa seleção para o campeonato mundial de futebol, em 2014, no Brasil... Não embandeiro em arco com estas coisas das  proezas futebolísticas, nem sequer vi o jogo contra a Suécia, em direto, transmitido aqui num canal português da África do Sul... Ou melhor, vi no meu quarto o final... Mas vamos abrir hoje, ao almoço uma garrada de tinto Ermelinda,  reserva,  que trouxe do "free-shop" de Lisboa... Há pequenas coisas que têm um sabor especial, fora de casa, longe da Pátria, como por exemplo comer uns jaquinzinhos tugas com arroz malandro, a par de um saladinha de lagosta angolana,  e beber um copo de vinho branco tuga,  na ilha de Luanda, numa marisqueira tuga, muito conhecida, em cima da praia, mesmo em frente da clínica, numa roda de amigos, tugas e angolanos, ou de tugas e de angolanos tugas...

Não sei se estou a ficar velho e sentimental ou se isto não serão já pré-sintomnas da maldita doença do alemão que nos está a matar... Não imagino como outros corações se podem comportar, aqui ou no hemisfério norte... Estou-me a lembrar, por exemplo, do único lusolapão que conheço, o Zé Belo,casaod com uma sueco e com filhos nada tugas,  e para quem vai um xicoração apertado, onde quer que ele esteja, em Kiruna, Estocolmo ou Keywest (Florida). Estendo esse xicoração, comprido como o Rio Corubal  do nosso tempo (que era misterioso, selvagem e belo),  aos demais camaradas da Guiné, tugas e guineenses, espalhados pelas mais diversas diásporas e exílios...

Desculpem lá qualquer coisinha, como diz o tuga, sentimental, quando anda fora de casa... E espero que gostem destas três histórias, da tradição oral dos ganguelas...Como as nossas fábulas e contos populares, também estas histórias ganguelas têm uma moral... Para mim, o  que é mais espantoso, é a sua atualidade, tanto aqui, em Angola,  como na nossa santa terrinha ou na Guiné-Bissau, três sítios onde não é preciso andar com uma lupa para encontrar Baratas e Cavetos... Enfim, apreciaria muito que, um vez lidas as histórias, acrescentassem uma linha, da vossa lavra,  aos ensinamentos morais que se podem tirar delas... Até por que "a" moral e "o" moral são duas coisas muito importantes para gente sair da manhã de nevoeiro (ou cacimbo)  em que estamos mergulhados, dizem que há séculos, desde que el-rei nosso senhor Dom Sebastião partiu para Alcácer Quibir e nunca mais voltou....LG.


Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana 

(i) O azar do soba Barata

O soba Barata foi ter com o soba Cágado, dizendo:
– Sei tudo sobre a vida, mas nunca tive a sorte de ver um Azar! Amigo Cágado, faz-me o grande favor de me dizeres o que sabes sobre o Azar e como ele é.
– Ah! Ah!... Então o teu problema é esse ? Eu vou-te mostrar. Amanhã às 8 horas apareces com os teus amigos e parentes no terreiro da aldeia e eu mostro-te o Azar.

O soba Cágado pegou em todas as galinhas da sua casa e fechou-as numa gaiola. De manhã, muito cedo levou-as ao terreiro da aldeia e sentou-se em cima da gaiola. Passado algum tempo começaram a chegar as baratas. Perguntou o soba Cágado ao soba Barata:
– Chegaram todas ?
– Sim, chegámos – responderam elas, em coro.

Foi então que o soba Cágado abriu a giola… As galinhas saíram e, num ápice, comeram todas as baratas, aterrorizadas. Um dos galos correu com o soba Barata até à sua casa. O pobre do soba estava desfeito: tinha perdido todos os seus súbditos numa batalha campal e agora estava sozinho. Era o cúmulo do Azar. Depois de tantos sucessos na vida, sabia agora, por dolorosa experiência própria, o que era isso do Azar.

Moral da história: Não é fácil ser soba. É necessário ser inteligente. E mais: ter inteligência emocional… Um chefe que é mau líder faz um mau grupo. Tal chefe, tal grupo. 

(ii) O capataz Caveto

Havia um homem que era excelente na caça. Era conhecido pela alcunha de Caçador Certo dia matou um elefante. Era preciso transportar a carne da floresta para casa. E para isso era preciso arranjar muita gente. Foi falar com os vizinhos e aliciou-os para a tarefa, com a promessa de uma pequena recompensa.

Um dos vizinhos que engrossou a coluna dos carregadores, chamava-se Caveto. Era um tipo esperto. Fez questão logo de assumir o papel de capataz, sem ninguém lhe encomendar o sermão. Com os ramos de uma árvore, fez uma espécie de bastão, para mostrar quem mandava, e começou logo a comandar a operação. Dividiu as tarefas, dando a cada um dos carregadores a quantidade de carne que podia transportar às costas. Passadas algumas horas, a carne do elefante estava toda em casa do Caçador.

Um homem de confiança do Caçador preparou-se para fazer o pagamento do serviço, que não era em espécie, era em géneros. Ordenou as todos os carregadores que ficassem junto à peça que cada um tinha carregado. De cada peça cortou um bom bocado e deu-a ao respectivo carregador como forma de pagamento. Todos voltaram felizes para suas casas, não só por terem ajudado um vizinho mas também por que nesse dia havia carne para o almoço. Foi então que o tal Caveto se dirigiu com maus modos ao pagador e interpelou-o:
– Ouve lá, e então a minha parte ?

Respondeu o pagador:
– Tu não tens nada a receber. Como não carregaste nenhuma peça, não tens donde tirar o teu pagamento!
– Como assim ? Então eu estive orientar as pessoas e a despachar o serviço!

Retorquiu o pagador:
–Pode ser até que fales verdade, mas eu não tenho com que te pagar, uma vez que não transportaste nenhuma peça de carne.

O Caveto, de cabeça baixa, lá voltou para casa e foi comer o seu fungi sem conduto.

Moral da história: Nunca penses que és mais esperto que os outros. E não escolhas o caminho do oportunismo, gerador de makas e conflitos. Não basta, por outro lado, quereres ser líder, é preciso que os outros te reconheçam como tal e que tu saibas assumir e desempenhar esse papel fundamental numa equipa de trabalho.



"Ganguela (ou Nganguela) é o nome de uma pequena etnia que vive dispersa a Leste e Sudeste do Planalto Central de Angola. O seu nome é desde os tempos coloniais usado para designar, não apenas esta etnia, mas um conjunto de povos que vivem no Leste de Angola"... 

Infografia: "Mapa étnico de Angola em 1970 (Área dos povos designados como Ganguela marcada a verde)".


(iii) Por favor, nunca apagues as peugadas do leão…

Um dia um rapaz e uma rapariga fizeram uma viagem através da floresta, onde tinham que passar por um sítio muito perigoso, cheio de animais ferozes.

No mais recôndito da floresta, o rapaz, armado em valentão, tomou a dianteira, pensando com isso proteger a rapariga. No trilho arenoso, o rapaz viu as peugadas, frescas, de um leão. Com medo que a rapariga se assustasse, o rapaz apagou de imediato as peugadas.

Quando o leão viu o casal, emboscou-se atrás de uma árvore. O rapaz ia muito tenso, olhando para um lado e para o outro. O leão viu que ele estava em alerta, pelo que deixou-o passar, até ele atravessar a clareira. A rapariga, mais atrás, vinha muito descontraída, não se apercebendo do perigo. Fez até uma paragem para .fazer xixi (, sim, por que as rapariugas não mixam, fazem xixi,,,). Foi nesse preciso momento que o leão se lançou sobre ela, devorando-a a seguir. Alertado pelos gritos lancinantes da vítima, e temendo pela sua vida, o nosso herói pôs-se em fuga.

Moral da história: ignorar ou escamotear a verdade, acaba por ter consequências negativas. As makas (, problemas, em angolês) e os conflitos resolvem-se, enfrentando-os e encontrando soluções inteligentes e  construtivas. Não adianta fugir de (ou negar , ignorar, escamotear) a realidade.

Fonte: Adaptação  livre de L.G.

Menongue, Diocese. Secretariado da Pastoral (ed. lit) – O mundo cultural dos Ganguelas. Menongue: Diocese, [ D.L. 2000] (Porto: Humbertipo)], 642 pp



2. Comentário de L.G.:

É interessante a explicação dada pelo editor  literário desta obra, o Secretariado da Pastoral da Diocese de Menongue, lá na martirizada província do sudeste angolano, o Kuando Kubango, sobre o seu propósito didáctico (em 2000, data da sua edição, quando ainda a paz era uma miragem)... Vale a pena transcrever essa explicação que vem no livro, à laia de preâmbulo. Passo a citar:

"Durante uma conferência sobre o conflito angolano, 'Causas e consequências', um participante comparou a complexa situação vivida no país a um conto, 'A cobra sobre os ovos':
"Um fazendeiro encontra na capoeira uma cobra sobre os ovos. Como matá-la ? Se for à paulada ele quebra os ovos, e a cobra, esperta que é, foge. Se não a mata, ela devora todos os ovos.

"Que solução ?

"O conto foi partilhado por todos os participantes e, de forma inteligente, serviu de exemplo para refelectir sobre possíveis soluções para o conflito angolano e outros conflitos no mundo".
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12279: Manuscrito(s) (Luís Graça) (12): Servir duas pátrias, Portugal e Angola... O caso do sr. C..., furriel mil em 1974/75, no exército colonial português, tenente das FAPLA em 1975/89

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11935: Manuscrito(s) (Luís Graça) (7): Praia do Porto Dinheiro, Ribamar, Lourinhã... À memória dos meus avoengos Maçaricos... Ao Horácio Fernandes, capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69)...

