Mostrar mensagens com a etiqueta quotidiano. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta quotidiano. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2133: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008)(4): Hino de Gandembel, quem se lembra da música ? (Pepito / Luís Graça)

Guiné > Regiã de Tombali > Ponte Balana > Novembro de 2000 > Um grupo de camaradas de visita a Guiné, onde se incluiram os nossos tertulianos Albano Costa, Hugo Costa, Zé Teixeira, Xico Allen e Casimiro Vieira da Silva... Ponte Balana era um destacamento de Gandembel, no tempo do Idálio Reis (CCAÇ 2317, 1968/69).

Foto: © Albano Costa (2006). Direitos reservados.


1.Mensagem do Pepito, com data de hoje:


Amigo Luís:

Para o Simpósio de Guiledje (1) estamos a pensar organizar num dia à noite, uma sessão de músicas, danças e poesia, daquele tempo. Para isso ocorreu-nos introduzir também cantigas que os militares cantavam nas casernas em Guiledje e Gandembel.

Sei que há um famoso Hino de Gandembel (tenho a letra que saiu no Blogue)(2), mas falta a música, que sei ser de um fado conhecido. Será que o Idálio se
lembra da música? Era importante ter uma gravação para os nossos músicos
poderem interpretar a cantiga (3).

Mais te informo que o site sobre o Simpósio estará cá fora na primeira
semana de Outubro, podendo as pessoas colaborar com opiniões, comentários e
sugestões.

abraço
pepito

2. Comentário de L.G.:

Eu sei trautear a música, mas não a consigo identificar... Tal como acontecia com o Cancioneiro do Niassa (o mais completo e mais célebre de todos os cancioneiros da guerra do ultramar / guerra colonial, até por que foi proibido pela censura do regime político de então), a malta na Guiné usava as músicas de fados, baladas e outras canções em voga...

Pepito, vou/vamos fazer um esforço por identicar a música e arranjar uma gravação do famoso hino de Gandembel que trauteávamos em Bissau, nós, os velhinhos e os periquitos...

Lembro-me bem que, nos primeiros tempos da minha comissão, em Contuboel e depois em Bambadinca (CCAÇ 12, 1969/71), era de facto Gandembel, juntamente com Madina do Boé, um dos lugares mais míticos, mais aterradores e mais fantasmagóricos do sul... E eu ainda nem sequer conhecia os relatos dos camaradas que lá viveram, como o Idálio Reis e os seus camaradas da CCAÇ 2317!...

Hoje diria que o hino de Gandembel é uma peça bem humorada, satírica, com uma letra típica do poeta de caserna, cuja função era exorcizar os medos e os fantasmas dos tugas... Desconheço o seu autor, pode até não ser ninguém da CCAÇ 2317, mas um qualquer trovador da guerra do ar condicionado do QG ou da 5ª Rep - o Café Bento... Pode ter sido escrito, numa esplanada de Bissau, com base em relatos que vinham do sul... Não sei, estou a especular... Talvez o Idálio nos possa responder a esta dupla questão: (i) quem escreveu a letra; e (ii) que música acompanhava a sua execução ?

O hino era cantarolado por nós, em noites de copos, de tainadas, enquanto se descansava e se esperava pela próxima saída para o mato... Era usado como se fosse uma espécie de talismã, mezinho ou ritual de exorcismo... Mesmo que não soubessemos onde ficava exactamente Gandembel nem a Ponte Balana, ficámos mais protegidos contra as ameaças, os perigos e os fantasmas que por lá pairavam, no sul, e que eram os mesmos que íamos descobrindo na zona leste...

Em meados de 1969, Gandembel (abandonado em Janeiro desse ano) era pura e simplesmente a visão do... inferno! Gandembel e Madina do Boé (também abandonado uns dias depois, já em Fevereiro)... Guileje virá muito mais tarde (Maio de 1973)...

