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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Caminhamos para o termo desta resenha sobre a atividade missionária na Guiné, até à independência. Não conheço obra mais completa que a do padre Henrique Pinto Rema. Fico recetivo a toda e qualquer ajuda que me possam dar relativamente à islamização da região, o seu quadro evolutivo e a orgânica atual na Guiné-Bissau do trabalho do padre Pinto Rema resulta claro que uma parte substancial do insucesso missionário decorreu da inexistência de uma colonização efetiva que desse suporte àquele grupo minoritário de religiosos sempre confrontado com a inclemência do clima, o desconhecimento das línguas nativas, os muitos casos de hostilidade à missionação e o profundo isolamento a que eram votados os missionários.
Recordo que na Guiné do período da luta armada aventava-se que a religião católica se situasse entre os 3 a 5%. Esta percentagem, como é de todos sabido, tem vindo a crescer significativamente, há hoje muita tolerância religiosa na Guiné e respeito mútuo. Se assim não fosse, não teria havido aquele poderoso movimento em prol da paz, no tempo do conflito de 1998-1999, em que todos os credos religiosos apoiaram o movimento cívico-político para o fim da guerra e a reconciliação nacional.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (6)

Beja Santos

Em “História das Missões Católicas na Guiné”, Editorial Franciscana, Braga, 1982, o padre Henrique Pinto Rema oferece-nos uma visão integrada não só das missões franciscanas mas como de toda a missionação durante o período colonial. Como se referiu anteriormente, o período do liberalismo e da I República foram extremamente nefastos para a obra missionária. No capítulo “A segunda missão franciscana da Guiné Portuguesa”, tendo como balizas 1932 a 1973, o investigador analisa a missão franciscana no Vicariato Geral da Guiné, entre 1932 e 1940, refere o papel dos franciscanos na missão decorrente do Acordo Missionário (1941-1955). Deixaremos para o próximo e último texto a atividade franciscana na Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.

As “missões laicas” criadas em 1913 pela República, não deram os resultados esperados e não substituíram efetivamente as “missões religiosas”. Estas conseguiram sobreviver à primeira tempestade republicana e obtiveram um reconhecimento legal em 1919. O bispo de Cabo Verde levou às autoridades civis o problema da missionação da Guiné. Mas só no tempo do ministro João Belo, em 1926, se regulamentará a atividade missionária. A segunda missão franciscana chega à Guiné em Fevereiro de 1932. Serão mais tarde chamados, já em 1947, os missionários do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras, de Milão. A Santa Sé elevará, em 1955, a missão à categoria de Prefeitura Apostólica. E em Maio desse ano chegarão os primeiros franciscanos italianos da província de Santo António de Veneza. E com a independência, depois de 1974 será criada a diocese da Guiné-Bissau.

Temos, pois em análise, os franciscanos no Vicariato Geral da Guiné, ao longo da década de 1930. O autor recorda que em 1929 havia somente um missionário na Guiné, a situação religiosa na região piorara de dia para dia, o Vigário-Geral foi morto em Bolama pouco antes do 28 de Maio de 1926. Tomam-se diligências ao nível mais alto: o Núncio Apostólico insiste com o provincial dos franciscanos para um reforço missionário na Guiné. Eugénio Pacelli, futuro Papa Pio XII, escreve em 1930 ao superior da ordem dos frades menores: “A Santa Sé considera improrrogável a necessidade de missionários na Guiné”. Em 1930, o Padre João Augusto de Sousa, do clero do Funchal, chegou à paróquia de S. José de Bolama. Em 1931, o cónego António Miranda de Magalhães, das missões ultramarinas, encarrega-se da paróquia de Bolama e assumirá pouco depois o cargo de Vigário-Geral. A presença missionária é verificável em Bolama, Bissau, Cacheu e Geba/Bafatá. Vale a pena destacar um trecho da Provisão de D. José Alves de Martins, bispo de Cabo Verde e da Guiné Portuguesa, com data de Outubro de 1926: “Mercê talvez do seu clima, do espírito belicoso das suas tribos, da influência islamática há séculos exercida entre eles, a verdade é que não conseguirá nunca radicar-se a influência cristã de um modo decisivo, nem antes do século XIX, quando a acção missionária era quase exclusivamente exercida pelas ordens religiosas, nem depois da grande crise religiosa que se deu em Portugal na primeira metade do século XIX, quando tal acção ficou a cargo do clero formado no Seminário Diocesano de Cabo Verde e dos missionários formados no antigo colégio das missões ultramarinas (…) resolvemos nós, de acordo com o excelentíssimo governador daquela colónia dotá-la com três missões centrais em Bolama, Cacheu, Bafatá ou Gabu”.
Segue-se o reconhecimento das dificuldades, acabaram por só ser criadas duas missões centrais em Bolama e Cacheu, sem prejuízo de haver paróquias missionárias em Bissau, Geba e Buba. E define-se o essencial do programa da ação missionária: o ensino obrigatório da doutrina cristã; o cumprimento das instruções pastorais; o ensino da língua portuguesa.