(...) Desde 1974, os portugueses tentaram regressar ao mar duas vezes.  Há 40 anos que fugimos do mar. Mas vem aí a reabertura do canal do Panamá e a extensão da plataforma continental. Mesmo sem estratégia, a economia do mar vale 10 mil milhões de euros (.,.,.)

O que (não) fizemos para voltar ao mar. 


Por Lurdes Ferreira e Bárbara Reis. Público, 27/9/2012.



Praia do Porto Dinheiro
por Luís Graça

À memória dos meus antepassados Maçaricos
marinheiros, mareantes, navegantes, 
pescadores, mercadores, construtores navais... desde Quinhentos

Ao António Fernandes (Patas), 
contrutor naval que morreu na Califórnia
E ao seu neto, e meu primo e camarada, Horácio Fernandes,
capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69).


Finisterra, pórtico do tempo, 
És gare, és algar,
Porto dos portos das Atlântidas perdidas!
Foste estaleiro de vasos de guerra,
Galeões, naus e caravelas
Por haver ou nunca havidas,
Diz o livro do almoxarife.
Hoje não se constroem mais catedrais
Nas tuas fossas submarinas
Nem moinhos de vento 
No teu recife de corais,
Nem traineiras de grosso cavername
Nas rampas das tuas arribas fósseis.
Dóceis são as ondas com que afagas
A pele e apagas
A púbis das raparigas.

Porto Dinheiro: o
 irresistível apelo das algas
Que são as hormonas do mar,
Espigas, chicotes, valquírias, ninfas, najas, canibais,
Que vêm do fundo dos tempos imemoriais
Para seduzir os filhos dos homens,
Inebriar as suas almas, enlear os seus corpos.
Há olhos que perscrutam a linha do horizonte
E rasgam a colina de neblina, por detrás das Berlengas.
É de lá que vêm corsários, 
Monstros e mostrengas, 
Dinossauros, loucos menestréis, 
Contadores de lendas,
Mouras encantadas, 
Mercadores, invasores, conquistadores,
Vikings e outros predadores... 
E os bretões com os seus barcos a vapor, 
Que vinham aqui pescar lagostas entre as duas guerras.
Mais o Bateau ivre, do  Rimbaud.

É de lá,do mar profundo,  que vêm os portadores da peste…
Mercator ergo pestiferus,
De que Deus nos livre!

Deste nomes de fêmeas aos teus barcos
Que são machos,
Máquinas fálicas de lavrar e violar
O vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria.


Formidáveis muralhas de palavras e moluscos
Emparedam-me vivo
Na canícula desta tarde de verão
Em que espero em vão 
Os mercadores fenícios,
As legiões romanas, 
Devidamente equipadas e alinhadas nas suas galeras,
Ou as hordas bárbaras, teutónicas, a cavalo blindado,
Ou o simples mensageiro da paz,
O carteiro que me há-de trazer a carta a Garcia,
Com a solução alquímica da vida
Ou o algoritmo da felicidade
Ou a password do sítio 
A gruta de Alibabá e os 40 ladrões.


Estou sentado na esplanada da tasca da Ti Augusta,
Depois de saborear uma sopa de navalheiras,
E comer uma posta de arraia frita,
Recuando ao tempo dos meus avoengos Maçaricos…
E aqui penso em como a vida às vezes é tão simples,
Se descartada da econometria, da sociometria e da psicometria…
Dizem que aqui reinou o rei Midas,
O mesmo que transformava lagostas e algas em barras de ouro.


Porto Dinheiro,
Dos casais por detrás das tuas colinas,
Até ao mar imenso,
Por aqui andaram os meus antepassados.
Um dia há de desaparecer nas Américas
O teu último carpinteiro de naus, caravelas e traineiras.
Não sobreviveu à industrialização da construção naval.
Nem à crise dos anos 30.
Morreu longe, na Califórnia, na diáspora.


Maldita pátria amada e odiada
Que tantos filhos pariste e rejeitaste!

Luís Graça




Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Vista da tasca da Ti Augusta 


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Embarcações de pesca artesanal


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > A tasca da Ti Augusta,  hoje explorada por um filho, sargento da marinha reformado.


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Tasca da Ti Augusta > A famosa sopa de navalheiras.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 8 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)

sábado, 10 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11924: Bom ou mau tempo na bolanha (25): O silêncio do Marafado (Tony Borié)

Vigésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.




Em novo, tinha andado com o pai e o irmão mais novo ao mar, uns dias dava boa pescaria, outros não dava, mas isso não era o importante, no fim do dia continuavam a beber na taverna do “Manhoso”, se houvesse dinheiro, pagavam e ofereciam um copo ao próprio “Manhoso”. Se não houvesse dinheiro, mandavam apontar no livro. No verão, quando um circo visitava a vila, ele ia ajudar a montar a tenda e ficava por ali, gostavam dele, pois além de ajudar era uma espécie de comunicador entre a população da vila e o pessoal do circo, ensinavam-lhe algumas habilidades e truques mágicos com que deliciava os companheiros.

Chamavam-lhe “O Marafado”, já falámos dele aqui, cantava uns fados, de tal maneira desafinados, que não se podiam ouvir, bebia vinho e fumava cigarros “Três Vintes”, era pequeno na estatura e moreno, talvez por andar sempre sem camisa. Era oriundo do Algarve, e em certa medida era comunicador e tinha alguma alegria, mas depois da cena que presenciou, com a morte de uns prisioneiros, que depois de mortos, ele e o Cifra, sempre ficaram com a ideia de que foram queimados e enterrados numa vala, nunca mais foi o mesmo. Cumpria as suas obrigações, nunca largava o seu rádio portátil, falava quando era necessário, evitava os contactos e conversas, vivia no seu mundo de silêncio, e alguns companheiros diziam-lhe:
- O Marafado, já está apanhado!

O Cifra sabia de que era derivado o seu silêncio, mas sempre respeitou e compreendeu a sua atitude. De algumas conversas que mantinha com o Cifra, dizia:
- Não sou pessoa de estar aqui preso, não sou pássaro de gaiola, preciso de ver o mar, fui pescador, isto está a matar-me aos poucos, o silêncio faz-me algum bem, pois fecho os olhos e penso na praia e no mar azul que deixei, quando vou para o mato, para mim, às vezes é bom, vejo a água dos rios e das bolanhas, e o verde das matas, estou aos poucos a odiar isto e também Portugal, assim que regressar, se regressar, vou fugir, vou emigrar.

Estas palavras eram ditas com convicção de quem sabe o que quer, eram directas, não admitiam argumentos e terminava quase sempre dizendo:
- Não falo, e quem me proibiu foi Portugal, ao matar aqueles desgraçados, a “sangue frio”, durante os interrogatórios!. Só tu e eu é que sabemos a verdade.

Muitas vezes questionou o Cifra, se conhecia algum contacto para fugir e “ir no mato”, mas o Cifra sempre lhe disse para tentar sobreviver, que iria regressar a Portugal.

Mais tarde o Cifra encontrou-o na diáspora, conviveu com ele e com a sua família, durante o tempo em que viveu na mesma cidade. Guardou a sua história, que é a história de mais um emigrante que abandonou o sol de Portugal, à beira mar plantado, para ir para o frio, à aventura, sozinho, na procura de um futuro que lhe desse algum bem-estar e o fizesse esquecer a guerra, o fizesse esquecer Mansoa, Olossato, Mansabá, Bissorã, a África, com chão de terra vermelha, que como tantos de nós, nunca esqueceu e que traz sempre dentro de si.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11911: Bom ou mau tempo na bolanha (24): Fala mentira (Toni Borié)

sábado, 6 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11350: Manuscrito(s) (Luís Graça) (1): Amigos de infância, camaradas da diáspora: o Zé Pê, que foi para o Canadá

1. Era mais velho do que eu, três ou quatro anos... Um matulão. Um bom gigante.  Livrou-se da tropa e do ultramar,  porque a família emigrou para o Canadá ainda em finais da década de 50, se bem me recordo. Já não o via há séculos. Foi um dos meus grandes amigos de infância. Éramos vizinhos. Reencontrei-o em 2/8/2012, na Praia da Areia Branca, nas férias de verão... Eis o que escrevi, na altura, no meu bloco de notas:

Zé Pê!?...
─ Liz Manel!...
How are you ? Há quanto tempo!...
Fine, fine!..A long time ago!...
Até parece que foi ontem!
─ Qual quê, há mais de 50!...How old are you ? Estás com quantos ?
65
─ Atão foi há mais…
Há mais de 50  anos, há mais de meio século!...
─ Quem diria!
Dá cá um abração do tamanho do Atlântico!...
─ ‘Tás na mesma, Liz Manel!... Tirando a barba!...
Não me lixes, envelhecemos, como o caraças… Cada um para seu lado... Separados por este oceano imenso…
─ Pois é, mas estás fine, fine!
É, pá, deixa-me conhecer os teus netos!
─ Tenho estes dois. Boy and girl.
Sim, senhor, nice children!.. Então por cá?!... Agora sempre de férias, não ?!... 365 dias por ano!
─ Mas sempre entretido, sempre rolando. Cá e lá...
Tinham mo dito… Alguém me disse que tinhas perguntado por mim.. Tens voltado aos States ?
─ Canadá…
Ah, sim, desculpa, Canadá…
─ Sempre, tenho lá a minha sweet home!...Os filhos e os netos que são canadianos...
E tens cá também um casarão que chegou a estar à venda, não?!!... Tens dupla nacionalidade ?
Of course, desde 1983… Nesta terra é que eu não quero ficar. Só se morrer de repente, como o meu pai.
A terra que nos viu nascer!...
─ Madrasta… Para mim,  foi madastra...
‘Tá bem, ‘tá bem assim… Afinal, tens o melhor dos dois mundos, a Europa e a América, o Velho e o Novo Mundo…
─ Até o Canadá já foi melhor, infelizmente... Mas conta lá tu... As voltas que a vida deu, Liz Manel!...
Olha, safaste-te da tropa e de ir parar a África, ao ultramar… Eu fui parar à Guiné, sabias ?… Tinha 14 quando rebentou a guerra em Angola, já não estavas cá, se bem me lembro…
─ Lá nisso, tive mais sorte. Safei-me a tempo, ainda não havia guerra. Mas também passei o meu mau bocado. Andei nas plataformas petrolíferas, conheci o Alasca…
Como o mundo é pequeno, Zé!
─ E a puta da vida é curta… Não vês o meu pai, não chegou a conhecer os netos…
O ti Zé Pê!...Bom homem, mas de poucos sorrisos... Tinha o seu génio. Ainda me lembro bem dele, com o seu automóvel de praça...
Yeah!...
Tens cá casa, em terras do teu avô, tens cá as tuas raízes. Esta é a tua terra e sê-lo-á sempre.
─ Tenho duas, afinal…E completam-se. Aqui em casa uso as duas bandeiras, geminadas. Pena é tudo isto por cá andar tão mal parado…
Pois é, Zé… Infelizmente, estamos voltar à porca miséria do tempo da nossa infância…
─ Mas ele havia coisas que nos deixavam saudades… A galera que eu inventei, as jogatanas de hóquei no largo do coreto… Com sticks de pau de tamargueira...Ou tramagueira ? ...Lembras-te ?! Já esqueci o raio do português...
Se me lembro!... Tramagueira, era assim que a gente falava... Se me lembro!... Ouvíamos os relatos de hóquei em patins, debaixo dos lençóis. Montreux, o campeonato do mundo…
─ Jesus Correia, Correia dos Santos, Sidónio, Emídio e Edgar… Depois veio uma geração de ouro, Adrião, Bouçós, Velasco…
Que cabeça, Zé!...O Livramento já não é do teu tempo…Foste para o Canadá em finais dos anos 50, é isso ?! E levaste a tua galera…Mas nessa altura já havia televisão… No café do Clemente Alberto, na Rua Grande…
─ Éramos os melhores do mundo!...Dávamos cada cabazada aos espanhóis…
Os nossos eternos rivais...
─ Também não tínhamos mais vizinhos para malhar...
Olha, disseste-me que andaste nos petróleos, no Alasca...
Yeah, e é até tenho patentes de sistemas para apagar fogos nos poços de petróleo… Mas não penses que estou milionário...
A sério ?... Patentes registadas ?... Sempre foste um grande engenhocas!...
─ Só na tua terra é que tu não vales nada…
É verdade, Zé, ninguém é profeta na sua terra…Mas foi pena não teres estudado...
─ Qual quê!... Se cá tivesse ficado, não tinha passado da cepa torta. E se calhar tinha ido  parar a Angola ou à Guiné, como tu... Mas não foi fácil, Liz Manel!... A vida foi dura… Hoje tenho o meu pension plan,  pago em dólares... 'Tou retired, sabes ?!...
 Fico feliz por ti  e pelos teus... Safaste-te... Da Índia, de Angola... Lembras-te da festa que fizemos ao Jorge da Ti Albertina quando ele veio da Índia ?
─ Se me lembro!... Chorávamos todos baba e ranho, com tanta alegria!... O Jorge funileiro era um dos nossos, um vizinho, um herói!...
─  Éramos uns índios,   a malta da nossa rua, a última da vila, a do castelo, a dos valados...  O Jorge era muito mais velho do que nós, mas era um dos nossos... Um dos últimos soldados da Índia. Já não posso precisar em que ano isso foi... 56, 57, 58 ? Enfim, muito antes da invasão que foi em dezembro de 1961...
─  Pois é, foi já tanto tempo... Mas lembro-me bem da ti Albertina, a chorar como uma Madalena. Mas de alegria, of course!
Zé, não foste só tu que deu o salto... Da malta da nossa rua, lembro-me do teu irmão, que foi contigo, da Mariete que foi para os States, do Frasco do Veneno, o João Fernando, meu primo,  que foi para o Brasil... E de outros...Para não falar da malta que andou na escola comigo, mais novos do que tu...
─ Que saudade, que bom recordar a nossa infância!
... Olha, eu tenho que ir  andando... Ainda vou até Lisboa. Zé, até sempre.  Gostei muito, foi bom rever-te. E voltaremos a ver-nos, espero bem. Bye, Bye!
─ Até sempre, Liz Manel! Bye, bye! Take care!

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10233: Cartas do meu avô (16): Décima segunda: com filha e um neto em Ovar e filhos e netos em Berlim, temos de ser pela força do coração, entre Mafra, Ovar e Berlim, uns (e)ternos vagabundos ... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)









O J.L. Mendes Gomes e os seus "netos de Berlim"... Alemanha, Berlim, Páscoa de 2012.


Fotos: © J.L. Mendes Gomes (2012). Todos os direitos reservados.

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria de J.L. Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)




B. Décima segunda carta: Como Saltimbancos


Os dois anos que faltavam à minha mulher para a sua reforma passaram. Ela podia ter continuado a trabalhar até aos setenta anos. E gostaria de fazê-lo. Mas, a meu pedido, resolveu cessar a actividade de que gostava. A biologia molecular. Era mais feliz do que eu. Na área das leis. Minha área não tinha nada de molecular.

Os filhos estavam todos a navegar. À excepção do mais novo que se encontrava entusiasmado, em Manchester, a tirar engenharia aero-espacial. Nós podíamos agora dispor de todo o tempo do mundo. Não houve recanto nos arredores de Lisboa que não revisitássemos, descontraidamente.

Entretanto a filha mais nova deu-nos o primeiro neto. Um rapaz. Viviam ao pé, na zona de Algés. Outra missão acabava de se revelar. Esplendorosa. A de avós. Outra dimensão se nos abria. A da ternura pelos netos. Era a nossa vez de os assistir enquanto os   pais iam trabalhar. O João ia para o infantário, mas havia que estar por perto, para o que fosse preciso.

Serenou-se-nos a febre do calcorrear a estrada, como pássaros vadios. Depois, as sortes do emprego ditaram a sua partida para o Porto. Eles acabaram por assentar arraiais em Ovar. A meio caminho entre o Porto e Aveiro. Ali nasceu outro neto, o Tomás.

Tínhamos acabado de comprar um apartamento na baixa de Algés. Tivemos de rever a nossa vida. Alugámos um pequeno apartamento mobilado em Aveiro e passamos a cirandar entre Lisboa e o centro. Umas semanas num lado, outras noutro. Arrastados irresistivelmente, pelos netos.

Depois, o Luís foi parar à Rolls-Royce de Berlim. Como engenheiro. A Leonor também, por razões, bem diferentes. As do desemprego fatal e abrupto para os dois. Tiveram de fugir de novo para donde, jubilosos, tinham saído três anos antes, por regressarem às origens. Sol de pouca dura. Caíram ambos no desemprego.

Foi um corre-corre para os conseguir repor lá. Em Berlim. Os dois filhos haviam nascido lá. Felizmente para todos. Não foi tão difícil a sua reinserção. No espaço de um ano, conseguiram casa, emprego, e os miúdos, chegados, com apenas quatro e seis, já falam alemão e estão perfeitamente ambientados.

A Alemanha funciona na perfeição. Dá gosto permanecer dentro da sociedade alemã. Tudo está sob exacto controlo. Aqui, vive-se plenamente. Desde a infância à velhice.

A vida acaba por ser mais barata que em Portugal. Nitidamente. A alimentação e a habitação são acessíveis e de qualidade. Só a língua dificulta um pouco as coisas.

Por isso, com filha e um neto em Ovar e filhos e netos em Berlim, temos de ser pela força do coração, entre Mafra, Ovar e Berlim uns errantes vagabundos…

_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 28 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10202: Cartas do meu avô (15): Décima primeira (Parte III): a reforma, :a escrita, um ano em Perpigna, o regresso a Almada e à Caparica, e por fim... à justiça disse nada... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

sábado, 30 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10095: Os nossos seres, saberes e lazeres (46): Não trocaria por nada aquele tempo de comissão na Guiné (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, (1972/74), com data de 24 de Junho de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal
Um abraço

Aqui estou de novo para responder ao email em que me perguntas por onde ando, e na verdade nem eu sei bem onde vivo pois há muitos anos, mais propriamente desde 1980, que tenho a minha residência em Espanha.

Com a crise que Espanha está a atravessar e pela dificuldade em arranjar trabalho, em 2009 resolvi vir para França porque me faltavam cinco anos para me reformar. Assim posso reformar-me com a pensão completa.

Por isso mesmo, agora e até meados de 2015, estou a viver nos Alpes franceses, mais propriamente em Chambery, mas logo que me reforme vou regressar a Espanha, Badajoz, onde tenho a minha casa.
[...]
Se entretanto a vida me permitir tentarei ir a algum dos convívios que o blogue organiza, porque tenho muita vontade de estar com pessoas que como eu sabem o que foram para nós aqueles anos de juventude, de incerteza, de angústia, de sofrimento e de camaradagem. Contudo, passados todos estes anos e depois de ter visto o que vi e passado o que passei, não trocaria por nada aquele tempo de comissão na Guiné, porque posso dizer que foram enriquecedores para a minha vida.