Pepito, vou tentar arranjar-te e mandar-te o CD com as canções do Niassa, para ficares com uma ideia. É uma edição da EMI/Valentim de Carvalho, 1999. Há gravações originais (Rádio Metangula, 1969) na Página do José Rabaça Gaspar > Cancioneiro do Niassa.
_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

6 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2084: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 Março de 2008) (1): Uma iniciativa a que se associa, com orgulho, o nosso blogue

7 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2086: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008) (2): Programa provisório

(2) Vd. post de 30 de Dezembro de 2005 > e 30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (José Teixeira / Luís Graça)


Hino de Gandembel

Ó Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.

- Meu Alferes, uma saída! -
Tudo começa a correr.
- Não é pr’aqui, é pr’ponte! (i),
Logo se ouve dizer.

Ó Gandembel,
És alvo das canhoadas,
Verilaites (ii) e morteiradas.
Ó Gandembel,
Refúgio de vampiros,
Onde se ligam os rádios
Ao som de estrondos e tiros.

A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê (ii)
É preciso protecção.

Gandembel, encantador,
És um campo de nudismo,
Onde o fogo de artifício
É feito p’lo terrorismo.

Temos por v’zinhos Balana (i),
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três (iv) te protege.

Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!

Recolha: José Teixeira / Revisão de texto: L.G.
____________

Notas de L.G.:

(i) A famosa ponte sobre o Rio Balana, destacamento da CCAÇ 2317 (que estava em Gandembel, Abr 68/Jan 69)
(ii) Verylights
(iii) WC
(iv) A espingarda automática G-3







(3) Vd. posts sobre os vários Cancioneiros que até a esta data já conseguimos recolher no nosso blogue. Quando tiver tempo, vou fazer uma análise de conteúdo de todas as letras !

Bafatá

31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche

31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCII: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (3): O Hotel do RC 8

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (4): Lavantamento de rancho

Bambadinca

24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)

Canjadude

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)

Empada

1 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P828: Cancioneiro de Empada (Xico Allen)

Gandembel

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (Zé Teixeira)

Mansoa (autor: Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612, 1974)

1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal

1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá

7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...

10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIV: Cancioneiro de Mansoa (4): a arte de ser 'ranger'

1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDIX: Cancioneiro de Mansoa (5): Para além do paludismo

19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVIII: Cancioneiro de Mansoa (7): Os periquitos do pós-guerra

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P837: Cancioneiro de Mansoa (9): A mais alta de todas as traições

Xime:

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

Niassa (Moçambique)

11 de Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1) (Luís Graça)

(...) Há uma edição discográfica das Canções do Niassa, que resultaram da colaboração do actor João Maria Pinto (que no início da década de 1970 fez, com um grupo de amigos, as primeiras gravações do Cancioneiro do Niassa, vendendo depois as cassetes piratas aos soldados recém chegados) e ao produtor Laurent Filipe: Canções proibidas: O Cancioneiro do Niassa. Lisboa: EMI - Valentim de Carvalho, Música, Lda. 1999. CD. 7243 5 20797 2 8.

Foram seleccionadas e gravadas 13 canções, cantadas pelo João Maria Pinto e seus convidados (entre outros, Carlos do Carmo, Rui Veloso, Paulo Carvalho, Janita Salomé, João Afonso):

1. Ventos de Guerra - João Maria Pinto/Rui Veloso;

2. Taberna do Diabo - João Maria Pinto/Gouveia Ferreira;

3. Fado do Checa - Paulo de Carvalho;

4. O Turra das Minas - João Maria Pinto/Rui Veloso;

5. Erva Lá Na Picada - João Maria Pinto/Janita Salomé;

6. Luta p'la Vida - João Maria Pinto;

7. Neutel d'Abreu - João Maria Pinto/Mariana Abrunheiro;

8. Bocas Bocas - Lura, João Maria Pinto/Mingo Rangel;

9. Fado do Miliciano - Janita Salomé;

10. O Fado do desertor - Carlos do Carmo;

11. O fado do Antoninho - Teresa Tapadas;

12. Hino de Vila Cabral - Carlos Macedo/João Maria Pinto;

13. O Hino do Lunho - João Maria Pinto e outros (João Afonso, Ana Picoito, Tetvocal...).

Destas 13 canções, apenas se conhecem os autores de duas: Gouveia Ferreira (Taberna do Diabo) e Carlos Macedo (Hino de Vila Cabral). (...).