Temos assim cinco missionários franciscanos chegados a Bolama em 1932. Em Agosto desse ano, o padre Pedro Araújo escreve ao Núncio Apostólico, envia-lhe um estudo religioso geral da colónia, e não ilude as realidades: “Se cristão mesmo há nesta colónia eles são-no apenas pelo batismo” e identifica duas coisas que seriamente embaraçam o missionário: a heterogeneidade das tribos, cada qual com a sua língua, os seus costumes e características étnicas, o que impossibilita ao missionário de contactar todas as raças; e o imperativo do plano missionário franciscano passar pela fundação de uma missão central em meio indígena, seria aqui que se abriria uma escola de professor-catequistas. A missão central ficará sediada em Bula. Por essa época chegarão à Guiné algumas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas. O governador Carvalho Viegas irá manifestar-se muito crítico quanto à escolha da missão central em Bula, preferia o território dos Felupes.

O padre Pinto Rema lembra qual o dispositivo missionário na Guiné nessa década de 1930: 2 padres do clero diocesano, 2 padres das missões ultramarinas, 9 padres franciscanos, dois irmãos franciscanos e 14 irmãs da Congregação dos Franciscanos Hospitaleiros Portugueses.

O estado geral dos edifícios religiosos deixa muito a desejar. A igreja de Geba estava em ruínas, mas havia fé na população nativa, ofereceram pedras, madeira e demais material para a construção de uma nova igreja, que ficou concluída em 1934. É neste contexto de reedificações que é lançado o projeto de uma igreja na cidade de Bissau, a catedral será inaugurada em 1950.

Em 1940, o Vicariato-Geral da Guiné ficou independente da diocese de Cabo Verde, nomeou-se em 1941 o primeiro prefeito apostólico. E dá-se então uma nova organização das missões da Guiné. O autor refere as publicações periódicas correspondentes ao período em análise, algumas de curtíssima duração e até só de uma edição: Boletim Oficial, Pró Guiné, o Comércio da Guiné, 5 de Outubro, o Arauto. Aparece um número apreciável de estabelecimentos, o autor dá destaque ao colégio católico de Bissau e refere um projeto que se tornou emblemático na Guiné: o Asilo de Bor.

No próximo texto, derradeiro desta série, passa-se em revista a atividade franciscana na Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 18 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 22 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18766: Notas de leitura (1077): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (40) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Impõe-se uma explicação para o número inusitado de recensões que tenho dedicado à obra incontornável do padre Henrique Pinto Rema referente à história das missões católicas na Guiné. Nunca se poderá entender a menorização do catolicismo na Guiné, quando é fenómeno de grande importância em Cabo Verde, sem conhecer as vicissitudes dos obstáculos à missionação, nomeadamente entre os seculos XVI e XIX. O autor, padre franciscano, nunca descura o abandono a que estes missionários estavam votados, a falta de apoio dos próprios comerciantes brancos, a sua incapacidade para um trabalho de evangelização no interior, e confrontados com populações islamizadas e totalmente reticentes à mudança de fé. Do século XIX para o século XX abriu-se uma nesga de esperança, quando foi criado o Colégio das Missões de Cernache de Bonjardim veio uma caterva de alunos guineenses e de boas famílias, o marquês de Sá da Bandeira queria missionário de boas famílias...