Conhecer novas gentes, novas culturas, novos mundos, novas formas de viver, melhores ou piores, não está em causa, para mim foi uma mais valia; conhecer o diferente e hoje saber dar valor àquilo que tenho, por muito pouco que seja, e que para aquela gente seria o paraíso terrestre, embora eu ainda me lamente, mas enfim deixemos isso para outro momento.

Quanto ao que me perguntas, se depois do arranjo que tens que dar aos meus textos eles traduzem o que eu quero expressar, digo-te que fielmente transmites aquilo que eu quero dizer, sem mudar uma virgula.
Obrigado pelo teu tempo e paciência.

De momento ficarei por aqui e prometo para a próxima uma dessas historias, não tão agradáveis como o que já escrevi até agora, passadas em Catió mas que graças à sorte que sempre me acompanhou tiveram sempre um final feliz, e por isso posso contá-las.

Para todos os que integram o blogue um abraço forte e para ti especialmente
António Melo


2. Nota de CV:

Esta mensagem do nosso camarada António Melo é resposta a uma que lhe enviei perguntando se estava emigrado, e onde em caso afirmativo. Deduzi que o nosso camarada estaria na diáspora pelo seu português sem acentos, teclado não adaptado à língua portuguesa, e pelo modo como se expressa, onde se adivinha a influência do castelhano. A minha curiosidade mais se acentuou porque o seu endereço está no Hotmail.fr, logo em França.

Pelo exposto, estamos perante um camarada que como muitos da nossa geração se aventuraram por esse mundo fora, no caso do António Melo, praticamente porta-com-porta com Portugal. Curioso o seu percurso em Espanha e recurso a França onde está a completar o tempo necessário para ter direito a uma pensão de reforma completa, que desejamos seja compensatória após tantos anos de labuta.

Curioso o facto de apesar de ter a sua residência permanente paredes-meias com o nosso rectângulo, Badajoz, por lá preferir ficar, ao que se supõe, até ao fim dos seus dias.

Caro António, dar-nos-ias uma alegria muito grande se um dia conseguisses comparecer num dos nossos convívios anuais. Quem sabe, um dia o farás a partir de Badajoz.

Conta com a nossa disponibilidade para, como fazemos com outros camaradas, acentuar o teus textos e dar um jeito ao teu castelhano.

Desejamos que até 2015 tudo te corra pelo melhor e completes o tempo que te falta para teres direito ao merecido descanso.

Recebe um grande abraço em nome da tertúlia.
Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9711: Tabanca Grande (328): António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf do BCAÇ 2930, Catió e Quartel General, Bissau (1972/74)

Vd. último poste da série de 15 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10037: Os nossos seres, saberes e lazeres (45): Para breve o lançamento do livro "Palavras de um defunto... antes de o ser", por Mário Tito (Mário Serra de Oliveira)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8661: Em busca de ... (173): Meu Pai, José António Pires, natural do concelho de Estremoz, que pertenceu ao BCAV 490 (Bissau, Como e Farim, 1963/65) e cujo paradeiro desconheço desde 1973 (Rui Manuel Pires dos Santos, Espanha)

1. Mensagem do nosso leitor Rui Manuel Pires dos Santos:

De: Airsoft Airsoft  [airsoftrmp67@gmail.com ]
Data: 5 de Agosto de 2011 17:46
Assunto: Busco o meu Pai

Olá, meu nome é Rui Manuel Pires dos Santos. Procuro informações sobre o meu pai. Se algum de vocês tiver qualquer foto, poderá enviá-la para mim. Vivo em Espanha e não sei do meu pai ou do seu paradeiro desde 1973. Obrigado pela vossa colaboração.

As informações de que eu tenho sobre o meu pai são as seguintes:

(i) Nome: José António Pires;
(ii) Nascido em Veiros-EstremozM
(iii) Nome do pai dele: Domigos Tomáz Pires;
(iv) Tirou a recruta no Quartel em Beja;
(v) Depois já pronto,  veio para o Regimento de Cavalaria nº 3 em Estremoz;
(vi) Foi mobilizado para o Ultramar, para a província da Guiné, integrado no Batalhão nº 490: esteve lá nos anos de 1963 a 1965;
(vii) Fez em Julho,  69 anos de idade. (Nasceu em 19/07/1942; mas também poderá ser 9/6/1944.)

Gostava de saber concretamente em que unidad militar ele esteve, companhia de caçadores ou cavalaria ,. do tal batalhão nº 490.

Muito obrigado.

2. Resposta do nosso colaborador permanente José Martins, com data de 5 de Agosto, a pedido dos editores:

Boa noite, Luis. Gostava [ de estar], mas não estou de férias.

A unidade em questão é o BCAV 490, do Tenente Coronel Fernando Cavaleiro, que esteve na Ilha do Como [Op Tridente, Jan/Mar 1964]
.
Pelo que entendi, o rapaz já não sabe do pai desde 1973, e pretende saber se alguém o conhece e se tem fotografias [dele ou dos seus camaradas].

No blogue há 24 entradas para BCAV 490 [, que esteve em Bissau, Ilha do Como e Farim, 1963/65].

Alguns membros da Tabanca Grande [de quem me recordo assim de repente, ou de quem há postes no nosso blogue, e que foram do BCAV 490 ou a ele estiveram ligados]: Armor Pires Mota - CCAV 488; Valentim Oliveira - CCAV 489; António P. Bastos - Pel Caç 953; Jero e Belmiro Tavares - CCAÇ 675.

O Jorge Cabral conhece o Fernando Cavaleiro. Já escreveu sobre ele.

Abraço e boas férias para ti e Alice (não sei se os filhos estão convosco). De qualquer forma, saudações.
José Martins 

3. Comentário do editor:

Sobre o BCAV 490 ( (Bissau, Ilha do Como e Farim, 1963/65), comandado pelo Ten Cor Cav Fernando José Pereira Marques Cavaleiro.  Integrava  as CCAV 487, 488 e 489.

(i) CCAV 488: Mobilizada pelo RC 3, partiu para a Guíné em 17/7/1963 e regressou a 12/8/1965. Esteve em Bissau, Ilha do Como, Jumbembém e Bissau. Comandantes: Cap Cav Fernando Manuel Lopes Ferreira; Cap Cav Manuel Correia Arrabaça; Ten Cav Lourenço de Carvalho Fernandes Tomás.
 
(ii) Restantes companhias: CCAV 487 (Bissau, Ilha do Como, Farim, Bissau); CCAV 489 (Bissau, Mansabá, Ilha do Como, Cuntima, Bissau).
 
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de Agosto de 2011 > Guiné 63/71 - P8639: Em busca de... (173): Contacto de camaradas da CCS/BCAÇ 2834, Buba, 1968 (Manuel Traquina)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8326: Da Suécia com saudade (29): O nosso blogue e o risco do pensamento de grupo (groupthink) e do politicamente correcto (José Belo)


Imagens retiradas e editadas, com devida vénia, do blogue do José Belo  Lappland to Key West, com um lead muito poético, muito bonito (em português): "As viagens são os viajantes, o que vemos não é o que vemos, senão o que somos"... (Mais uma vez o génio do Fernando Pessoa, poeta de cabeceira do nosso camarada luso-sueco, que já não sabe se é mais tuga, se é mais lapão)... 

Escolhemos estas duas fotos para ilustrar o risco aqui abordado pelo J. Belo  de criação, na nossa Tabanca Grande,  de um pensamento de grupo (em inglês, groupthink)... Este fenómeno (grupal) tem sido estudado pelos cientistas sociais, incluindo os politólogos. Basicamente, ocorre em grupos demasiado homogéneos e coesos (como são por exemplo, os "homens do Presidente", o "comité central" dos partidos políticos ou os grupos de combate de forças especializadas)...  Os membros do grupo tendem a  minimizar  os conflitos, as existência de diferentes perspectivas e opiniões, valorizando o consenso a todo o custo, passando por cima, escamoteando, ignorando ou criticando as saudáveis divergências  individuais (opiniões, valores, conhecimentos...). Em situações-limite, como a frente de batalha, a coesão grupal e o "espírito de corpo" são fundamentais.  Mas o pensamento de grupo pode ter (e tem) consequências negativas, a nível psicossocial e cognitivo:   a pressão para a conformidade e o alinhamento ideológico e comportamental levam, muitas vezes ou quase sempre,  à perda de criatividade individual,  da idiossincrasia de cada um, da autonomia, da liberdade de pensamento e de expressão... Muitas decisões (políticas, militares, económicas...) acaba(ra)m em "desastre" devido possivelmente a este fenómeno... (LG)


1. Mensagem de José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 10 de Maio de 2011:

Caros Amigos e Camaradas:
Como emigrante de muitas décadas, os termos correctos em português começam, estranha e inapropriadamente, a faltar-me de quando em vez. Consequência de todos estes anos sem sequer umas pequenas bacances  na Lusitânia? Daí que, ao tentar descrever alguns companheiros, ainda procurar termo apropriado.

"Guardiões do Templo" será obviamente exagerado. Garantes de purismos ideológicos d'antanho? "Barões" do intelecto entre plebe menos dotada? "Controleiros"? (Isso,  não! Lembra demasiado coisas... de um passado pré-histórico!).

De qualquer modo lá pairam, com autoridades ideológicas várias, procurando sempre... paternalmente (uns mais que outros)... corrigir desvios a umas linhas de pensamentos, e maneiras de estar na vida, para eles mais ou menos centrais. Poucos já se atrevem a, em postes ou comentários, algo escrever que possa vir a provocar estes "puristas do correcto". E para quê? Algumas das controvérsias e debates já foram, desnecessariamente, desagradáveis. ( E, aqui não me refiro aos que sempre procuram, mais ou menos conscientemente, SAIR FORA DOS PARÂMETROS PARA OS QUAIS ESTE BLOGUE FOI CRIADO).