Vd. ainda:

(i) Página do nosso camarada Jorge Santos > A Guerra Colonial > Canções do Niassa

(ii) Página do José Rabaça Gaspar > Cancioneiro do Niassa

"(...) as CANÇÕES que fazem parte da Gravação da Rádio Metangula, da Marinha, em 1969, na voz de João Peneque (Como é evidente, pedimos desculpa das falhas na gravação, que foi recuperada a partir de uma cassete gravada em 1969, pelos bons serviços dos amigos Manuel Aleixo e Manuel Cruz, a quem deixamos os melhores agradecimentos) " (...)

Este camarada fez parte da CART 2326, Os Lobos de Maniamba (Moçambique, 1968/70).

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2024: A discoteca de Missirá ou alguns dos discos da minha vida (Beja Santos) (1): De Verdi a Beethoven






1. Texto do Beja Santos enviado a 26 de Julho.


Alguns dos discos da minha vida (Parte I):

Comentários: Graças à solicitude do sempre discreto e formiga/ abelha Humberto Reis, posso mostrar-vos algumas das preciosidades que adquiri em Bafatá, depois de ter perdido todos os meus discos na flagelação de 19 de Março de 1969.É praticamente o que me resta depois de termos passado para os CD, tudo o mais ofereci para vendas de organizações não lucrativas.

A «Tosca» é sublime: do 2º Acto que se filmou no Covent Garden vê-se claramente o pânico da assistência quando Maria Callas «apunhala» Tito Gobbi, tal a expressividade da interpretação.

Comoveu-me sempre «La Bohème» pelo refinado do fraseado moderno misturado com o sopro romântico em cima da navalha, a roçar o lamechas.

Beethoven é sempre o camarada que me aponta o caminho, nem que eu vá de rastos.Nos momentos de profunda decepção e solidão em que vivíamos tantas vezes, foi junto do mestre de Bona que fui pedir a coragem que fugia debaixo dos pés.

E Joan Sutherland era o lirismo puro, a disciplina total. Comoveu-me em 22 de Abril de 1974. em S.Carlos, em La Traviata, ao lado de Alfredo Kraus e Matteo Manuguerra (a Cristina foi vê-la a 24, fiquei a tomar conta da Joana, então com pouco mais de 2 anos).

Depois da oração, a música foi a minha âncora,a par da escrita e das leituras.Para que conte.E mais um abração, querido Humberto.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1998: Blogoterapia (28): No Diário do Mário Beja Santos, está lá tudo, estamos lá todos nós (Virgínio Briote)

1. Mensagem do nosso co-editor Virgínio Briote (ex-Alf Mil Cmd, Brá, 1965/67) (1):

Caro Luís,

É um documento rico em memórias daqueles tempos (2). Está lá tudo, as preocupações com a população, os contactos com o então Inimigo, as ideias de alguma hierarquia nem sempre ajustadas às realidades com que a tropa em quadrícula se defrontava todas as horas, todos os dias, as relações com a metrópole, os amigos, a namorada, a família, os hábitos que procurou não perder no mato, as leituras e a música, os conflitos entrelaçados com momentos de camaradagem entre os pessoal militar, a dificuldade em lidar com a cultura dos militares nativos, num destacamento perdido no mato, dias e dias, sempre a contar os dias que faltavam para as férias, o RDM, tudo, está lá tudo o que eu vi e vivi algum tempo antes.


Ter o Mário no nosso blogue foi um acontecimento feliz (2). Não por ser, há muitos anos, uma figura pública, mas por tudo o que ele encarna. Um jovem com 20 e poucos, metido num conflito que, na altura, não lhe devia dizer muito, meia dúzia de meses de instrução militar muito básica, praticamente virada para o manejo das armas e nenhuma informação sobre as populações e sobre o que se passava no terreno. Tudo o que aconteceu a uma geração. E, pelo que depreendo, vestiu o camuflado com honra sem ter em mira recompensas.

Felicitar o Mário Beja Santos é também felicitar o nosso blogue.