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (5)

Beja Santos

Dando continuidade às recensões que se têm vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, apresenta-se uma nótula de alguns dos aspetos mais relevantes anteriormente focados, centrando a nossa atenção no período compreendido entre o liberalismo e a I República. Recorde-se que os primeiros sacerdotes que pisaram a terra firme da Costa da Guiné pertenciam ao Clero Secular. Vieram depois padres franciscanos, seguiram-se dominicanos e freires da Ordem de Cristo. A Guiné dependia da Diocese de Cabo Verde, os bispos enviavam visitadores aos cristãos de S. Domingos e no rio Grande. André Álvares de Almada sintetizou numa frase lapidar o trabalho missionário dos visitadores: “Nenhum fruto resultou de tal visitação”.

Vieram depois Missionários Carmelitas e teve alguma projeção uma missão dos Jesuítas na Guiné e na Serra Leoa, entre 1605 a 1617. E como foi referido anteriormente, impôs-se pela duração e devoção a missão dos Franciscanos que abarcou quase dois séculos, entre 1635 a 1834.

Henrique Pinto Rema destaca as denúncias de mau comportamento de muitos clérigos, nomeadamente na fase que precede a extinção dos conventos: por mancebia, bebedeiras, tráfico de escravos. Os sacerdotes missionários, sobretudo na última vintena do século XVIII e primeira vintena do século XIX, foram rareando sucessivamente, até à sua completa extinção.

As novas correntes filosóficas do positivismo, do iluminismo e do racionalismo contribuíram para dissolver o primitivo fervor missionário das ordens religiosas. Na fase final do século XVIII havia sacerdotes em Ziguinchor, Bissau, Geba e Farim. Estavam ali párocos que pertenciam ao Clero Secular. Contudo, estes não seriam da melhor qualidade, o autor observa que o bispo de Cabo Verde reservava para as igrejas da Guiné o que possuía de menos qualificado, não se trata de uma intuição sua, consta, preto no branco no que escreveu Cristiano Sena Barcelos e Honório Pereira Barreto, entre outros. Se o liberalismo detestava os frades, não deixava porém de compreender a força do sentimento religioso, ao serviço da civilização, o mesmo é dizer ao serviço da política. É neste sentido que apoia e promove a evangelização. Houve alterações dignas de nota com a separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879, ir-se-á assistir a uma centralização administrativa em Bolama numa época em que estão repertoriados vários centros cristãos: Bolama, Buba, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Ziguinchor e Bolor. É um período em que trabalham na Guiné simultaneamente padres de cor oriundos de Cabo Verde e da Guiné, padres metropolitanos educados no Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim e padres da Arquidiocese de Goa.

As leis republicanas, adotadas logo em 1910, desferem um rude golpe nas instituições missionárias. Atenda-se que já com o liberalismo as ordens religiosas tinham sido perfeitamente afetadas. Sem os frades capuchos metropolitanos, a Diocese de Cabo Verde teve de contentar-se com o seu clero nativo, pouco e mal preparado para obviar de alguma maneira às necessidades espirituais.

Na Guiné, há desordem política, juntavam-se os mal representantes da igreja, e assim a ação missionária ficou reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. A Praça de S. José de Bissau, com a sua velha freguesia de Nossa Senhora da Candelária, não deixou nunca de possuir lugar de culto desde a segunda metade do século XVII. A capela ruiu em 1840, construiu-se uma igrejinha dentro da fortaleza da Amura, aqui se executaram os serviços religiosos até Dezembro de 1950, quando foi inaugurada a Catedral de Bissau. Possuem-se inúmeros relatos de derrocada de tempos religiosos, eram engolidos por incêndios, degradados pela inclemência do clima, construídos com materiais de péssima qualidade. Sobre a Igreja de Cacheu escreveu Honório Pereira Barreto no seu documento fundamental, a memória da Senegâmbia: “No fim da povoação, próxima da outra porta que fica fronteira à fortaleza, existe uma coisa a que dão o nome de igreja. Imagine-se uma casa muito ordinária, cujas paredes ameaçam ruína, coberta de palha, com dois pequenos campanários, cujo provável destino era para sinos, porém que não os tem. Pegada a esta igreja, existe uma casinhola do mesmo tipo, servindo de sacristia, em frente da qual está o único sino, aguentado por uma estaca, atravessada por dois galhos de árvore…”. Em 1848, é o próprio Honório Barreto que se arma em mestre-de-obras.