Quem se der ao trabalho de "folhear" páginas antigas do blogue, ficará surpreendido com a continuidade com que alguns destes "guardiões" sistematicamente procuram corrigir as tais opiniões menos... ortodoxas.

E é pena, porque há sempre o perigo de se acabar por cair em monotonias cinzentas de unanimidades sempre obtidas nas sociedades de... "pensamento d' Estado".

Para a existência saudável de um Blogue-Documental,  tão importante como este, terá sempre que ser...VIVO. Haverá que haver o cuidado de permitir aos que não pensam exactamente da mesma maneira a liberdade de se não perfilarem sempre (!) pelo pautado.

Esta tendência de alguns (imbuída?) de corrigir o... "diferente"... torna-nos a todos mais limitados. Alguns destes meus pensamentos poderão parecer a uns quantos como exagerados, injustos e inapropriados, mas surgiram após muitas longas horas de leituras atentas às sucessivas páginas (antigas) do blogue. (As vantagens de se viver na Lapónia Sueca?)

Um grande abraço amigo do
José Belo

Estocolmo / 25 de Maio/2011 (**)
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de > 13 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8263: Controvérisas (123): A guerra. As realidades locais e as bajudas de mama firmada (José Belo)

(**) Último poste da série > 15 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6991: Da Suécia com saudade (28): Da Lapónia à Flórida, mas voltando sempre à nossa querida pátria lusa: As viagens são os viajantes... (José Belo)

domingo, 13 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7936: Os açorianos também migraram para o Ultramar (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 12 de Março de 2011:

Meu bom e caro amigo Carlos Vinhal,

Não desapareci e estou arrepiando caminho, como se dizia nas terrinhas açorianas. Espero que estejas bem na companhia de teus entes queridos.
Em seguida vou mandar-te uma pequena história, talvez um comentário muito alargado ao que o A. Rosinha escreveu sobre as Cartas de Chamada para o Ultramar. O artigo que escrevo precisa da tua ajuda e que é o seguinte:
Faz o search a este blogue

http://kabiaka.blogspot.com/2007_08_13_archive.html

e retira a história (São Jorge do Katofe ou a Décima Ilha) para completar o meu artigo. Julgo que este artigo tem muito interesse histórico pois apresenta factos, dados, nomes, pareceres, documentação fotográfica etc.

Reconheço duas coisas: o que escrevo é pesado e alguém pode tentar chamar a si alguma provocação da minha parte. Longe de mim tal pensamento, pois a minha intenção única é mostrar que outras pessoas tinham outra forma de viver e sentir o Ultramar, neste caso Angola.
[...]
Também reconheço que o artigo, bastante inclinado para Angola, tem pouco a ver com a Guiné mas poderia muito bem ter-se passado ali.

Se entenderes que não tem interesse para o blogue eu aceitarei como sempre a tua decisão.

Um abraço muito amigo do
José


Os açorianos também migraram para o Ultramar

Caros amigos,

O António Rosinha no P7917: Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada**, fez algumas considerações que atraíram a minha atenção. Porque sou emigrante e porque sei o que é uma carta de chamada. Porque ainda sei que cada caso é uma vida e cada vida é uma história. E cada história depende dos protagonistas que a viveram.

No meu caso a carta de chamada passou por documentos de petição, contracto de trabalho e termo de responsabilidade originados no país de acolhimento, os Estados Unidos da América.

Em Portugal, mais concretamente na ilha do Faial, Açores, para obter o passaporte português tive que fazer inspecção médica à qual não faltou o Raio X, vacinação e análises sanguíneas, e ainda o registo criminal e licença militar. Esta, a título de informação, custou-me a módica quantia de 1.060$00, uma exorbitância para o tempo, e depois de ter cumprido o meu dever para com a Nação. Não me queixo pois era igual para todos.

Com o passaporte português no bolso, lá fui para São Miguel para mais um Raio X, análises sanguíneas e inspecção médica feita em clínica reconhecida pelo consulado dos EUA, requisito essencial para obter o visto daquela nação.

Já nos Estados Unidos da América, o meu primeiro acto oficial foi adquirir o cartão da segurança social para poder trabalhar. O segundo, sorte endiabrada a minha, foi ir à Câmara Municipal de Stoughton inscrever-me no Departamento de Recrutamento Militar.

Francamente, eu que tinha aprendi na minha escola da Fazenda das Lajes das Flores, Açores, que o meu país, Portugal, ia do Minho ao Algarve e dos Açores a Timor, confrontava-me agora com a possibilidade de ter que marcar passo num exército que, na altura, nada me dizia.

Mas não é da minha experiência humana, da minha carta de chamada, que vos quero falar.

O nosso camarada Carlos Cordeiro, em dois comentários ao Post do nosso amigo “Mais Velho”, apontou algumas das barreiras que, constantemente, nos eram impostas nos Açores pelo governo da nação. E, em termos militares, acrescento mais uma: os Sargentos do QP vindos do continente para os Açores tinham direito a subsídio de guarnição, mas já o inverso não acontecia.

Estas e muitas outras barreiras eram impostas a todos os recantos do país, desde que não fizessem parte do rectângulo português europeu. Certamente que as províncias ultramarinas, tal como os Açores e a Madeira, sofreram com esses constrangimentos. Não duvido que em recantos do Portugal Continental houvesse outro tipo de barreiras. Mas nem por isso nos sentíamos menos portugueses, certamente muito mais pobres.

A nossa força, enquanto Nação, está na procura intransigente da verdade, nua e crua. Ela será tanto mais forte quanto mais límpida for a sua história. Todos nós somos peças fundamentais desse puzzle.

Aqui, em Stoughton, conheço aqueles que foram para as províncias por carta de chamada, aqueles que foram a convite do governo, aqueles que ficaram por lá após o serviço militar e aqueles que lá nasceram. Todos eles com histórias contadas e por contar. Refizeram as suas vidas. Não se queixam nem recriminam. A vida continua.

Tudo razões para me ter interessado de sobremaneira por aquilo que o nosso amigo Mais Velho, o Rosinha, escreveu. Ele, tal como nós, serviu o exército em Angola e para além disso teve experiências riquíssimas de conhecimento e circunstâncias, que lhe foram proporcionadas pelos seus afazeres profissionais em Angola e na Guiné.

Hoje, com o devido respeito por ele e por todos vós, permitam-me que vos apresente uma história vivida por alguém que um dia sonhou com uma Angola diferente, possivelmente com uma Angola independente. O seu autor, Vicente de Matos, natural de São Jorge, foi um dos açorianos que migrou para aquela ex-provincia ultramarina portuguesa.

O artigo é uma lufada de ar fresco, apaixonante, extraordinário na sua beleza sentimental e histórica. Não se vislumbra uma palavra ofensiva a quem quer que seja ou a qualquer situação ou instituição. Quando muito a mágoa pela visão de uma terra vivida e amada reduzida a escombros. Isso é evidente nas fotografias que ilustram o artigo.

Com a devida vénia ao blogue MUKANDAS DO KABIAKA


Artigo originalmente publicado em ATLÂNTIDA, VoI. XLVI, 2001, adaptado por Lúcio Flávio da Silveira Matos, filho do autor, engenheiro civil, a viver no Brasil, no Estado de Santa Catarina [Vicente Teixeira de Matos que, em 2007, à data da publicação do poste, tinha 87 e residia em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores].
S. JORGE DO KATOFE
OU A DÉCIMA ILHA DOS AÇORES

VICENTE TEIXEIRA DE MATOS*

“Dos nossos olhos até à hora da nossa morte nada fará desaparecer aquele brilho húmido e doce que se acende, quando a recordamos.” (Vicente Matos)

"Quem lembra, prevalece..." (Lindolf Bell)

A Décima Ilha dos Açores, assim crismada pelo jornalista director da ANI, o terceirense Dutra Faria, é a pequena história de gente açoriana, rija e trabalhadora, espalhada "como quem não quer a coisa" pelos vales cir­cundantes do Rio Katofe e seus afluentes, atravessados pela estrada Luanda/Huambo, a 364 km da primeira e a 245 km da segunda destas cidades. No Sub Planalto de Benguela, a cerca de 1300 metros de altitude e à distância média do mar de 200km, no Concelho de Kibala, distrito de Kuanza Sul, Província de Angola.
Hesitei anos até reduzi-Ia a escrito: mas aquelas mulheres e aqueles homens, modestos e sofridos, e aquelas ruí­nas trágicas e dramáticas merecem que deles fique memória!... E assim, já tão longe daquela ardente mocidade, a minha consciência não ficaria tranquila sem lhes prestar este mais que modesto preito. Aos mortos e aos vivos, aço­rianos humildes, que lançados no meio do agreste mato angolano, rodeados de mil dificuldades, com parcos meios, edificaram aquela singela utopia!...

Antecedentes - As nove ilhas dos Açores, situadas em pleno Atlântico - O Grande Mar Poente - entre a Europa e a América, são, como sabemos, caracterizadas por um clima instável, varridas por ventos e brumas, ciclones e sismos; clima propício a diluir realidades, parir fantasmas e recriar sonhos de partir e de voltar!...
Nos fins dos anos vinte, do século que acaba de findar, quando começa esta memória, os destinos emigratórios dos ilhéus - Brasil e América do Norte - estavam saturados. Do Canadá, ainda, não se falava; havia de procurar-se outros destinos. As ilhas continuavam limitadas: "gente quanta queiram" em terra escassa, cortada pelo mar infindo e por velhas barreiras económicas e sociais. Por informações e histórias de quem lá servira ou trabalhava, começava a falar-se do Ultramar Português que, de terra de degredados e doenças mortais, se poderia transformar em "terra quanta queiram", apta a produzir riqueza desbravando o mato, sem prejudicar o legí­timo desenvolvimento dos povos nativos. Por exemplo, Angola teria sete habitantes por km2 contra mais de cem nas ilhas.