Um abraço,
vb
_______________

Notas dos editores:

(1) Vd. posts de:

11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1945: Blogue-fora-nada: O melhor de ... (1): Nunca contei uma estória de guerra aos meus filhos (Virgínio Briote)

11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1943: Virgínio Briote, novo co-editor do blogue

(2) Vd. post de 25 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1996: Nas Terras dos Soncó, um livro saído do nosso blogue, em próxima edição do Círculo de Leitores (Beja Santos / Luís Graça)

sábado, 17 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1608: Xitole, CART 3492: Uma nota de bom humor no quotidiano da guerra (Joaquim Mexia Alves)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 3942 (1972/74) > Uma nota de bom humor no quotidiano da guerra: da esquerda para a direita, os Alf Mil Mexia Alves (1º Pelotão), Mil Rodrigues (4º Pelotão) e Barroso (3º pelotão)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > Os três foliões, Mexia Alves, Rodrigues e Barroso

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 3942 (1972/74) > Os quatro alferes da companhia: da esquerda para a direita, Mexia Alves, Rodrigues, Silva e Barroso.

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2007). Direitos reservados

Mensagem do Joaquim Mexia Alves:


Caro Luís Graça:

Recebi do Artur Soares, Furriel Miliciano Mecânico da minha CART 3492, do Xitole (1), resposta ao mail de que te dei conhecimento, dizendo-me que brevemente entraria em contacto contigo para passar a fazer parte da Tertúlia. Estou a ver se arranjo tempo para me encontrar com ele, para matar saudades e relembrar factos do Xitole, para podermos escrever sobre eles.

Não percebo o que me acontece, já to disse, mas é impressionante como estou esquecido das coisas da Guiné. Pode ser que com ele a puxar por mim a memória vá voltando!!!

Hoje envio-te umas fotografias para rir: Passagem de modelos, realizada no Xitole pelos oficiais da CART 3492, modelos confeccionados pela Casa de Haute Couture Jamil Fashion (2).

Nome dos modelos:

(i) Os três em oração: Alf Mil Barroso (3º pelotão); Alf Mil Rodrigues (4º Pelotão); e eu (1º Pelotão). A fotografia poderá ferir sentimentos religiosos, por isso deixo ao teu discernimento a sua publicação [E a minha decisão foi a de não publicá-la, para não ferir eventuais susceptibilidades de alguns dos nossos amigos L.G.].

O outro Alf Mil que aparece é o Silva (2º pelotão) que veio substituir o Alf Mil de que não me lembro o nome e nem me consigo lembrar se chegou a estar connosco no Xitole. O Alf Mil Silva, ao que me lembro, vinha dos Paraquedistas... Porquê, também não me lembro.

(ii) Vai também uma fotografia da vala dos oficiais do Xitole.

O 1º cabo Festas, impedido da Messe de oficiais do Xitole, estava solenemente proibido de fechar a arca frigorífica, sem primeiro avisar, e devia fazê-lo com todo o cuidado, para não dar azo a que os senhores oficiais se precipitassem para a vala, perante a saída de morteiro, que o barulho da tampa da arca a fechar rigorosamente imitava.

Por hoje é tudo! Como se diz na minha terra, é pouco, mas é de boamente!

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1607: Artur Soares, ex- Furriel Mecânico Auto, CART 3492, Xitole, 1972/74 (Joaquim Mexia Alves)

(2) Jamil Nasser, comerciante libanês local, de cuja casa o Mexia Alves era assíduo frequentador, juntamente com os seus camaradas. Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)


(...) "Quase todos os dias, ao fim da tarde, ía a casa do Jamil e no seu alpendre de entrada, bebiamos uns uísques, acompanhados de pedaços de tomate com sal, enquanto ele ouvia as notícias do Libano no seu rádio, em árabe, claro está, e comentava o que por lá se passava.

"Para mim era como sair um pouco da tropa e entrar numa vida social, o que dava um certo equilíbrio emocional.

"Um dia, quando me preparava para ir ter com o Jamil, apareceu o seu criado Suri, oriundo da Gâmbia, salvo o erro, para me dizer que o Jamil pedia para eu não ir ter com ele naquele dia.