Em 1849, a Igreja de Ziguinchor tinha caído, a Igreja de Farim fora reduzida a cinzas por um incêndio. Henrique Pinto Rema elenca os diferentes trabalhos que foram desenvolvidos nas paróquias para dignificar os templos religiosos (Buba, Ziguinchor, Geba, Farim, Cacheu, Bissau e Bolama).

Em torno de Bolama, o autor destaca o desempenho extraordinário de uma figura proeminente da cultura guineense e Vigário Geral da Guiné, o Cónego Marcelino Marques de Barros. Mas toda a atividade missionária se revela em permanência um terreno espinhoso em que tudo é precário e contingente. O Vigário Geral, Padre Tertuliano Ramo, figura de destaque da vida missionária de Cabo Verde e Guiné até ao período do Estado Novo escreveu ao Secretário-Geral da província da Guiné: “Ninguém deixa de reconhecer que os párocos na Guiné vivem em situação económica aflitiva; desprestigiados, reduzidos em número, sem incentivo de espécie alguma, a parcimónia com que lhes são remunerados os seus serviços desola e não dá ânimo e perseguir na árdua e penosa tarefa da evangelização".

No entanto, a vida religiosa parecia dar sinais de crescimento, um dos exemplos foi a chegada das irmãs franciscanas que passaram a trabalhar no hospital de Bolama.

Assim chegámos aos primeiros 20 anos da República. Os republicanos prosseguiram a animosidade dos liberais, assistiu-se à expulsão das ordens religiosas, ao encerramento do Colégio das Missões e à perseguição ao clero. A já de si triste situação religiosa da Guiné agravou-se. Mas o acalento e a devoção missionárias pareciam não arrefecer. Continuou-se a pensar criar missões católicas junto dos Balantas, Manjacos e Brames. O Estado Novo procurará dinamizar o trabalho missionário. É o que veremos no próximo texto, a propósito da segunda Missão franciscana da Guiné Portuguesa (1932-1973).

(Continua)

Fotografia adquirida na Feira da Ladra em 27 de Agosto de 2016, tem a seguinte legenda: “Teixeira Pinto, 2 de Fevereiro de 1961. Construiu-se esta ponte para depois fazer por ela passar o rio e a estrada. Porém, o plano foi alterado depois dela construída ou por falta de verba ou porque o rio não se deixou vencer. E a ponte lá está”. Conhecia já esta história quando estava a preparar o meu livro “Mulher Grande”, em 2008, a mulher de um funcionário colonial que viveu anos antes em Teixeira Pinto referiu-me que era um dos passeios bizarros de que dispunham, ir ver a ponte inacabada, segundo ela passeava-se despreocupadamente um lagarto naquele charco permanente. Nunca ninguém decifrou o mistério desta ponte inacabada.
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Notas do editor

Poste anterior de 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18743: Notas de leitura (1075): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
O apanhado de notas que se segue tem a ver com um período de definhamento da missionação na costa da Guiné. No essencial, nos reinados de D. João V e de D. José I a história missionário-portuguesa teve o seu ponto alto não em África mas no Brasil. As obras aqui citadas dão conta, e sem nenhum sofisma, que os missionários eram de muito má qualidade e tentados pelo comércio. Como se pagava mal aos militares, ninguém queria ir para estas praças, fora buscar cadastrados. Quando lemos o documento extraordinário de Honório Pereira Barreto com a sua memória da Senegâmbia, num outro período atribulado do século XIX, compreendemos o seu pesar quando refere a péssima qualidade da gente que arriba à costa da Guiné para administrar, praticar justiça, comandar tropas e até falar das coisas de Deus.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (4)

Beja Santos

Na sequência de recensões que se tem vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, procura-se uma síntese do período que compreende o absolutismo até ao liberalismo.