Início da Emigração - Em 1929, três jovens lavradores da Ilha de S. Jorge (Norte Grande), de nomes João Alves de Oliveira, Emílio Dias e André Alves de Olveira, irmão do primeiro, resolveram tentar a sua sorte em Angola. Foram recomendados a um jorgense - Tenente Bettencourt, deportado por razões políticas e na altura exercendo comércio na Vila da Kibala. Viriam a desembarcar em Porto Amboim (Benguela a Velha), o mais próximo do seu destino, para o qual se dirigiram numa camioneta de carga antiga, como mais uns fardos, através das terras vermelhas do Amboim, ubérrimas produtoras do café do mesmo nome, estrada barrenta de orografia muito acidentada, na qual os carros se atascavam, para desespero dos seus ocupantes. Por fim, lá chegaram a casa do seu conterrâneo. Seguidamente fizeram sociedade com o capitão Diogo Sandão, reformado e antigo pacificador daquela região, onde possuía uma fazenda, nos arre­dores da Vila. Aí, começaram nova fazenda, em terrenos contíguos, que iriam apelidar de Norte Grande. Efectuaram desbravamentos para sementeiras de milho e café e iniciaram a criação de gados bovino e porcino.

Família de Emílio Dias (Kimbaça para os nativos), 1 dos 3 pioneiros, com o primeiro tractor adquirido pela lavoura no Katofe.

Colonização - Passados cinco anos, adaptados à terra e ao clima, resolveram os três lançar-se, por sua conta e risco, estabele­cendo-se a 17 km da Kibala, junto à estrada de Luanda/Huambo, às margens do Rio Katofe; em vales de boas ter­ras para sementeiras de milho e arroz e boas pastagens para a criação de gado; fundando também um pequeno comércio, que servia de apoio e financiador da agricultura. "Boas terra para tudo, menos para os homens", opina­vam os entendidos! Na verdade o clima era duro e a terra infestada de mosquito e malária. No entanto, aqueles homens eram corajosos, não estavam dispostos a desertar! Contudo, em 1941, pelo Natal, pagaram o seu primeiro e doloroso tributo, falecendo o André Oliveira vitimado pela biliosa palúdica, que, naquela época, não perdoava...
Porém, dez anos passados - 1945 -, já possuíam lavouras de milho, de arroz, pomares e hortas e uma manada de cento e tal bovinos, dezenas de porcos e um pequeno rebanho de cabras e ovelhas; matéria prima para célebres caldeiradas de cabrito e borrego! Possuíam ainda dois moinhos hidráulicos, os únicos na área da Kibala, mercê de um açude construído no Rio Katofe, que ainda fornecia água para regar o arroz. Do rebanho de bovinos, exploravam as vacas leiteiras, cujo leite era aproveitado no fabrico de manteiga e queijo, vendidos nas vilas dos arredores.
Em 1945 admitiram um novo sócio, Vicente Teixeira de Matos, bem mais jovem, de uma família jorgense da Ribeira Seca, radicada nos arredo­res da cidade do Huambo.

O autor com 18 anos no final dos estudos no Liceu de Angra do Heroismo, quando desistiu de prosseguir estudos universitários no curso de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa e resolveu viajar para Angola.

O autor logo após a sua chegada a Angola.

O autor quando do serviço militar como furriel miliciano, em Nova Lisboa, Huambo, antes de ir para o Katofe.

O autor - Kilamba para os nativos - já na lavoura do Katofe com o trator Massey Harris da firma Oliveira & Dias.

O autor e a sua família extensa, em 1954. Da esquerda para a direita: José Teixeira de Matos (pai), Noémia da Silveira (madrasta), Vicente Matos, Zeca Matos (filho no colo), Maria Bernardete (esposa), Lúcio Matos (filho, no colo), Estêvão Silveira Coelho (sogro), Noémia de Fátima (irmã cassula), Laudelinda Cabral (sogra) e Arnaldo Silveira Coelho (cunhado).

Vicente Matos, em 1955, aos 35 anos, com dois dos seus sete filhos do Katofe.

Em 1946, chegou a Angola um Batalhão Expedicionário açoriano que, desmobilizado em 1948, deixou vários dos seus elementos em Angola, dos quais quatro vieram juntar-se ao embrião do povoamento açoriano no Katofe.
Por essa mesma altura, desembarcaram em Angola duas famílias com filhos que se dirigiram igualmente a Katofe, com a intenção de aí se radicarem. Estas chegadas vieram despoletar a ideia latente da criação de uma entidade patrocinadora do nascente povoamento.
Assim, os organizadores lembraram-se que a palavra cooperativa significava cooperar = trabalhar juntos - sem precisarem de se estender às origens dos "Pioneiros de Rochdale" - 1844, - bastando os exemplos da sua ilha natal - S. Jorge, para se organizarem de forma a apoiar os associados, em funções tão vastas como construir tudo a par­tir dos alicerces: casas, desbravamentos, compras de gado bovino, valas de enxugo e rega, fábrica de lacticínios, Igreja, Escola, Posto Sanitário, tudo o necessário para fazer funcionar uma urbe, espalhada num raio de quilómetros.
 Em 26 de Setembro de 1949, no Cartório Notarial da Comarca de Nova Lisboa (Huambo), foi assinada a escri­tura de fundação da Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária "A Açoreana", com sede em Katofe, área do Posto Sede de Concelho de Kibala. Os Estatutos da Cooperativa foram publicados no Boletim Oficial da Província da Angola, III Série, no 48, de 1 de Dezembro de 1949. Foram dezanove os fundadores.
Os Estatutos possuíam um parágrafo (cap. I art. 2o e seu parágrafo sexto) muito sintomático e por isso o trans­crevo: "Difusão entre os nativos da região, dos benefícios conseguidos pela Cooperativa, na medida do possível e seja do interesse deles; como conhecimentos agro-pecuários, assistência sanitária, etc., atendendo ao espírito de colaboração que caracteriza a colonização potuguesa". Isto se cumpriu até ao fim!
Os povoadores que vinham chegando dos Açores, uns mais outros menos, eram portadores das poupanças e do produto da venda dos seus haveres, decididos a tudo investir na terra feiticeira da Angola... Em primeiro lugar, construíram as pequenas casas, que muitas vezes começavam por uma casa de côlmo em estilo nativo, e adquiriam algumas cabeças de gado bovino. Num caso, houve quem começasse com duas vacas leiteiras.
Sendo crescente o número de povoadores em S. Jorge do Katofe, a Cooperativa requereu ao Governo de Angola a concessão de um empréstimo de mil contos, com pagamento escalonado por quinze anos, para serem investidos na compra de gado bovino, a distribuir aos sócios fundadores. Em Dezembro de 1951 foi concedido o empréstimo pela Junta de Comércio Externo e iniciada a compra de gado bovino no sul de Angola.
O rebanho, de algumas centenas de cabeças, depressa atingiu mais de um milhar e a consequente subida da produção de lacticínios. Assim, na época, Angola viria a transformar-se de total importadora em exportadora.
Em 1950/1951, festejaram-se os primeiros nascimentos e baptizados de jorgenses de S. Jorge do Katofe, raízes lançadas em boa e generosa terra, penhores do futuro desta iniciativa de açorianos, que não parava de crescer.

Os primeiros filhos açórico-angolanos do Katofe, lamentavelmente, espalhados por Portugal, Brasil, EUA e Canadá.

O pioneiro Emílio Dias na eira de secar o milho com alguns rebentos açórico-angolanos, Lúcio Matos, São Dias, Idalina Dias, Zeca Matos, Maria Ângela Dias e Linita Dias (da esquerda para a direita).

A assistência religiosa foi desde o início prestada pela Missão Católica de Kibala, numa casa particular. Em 1 de Setembro de 1952, Sua Excelência Reverendíssima o Arcebispo de Luanda, benzeu a primeira pedra da pequena capela, que viria a ser dedicada ao padroeiro S. Jorge pelo mesmo Arcebispo, em 1954. Esta capela viria a ser reconstruída mais duas vezes, transformando-se numa bela igreja, que não envergonhou os seus construtores. Deve assinalar-se que alguns povoadores contribuíram para estas obras com quantias superiores às que dispende­ram nas suas próprias casas. Não negando a sua generosidade e a sua fé! Nela seriam baptizados e depois cris­mados os seus descendentes e continuadores. Nela acabariam por casar alguns dos novos jorgenses.


Igreja de S. Jorge do Katofe: primeira reconstrução, em Dia de Pentecostes, e segunda reconstrução, em 1970.

Alguns dos jovens do Katofe em dia de casamento, no início dos anos 1970.

A igreja depredada atesta a destruição e a desolação trazidas pela guerra insana (2003).