"Fiquei admirado, mas bebi o que tinha a beber no quartel. Mal anoiteceu, houve um tremendo ataque ao Xitole que, graças a Deus, não provocou quaisquer vítimas ou sequer ferimentos, mas destruiu bastante alguns edifícios " (...).

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1490: Favores sexuais furtivos em Mampatá (Paulo Santiago)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > À noite na Pousada do Saltinho: o Abdu, de gorro vermelho, o Paulo Santiago e Sado (1)

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.

Texto do Paulo Santiago (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53, SPM 3948, Satinho, 1970/72):

Luís:

Após ter lido o excelente post do Vitor Junqueira sobre a Fanta Baldé (2), não resisto, tenho de contar o meu primeiro encontro sexual, ocorrido na Guiné.

Estava há seis/sete meses sem saber o que era mulher. Tinha uma lavadeira, mas essa tratava-a com muito respeito, era mulher do meu soldado Fodé Sané, um dos meus
militares condecorados com Cruz de Guerra. Mulheres de soldados do 53 eram minhas irmãs, ninguém lhes tocava (Hei-de contar, um dia destes, um problema grave havido com um militar da CCAÇ 2701,quando tentou violentar uma dessas minhas irmãs).

Uma tarde, o Abdu, mandinga, chefe de tabanca do Saltinho, diz-me, meio em segredo, ter uma bajuda para descarregares baterias (3), nessa noite, na tabanca de Mampatá, onde ele esperaria por mim para me indicar a morança.

Claro,a partir desta conversa, a cabeça,propriamente dita, deixou de funcionar, passando os neurónios para a cabeça da... piça. Mal jantei, dando a desculpa de uma indisposição e de que iria dar uma volta até à tabanca do meu pessoal, que ficava no exterior do arame farpado do quartel.
Mampatá distava uns 2 kms do quartel, percorridos em marcha acelerada, levando como única arma a faca de mato no cinturão. Estava uma escuridão que mal dava para lobrigar a picada.

À entrada da tabanca, estava o Abdu, à minha espera e foi-me conduzindo pelo meio das moranças,até chegar a uma onde me indicou para entrar,tendo-se ele afastado. Entrei, meio encurvado, a porta era baixa, há uma mão que me puxa, não dizemos qualquer palavra, não consigo ver a cara da mulher, se era nova ou velha. Falando portuguesmente foi uma foda à coelho.

Após consumação do coito, dou por mim meio aterrorizado. Puxo as calças para cima, agarro no cinturão e raspo-me dali para fora.Chego ao quartel ofegante.

Andei montes de tempo sem contar esta cena a ninguém, arrepiava-me só de pensar nela. Poderiam ter-me cortado a cabeça, a de cima, a que pensa,ou poderiam apanhar-me à mão. Nenhum outro militar sabia onde tinha ido naquela noite.

Após a independência vim a saber que o Abdu era o homem do PAIGC na zona. Em Fevereiro de 2005, tentei sacar-lhe se a intenção daquele convite não seria para ter outro resultado. Disse já não se lembrar do acontecido.

Putas, só mais tarde, quando estava em Bambadinca e aos Sábados lá ía, com o amigo Vacas de Carvalho, a Bafatá. Histórias para outra altura.

Abraço
Paulo Santiago

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

(...) "Vem o Rui, encarregado da pousada, chamar-me pois anda o homem grande à minha procura- era o Abdu, mandinga, chefe de tabanca do Saltinho, negociante de vacas e magarefe de serviço na 2701, e, soubemo-lo mais tarde, homem do PAIGC na zona... Abraçamo-nos fortemente e, penso, que consegue estar mais emocionado que eu própio. Sentamo-nos a lembrar o arroz à Abdu que ele fazia de forma magistral. Pergunta-me por muitos ex-militares da 2701, por alguns dos meus furriéis do 53, falamos de vários assuntos, até sobre canhotos, aqueles cachimbos tradicionais" (...).