Recorde-se que no reinado de D. João V e depois da figura determinante de D. Frei Vitoriano Portuense foi nomeado bispo de Cabo Verde D. Frei José de Santa Maria de Jesus, sagrado bispo de Cabo Verde em 1721. Veio acompanhado de dois clérigos, o Dr. Manuel Leitão e António Henriques Leitão, ambos estiveram na Guiné como “visitadores”. O bispo foi à Guiné em 1732, em Farim sobreveio-lhe grave enfermidade nos olhos que o deixou cego.

O autor descreve o martirológico dos franciscanos na Guiné, do século XVII para o século XVIII bem como enumera as baixas devidas ao clima pestífero. Em comentário à ação dos missionários franciscanos desta época, o historiador José Christiano de Senna Barcelos, em Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Volume I, escreve: “Estabelecidas as sedes das missões em Cacheu e em Bissau, delas (os prelados de Cabo Verde) destacavam arrojados padres missionários para o Norte e para o Sul, penetrando pelo sertão até às tribos mais indomáveis; com a cruz ao peito, esse símbolo da paz, avançavam tranquilos”. E escreve mais adiante: “Foi com a cruz que conquistámos toda a Guiné, e fio à sombra dela que edificámos igrejas em Ziguinchor, Farim, Geba, Rio Nuno, Pongo, Gâmbia e Serra Leoa; que se construíram fortalezas e que se permitiu a navegação fluvial. Com a cruz edificámos e avançámos a passos gigantes para o sertão; Com a espada temos demolido e retirado, com os mesmos passos, para a beira-mar. É a diferença”.

Quanto à decadência da missão franciscana, escreveu Francisco Roque Sotomaior, em 1753, um documento endereçado ao governo de Lisboa:
“Ultimamente, não posso deixar em silêncio ser também causa de muitas perturbações nesta ilha a licenciosa vida de alguns padres missionários, que, fiados no hábito de S. Francisco, fazem dele escudo para continuar o exercício de mercadores tratantes, sem cuidar na sua obrigação, além de buscar motivos para amotinar o gentio”.

António Vaz de Araújo assina em 2 de Novembro de 1778 na “Relação das Praças que Sua Majestade tem na Costa da Guiné” as de Cacheu, Farim, Ziguinchor, Bissau e Geba, não há qualquer referência à Serra Leoa e à Gâmbia. É que se a Senegâmbia Portuguesa avançasse para as fronteiras que foram negociadas com os franceses. A fiarmo-nos nos dados, em 1819, povoavam os estabelecimentos portugueses da costa da Guiné um total de 4419 pessoas, e entre elas havia três eclesiásticos em Cacheu e um em Ziguinchor.

Dir-se-á que houve uma tentativa de ressurgimentos das missões na Guiné no final da década de 1820, mas sem sequência. As Ordens Religiosas em Portugal estavam moribundas. Aguardavam o golpe de misericórdia que lhes deu o liberalismo em 1834.

Apreciando a decadência das missões no final do século XVIII, o franciscano padre António Joaquim Dinis escreve: “As ordens religiosas em Portugal que, durante séculos deram provas de grande fervor, de trabalho heroico na construção do nosso Império, de dedicação a Deus e à pátria, cansaram, entraram em decadência franca nos finais do século XVIII. Primeiro, reduzidos, depois totalmente suspendidos, foi golpe mortal, vibrado na assistência religiosa e na missionação das nossas possessões ultramarinas. Direi mais: fizeram falta à manutenção da vida social e política do Ultramar".