Em 1952, a pedido da Cooperativa, o Estado legislou a criação de uma Reserva do Estado, de 52.000 hecta­res, onde se implantariam as fazendas dos povoadores e se reservariam os terrenos para uso comunitário das aldeias nativas, como era norma do seu direito consuetudinário. No futuro viriam a ser, mais ou menos, 20.000 hec­tares para fazendas e 32.000 hectares para aldeias, os primeiros completamente aproveitados em 1975.
A fim de exemplificar o crescimento económico da Cooperativa e seus associados, à falta dos números que todos os anos eram publicados nas contas da Cooperativa (o único que conservamos, impresso, é o de 1961), socorro-me de escritos do "Diário Insular" de Angra, quase todos da pena do citado jornalista Dutra Faria, "padrinho" do crisma da Décima Ilha dos Açores. Estas crónicas, assim como conferências nas Casas dos Açores de Lisboa e Rio de Janeiro, eram produtos das suas visitas a S. Jorge do Katofe, em 1951 e 1954, e de informações epistolares.
Assim, no ano de 1949 - ano da fundação - assinala-se uma pequena produção de 1.804 kg de manteiga e queijo, no valor de 82 contos. O número de gado existente era de 400 cabeças.
Já em 1955, seis anos depois, a produção era de 6.000kg de manteiga e queijo, no valor de 311 contos, a que corresponde uma multipliçação quase por quatro vezes. Assinale-se a existência de mais de 2.000 bovinos.
Em 1958, a nove anos da existência da Cooperativa, assinale-se uma produção de 16.000 kg de lacticínios, no valor de 711 contos, a existência de 2.582 cabeças de gado, e a venda de 360 bovinos de corte, no valor apro­ximado de 500 contos.
No ano de 1961, há a registar uma produção de lacticínios de 28.000 kg, num valor de 1.313 contos; respectivamente, aumen­tos de 26 e 32% em relação a 1960, demonstrativos do progresso anual e da valorização dos produtos. Note-se que o leite foi pago aos associados a 2$60/litro, quando em 1974, treze anos depois, ainda era pago a 3$00.
O gado bovino sofreu novo aumento em 1961, arroladas que foram 4.133 cabeças (aumento anual de 33%) pela Missão de Inquéritos Agrícolas de Angola, sendo 3.978 cruzadas nativo/holandês/schwitz, 145 schwitz puras oriundas do sudoeste africano e 10 touros fornecidos pelos serviços oficiais. Pesados na balança da Cooperativa foram 404 bovinos, que deixaram 652 contos.
"Para mal dos nossos pecados", o Colonato Estadual da Cela tinha o centro a escassos 62km, e era forte demais a ambição de integrar o nosso povoamento livre - liberdade conquistada a duras penas e trabalhos - para ser absor­vido pelo "Golias Estadual", num singular socialismo de estado. Na Cela, o Estado investira mais de um milhão de contos, a ponto de transportarem para a Vila de Santa Comba uma igreja igual à de Santa Comba Dão. O Estado tudo fornecera aos colo­nos da Cela: casas, terras preparadas, gado, máquinas agrícolas; tudo apoiado por uma burocracia asfixiante. A comparação com o "pequeno David" era chocante, envergonhando Golias e seus mentores!
Os povoadores açorianos e a sua Cooperativa sempre primaram por colocar acima de tudo o seu trabalho, iniciativa e liberdade pessoais contra a mediocridade e burocracia.
Em 1958 foi inaugurada a Escola Primária e nomeada professora própria. Nessa inauguração, foi oferecido, pelo Senhor Governador Geral um instrumental para a filarmónica em formação, com "a prata da casa" abrilhan­tando as Festas do Divino Espírito Santo!
Estava programado e em breve veríamos a sua construção: o Posto Sanitário e a colocação de um enfermeiro, que iria prestar uma assistência diária a todos os habitantes da região, sem excepções.

Progresso - A década 1960/1970 foi um tempo de progresso assinalável. Passaram os tempos duros e difíceis, que Dutra Faria assinalou assim: "Em 1951 o velho Faustino possuía 2 vacas, 1 junta de bois, 1 carro de bois igual aos dos Açores; em 1954, possuía 80 cabeças de gado bovino e 1 moto nova, e podia matar 1 porco todos os meses."
"Estes descobriram também a sua Ilha! Sem uma palavra de retórica. Silenciosamente. Humildemente. Sem um gesto de propaganda, estes açorianos fizeram maior, no que lhe cabia, o mundo lusíada. Levando as vacas para o pasto, mungindo o leite, batendo a manteiga, fabricando o queijo. Podando as macieiras e os araçaleiros. Plantando as couves e os inhames, semeando o milho. E fazendo o sinal da cruz, ao sentarem-se à noite, exaustos, mas satis­feitos consigo próprios, diante de um grande prato de sopa de abóbora e batata doce, polvilhada de canela."
Em 1960, foi colocado em S. Jorge do Katofe, um ajudante de pecuária, que faria as vacinações do gado e todos os outros tratamentos que não exigiam a presença do médico veterinário, colocado na sede do Distrito, abran­gendo uma área tão grande como Portugal Continental.
Este apoio oficial foi imprescindível, ao mesmo tempo em que os povoadores desenvolviam e ensaiavam novos maneios dos rebanhos: tanques banheiros para banhos carracícidas semanais ou quinzenais, parqueamentos com arame farpado, de todo o perímetro das fazendas e sua divisão em parques, ensaios de forragens e desbravamen­tos totais ou parciais.
A Junta Provincial de Povoamento enviou para Katofe uma brigada, chefiada por um agrimensor, a qual tinha por missão medir e legalizar as fazendas, ao mesmo tempo tendo em conta os terrenos das aldeias nativas. Principiou pelas fazendas já estabelecidas no perímetro da já referida Reserva do Estado, abrangendo um raio de 20 km, englobando os vales do Rio Katofe e seus afluentes Mussoe, Kangombe, Kianza, Mussanza e outros, rodea­dos pelas cordilheiras de nomes de sabor africano, Iengo, Tongo, Midanda, Kassamba, Mussanguir, que, em dias friorentos de cacimbo (brumas nocturnas e matinais) ou em noites deslumbrantes de luar, pareciam deixar entrever a silhueta da sua ilha distante...
À medida que terminava o trabalho de campo, por despacho do Secretário Provincial do Fomento Rural, eram publicadas no Boletim Oficial de Angola as concessões provisórias, até que os concessionários comprovassem o total aproveitamento, prazo em que eram emitidos os alvarás definitivos, de plena posse. Já emitidos em 1975.
A requerimento da Cooperativa, os Serviços de Obras Públicas construíram o Internato Escolar, gerido por moni­tores educativos, destinado a receber alunos matriculados na Escola, cujos pais viviam em fazendas distantes da povoação, além de alguns de outras áreas com o mesmo problema.

A Escola e o Internato Escolar durante o interregno da guerra civil, em 1991.

Pelo Governo do Distrito foi executada a obra de abastecimento de água potável à povoação, com distribui­ção ao domicílio.
Igualmente o Secretário Provincial das Obras Públicas mandou aproveitar o antigo açude do Rio Katofe e res­pectiva vala de conduta de água, cedido graciosamente, a fim de mover uma turbina hidroeléctrica para fornecer electricidade à povoação. O Engenheiro Abecassis, antigo Governador do Distrito de Angra, tinha experiência aqui obtida. Os últimos dois melhoramentos raramente existiam em Angola em povoações de igual categoria, per­mitindo aos habitantes uma muito melhor qualidade de vida. À sombra destes nasceram vários outros: casas de habitação, como segunda casa de alguns fazendeiros; pensão-restaurante muito afamada, oficina de reparação de carros e tractores; dois cafés, três casas comerciais, além da Cantina de Cooperativa, três casas para funcio­nários do Estado. Além da Escola, Posto Sanitário e Posto Veterinário, já referidos. O pequeno mas actuante Colonato Açoriano de S. Jorge do Katofe continuava não só em frente em desenvolvimento económico, mas tam­bém em progresso sócio-cultural.
E, como pólo cultural, foi reconstituída e acrescentada a chamada Casa do Espírito Santo, no Largo da Igreja, onde desde os anos cinquenta se realizavam as grandes e seculares Festas do Divino Espírito Santo; das promessas, da alegria, da abundância, da solidariedade! Da Terceira Pessoa, que é o "Rei da Alegria"! Nela vi deslizarem as lágrimas de saudade, a um engenheiro natural da Praia, perante a Benção das Esmolas, iguais às da sua infância!...

Aspecto da última Casa do Espírito Santo em 2003, apresentando as marcas da destruição e abandono.