(2) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

(3) Expressões equivalentes, no nosso jargão porno-militar, machista e sexista, da Guiné: dar uma cambalhota, mudar o óleo, partir catota, dar uma penachada... Não se pense, no entanto, que no nosso tempo nos comportávamos como tropa ocupante: na generalidade dos casos, e pelo menos no consulado de Spínola, as relações com a população que estava do nosso lado pautavam-se por regras (mínimas) de civilidade, de decoro e até de respeito pelas suas tradições e pela sua cultura...

Depois do primeiro choque cultural com comunidades e grupos humanos com valores e práticas sociais muito diferentes da nossa sociedade de origem, o soldado português rapidamente se adaptava e, nalguns casos, até sabia tirar partido das situações - por exemplo, em termos de favores sexuais por parte das mulheres ...

Não se pense que a prostituição - geralmente associada à presença de um ocupante estrangeiro ou de um forte contingente militar, em situação de guerra - estava generalizado a toda a Guiné... Na zona leste, por exemplo, Bafatá, sede de concelho e centro da máquina de guerra, era praticamente o único sítio onde o comércio do sexo funcionava segundo as leis da oferta e da procura... É claro que em Bambadinca (ou em Nova Lamego) também havia mulheres que faziam favores sexuais ou alinhavam em farras, mas o controlo social da comunidade era maior... Em Bafatá bastavam os pesos; em Bambadinca, o tuga tinha que saber também tirar partido da sua capacidade de sedução...

E é bom que se diga que, na Guiné, no nosso tempo, lavadeira não era sinónimo de criada para todo o serviço... A maior parte das mulheres e bajudas da Guiné que trabalhavam para a tropa, nomeadamente na zona leste - como lavadeiras, por exemplo - , deram provas de grande dignidade e humanidade, apesar da sua pobreza e do assédio sexual a que estavam sujeitas...

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

A 17ª estória do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 (1)


Ainda o Amaral, mas desta vez, Mestre – Escola : Quero andar de Comboio!

Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral (2), cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente.

Por outro lado, pesou na minha decisão, o facto de ele ser filho de professores primários… pois filho de peixe, pensava eu, saberia nadar…

Enquanto Professor, ao Amaral, competia ensinar não só as crianças, mas também os Soldados Africanos, que deviam completar a terceira e quarta classes. Arranjado o espaço, preocupou-se logo o nóvel Professor em obter dois instrumentos, segundo ele, indispensáveis à sua actividade – um longo ponteiro e uma régua, que ele denominava “menina dos cinco olhos”.

Às oito horas, o Amaral formava as crianças, as quais em marcha acelerada entravam na escola, clamando em coro:
– Bom dia, Senhor Furriel Professor.- Depois permaneciam toda a manhã em afinada ladainha:
– Um mais um dois, dois mais dois quatro, ba, bá, ca, cá, da, dá, etc, etc.

Qualquer erro ou desatenção, dava lugar a castigo, que para isso servia a “menina dos cinco olhos”, gabando-se o Mestre, do seu exemplar método pedagógico, exactamente igual ao que fora utilizado na sua escola primária. À tarde, era a vez dos Soldados e eu de vez em quando ia assistir.

Porém, talvez pela maior complexidade da matéria ou pela idade dos discípulos, o Amaral sentia muitas dificuldades. Recordo uma aula, na qual o Professor explicava aritmética, enunciando problemas:
-Tu, Sambaro, diz-me lá? Se gastas 300 quilos de arroz por mês, quantos gastas em 15 dias? - Aqui, o Sambaro começava a discutir, afirmando que lhe chegavam 100 quilos, retorquindo o Amaral:
- Faz de conta, isto é um problema!
- Mas eu nunca comprei 300 quilos - teimava o Soldado. Quase apopléctico o Amaral desistia… Também na História de Portugal, as coisas corriam mal. Castelhanos sem ser turras, era difícil de entender, e quanto a D. Afonso Henriques, fora transformado em pai do Almirante Américo Tomás…

Um dia o Amaral todo ufano, convidou-me para ir à aula. O Mamadu tinha feito progressos. Era o melhor aluno. Lá fui, tendo presenciado o interrogatório sobre as linhas de caminho de ferro e respectivas estações. Mamadu tinha decorado tudo!

Linha do Norte, do Sul, do Oeste… Todos os ramais, estações e apeadeiros. Como ir da Pampilhosa ao Entroncamento, e de Faro à Covilhã.

Radiantes, Professor e Aluno, esperavam o meu elogio. Lembrei-me porém, de perguntar:
- Sabes o que é um Comboio?
- Alfero, nunca n´ca ódja um! – respondeu , Mamadu.

Foi a partir de então que acrescentámos o nosso desabafo de chatisse:
-Tirem-me daqui! Quero andar de Comboio”! – passámos a gritar.

Jorge Cabral

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último post > 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

(2) Vd. post de 6 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

domingo, 10 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1353: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (1): O bababaga e o papa-figos

AO CORRER DA BOLHA - I

O Bagabaga e o Papa-figos

por Torcato Mendonça

Vi a foto – linda – do bagabaga (1). Recordei-os, espalhados por vários lados e sendo mesmo motivo de algumas estórias.

Com saudade, recordo uma. Eu conto:

O João Figueiras, 1º Cabo Condutor, algarvio de Faro, era um rapaz alegre e brincalhão. Havia, entre nós, uma natural empatia e cumplicidade por motivos vários. Coisas de homens do Sul e que ficam no vento ou vão com as aves… Dois breves episódios com ele:

1º episódio

Estava em Fá (1) e um dia fui chamado a Bambadinca. Viagem curta, rápida, sem perigos e fizemo-la de jipe. O João a conduzir, eu (à cautela devidamente armado) e um militar da mecânica para trazer baterias.

Assuntos rapidamente tratados, regressámos. Talvez, um quilómetro depois de Bambadinca disse ao João:
- A estrada é asfaltada, deixa-me conduzir.

Troca de lugar e lá vamos nós. Devagar dizia, de quando em vez o João. Abrandava um pouco e lá íamos nós.
- Olhe o cruzamento… o cruzamento!... - Só que tarde demais. Fui a direito capim fora, fintei bagabagas, tirei os pés dos pedais, agarrei forte o volante... mas zás, bati num tronco escondido no capim.
- Ai, ai!!! - gritava o João. Mas estávamos todos bem. Só que jipe tinha o pára-choques torcido.

Passou ele a conduzir e pouco depois estávamos em Fá. Um azar nunca vem só! Pouco depois da entrada, aí estava o 1º Sargento. Olhou, apontou o estrago e sorriu…
- Bateste!
- Não foi ele, fui eu. - Fez-se vermelho, inchou o peito gordo de ar e conteve a raiva. Tivemos sempre um contido ódio de estimação, desde Évora e mantivemo-la até fim da comissão.
Sendo assim abateu-se o pára-choques e siga a dança…

2º episódio

O João pediu-me, várias vezes, para ir comigo no mato. Numa daquelas idas simples... Sabe-se lá o que é simples. Eu dizia-lhe:
- Ó João isso não é para ti. Se te aleijas está tudo tramado e lá fica Faro sem um condutor de táxi.

Tanto insistiu, o bom do João, que um dia foi connosco.
- Vais sempre ao pé de mim e do Serra.

Íamos montar uma emboscada. Caminhamos, volteamos e, já com a noite a chegar paramos. Emboscada montada, silêncio total…toques nos rádios previamente combinados e pedrinhas atiradas, de tempos a tempos, para despertar algum dorminhoco. O João mexia-se, queria falar, soprava…para um algarvio estar tanto tempo calado é difícil. Tinha fome, sede…
- Então João, o colchão É duro…? Fumar…?

De repente o aviso. Aproxima-se qualquer coisa… Breve preparação… gestos treinados…à espera. Novo aviso: são bichos. Espera… É um casal de macacos-cães que berram desalmadamente. Ri a malta e descomprime. Fala o João:
- Mon dé, qué iste débe, nem cem cães?
- Cala, cala…quieto.

Com a primeira claridade da madrugada, redobram as cautelas. Só que o João olhou para o alto de um bagabaga, ali junto de nós, e exclamou:
- Olha um papa-figues.
- Cala-te, porra, aqui não há figos quanto mais papa-figos, não estragues isto.

Breve distracção e sinto um toque no ombro
– Olhe o gajo! … - E lá ia trepando o bagabaga…
- Ai o caraças… - Mas a malta olhava e apostava que ele apanhava o pássaro… Mais um pouco… um olho na picada, outro no João… ele estica, por fim a mão e quase apanha o pássaro que, certamente aflito, grasna e foge. Desequilibra-se o João, berra que nem capado e estatela-se no chão. Correm em seu socorro e com o barulho termina a emboscada.

O João estava triste e abanava a cabeça.

No futuro, quando passava pelo João às vezes dizia-lhe:
- Mon dé, queres um papa-figos? - Ou, se avistava um bagabaga e ele estava perto, bastava dizer o nome dele e olhar na direcção do formigueiro…

A 19 de Setembro de 1968, o meu camarada João Figueiras foi ferido gravemente, na célebre emboscada à fonte de Mansambo (3). Dizem que era comandada por um internacionalista cubano…!

Faleceu a 25 desse mês no Hospital Militar de Bissau (4).

E ainda dizem…

__________

Notas de L.G.:

(1) A CART 2339 (1968/69, a que pertencia o Alf Mil Torcato Mendonça, esteve originalmente em Fá (Mandinga), a nordeste de Bambadinca, antes de passar a undidade de quadrícula de Mansambo.

(2) Vd. post de 7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1348: Concurso O Melhor Bagabaga (2): Bissau (David Guimarães)

(3) Sobre a fonte de Mansambo e as suas tragédias, vd. posts de:

5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)

2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)

14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Luís Graça / Carlos Marques dos Santos)

(4) Vd. post de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (Carlos Marques dos Santos).

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

A 15ª estória do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 (1)

Hortelão e Talhante – A frustração do Amaral
por Jorge Cabral

Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra.

Junto à fonte o Amaral havia construído uma viçosa horta, na qual os tomateiros, as alfaces e as couves medravam fortes, e dera-lhe na cabeça fabricar presuntos utilizando quartos traseiros de onças. Desta actividade lembro o cheiro nauseabundo, que até os mosquitos afastava.

Um dia aconteceu. Três vacas do mato, bichos que pareciam burros, invadiram a horta, banqueteando-se, com as saborosas verduras, o que o deixou, em fúria. Ciente que o criminoso volta sempre ao local do crime, eis na manhã seguinte o Amaral, emboscado, pronto a vingar-se. Pum, pum, pum, três tiros certeiros, e logo, eufórico, pedindo-me para ir a Bamdadinca transaccionar a carne.

Desmanchados os bichos e face à avaria da única viatura, contratou carregadores, aos quais pagou. Fazendo de cabeça as contas, anteviu um lucro fácil que lhe atenuasse a dor da horta destruída. Chegados ao Batalhão, porém, o vaguemestre olhou, cheirou e concluiu. Carne estragada, imprópria para consumo. Catorze quilómetros ao tórrido calor ...tinham sido fatais.

Gastou dinheiro, perdeu a horta e nunca o vi tão triste. Para o animar, aventurei-me a provar dos seus presuntos. Intragáveis, quase vomitei...

Ai, Amaral, Amaral porque não te dedicaste à pesca!...

Jorge Cabral
______

Nota de L.G.:


(1) Vd. post de 24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1322: Blogoterapia (5): Mamadu Djaló que firma no Catió (Joaquim Mexia Alves)

Luís:

Li agora o último post do Jorge Cabral (1) e à conta da música e do crioulo, lembrei-me da célebre frase que corria na Guiné, dita na rádio (qual rádio?), no programa de discos pedidos, e que era assim, mais coisa menos coisa:

- Para Mamadu Djaló qui firma no Catió, Gianni Morandi canta Cá sou degno di bó!!!

Lembremo-nos que era uma célebre música desse cantor italiano, Gianni Morandi [n. 1944], do ano de 1965, e que tinha por título Non sono degno di te [Não sou digno de ti].

Abraço do
Joaquim Mexia Alves

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P1319: Blogoterapia (4): A alegria de encontrar a minha gente de Fá Mandinga e Missirá (Jorge Cabral)