Estamos agora no liberalismo e escreve Henrique Pinto Rema:
“Enquanto na metrópole os conventos regurgitavam de pessoal, as desmanteladas casas que os franciscanos mantinha, por exemplo, na diocese de Cabo Verde, eram ocupadas por uns tantos, poucos, indesejáveis e aventureiros, propensos à bebedeira e à violência, mais dedicados ao comércio do que ao doutrinamento do povo. Mutatis mutandis, idêntico fenómeno se passava com os civis europeus chegados a essas bandas: ou eram negreiros, com o seu vil e lucrativo comércio, ou eram cadastrados, como aqueles que em 1805 o comandante da capitania de Bissau, Manuel Pinto de Gouveia, trouxe do limoeiro e das cadeias de Cabo Verde com o fim de guarnecer a praça. O pernicioso clima e o pagamento atrasado dos soldos, que sempre foram mais baixos que em outras províncias, não convidam homens honestos e trabalhadores”.

Por esta altura, a ação missionária na Guiné estava reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. Confiados a três sacerdotes de cor. Na terra firme da Costa da Guiné possuíamos as praças de Bissau e Cacheu, sedes de conselho, compreendendo o primeiro o presídio de Geba, o Ponto de Fá e a Ilha de Bolama; O de Cacheu estendia a sua influência pelos presídios de Farim, Ziguinchor e Bolor. Pertenciam ainda à Coroa Portuguesa comprados por Honório Pereira Barreto o Ilhéu do Rei, chamado Nova Peniche, mesmo em frente de Bissau, e o porto de Gonzo, no interior do rio Casamansa. Estas praças, presídios, pontas e ilhas teriam de três a quatro mil habitantes entre brancos, pretos livres e escravos, segundo Christiano Senna Barcelos.

Com a Convenção Luso-francesa de 15 de Maio de 1886 perdemos Ziguinchor mas a província da Guiné terá crescido de 11 mil para 36 mil quilómetros quadrados. Estava lançado o desafio da ocupação do território, como prescrevia a Conferência de Berlim. Em 1891, só tínhamos seis pontos definitivamente ocupados: a Ilha de Bolama, as praças de Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e de Geba. Tudo vai mudar radicalmente no final do século, mas será necessário esperar que o Capitão Teixeira Pinto para que se registe formalmente a aceitação da soberania portuguesa. É neste contexto que a missionação vai conhecer avanços e recuos e que o seu estatuto ficará mais aclarado com o Estado Novo.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 4 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18722: Notas de leitura (1073): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (38) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3607: Historiografia da Presença Portuguesa em África (12): Cónego Marcelino Marques de Barros (1844-1928) (Beja Santos)



Dois documentos extraídos do artigo "Antiguidades do Ultramar: II. Organizações das Missões da Guiné (Projecto de 1880)", por António Lourenço Farinha, antigo missionário em Moçambique. In: O Missionário Católico, de 1931, p. 155. Fotografia do Cónego Marcelino Marques de Barros (1844-1928) e início de uma pequena resenha biográfica.


Imagens: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados


1. Mensagem do Beja Santos, de 29 de Setembro último:

Historiografia da presença portuguesa (*) > Cónego Marcelino Marques de Barros, uma das glórias da Guiné

A história cultural de Guiné-Bissau tem algumas figuras incontornáveis e uma delas é Marcelino Marques de Barros[ 1844-1928] (**), que foi Vigário Geral, sócio correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa, onde publicou alguns dos seus mais brilhantes trabalhos.

Natural de Bissau, onde nasceu em 1844, estudou em Cernache do Bonjardim, no Colégio das Missões, onde se preparou para ser missionário. Em 1868 trabalhou entre os Felupes, no norte. Após 11 anos de trabalho exaustivo, voltou a Portugal em 1867 e daqui regressou à Guiné por onde se conservou por mais 7 anos.

Voltou ao colégio que o educou e aqui escreveu obras de uma importância transcendente para o conhecimento da corografia, línguas nativas, plantas medicinais, topografia, hidrografia, usos e costumes, dicionário de crioulo e uma colectânea de contos, parábolas e cantigas dos nativos, que a critica literária do seu tempo, (finais do século 19, princípios do século 20) elogiou entusiasticamente.

Encontrei em O Missionário Católico, de Março de 1931, uma das raras fotografias do Cónego e um texto de um importante historiador das missões portugueses, Padre António Lourenço Farinha, acerca de um projecto datado de 1880, de autoria de Marcelino Marques Barros, referente à organização das Missões da Guiné e dirigido ao Bispo da Diocese de Cabo Verde.

Como é muito próprio da sua personalidade, o prelado identifica logo a região: a Guiné e os seus rios; as ilhas e o arquipélago dos Bijagós; os povos (Ariatas, Felupes, Mandingas, Fulas, Banhuns, Cassangas, Papéis, Balantas, Bijagós, Biafadas e Nalus), as freguesias, as pontas. Refere os grumetes (***) como a parte da população mais capaz de aderir ao catolicismo, chama-lhes mesmo "o verdadeiro povo português indígena, e o que mais tem concorrido para engrossar todos os nossos presídios ou vilas contra as quais se revoltam tantas quantas vezes se julgam nos seus interesses ou interesses dos seus avós feridos".

É para estes e para os animistas que o prelado envia um projecto das organizações católicas. Vale a pena apreciar o teor da sua proposta, sinteticamente.:

(i) Os párocos e vigários deveriam ser formados num Seminário Diocesano, e ser oriundos da Guiné;

(ii) Os jovens seriam inicialmente educados num pequeno colégio, todos os régulos deveriam enviar 2 ou 3 dos seus filhos para o Colégio Central das Missões, no Reino;

(iii) Aqui deveriam aprender a falar correctamente o português e também medicina e agricultura;

(iv) Viriam depois para a Guiné acompanhados de mestres de ofícios, como pedreiros, carpinteiros e ferreiros, de preferência europeus;

(v) Como os povos guineenses adoram música, nenhum missionário poderia vir para estas paragens sem saber tocar harmónio, harpa ou flauta;

(vi) Os candidatos a missionário deviam ser escolhidos preferencialmente entre Felupes, Papéis, Bijagós, Balantas e Biafadas, visto serem estas as nações que mais se facilmente se cristianizam;

(vii) Certamente recordado da boa recepção que encontrou entre os Felupes, descreve e região como apropriada para o primeiro esforço missionário; fala de aspectos administrativos, logísticos e organizacionais que, como é óbvio, não tem para aqui interesse; e entre alguns aspectos dignos de investigação, o prelado refere "a ponta de S. António, junto ao reino do Xime, cujo a mina de ouro fez a fortuna dos espanhóis noutras eras e cujo príncipe Manuel Maneu, filho de Galen e de Arajé foi por mim baptizado aos 19 dias do mês de Setembro de 1871".

Fora do contexto desta carta, o padre António Lourenço Farinha diz que a Guiné, por motivos de insalubridade, nunca foi muito cobiçada pelos missionários desde os primeiros séculos da colonização, e desenvolve argumentos sobre a missionação da Guiné cujo teor deixaremos para mais adiante, quando aqui se falar de um conjunto de investigações do Almirante Avelino Teixeira da Mota subordinadas ao título "As Viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné".

Beja Santos (*** *)
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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 9 de Dezembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3589: Historiografia da presença portuguesa (11): Filatelia do 5º Centenário da Descoberta do Território, 1446/1946 (Beja Santos)

(**) Vd. também os seguintes sítios:

Dioceses da Guiné-Bissau > Evangelização > História

Instituto Camões > Leopoldo Amado > A Literatura Colonial Guineense

União dos Escritores Angolanos > Jurema José de Oliveira > As Literaturas Africanas e o Jornalismo no Período Colonial

(***) Do Ing. groom mate, rapaz ajudante; s. m.,
praça de marinha de graduação inferior a marinheiro e superior a aluno marinheiro;
habitante de Cacheu, na Guiné-Bissau.(Fonte: Priberam Informática)

Vd. também Vidas Alternativas > Beja Santos > A GUINÉ DOS GRUMETES, DOS ESCRAVOS E DOS PRESÍDIOS

(****) Vd. ainda os postes de:

14 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3316: O meu baptismo de fogo (9): Missirá, Cuor, 6 de Setembro de 1968 (Beja Santos)

14 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3206: Antropologia (11): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.