Na Casa do Espírito Santo, sentavam-se à primeira mesa cerca de mil pessoas! Como diziam os camionistas que percorriam as estradas de Angola, S. Jorge do Katofe era a única terra da Província onde se comia e bebia de graça durante o período das Festas, em boa e alegre companhia. Chegaram a abater-se uma dúzia de bois.
Destas Festas testemunhou o Bispo Angolano, de etnia bantu, que presidiu às Festas, D. Zacarias Kamuenho, hoje Arcebispo de Lubango, e no jantar festivo afirmou: "Li e estudei os Evangelhos, e a história dos ágapes tradicionais dos primeiros cristãos; mas nunca julguei que existisse em pleno Séc. XX, tal manifestação de fraternidade cristã."
Voltemos porém um pouco atrás no tempo. No fim da década de sessenta, esfumado o sonho de levantar uma fábrica de lacticínios em Katofe, com o apoio imprescindível do Estado, deliberou-se que o leite produzido pelos sócios da Cooperativa fosse incorporado na Fábrica da Cela, a 40 km, pertença do Estado; esta em breve seria transferida para uma sociedade privada, recém criada, a Empresa de Lacticínios de Angola - E.L.A., cujas acções pertenciam: 50% aos lavradores/produtores de leite, que livremente as adquiriam; 40% à firma do ramo Martins & Rebelo, muito conhe­cida nos Açores e no Continente; e 10% à Junta Provincial de Povoamento, como fiel de balança. Do Conselho de Administração da E.L.A. veio a fazer parte, como produtor e accionista, o presidente de "A Açoreana". No início dos anos setenta, a E.L.A. mandou construir, à ilharga do Rio Katofe e fronteiro à povoação, um moderno posto de recep­ção de leite, com todos os requisitos mais modernos de refrigeração e higienização, ímpar no espaço português, que em breve forneceria leite de primeira qualidade à Central Leiteira de Luanda, prestes a ser inaugurada.
A Cooperativa "A Açoreana", com a sua Cantina, continuava a fornecer aos seus associados rações para as vacas leiteiras e tudo o mais que necessitassem a preços módicos, além de todo o apoio logístico necessário.
Muito se havia progredido: dos primeiros pagamentos anuais de 49 contos, atingia-se uma média superior a 1.000 contos mensais, quantia muitas vezes superior. Na terra de Angola o horizonte do progresso não tinha limi­tes: quem produzia 10, 50 ou 100 seria capaz de atingir os 1.000! O mesmo espírito se conseguiu implantar em S. Jorge do Katofe! O apoio do Estado não servia como muleta, mas como alavanca ao espírito de iniciativa, traba­lho e boa administração dos escassos recursos da Cooperativa e dos seus associados. Obra de compreensão pluri­racial, de progresso técnico e desenvolvimento, se possível mais perfeito à medida que o tempo passava, e, por necessidade, muito mais barato que outras formas de socialismo de estado, nesse tempo existentes em Angola.
Será que o povoamento implantado em S. Jorge do Katofe não possuía defeitos e falhas? Como obra de homens, modestos ainda por cima, teria a sua cota parte de insuficiências; porém passou o tempo de as apontar, ultrapassadas por dolorosos acontecimentos.
O desenvolvimento não era só económico, mas igualmente sociocultural. Saídos da Escola de S. Jorge do Katofe, muitos dos seus filhos espalhavam-se já pelos liceus de Angola, e já oito deles frequentavam a novel Universidade de Luanda e o Seminário Arquiepiscopal, em variados cursos - Letras, Veterinária, Medicina, Engenharia Civil, Teologia e Filosofia - prontos a contribuírem para o progresso da sua pequena terra e da grande Angola! Mesmo hoje, com o desenvolvimento da educação, será difícil que uma freguesia açoriana de 600 habi­tantes possua o mesmo ratio de universitários!...

Histórias - Como episódios significativos das vivências na Décima Ilha resumo alguns:
I - A tia Maria do Rosário, oitenta e tal anos ainda rebitesos, todos os dias, pela tarde, rezava o seu terço. E uma bela tarde tanto andou que se perdeu no mato, só sendo encontrada ao outro dia. Daí em diante, a tia Rosário sempre lembrava às visitas a noite em que as onças (leopardos) não conseguiram comer a velhinha, trepada numa árvore e protegida pelo rosário de Nossa Senhora.
II - Nos anos cinquenta, visitava S. Jorge do Katofe um jornalista suíço. A certa altura, disse para o seu acompa­nhante: «Uma autêntica paisagem do Minho!» Foi-lhe explicado que as mulheres e homens que remodelaram esta nova paisagem eram descendentes de várias origens, entre elas o Minho!...
III - De visita à Décima Ilha, um agrónomo, jorgense por sinal, depois de ver, observar e fotografar, desabafou: «Fora das nossas ilhas, nunca vi paisagem que tanto me lembrasse os Açores!»
IV - Bastante conhecido em Angola, o Eng.o Boaventura Gonçalves, terceirense, exímio construtor de estradas, hoje falecido, necessitou baixar ao Hospital de Luanda para tratar da saúde. Acabou por constatar que muitos dos empregados nativos eram da zona de Kibala/Katofe, os quais lhe falavam dos tchindeles (europeus), que começavam a desbravar e povoar a zona de onde eram naturais. Os "sulianos" eram boa gente, pagavam sem­pre os prejuízos do seu gado nas lavras e até, numa dificuldade, emprestavam dinheiro às suas famílias. O Eng.o Boaventura, conterrâneo dos "sulianos", passou a ser mimado, chegando a enciumar os outros doentes!
V - Uma bela noite de luar africano, feiticeiro, a povoação foi acordada por urros tremendos. Não sendo zona de leões, na manhã seguinte verificou-se ter sido atacado um curral perto e morta uma nema (novilha). Só podia ser leão... e alguns caçadores amadores resolveram fazer uma mutala em cima de uma árvore sobranceira ao curral, e ao cair da noite trataram de subir à árvore, o último de "bofes à boca", pois já sentiam uma restolhada!... Seguiu-se uma autêntica fuzilaria e os habitantes saíram à rua a espreitar os resultados da guerra... Em breve chegaria uma carrinha trazendo o leão, bicho imponente, motivo de fotos e falatório!... A fêmea viria a ser envenenada numa fazenda próxima, depois de matar outro bovino. Do episódio ficaram até hoje as tro­vas do poeta popular, mestre de viola e animador de tantas noites de chamarritas e bailhos, mestre João da Luz, há anos falecido na Terceira.

Fim do sonho - Estamos no ano decisivo de 1974: 25 de Abril, suposta alvorada de esperança, dado que em S. Jorge do Katofe todos estavam de acordo com a independência, para todo o povo angolano; de paz, ordem e progresso. Por coin­cidência, nesse mesmo dia deslocou-se à Administração do Concelho uma delegação de lavradores com as suas carrinhas carregadas de leite, a fim de pedir ao Governador do Distrito a sua interferência junto do Governo, com vista à subida do preço do leite dos 3$00/litro para um preço que compensasse o produtor. Aí tivemos conheci­mento do que se passava em Lisboa, nesse dia.
Em 26 de Setembro de 1974 comemoram-se as Bodas de Prata da Cooperativa “A Açoreana”; um tempo muito curto na vida de um povo, mas tempo de alegria, de reflexão e progresso imparável. Como corolário, a Junta de Povoamento acabava de ligar todas as fazendas com estradas rurais com pavimento de laterite, levando à estrada principal asfaltada, ao Posto de Lacticínios e à povoação.
Porém, a partir dos meados do ano de 1975, os açorianos do Katofe foram confrontados com a dura, amarga e triste realidade: a independência não seria calma e pacífica, como se antevira um ano antes. A gente de paz e de trabalho de S. Jorge do Katofe, como a maioria dos euro-angolanos, seria obrigada a abandonar tudo o que cons­tituía o seu mundo: os seus haveres, alguns trazidos dos Açores, os seus mortos, as suas próprias recordações, as suas vivências multiraciais. Com prejuízo de todo o povo angolano. No último dia da nossa estadia em Katofe, disse-nos um chefe de aldeia (soba) afro-angolano: “Vocês ainda têm uma terra para onde partirem, nós vamos ficar aqui a morrer de fome, de guerra e de doença!” Prova provada de que os euro-angolanos constituíam o cimento dessa Nação. Veja-se o que veio a acontecer até hoje com a trágica e irresponsável descolonização...
Em Agosto e Setembro inicia-se a partida: famílias inteiras através de Angola em direcção à África do Sul; de avião até Lisboa, para os Açores, Estados Unidos, Venezuela, Brasil e Canadá. Diáspora de gente lusíada em busca de oásis de Paz!...
Para trás ficava tudo, além do mais cerca de 20.000 cabeças de gado bovino; para dali a um ano serem ape­nas 600, até que nada mais sobrou!

Homenagem - Não posso encerrar esta memória sem lembrar os já falecidos, dos dezanove associados fundadores da “A Açoreana", em Angola: João Alves de Oliveira, o afamado João do Katofe, e também João Leal, coração maior que o corpo, sócio n.o 1, o primeiro a ser sepultado no cemitério do Katofe, quando até aí se fazia na Kibala a 15 km. Ainda, em Angola: José do Rosário, José Leal de Oliveira e Braúlio Teixeira de Matos. Nos Açores: João Faustino da Silveira, José Teixeira de Matos, José Lopes dos Santos e João Bettencourt. Na Califórnia: Emílio Dias, Manuel Herculano de Matos, António Alves de Sousa; e na Costa Leste norte-americana: João Rodrigues. Doze dos dezanove. Não seria possível mencionar mais nomes, dos que se inscreveram ao longo dos anos, mas aqui fica a minha homena­gem simples mas sincera a essas mulheres e homens - jorgenses de escol!
Em memória de todos, ouso transcrever os versos do poeta angolano Vieira da Cruz:


COLONO

A terra que lhe cobriu o rosto
e lhe beijou o último sorriso,
foi ele o primeiro homem que a pisou!

Ele venceu a terra que o venceu.
Ele construiu a casa onde viveu...
Ele desbravou a terra heroicamente,
sem um temor, sem uma hesitação
- terra fecunda que lhe deu pão
e lhe floriu a mesa de tacula...

Foi arquitecto e foi também pintor,
porque pintou de verde a sua esperança...

Esculpiu na própria alma um sonho enorme,
Por isso foi também grande escultor!

O que aprendeu foi Deus que o ensinou,
lá na floresta virgem, imensa catedral,
onde tanta vez ajoelhou!

E assim a Décima Ilha dos Açores se foi incrustando na bruma da memória, vivência que foi realização plena, saudade que perdurará...
Permitam-me terminar, pela pena do grande poeta Fernando Pessoa: “Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena!...”.

Bibliografia
*Boletim Oficial de Angola - III Série, n.o 48 de 7/12/1949.
*Estatutos da Cooperativa "A Açoreana", S.C.L.R.L.
* Relatório Impresso e Contas de 1961.
*Apontamentos, exposições e escritos contemporâneos dos acontecimentos.
*Jornal "Diário Insular" de 25/11 /1954, 26/11/1954, 08/03/1958, 09/10/1958, 11/11/1958 e 28/06/1961.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7750: Homenagem à minha mãe na hora da despedida. Mãe, até amanhã! (José da Câmara)

(**) Vd. poste de 9 de Março de 2011 Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada