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terça-feira, 28 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23391: A galeria dos meus heróis (46): uma história pícara de três “a(r)didos” - II (e última) Parte (Luís Graça)



Guiné > Região de Bissau > Brá > Depósito de Adidos > Junho de 1969 > O Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), na sua função de Oficial de Dia. "Normalmente fazia as minhas rondas na minha própria motorizada, quando não tinha jipe disponível, uma vez que a área a percorrer era grande. Tinha uma extensão à volta de 1000 metros, de frente para a estrada, e uma quantidade indeterminada de instalações militares. A minha motorizada era uma Honda Azul, de 50 cc, que depois, quando regressei, deixei por lá abandonada. Pode observar-se a existência de valas abertas fundas, para escoamento das chuvadas diluvianas, quando apareciam. Em finais dos anos 40, havia aqui um campo de aviação."

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné, região de Bafatá. Contuboel,
junho de 1969: o autor



A galeria dos meus
heróis: uma história
pícara de três
“a(r)didos” - II 
(e última) Parte 

por Luís Graça (*)


7. Tirando eventualmente um ou outro serviço, que eu não sei se chegaram a fazer (como “sargento de dia” ou “polícia de unidade”) e o facto de dormirem mal e comerem ainda pior, no Depósito Geral de Adidos (DGA), na Calçada da Ajuda  (só o termo “depósito” era um “achado”!), os nossos três “a(r)didos”, o Parente, o "Matosinhos" e o "Algarvio"  não se podiam queixar: afinal tiveram um prolongamento inesperado das férias (se bem que curtas, de duas ou três semanas), em Lisboa, enquanto aguardavam o embarque no “cruzeiro para a África de todos os sonhos” (de acordo com o prospeto da “agência de viagens” da tropa…).

Podiam ter ficado em casa de família ou numa pensão, mas por razão ou outra (e sobretudo "financeira"), optaram pela incomodidade dos Adidos, para mais tratando de um quartel que, naquele tempo,  ficava um bocado "fora de mão", na Ajuda.
 
Como compensação pelo sacrifício, "deu para beber uns copos” bem como para uma ou outra escapadela aos cinemas da Baixa e aos bares do Cais do Sodré, que estavam então na moda (e continuaram a estar até hoje, sobretudo com a criação da rua pedonal, a Rua Cor de Rosa, há cerca de anos atrás). Ficara  até prometida uma “visita secreta” ao Bairro Alto, que o “Matosinhos” e o “Algarvio” mostraram alguma curiosidade em conhecer… Por uma razão ou outra, o Parente ainda não os tinha levado lá, mas a surpresa ficaria guardada para a véspera do dia do embarque.

No regresso ao DGA, apanhavam o elétrico, o autocarro ou, às vezes, o comboio até Belém,  e subiam depois a Calçada da Ajuda, a pé… Tinham que entrar até à meia-noite, naquele tempo o “Matosinhos” e o “Algarvio” ainda eram 1ºs cabos milicianos mas já alinhavam nas escalas de serviço dos sargentos. Com a guerra, havia falta de sargentos e oficiais, o que era colmatado com o recurso aos milicianos. Mão de obra “escrava”, diga-se de passagen, paga a 90 escudos por mês (o valor do pré de então…), equivalente hoje a 28 euros…

− Mas também se ganha mal e porcamente na vida civil – contemporizava o Parente. – Agora, quando voltarem da Guiné, vivos e inteiros, vocês já poderão comprar carro, montar casa e casar!

− Não me f…! – interrompeu o “Matosinhos”. – Não haverá dinheiro que pague o sacrifício da nossa juventude… A madrasta da Pátria paga-nos para matar e para morrer…

− Não sejas tão panfletário, já pareces o Manuel Alegre aos microfones da rádio Argel… A maior parte da malta vai ter as férias que nunca sonhou ter!... Férias, ainda por cima, pagas!... – ironizou o sargento.

− Férias ?!...

− Olha, eu não quero outra vida. Já vou na 3ª comissão… É verdade que também não sei...  fazer mais nada!

− Grande malandro, tinhas dado um belo padre – ouviu-se a voz do “Algarvio”, do fundo do cadeirão.

− Pois era, mas o sacana do falangista f… o nosso Parente! − comentou o “Matosinhos”.

− Ele é que foi ingénuo. Nunca ouviste dizer: “Em Roma sê romano” ?!... Tinha obrigação de conhecer as regras da casa, foi pobre e mal agradecido − arrematou o "Algarvio", seco e contundente.


8. A cena mais pícara destes três “a(r)didos” foi quando o Parente convidou os outros dois para “irem às meninas” (sic) na véspera do embarque no “Niassa”. O “Matosinhos” e o “Algarvio” entreolharam-se, com um certo olhar de espanto, e terão respondido ao desafio, com uma pitada de humor negro:

− E porque não ?!...  Só Deus sabe se voltaremos a casa, vivos e inteiros!
 
− Sobretudo inteiros, com os ditos cujos “en su situ”! – atalhou, malicioso, o sargento.

Quase instintivamente, o "Matosinhos"  levou as mãos ao baixo ventre para se certificar que ainda lá estavam, inteiros, os “tintins”…

O Parente não conseguiu deixar de soltar uma sonora gargalhada:

− Façam de conta que é uma despedida de solteiro!... Mas primeiro vamos beber uns copos. E eu pago a primeira rodada!

Como estava previsto o navio largar amarras às 11h00 da manhã, do dia 24 de maio de 1969, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, o Parente não quis arriscar deixar a surpresa para o próprio dia do embarque, o que teria tido muito mais "pica"... 

No fim da tarde do dia anterior, sexta-feira meteram-se num táxi, e “ala, moço, que se faz tarde”, a caminho do Bairro Alto. (As malas já haviam seguido, entretanto numa viatura dos Adidos, e, mais importante, haviam conseguido  dispensa de pernoita, seguindo na manhã do  outro dia diretamente para o "Niassa", como eu, de resto, que vim, durante toda a noite, em comboio, do Campo Militar de Santa Margarida para o Cais da Rocha Conde de Óbidos.)

Tinham, pois,  a noite toda por conta deles,  suspirava, feliz, o safado do sargento. Mas antes haveria que celebrar o evento com uma mariscada, na cervejaria "Trindade". No dia seguinte era sábado e nessa altura ainda se trabalhava aos sábados, e o Bairro Alto deveria estar animado de gente laboriosa. (É bom lembrar que a chamada semana inglesa, as 45 horas de trabalho semanal, com um dia e meio de descanso em cada sete, é uma conquista dos trabalhadores do comércio portugueses, só conseguida justamemte nesse ano, em 1969.)

A “Sissi”, a “Rita Pavone” e a “Mudinha” foram as três mulheres com quem os nossos “a(r)didos” passaram essa noite  de 23 para 24 de maio de 1969. Na cama, como eles depois me contaram. Ou melhor, quem me 
contou essa cena, digna de figurar no melhor livro do nosso humor de caserna, foi o “Algarvio”, que era, dos três, o mais sensato, o mais discreto, o mais sóbrio, o melhor observador e quiçá o  melhor contador de histórias que eu conheci …

Os nomes de guerra das três mulheres podem não ser estes, mas para o caso também não  é  relevante. A “Sissi” era a patroa, tinha uma “casa de bonecas”,  perto da “Princesa da Atalaia” (uma tasca que eu virei a conhecer mais tarde, dez anos depois. em 1979)... Com a  extinção das casas de passe, em 1963, fora a maneira da "Sissi" de contornar a lei e manter o negócio: alugava quartos a raparigas ("que vinham da província").  Com ela trabalhavam a “Rita Pavone” e a “Mudinha” (assim conhecida por ser muda) e, ocasionalmente, mais algumas que ali faziam o seu "biscate".

Como era habitual terem clientes na sexta feira à noite, o Parente tratou de tudo, previamente e reservou três quartos... Imagine o leitor o que era o Bairro Alto de há mais de 50 anos atrás, ainda com prostituição de rua (tolerada, se bem que ilegal).

A “Sissi”, como velha conhecida do Parente, combinou com as outras duas raparigas e facilitou as apresentações. O prédio  compunha-se de rés-de-chão (ainda com os famosos “aventais de pau”, as "meias-portas" onde no passado as mulheres se mostravam, debruçadas para a rua), primeiro andar e águas furtadas. 

 Era uma construção ou reconstrução oitocentista, de pé direito alto. As divisões eram minúsculas, mal cabendo nos quartos uma cama, uma mesinha de cabeceira e um pechiché, com um espelho (onde as raparigas tinham a tralha para a maquilhagem, os cosméticos, os pós de arroz, os batons, os vernizes). O rés-de-chão, compunha-se de um pequeno vestíbulo, com um reprodução  do quadro a óleo do José Malhoa, " O Fado" (1910), na parede;  uma  pequeno  cozinha, a casa de banho (reduzida a um retrete, lavatório e pouco mais), um roupeiro e ainda um saleta de costura. (Oficialmente, a "Sissi" era costureira, e tinha os impostos em dia.)

Havia ainda umas águas furtadas, acrescentava o "Algarvio", meticuloso na reconstituição da cena e do cenário que fez para mim a bordo do "Niassa"... Ali a “Sissi” tinha a sua “suite” (sic)  e um pequeno salão onde recebia os “hóspedes” mais íntimos… (O Parente achava que ela beneficiava de alguma proteção da gente do poder.)

− O teu gajo hoje está por aí ?! – interrogou, cauteloso, o Parente.

− Já não preciso de “guarda-costas” e muito menos de “Júlios” – respondeu, seca mas orgulhosa, a “Sissi”. 

O sargento ficou a “matar saudades” com a sua antiga “chavala” de há uns atrás. O “Matosinhos” e o “Algarvio” tiraram à sorte quem ficava com as outras duas: é que uma era mesmo “muda”…

− Muda, mas felizmente, não é cega nem é surda – encolheu os ombros, o “Matosinhos”, resignado com a sua (má) sorte, ele que logo simpatizara com a “Rita Pavone”, que falava pelos cotovelos, e tinha umas lindas sardas, que lhe fazia lembrar a sua primeira namorada do tempo de escola.

Fiquei depois a saber, pelo relato do “Algarvio”, que a “Mudinha” fora adotada pela “Sissi” como “afilhada”… Tinha sido violado, ao que se dizia,  pelo padrasto, em Setúbal, onde vivia e estudava no liceu. O gajo era uma granjola da máfia da estiva. A rapariga acabou por cair na “má vida” e veio para Lisboa, "por portas e travessas". A ”Sissi” acolheu-a.

Mas, afinal, quem mais se divertiu, dos três “a(r)didos”, nesse sexta feira à noite  inesquecível, foi o “Matosinhos”. A “Mudinha” era uma verdadeira figura dos contos das Mil e Uma Noites, capaz de satisfazer as mais exigentes fantasias eróticas dos “clientes”. A sua “especialidade” era exemplificar, ao vivo, algumas das mais ousadas e acrobáticas  posições do Kama Sutra…

E tinha um inusitado sentido de humor negro. Quando convidou o “Matosinhos” a fazer o “69”, este recusou, com alguma brusquidão e irritação, típica do macho latino… Ela então “rogou-lhe a sua famigerada maldição” (sic), um delicioso aforismo que é uma obra-prima do linguajar do "bas-fond":

− Quem não faz sessenta e nove, não chega… aos cem!

 Mesmo assim o tempo foi curto para tantas “lições”... O "Matosinhos" fez questão de mandar vir "champagne de Sacavém" e 
o par trocou de galhardetes e de endereços postais. A rapariga, sabendo que ele, “tadinho", ia para o "ultramar”, fez-lhe até um desconto e não lhe levou nada pelas “aulas extras”. O “Matosinhos” prometeu-lhe que escreveria da Guiné, e que, nas férias, lhe traria um colar de missangas, conforme pedido expresso da rapariga… Ela comunicava através de notas, a lápis, num caderno escolar, a par da linguagem gestual.

Não sei se o “Matosinhos” chegou a vir de férias. E se, muito menos, cumpriu o prometido,    voltar à Rua da Atalaia com o colar de missangas  e acabar o resto das aulas... enquanto a sua namorada o esperava, ansiosa, a 300 km mais a norte... (Nem nunca mais poderei saber se ele chegou a casar com ela, a menos que me dê sinais de vida, o que me parece pouco provável.)


 9.  Ainda foram, para a despedida,  ao cacau da Ribeira, no Cais do Sodré,  antes de rumarem diretos ao Cais da Rocha Conde de Óbidos, a pé. Já estavam os três com um grãozinho na asa, ou pelo menos eufóricos, quando passaram pelas senhoras do Movimento Nacional Feminino, e receberam o maço de cigarros “Três Vintes” e a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima a que tinham direito.

Mas, logo à entrada do “Niassa”, junto às escadas que levavam ao portaló, ia havendo uma “bronca de todo o tamanho" (sic), com o “Matosinhos” e uma das “meninas da Cilinha”. Ele depois explicou-se, já mais calmo, no bar do navio: o que mais o irritara, fora o sorriso piedoso, cínico, amarelo, de uma delas, por sinal a que parecia mais nova, mas já "trintona, balzaquiana, com ar de solteirona" (sic)...

− A fulana estava a pedi-las! − desculpou-se ele.

O “Matosinhos” vinha eufórico, mas ali, no cais, ao cair na realidade e ao ser confrontado com o seu imperioso dever como militar, que era embarcar,  rumar  à Guiné, pegar na G3, ir para o mato e  defender a Pátria…, teve de repente uma “tirada infeliz” (reconheceria mais tarde), quando a senhora do MNF lhe “desejou boa sorte e a bênção de Nossa Senhora de Fátima” (sic)…

Ele não sabe o que é que  lhe deu na veneta..., mas  "passou-se dos carretos” (sic) e respondeu-lhe ao ouvido, para que as outras, ali à volta,  não dessem conta e armassem um escarcéu:

− Em matéria de santas, gosto mais da minha mãe e da senhora de Matosinhos, a nossa padroeira… E a si, minha querida senhora, que não deve ser santa mas ainda tem um lindo palminho de cara, e um belo par de marmelos,  eu dava-lhe mas era uma valente trancada patriótica!… Mas venho do Bairro Alto, de papo cheio, e agora a Pátria chama-me, e outros valores mais altos se 'alevantam'…

Não sei se a senhora percebeu patavinha do palavreado, já meio empastelado,  do “Matosinhos”… Só deve ter reagido à referência ao mal afamado Bairro Alto… Corou, Ficou afogueada,  e mal teve tempo de balbuciar:

− Ai, senhor furriel!... Mas que pessoa tão inconveniente e mal educada!…

E terá feito um gesto de pedido de socorro ao piquete da Polícia Militar que estava à entrada do cais, controlando os civis, de costas para o navio, pelo que os PM não terão sequer assistido à cena…

O Parente, felino,  é que não teve com meias medidas… À cautela, dei logo um valente puxão ao colarinho do "Matosinhos", arrastando-o pelas escadas acima até ao portaló!... Entraram os três, de roldão,  no navio, e só pararam no bar...Pediram três uísques duplos,  e comentaram, aliviados e bem dispostos, as peripécias daquele "dia inesquecível"…

Crachá do Depósito de Adidos, Brá.
Cortesia de Augusto Silva Santos (2013)

10. No dia 30 de maio de 1969, logo pela manhã, cerca das 8h00, desembarcámos em Bissau. E fomos levados para o Depósito de Adidos, em Brá. E cada um foi para o seu lado, eu fiquei com a malta da minha companhia, num dos pré-fabricados.  Sei que ficámos numa camarata, em camas sem lençóis, com um cheiro insuportável, agravado pelo calor e humidade de Bissau.  Foi um horror, durante três dias, até acertar com a bebiba que matava a sede.

 No dia 2 de junho, eu segui em LGD pelo rio Geba acima até ao Xime, a caminho de Contuboel (via Bambadinca e Bafatá).  

Os três “a(r)didos” ainda lá ficaram, coitados, em Brá,  à espera de transporte, cada um para o seu destino. Ainda nos encontrámos no "Pelicano", se a memória não me atraiçoa. ... Mas mal tivemos tempo de nos despedirmo-nos. Nunca mais os vi, mas espero que tenham conseguido regressar a casa, sãos e salvos, "vivos e inteiros"… Eu, por mim,  regressei, vivo, em março de 1971,  mas com a morte na alma...


11. Tem piada, durante anos não me lembrei mais desta(s) história(s) picara(s) dos três “a(r)didos"... Como tantas outras que me fariam correr o risco de "voltar à Guiné", tentação essa a que fui resistindo durante os primeiros anos da "peluda",  fechando as memórias da guerra com um cadeado a sete chaves. 

Para mim a Guiné, "c'est fini", dizia eu... Até que, uma década depois, no 2º trimestre de 1979, dei de caras com a placa com o nome da rua, a Rua da Atalaia… Foi um choque. Aprendiz de etnógrafo, a acabar o curso de sociologia, andei dias e dias, semanas e semanas, ao fim da  tarde, a caminho daquela rua, com o meu grupo de trabalho,  para apanhar histórias de vida, e registar letras e músicas dos velhos e velhas frequentadores da “Princesa da Atalaia”, uma tasca, uma das poucas, onde ainda se cantava o “fado vadio”… 

Então estas recordações vieram à tona de água, em catadupa... Tive que as registar. Pensei, como etnógrafo, que um dia alguém se iria interessar pelas "memórias da guerra colonial" (ou do ultramar), um objeto de estudo  que se calhar deveria merecer a mesma atenção  que o fado, "canção popular urbana", lisboeta,  em risco de extinção no pós-25 de Abril... 

Peguei no meu caderno de notas  e escrevi um primeiro esboço desta história... que ficou entretanto em banho maria e depois esquecida até agora... Mas hoje pergunto-me: se calhar ainda me cruzei,  sem o saber, em 1979, com a “Sissi”, a “Rita Pavone” e a “Mudinha”,  as três "meninas" com quem os meus companheiros  do "cruzeiro do Niassa" passaram as primeiras horas do dia 24 de maio de 1969. Na cama,  no bem-bom, a acreditar na história, bem pícara e hilariante, que me foi contada por um deles, o "Algarvio"... (Claro que com dez anos a mais estariam precocemente envelhecidas, e quiçá irreconhecíveis.)

Se resgato, hoje, esta história, ao fim de mais de meio século no limbo da memória, é porque afinal ela pode ter algum interesse para se conhecer um pouco melhor... a "idiossincrasia" da geração dos últimos soldados do império,   os que fecharam um ciclo de 500 anos... Não eram santos nem heróis, muito menos gigantes, daqueles talhados no bronze e na pedra ou imortalizados nos versos épicos do Camões... Eram apenas  "arraia-miúda", gente vulgar,  de quem nunca reza a História...

O Parente, o "Matosinhos", o "Algarvio", os três "a(r)didos", tal como a "Cilinha" e as suas senhoras,  ou a "Sissi" e as suas meninas, também faziam parte, afinal, da pequena história da História (com H grande)... 

Luís Graça

Lourinhã, 24 de maio de 2022, 
53 anos depois do embarque no T/T Niassa com destino à Guiné.
_________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 27 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23389: A galeria dos meus heróis (46): uma história pícara de três “a(r)didos” - Parte I (Luís Graça)

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23389: A galeria dos meus heróis (45): uma história pícara de três “a(r)didos” - Parte I (Luís Graça)

 

Lourinhã > Zambujeira e Serra do Calvo > 25 de fevereiro de 2018 > "Homenagem da Zambujeira e Serra do Calvo aos seus combatentes"... Monumento inaugurado em 5 de outubro de 2013, numa iniciativa do Clube Desportivo, Cultural e Recreativo da Zambujeira e Serra do Calvo.

Desconhece-se o autor do painel de azulejos que representa a partida, no T/T Niassa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, de um contingente militar que parte para África. Ao canto inferior esquerdo a quadra: "Adeus, terras da Metrópole / Que eu vou pró Ultramar /, Não me chorem, mas alegrem [-se], / Que eu hei-de regressar"... No chão, em calçada portuguesa, lê-se: "Em defesa da Pátria". Abaixo do painel, há um livro metálico com os nomes de todos os nossos camaradas, naturais das duas povoações vizinhas (hoje praticamemte ligadas), que combateram no Ultramar.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O autor, Luís Graça> Guiné, região de Bafatá, Contuboel,
c. junho de 1969


A galeria dos meus
heróis: uma história
pícara de três
“a(r)didos” - Parte I

 

por Luís Graça (*)






1. Eram três “desterrados”, ali, na Calçada da Ajuda, em Lisboa, no Depósito Geral de Adidos (DGA).

O quartel dos Adidos, criado no princípio dos anos 60, era uma espécie de “placa giratória” e “albergue espanhol” onde os militares do nosso exército de então, das diversas armas, de rendição individual, faziam tempo enquanto aguardavam a “guia de marcha” e a “ordem de embarque” para o ultramar.

Na época dizia-se “ultramar” e não “guerra”, e muito menos “guerra colonial. Era um eufemismo, ou então um questão de pudor, hipocrisia social ou até mesmo autocensura. Na realidade, o país não estava em guerra contra nenhuma potência estrangeira, mas parecia ser diabolizado por meio mundo (os países do chamado "terceiro mundo" mais os do bloco soviético ou comunista e até alguns "amigos ocidentais", como os países nórdicos). Sopravam, então, os "ventos da História"...

Em suma, "ir para o ultramar" significava, para a nossa geração, ir para a guerra, em Angola, Guiné e Moçambique.

Os três “desterrados” acabariam por ir comigo, em 24 de maio de 1969, por sinal num sábado, no T/T “Niassa”, com destino à Guiné. “Pior não nos podia caber na rifa”, concordavam tacitamente os três. Ou melhor, ou quatro, se eu me incluir no grupo.


2. Conheci-os, por mero acaso, no bar da classe turística do navio, misto de carga e passageiros, da carreira colonial, requisitado pelo exército para transporte de tropas. (Tinha pouco mais de 10 mil toneladas de arqueação bruta, e media centena e meia de metros de comprimento, da proa à ré, ou seja, umcampo de futebol e meio.)

Acabei por estabelecer com eles uma relação circunstancial de alguma cumplicidade e camaradagem, mesmo que depois nunca mais tenha sabido deles, quando cada um foi para o seu destino. (Ainda estaremos juntos dois ou três dias no Depósito de Adidos, em Brá, Bissau:)

O navio ia sobrelotado, éramos mais de 1700 homens, dos quais duas centenas de sargentos. Tínhamos cinco dias de enjoos e de tédio pela frente. E sobretudo de muita incerteza quanto ao nosso futuro.

Na realidade, sabíamos muito pouco daquele território, a então Guiné Portuguesa. E muito menos do que nos poderia esperar, com a guerra a entrar no seu 9º ano. A única exceção era o 2º sargento Parente (nome fictício), que já lá tinha estado por volta de 1961/63. Como ele dizia, com graça e ironia, “assistira aos ensaios e ainda à estreia da peça”, referindo-se à guerra que, oficial ou oficiosamente, teria começado a 23 de janeiro de 1963, com o atalabalhoado ataque ao quartel de Tite, na região de Quínara. (Na realidade, a guerra "surda e suja", já tinha começado muito antes. mas isso é outra história.)

Os “ensaios”, a que se referia o Parente, seriam os clássicos exercícios, em qualquer guerra de tipo subversivo, que passavam pelo aliciamento de (e terror sobre) as populações, pelas sabotagens (destruição de infra-estruturas, como pontões, postes telefónicos, abatizes nas estradas, etc.), pela preparação e organização político-militar da guerrilha, etc.

O sargento era um alentejano de Barrancos, terra de que eu nunca ouvira falar antes, perdida (vi mais tarde no mapa)  numa ponta da fronteira com a Espanha. Afinal, ficava mais perto de Badajoz do que de Beja, a capital do Baixo Alentejo, como comprovarei, muitos anos mais tarde, quando lá for de propósito para conhecer a terra, na véspera das festas em que havia touros de morte, mas a que eu não quis assistir.

Era um tipo simpático, afável, folgazão, brejeiro, bom conversador, com um sotaque que ele procurava disfarçar. Tinha "pinta de malandro"... E sobretudo era um “excelente copo”, o que naquela época tanto poderia querer dizer “bebedor excessivo” como “bebedor social”. Em África, todos nos iríamos, de resto,  tornar “excelentes copos”, destilando uísque  e água de Perrier por todos os poros, embora outros preferissem a cerveja. Na verdade, não há guerras sem álcool (ou outro tipo de droga).

O Parente, um das três dezenas de militares do Depósito Geral de Adidos, que viajavam connosco no “Niassa” (navio que levava diversas companhias ditas “independentes”, como a minha, incluindo uma companhia de polícia militar onde se integrava um soldado condutor que viria mais tarde a tornar-se secretário-geral do PCP – Partido Comunista Português), estava destinado a um pelotão de morteiros ou de canhão sem recuo, já não posso recordar.

Tinha feito duas anteriores comissões de serviço (outro eufemismo), a primeira na Guiné, altura em que “meteu o chico”, e uma segunda em Angola (como voluntário). Foi no regresso da Guiné que tirou a especialidade de armas pesadas de infantaria. Deu, entretanto, instrução, como monitor,no CISMI,  em Tavira, muito antes de eu também por lá passar (no último trimestre de 1968).


3. Já conhecia, pois, o território guineense, mas em 1961/63 não se podia falar ainda em “guerra a sério” (outro eufemismo, como se houvesse guerras a brincar!)… Para o final da comissão, em meados de 1963, o Parente já tinha a clara perceção de que “a coisa ia ficar preta”, queria ele dizer "feia", sem qualquer conotação racista.

Foi nessa altura que as nossas tropas terão acionado a primeira mina anticarro (na realidade um fornilho), na estrada São João-Fulacunda, na região de Quínara, de que resultarão ferimentos graves (e depois a morte) de um furriel cabo-verdiano ou açoriano, seu conhecido. 

 Além das minas, o Parente receava o armamento pesado de que o PAIGC passou a dispor, ao longo do tempo, incluindo “morteiros 82 e 120, canhões sem recuo 75 e 82” (e, mais tarde, em novembro de 1969, foguetões 122 mm).

Todavia, na época em que ele lá esteve, o episódio “mais cruel” de que se lembrava fora quando a nossa tropa chegara a uma tabanca da região de Quínara, abandonada pela população sob a pressão da guerrilha (ele raramente usava o termo, depreciativo, “turras”), no decurso de uma operação para “instalar lá uma força nossa”, um destacamento. Ou mais provavelmente, naquela época, ter-se-á tratado de um patrulhamento ofensivo, Entraram sem qualquer resistência, o único ser vivo com que depararam, no meio de palhotas calcinadas pelo fogo, era um cego, de etnia biafada.

Um dos alferes fez-lhe, por intermédio de um intérprete (e guia local), um interrogatório sumário. O pobre diabo, aparentemente ali deixado pela população em fuga, respondeu a tudo, e até deu pormenores descritivos que levaram alguns militares a desconfiar da sua cegueira… Não se trataria de um “falso cego”, deixado ali pelos “turras”, na margem direita do rio ou canal, frente à decadente cidade de Bolama (antiga capital até 1943), para despistar os “tugas”?

Mas o homem, de idade indefinida, era mesmo cego. Provavelmente sofria da cegueira dos rios, adiantou o furriel enfermeiro que tinha tido, em Coimbra, umas luzes sobre doenças tropicais. Ninguém sabia o que era a “oncocercose”, nem sequer o capitão, que pertencia ao batalhão sediado em Tite.

O interrogatório foi inconclusivo, o alferes não teve necessidade de usar de violência, verbal ou física, para com o desgraçado que se mostrara “colaborante”. E estava para o mandar embora, quando o capitão da força, não estando pelos ajustes, atalhou:

− O nosso alferes fez o seu trabalho. Eu, agora, como juiz, faço o meu. … Ouvi as duas partes. O homem é cego, ou parece sê-lo, mas não é surdo nem muito menos mudo… O que é que ele irá dizer sobre a nossa tropa quando os “turras” voltarem a encontrá-lo e lhe apertarem os calos ?... Vai dar à língua, está-se mesmo a ver…

Fez-se um silêncio de morte à volta do capitão e do cego. Mas não houve tempo para mais “perguntas e respostas”. Havia nervosismo no semblante dos milícias, que pressentiam a presença do inimigo, algures, não muito longe dali, na orla da bolanha ou da mata. O capitão deu de imediato a sua sentença:

− O nosso cabo A… − e apontou para um possante milícia, que empunhava uma catana − sabe o que tem a fazer. Leva-o a dar uma volta até ao rio, dá-lhe um encosto e o suspeito vai fazer companhia aos crocodilos… É, afinal, uma obra de misericórdia.

E ameaçou:

− E, psst!,  não quero barulho!

E ao que parece, ninguém tugiu nem mugiu.

O Parente registou esta cena e arquivou-a no fundo da memória. Numa noite de animada conversa e muito uísque, já ao largo das Canárias, com mar encapelado, falou deste e doutros “faits divers” (sic) da guerra… E repetia, tamborilando com os dedos na mesa, as palavras do capitão:

− O gajo era cego, mas não era surdo, nem muito menos mudo…


4. Os três eram de rendição individual, razão por que se haviam conhecido, umas semanas antes,  nos “Adidos”, na Calçada da Ajuda… “A(r)didos”, emendava, sarcástico, o furriel miliciano, o “Matosinhos” que conhecia, pela primeira vez, a “capital do império”.

− A(r)didos, f... e mal pagos! − gozava ele, com o pagode.

Já não me lembro do seu nome, ao fim destes anos todos. Sei que era de Matosinhos, filho de pescador, e que a mãe era vendedora de peixe, ambulante. “Varina” ou “ovarina”, oriunda de Ovar. Não escondia o seu sotaque nortenho nem as suas “humildes raízes populares”. Mas quem era “conde, marquês ou duque” ali, naquela “caixa de sardinhas”, anfíbia, a caminho da Guiné ?! − ironizava o Parente.

O “Matosinhos” estava destinado a uma companhia de caçadores, instalada no sul, na região de Tombali, disse-me o nome da localidade, que não fixei de todo. E dessa subunidade só sabia o SPM, o código do correio militar. Ao longo da viagem foi escrevendo aerogramas e aerogramas de saudade, para a família, a namorada, os amigos...

Na época todos os topónimos da Guiné eram exóticos, para nós, “periquitos”, mas havia alguns mais falados do que outros quando chegámos a Bissau: Madina do Boé, Gandembel, Guileje, Choquemone, Morés…

O “Matosinhos” estava apreensivo, tal como todos nós, pela sorte que lhe coubera, para mais tratando-se do temível sul da Guiné. Além disso, era de operações especiais (e de pouco lhe valeu ter ficado bem classificado), e ainda por cima com o curso de minas e armadilhas tirado em Tancos. “Não podia ser pior, carago!”, brincava ele connosco na popa do navio, fustigado pelo vento e pela espuma das ondas.

O terceiro dos “a(r)didos” era outro furriel miliciano, atirador de infantaria, como a maior parte do pessoal embarcado. Julgo que ia render alguém que “lerpara em combate” (sic), na região do Cacheu (“lerpar” era outro termo da gíria da tropa que cedo nos habituámos a ouvir e repetir). 

Também não me lembro do seu nome. Chamemos-lhe o “Algarvio”. Passara igualmente por Tavira, no mesmo turno que eu, mas pertencíamos a companhias de instrução diferentes. Seguramente que nos cruzámos várias vezes, dentro e fora do quartel, mas sinceramente não me lembrava da cara dele. 

O “Algarvio” fazia, entretanto, a meu pedido, o retrato-robô do “Matosinhos” nestes termos:

− Olha, é um gajo ‘reguila’, com piada, com muita ‘lata’, talvez um pouco ‘desbocado’ para o meu gosto… Como sabes, a malta do sul não diz asneiras…

Eu, de vez em quando, desenfiava-me da minha mesa e do convívio com os meus camaradas de companhia, e juntava-me aos três "a(r)didos, a quem achava alguma piada. Estávamos os quatro a aprender a geografia (e a etnografia) da Guiné através da consulta de uma pequena brochura que nos deram na hora da partida, e onde havia um minúsculo mapa com as principais regiões e localidades da Guiné.

Lá estava Contuboel, acima de Bafatá, não longe da fronteira com o Senegal, que seria o meu poiso durante cerca de mês e meio, segundo informação do capitão da minha reduzida companhia (éramos uns sessenta gatos pingados, metropolitanos, entre graduados e especialistas, que se deveriam juntar, em Contuboel, a uns cem soldados guineenses, fulas, do recrutamento local, que haviam acabado, em abril de 1969, de jurar bandeira, diante do “homem grande de Bissau”).

O 2º sargento Parente era o nosso professor, embora ele só conhecesse Bissau e arredores, Bambadinca e Bafatá na zona leste, bem como a regão de Quínara e a bacia hidrográfica dos rios Geba e Corubal, até ao Saltinho. Faltava-lhe conhecer as zonas talvez “mais quentes” da guerra, as regiões do Cacheu e do Oio, a Norte, e de Tombali, a sul.

− Mas em terra de cegos, quem tem um olho, é rei – gostava ele de repetir, gozando connosco, “periquitos”.

Via-se que tinha um “natural ascendente” sobre os outros dois “a(r)didos”, como eles se tratavam uns aos outros na galhofa. Não só era o mais velho (ia fazer 30 anos, e já com duas comissões), como tinha um posto acima e, sobretudo, conhecia Lisboa. Apesar de alguma deferência, o “Matosinhos” e o “Algarvio” tratavam o 2º sargento por tu, o que não era então prática corrente, mesmo entre a classe de sargentos, e muito menos entre oficiais e sargentos milicianos. 

− Cada macaco no seu galho! − lembrava o Parente, sarcástico.

Curiosamente, o Parente não se mostrava próximo dos outros sargentos, e muito menos dos 1ºs sargentos, alguns dos quais ele seguramente devia conhecer, pelo menos de vista.  A "chicalhada", como dizíamos, alguns de nós, milicianos, que cultivávamos o humor de caserna.

Nada tinha de “chicalhão”, o Parente, pensei eu cá com os meus botões. E até comecei a simpatizar com ele. Pelo decorrer das nossas conversas, ao longo daquela viagem ("o cruzeiro das nossas vidas”) , comecei a aperceber-me que ele, tal como eu, não morria de amores por Spínola e torcia o nariz à evolução dos acontecimentos político-militares da Guiné. Eu não gostava de Spínola pelo seu passado de leal servidor do salazarismo e pelos seus tiques prussianos, a começar pela sua pose (que só conhecia, e mal,  da RTP).


5. Era inevitável falarmos da tragédia, ainda recente, ocorrida em 6 de fevereiro de 1969 no rio Corubal, que custara a vida a quase uma meia centenas de militares. Ninguém sabia pormenores, só o que a censura autorizara que se soubesse através dos jornais, da rádio e da televisão. Eu estava nessa altura no BC 6, em Castelo Branco, a dar instrução de recrutas, enquanto aguardava também o momento da ordem de mobilização para o ultramar, o que viria a acontecer na véspera do sismo  de 28 de fevereiro de 1969... (Era a única certeza que eu tinha então na vida, a de que seria mobilizado muito em breve, só me restava saber para onde, Angola, Guiné ou Moçambique.)

O Parente garantia que tinha sido um “acidente” com uma jangada. O “Matosinhos” julgava saber algo mais, e falava-nos da retirada de um quartel, Madina do Boé. Era também o que eu sabia. Mas insinuou que o pessoal da jangada, sobrelotada, com excesso de peso, se terá desequilibrado e caído ao rio, quando se ouviram disparos de morteiro que terão vindo “do interior da mata” (sic).

− Onde é que ouviste ou leste isso ?

− Na rádio “Voz da Liberdade”, que emite de Argel…

− Também eu sintonizei a rádio Argel, na altura, mas não me lembro desse pormenor…− comentei eu, cético.

− Seja como for – atalhou o Parente – foi uma meia centena de camaradas nossos que não regressaram a casa… nem muito menos no caixão de chumbo.

− Para mim – acrescentei eu – o Spínola ficou mal na fotografia, um acidente desta gravidade não podia (nem devia) ter acontecido. Imaginem o rombo que provocou no moral da nossa tropa! Lá e cá…  Eu fiquei abalado, confesso...

− Já não o apanhei em Angola, esteve lá antes de mim – disse o Parente, referindo-se ao Spínola. – Mas contavam-se histórias de bravura (e de crueldade) do seu batalhão… Nunca fui de ‘emprenhar’ pelos ouvidos. Nem de pôr rótulos em ninguém… Vou dar-lhe o benefício da dúvida. De qualquer modo, vai ser (ou já é) o meu comandante-chefe.

− O nosso com-chefe, segundo a ordem de serviço que eu li… − completei eu.

− Quando lá chegarmos, logo veremos. Parece que lhe chamam o “Caco Baldé” e é agora muito amigo dos africanos… É também o terror de todos os oficiais superiores que não sejam da arma de cavalaria… A todos os que se mostrem fracos comandantes, e incompetentes, põe-lhes logo um ‘par de patins’ (como se diz em Bissau) e manda-os para casa, o que para alguns até será uma bênção, senão mesmo um prémio!... Isto pelo que me contam alguns sargentos com quem falei, e que já estiveram sob as ordens do general Spínola… − arrematou o Parente.


6. Do Parente vim a saber algo mais, já que me interessava a história de vida, por muito insignificante que fosse, daqueles homens que iam para a Guiné comigo. Mas nós cumpríamos o serviço militar obrigatório, e íamos contrariados para a Guiné. Pelo contrário, aquele homem escolhera a tropa como profissão. Como tantos outros, de resto, quer sargentos quer oficiais do quadro permanente.

Não foi difícil perceber que ele “metera o chico” para fugir à miséria e ao abandono daquelas terras raianas do Alentejo. Não escondia que aprendera, cedo, a sobreviver graças ao pequeno contrabando transfronteiriço numa altura, no pós-guerra, em que o escudo de Salazar “valia mais” do que a fraca peseta do Franco. Aprendeu a ganhar uns tostões nas barbas da GNR, da Guarda Fiscal e da Guardia Civil.” Desde puto, aprendi a lidar com o medo”, confidenciara-me ele.

Pelo que apurei das nossas conversas avulsas, ao longo daqueles cinco dias (e cinco noites) que durou o “nosso cruzeiro”, a família do pai refugiara-se em Barrancos ou num “pueblo vecino”, aquando do início da guerra civil espanhola, em 1936. Ele, o Parente, viria a nascer uns anos depois, por volta de 1940, filho de mãe portuguesa. Foi, entretanto, batizado e registado como português.

O pai, sem ofício certo, e sem grande jeito para o contrabando, acabaria por assentar arraiais em Badajoz, atraído pela boémia, a “fiesta” e os “trajes de luces”. No entanto, morreria cedo, de “soledad y cirrosis hepática”, nunca tendo chegado a pisar a arena como bandarilheiro de verdade, tal como havia sonhado quando era novo. Creio que ele era da Estremadura espanhola.

Com uma bolsa de uma confraria religiosa, que amparava viúvas e órfãos de toureiros e outros artistas tauromáticos, o filho (não sei se tinha mais irmãos) ainda conseguiu estudar num colégio de padres, jesuítas, em Badajoz, onde vivia com a mãe, criada de servir num “hostal”, não longe da praça de touros. Mas seria expulso, aos dezasseis anos, por alegadas ofensas ao bom nome e à honra do generalíssimo Franco, “caudilho de España, por la gracia de Dios”.

Alguém, certamente um “bufo”, o terá ouvido cantarolar ou dizer, no páteo do recreio, numa roda de colegas de turma, umas “coplas”, brejeiras mas de teor pública e notoriamente antifranquista, do tempo da guerra civil, e como tal proibidas em Espanha na altura… A cantilena, “Ay, Carmela!”, rezava assim:

“La mujer de Paco Franco / No cocina com carbón,/ Ay, Carmela, ay, Carmela ,/ Pues cocina com los cuernos / De su marido, el cabrón…/ Ay, Carmela, ay, Carmela”.

Denunciado, chamado ao reitor (para mais um conhecido falangista da cidade), o jovem Parente protestou, em vão, a sua inocência, alegando nem sequer  quem era o tal Paco Franco… 

Voltou com a sua mãe a Barrancos. A “pobrecita” ficou desolada pela “vergonhosa” expulsão do filho, que “se tivesse tido sorte na vida” (sic), bem poderia ter chegado a ser um grande seguidor do Inácio de Loyola.

Regressaram, ambos, com uma mão à frente e outra atrás.. Mas, antes da tropa, o Parente ainda andou por Lisboa. Conheceu um galego que lhe dei a mão, tinha um tasco (com carvoaria) no Bairro Alto, famoso pelas suas "iscas com elas"... Arranjaria depois um emprego como paquete ou moço de recados na redação de um dos jornais diários que lá tinha as suas instalações. Talvez o “Diário de Lisboa” ou o “Diário Popular”, já não sei ao certo. Chegou a levar aos serviços de censura as provas tipográficas do jornal. Fez conhecimento e amizade com alguns dos melhores jornalistas da época. E, claro, arranjou uma miúda, na rua da Atalaia, a “Sissi”.

Mesmo depois da tropa e da 1ª comissão, de passagem por Lisboa, visitava-a sempre que podia e ela estava “livre”. Era uma “rapariga da vida” (sic) que, mais tarde, já depois da extinção das casas de passe em 1963, haveria de montar o seu próprio negócio.

No final dos anos 50, e até à tropa,  fora ele o seu “faia”, o seu “fadista”. E reaprendeu a usar a “naifa”, dos tempos do contrabando, para se precaver das investidas traiçoeiras da “fauna da noite”. Ainda conheceu o Bairro Alto no tempo em que não era lá muito recomendada a sua frequência, sobretudo à noite, a “meninos de coro”. E ainda conheceu os calaboiços do Governo Civil mas, “felizmente” (sic) nunca chegou a ter cadastro, o que o impossibilitaria, legalmente, de concorrer à carreira militar.

Para mim, era uma sargento “atípico”, pelo pouco que eu ainda conhecia da classe de sargentos do quadro permanente.

− Há três sítios onde gosto de parar e entrar, quando vou na rua: a igreja, a tasca e a livraria… É uma hábito que me vem do tempo em que vivi em Espanha. O meu pai, que era supersticioso como toda a gente da ‘afición’, ensinou-me certas coisas, algumas delas a respeito destes três sítios, também para ele, ‘sagrados’, para além da ‘arena’… 

E depois de mais um gole de uísque, adiantou:
− A ‘arena’ deixei-a de frequentar, desde que o meu pai morreu e eu vim a saber que  as arenas tinham sido num passado recente, locais onde foram fuzilados milhares de espanhóis, durante e depois da guerra civil, coisa que só soube quando li, com emoção, no “Diário de Lisboa”, muitos anos depois, as reportagens de Mário Neves sobre os massacres de Badajoz em 1936…

Confesso que me surpreendeu ouvi-lo, certa noite, dizer alguns poemas do Frederico Garcia Lorca e do Pablo Neruda. Dizia muito bem, ao modo teatral do João Villaret, de cor, e quase por  inteiro (!), o espantoso “Llanto por Ignacio Sánchez Mejías”, depois de molhar a garganta com um uísque duplo:

A las cinco de la tarde.
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde. (…)

(Continua)

____________

Nota do editior:

(*) Último poste da série > 19 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23094: A galeria dos meus heróis (44): O "mô camba" Jorge Levi, natural de Luanda, levado por engano pela "garota de Ipanema" a desertar do exército colonial... Um filho de pai ausente, que foi quase tudo na vida, não se achava mau ator de todo mas que, afinal, não sabia como sair de cena... (Luís Graça)

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23355: Questões politicamente (in)correctas (57): O luso-tropicalismo e os seus mitos (José Belo, Suécia e EUA)




Guiné  > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda "Vigeas", "filho do vento" e "mascote da companhia" (*): (i) com outros meninos da Tabanca, a brincar numa poça de água, junto à capelinha; (ii) vivia praticamente com os militares, que o alimentavam e cuidavam dele; (iii) como os carimbos da secretaria da CART 1613, na testa e no braço; dizia-se, na caserna, que era a cara chapada do pai; morreu por volta de 2009,  com cerca de 45 anos; era casado e pai de duas filhas; a família vivia em Bissau (**)

(...) Como escreveu o nosso saudoso capitão SGE Zé Neto (1929 - 2007), "eram todos de etnia fula, de raça negra a população de Guiléle], com excepção de um menino mestiço. Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine [CCÇ 799, 1965/67]. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas [Silva Viegas]. Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros. (...) (*)

O Dauda teve no Zé Neto um protetor. E, história espantosa, em janeiro de 2010, a Júlia Neto, viúva do cap ref José Neto (1929-2007), foi conhecer a esposa e as duas filhas do Dauda (entretanto falecido havia  pouco tempo), em Bissau

Fotos (e legendas): © José Neto (2005). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo:


Data - 15 jun 2022, 13h45
Assunto - Discutir o Lusotropicalismo

Caro Luís

Na sequência dos textos “lusotropicais” do Camarada José Teixeira  (***) segue um texto em busca de passíveis… diálogos!

Um abraço, J. Belo

[José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, (i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser corone) do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 224 referências no nosso blogue.]
___________

O Lusotropicalismo visto "por dentro", analisado "desde fora": debate com cidadãos brasileiros de origem africana (****)


O termo Lusotropicalismo criado por Gilberto Freyre refere os elementos factuais, ideais, outros quase mitológicos, quanto a uma igualdade racial (quanto a ele procurada) pela cultura lusitana nos trópicos.

Uma política de miscigenação rácica, mais ou menos acentuada, tendo em conta variações locais de origem cultural, económica e social.

Nas colónias portuguesas esta política de miscigenação terá tido flutuações temporais em paralelo com flutuações políticas.

Todas estas condições, a somarem-se às demográficas, criaram disparidades bem representadas pelos exemplos de Goa, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné.

Em muitos dos textos publicados neste blogue surge uma “fresca brisa“ de Lusotropicalismo.
Rico em detalhes de atentas observações, permeadas por sentimentalismos românticos, raiando os inatingíveis ideais da... poesia trovadoresca medieval!

Textos cuja importância surge de observações “in loco”.

O que emana destas descrições é o que se poderia referir como… Lusotropicalismo de dentro!
As especificidades criadas por uma envolvente situação de guerra obviamente que torna estas observações menos ricas na sua genuinidade. De qualquer modo seriam as únicas possíveis.

Verdadeiro privilégio dos que tiveram a oportunidade única de, através ampla “janela”, observar as realidades quotidianas na vida de isoladas Tabancas ainda não afectadas por profundas mudanças posteriores .

Os textos apresentados por José Teixeira, os saudosos Torcato Mendonça e “Alfero” Cabral, António Rosinha (com referências lusotropicais em Angola, Brasil e Guiné), entre tantos outros Camaradas com experiências semelhantes, todos nos levam ao tal lusotropicalismo visto…. por dentro!

Os textos, análises, descrições e debates, vindos “de fora”, espelham valores e critérios de outras culturas, sociedades, e não menos interesses, em tudo distintos do idealizado (!)
Lusotropicalismo.

Uma parcialidade acentuada pelas diferentes agendas políticas de alguns dos autores.
Algumas das legítimas críticas quanto ao trabalho forçado, impostos discricionários, e outros tipos de opressões a nível local, ficam quase obscurecidos quando isolados do todo orgânico que eram as realidades políticas das diversas potências coloniais.

A um nível eivado de subjetividades por pessoal, tive a oportunidade de participar em debates realizados na Suécia do início dos anos oitenta em que participavam estudantes universitários brasileiros, sendo a maioria de origem africana.

Mais tarde, no próprio Brasil, voltei a ter a oportunidade de debater o Lusotropicalismo, agora não só com jovens estudantes, mas com a participação de indivíduos que representavam de forma abrangente os mais diversos níveis culturais, sociais e políticos.

Tanto no Recife como em Manaus, São Salvador da Baía e Rio de Janeiro, as intervenções dos brasileiros de origem africana tinham em comum o facto de não aceitarem como verdadeiro o mito do mulato/mulata como um resultado de um relacionamento romântico, consentido, não violento na sua essência, entre o colonizador e a mulher africana escravizada.

Concordavam quanto a terem existido casos pontuais de tais romances mas, pelo seu número real em relação às violências exercidas pelo colono, não eram de modo algum justificativos de todo um mito criado por intelectuais privilegiados nas suas raízes europeias.

Como tantos de nós, recebi nos bancos escolares a tal ideia lusotropical a raiar o utópico.
Foi-me muito difícil, no início destes debates, aceitar no seu significado profundo estas descrições brasileiras em contraste total com tudo o que me fora “ensinado” nos verdes anos. 
Para mais, ensinado na forma paternalista tão normal nos tempos da ditadura.
Algumas das opiniões, e razões, apresentadas por estes brasileiros ainda hoje me provocam conflitos valorativos.

De qualquer modo, com todas as suas limitações, romantismos ingênuos e parcialidades analíticas, o Lusotropicalismo de Gilberto Freyre “sobreposto” às realidades sociais e raciais dos Estados Unidos do ano de 2022 torna muito difícil as graduações valorativas.

Um abraço do JBelo

2. Comentário do editor LG:

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define assim o luso-tropicalismo:

luso-tropicalismo | n. m.

lu·so·tro·pi·ca·lis·mo
(luso- + tropicalismo)

nome masculino

[Sociologia] Ideia, desenvolvida por Gilberto Freyre (1900-1987, antropólogo, sociólogo e escritor brasileiro), que defende que a colonização portuguesa foi diferente das restantes colonizações europeias nos trópicos e que essa diferença se manifestou na miscigenação e na interpenetração cultural.

"luso-tropicalismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/luso-tropicalismo [consultado em 16-06-2022].

Sobre o tema vd. também artigo da investigadora da UL/ICS, Cláudia Castelo (*****). Vd também no nosso blogue os postes P15468 e  P21297  (******)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de janeiro de  2006  Guiné 63/74 - P446: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas



(****) 19 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22643: Questões politicamente (in)correctas (56): A caminhada para a... "descolonização exemplar" (José Belo, jurista, Suécia)

(*****) Buala > A Ler > 5 de maeço de 2013 > Cláudia Castelo (Universidade de Lisboa, ICS - Instituto de Ciências Sociais )  > O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio

(******) Vd. postes de:

9 de dezembro de  2015> Guiné 63/74 - P15468: Recortes de imprensa (78): O colonialismo (suave) nunca existiu... Leopoldo Amado, atual diretor do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, entrevistado em Bissau por Joana Gorjão Henriques ("Público", 6/12/2015, série "Racismo em português")

terça-feira, 11 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22192: 17º aniversário do nosso blogue (10): por que é que das "lavadeiras" ao "sexo em tempo de guerra" vai um passo ? (Carlos Arnaut / Cherno Baldé / Luís Graça)


Baião > Ancede > Mosteiro de Santo André de Ancede > Mosteiro, masculino, cuja origem remonta aos primórdios da nacionalidade,,, Vale a pena uma visita,,, Está em restauro, com projeto de Siza Vieira... São quase mil anos de história que nos contemplam e nos confrontam ... Faz parte também da "rota do românico" (Vale do Tâmega)...

Mas tem também uma capela, octognal, do séc. XVIII, chamada do "bom despacho", que merece uma visita especialmemte guiada... Foi lá que descobrimos  a 'anjinha de Ancede', que parece passar despercebida aos visitantes e aos guias locais (*)... Uma delícia, essa e todas as demais peças da arte barroca popular, sob a forma de cenas de teatro, relativas aos mistériso da vida de Cristo... com destaque para a cena da circuncisão do menino Jesus...  Questão do foro teológica com muitos século, entre os cristãos, é a a discussão (por vezes acolarada, apaixonada e dramática) do "sexo dos anjos": são meninos ou meninas, ou não têm sexo ? Se são meninas, faz-se a "infibulação" (ou cobre-se com um véu para "tapar as vergonhas", os "pipis", ou o "pito", como se diz no Norte em bom calão); se são meninos... "cortam-se... as pilinhas", como aconteceu há décadas na igreja da frequesia de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses (!)... (A arte islâmica tem  uma vantagem: não permite a figuração, seja humana, seja animal...)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P22173 (**)

(i) Carlos Arnaut  
 
Caro Luís: curiosa a questão das lavadeiras e o imaginário da contratação de "só roupa" ou "corpo todo".

Por tudo o que fui ouvindo ao longo da comissão, embora a amostra ao inquérito seja pequena, acredito que as percentagens encontradas estejam muito próximas da verdade . Acredito ainda que um contrato que englobasse a cláusula "corpo todo",  fosse mais fácil de conseguir com umas etnias do que com outras. 

Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem, pelas razões conhecidas,  o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura. Mais uma variável, a étnica, para aprofundamento do estudo. 

A minha lavadeira, ao longo de 21 meses, desde que passei a comandar o 16º Pel Art, foi sempre a mesma, mulher do meu municiador Bona Baldé já referido anteriormente, e que sempre tratou da minha roupa com um desvelo sem par. (...)

6 de maio de 2021 às 12:23


(ii) Cherno Baldé

 Caro Arnaut,  interessante o teu ponto de vista sobre a variável étnica, mas não no sentido em que tu referes: "Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem pelas razões conhecidas o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura". 

Na Guiné do periodo da guerra colonial ou na Guiné-Bissau actual, não existiu antes e não existe hoje nenhuma etnia em relação a qual "o sexo pouco ou nada dizia", isto não existia em África. É um fenomeno que surgiu com o período colonial e se acentuou com as independências e o alargamento da globalizaçao. 

Sociologicamente falando, o sexo sempre foi e ainda é um importante factor sócio-cultural que as sociedades, de uma forma ou outra, tentaram e tentam regular ou controlar de forma a influenciar o comportamento da reprodução e sustentabilidade das mesmas, assim como manter um nível aceitável de saúde materno-infantil. 

Em África, muitas vezes, o sexo estava ligado não só à procriação dos filhos, mas também à dinâmica da produção económica,  ou seja, na orientação dos mais jovens e mais fortes em relação ao factor trabalho,  etc. De modo que, e aí concordo, pode-se estudar o comportamento das mulheres usando as variáveis étnica e, talvez religiosa, no sentido de saber que factores podiam entrar nesse jogo, assim podemos questionar: 

(i) Quais eram os grupos populacionais ou étnicos maioritários no território em geral ou em determinadas regiões? 

(ii) Quais eram os grupos mais próximos em termos de aliança estratégica com os Portugueses e que mais facilmente podiam interagir com os soldados metropolitanos? 

(iii) Em que grupos populacionais os casos dos "filhos de vento" foram mais numerosos ?

(iv)  Quais eram as confissõs religiosas desses grupos populacionais e em que medida o factor religião facilitava ou dificultava a interaç~zo com os militares portugueses? 

A análise dos outros aspectos sociais como a maior ou menor dependência das mulheres e/ou a liberdade sexual entre outros, ja são mais difíceis de avaliar. Por exemplo, é geralmente consensual a opinião segundo a qual a mulher Bijagó é a mais livre e autónoma e, logo a seguir, vem a mulher Balanta e Manjaca. 

De todas, as mulheres muçulmanas são consideradas as menos livres e com menor grau de autonomia de decisão, aparecendo em primeiro lugar as mulheres Fulas, seguidas das Mandingas e outras da mesma religião. Todavia, dos casos de filhos vivos de portugueses com nativas que conheci, as mulheres muçulmanas (sobretudo fulas) aparecem em primeiro lugar, logo seguidas das Balantas (animistas) e em terceiro lugar vem as Manjacas (animistas). 

Mas, eu não me coloco no lugar de um estudioso desta matéria, pois eu, sendo nacional e pertencente a uma região e a um certo grupo étnico,  não posso ter o distanciamento necessário para o efeito. Sá queria demonstrar, se necessário fosse, que a variável étnica pode ajudar, mas não sera suficiente, de per si, para explicar toda a dimensão do fenómeno em discussão.  (...)

6 de maio de 2021 às 14:22


(iii) Luís Graça

Infelizmente, o tema ("lavadeiras", que já tem mais de 4 dezenas de referências no blogue...) tende a cruzar-se (e a sobrepor-se) com outros como bajudas, sexo, etnias, mutilação genital feminina, filhos do vento... mas também religião, etc. É um terreno um pouco "minado". E, como tal, tem que ser tratado com serenidade, informação, conhecimento, e sobretudo sem pré-conceitos.

Talvez o Carlos Arnaut possa explicitar melhor o que escreveu: "Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem, pelas razões conhecidas, o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura."

O simples convívio, na Guiné, há 50/60 anos, com populações desta ou daquela etnia, e nomeadamente com a população feminina, não nos autoriza (, a menos que tenhamos feito estudos aprofundados sobre o assunto, ou tenhamos um grande conhecimento da literatura especializada...) a fazer comparações entre grupos e sobretudo a tirar conclusões numa matéria tão complexa e sensível como a sexualidade humana...

Julgq que o Carlos Arnaut quando diz que, naquela época, "o sexo pouco ou nada dizia" às raparigas e às mulheres fulas, "pelas razões conhecidas", estava a subentender o facto, estatisticamente fundamentado, da generalização da MGF (Mutilação Genital Feminina, para usar uma expressão adotada pela OMS - Organização Mundial de Saúde, e outras instâncias internacionais), entre as mulheres de religião muçulmana (e nomeadamente fulas).

Na época, poucos de nós tinha informação sobre este problema (que é antes de mais de saúde pública tanto quanto o é de direitos humanos). Nem as autoridades portuguesas nem o PAIGC se preocupavam com a tragédia imensa que representava então a MGF (,ou, de maneira mais grosseira, o "fanado" feminino, que também era e é um rito de passagem, um ritual de iniciação, com profundo significado sociocultural).

Em resumo, as fulas são (ou eram) "excisadas", as balantas não... Sabe-se que não é um problema de religião, opondo muçulmanas contra cristãs e animistas... É um problema mais vasto, de natureza socioantropológica, com raízes históricas complexas.

Que a MGF tem imnplicações, não só na saúde sexual e reprodutiva das mulheres, mas também na vivência da plena sexualidade (de mulheres e homens), isso tem... Mas eu seria incapaz de fazer comparações neste domínio (da sexualidade humana) baseado no factor étnico... E, por formação sociológica, não o faria...

É, de resto, um domínio onde há uma imensão de mitos e de preconceitos...ainda hoje, em pleno séc. XXI.

10 de maio de 2021 às 22:50
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Notas do editor:

sábado, 8 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22183: 17º aniversário do nosso blogue (7): a lavadeira de sobretudo (Jorge Cabral)


Capa do livro de Jorge Cabral, "Estórias Cabralianas", vol I.
Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp. 
O livro está à venda na Livraria Leituria (Rua José Estêvão, 45 A, 
Pascoal de Melo / Jardim Constantino, Lisboa). Preço de capa: 10 €. 
Mas também podem encomendar ao autor pelo email: 
almacabral@gmail.com


O impagável e inimitável "alfero Cabral"...


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca( > Fá Mandinga > Pel CCaç Nat 63 > 1970 > O "alfero Cabral", bendito entre as bajudas mandingas...

Fotos (e legenda): © Jorge Cabral (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Camaradas: Vocês estão a imaginar alguém vestido de sobretudo, na Guiné, há meio século atrás ? Eu nunca vi ninguém. Estupidamente, comprei um blusão de couro, no Casão Militar, a pensar nas noites frias de dezembro, nos mosquitos, nas sezões,  nos dilúvios tropicais e nos mil e uma intempéries, contratempos e  partidas que aquela terra podia pregar a um "tuga"... 

Qual quê ?!... Nunca usei o pesado blusão que me custou os olhos da cara... nem as botifarras que mandei fazer de cano alto, até ao joelho, para atravessar as bolanhas e proteger-me das sanguessugas, das cobras e dos crocodilos!...

Mas admito que tenha havido gente que levou smoking, sobretudo, gabardine, fato completo, camisas de seda, coleções de gravatas... Na realidade, tratava-se de uma (co)missão, em terras da Guiné, ao serviço da Pátria!... E terá havido, por certo, quem tenha levado enxoval completo...

Vem isto a propósito do já estafado tema das nossas queridas lavadeiras... e sobretudo desta outra deliciosa e terna estória do impagável e inimitável  "alfero Cabral". 

Confesso que nunca o vi à civil (, eu fui seu contemporâneo e vizinho), pelo que não deveria gastar muita roupa, para além da farda... (Alinhámos em várias operações, ele, com o seu valoroso Pel Caç Nat 63 e eu com os meus briosos e leais fulas da CCAÇ 12). E, nos destacamentos onde esteve  (e de que era o comandante, a saber, Fá Mandinga e Missirá, a norte de Bambadinca, ma margem direita do Rio Geba Estreito), era habitual andar de "tanga" (ou melhor, só com uma toalha à volta da cintura), e o corpo coberto de amuletos, ... 

E, no entanto, ele tinha lavadeira a quem pagava para lavar, de vez em quando..., o "sobretudo"!... Imaginem, o "sobretudo"?!...

E por estas e por outras que o "Caco Baldé" um dia lhe terá passado um atestado de... "apanhado do clima"... Com um atestado destes, o "alfero Cabral" ficou acima ou à margem do RDM - Regulamento de Disciplina Militar... E  o mais incrível é que, no fim da (co)missão, foi louvado. 

E agora, só ao fim destes anos todos, é que eu percebo porquê (, confesso que sou de compreensão lenta, nestas matérias): o "alfero Cabral" pôs a paixão da Pátria acima da paixão da sua querida mas pérfida lavadeira, a Modji Daaba, que fugiu  para o Xime, depois de falhado o plano que arquitetara para se desembaraçar do seu velho marido, sob a acusação de ser "turra", e poder lançar-se nos braços do seu "grande amor", o "alfero Cabral", de "olho grosso"... 

Digam lá, caros leitores,  se, em Hollywood, isto não daria um grande filme, um grande "thriller" ?!... E, mais, é uma história que acaba por resgatar a honra daqueles pobres "tugas" que,  não se tendo na altura comportado como honrados portugueses e impolutos militares, hoje seriam acusados, julgados e condenados por assédio sexual, se os usos e costumes e as leis tivessem efeito retroativo... Sim, porque "na guerra, não pode haver amor, só abuso"!...

Mais: esta  é uma história (*) que merece ser revisitada, no 17º aniversário do nosso blogue (**), e dada a conhecer aos mais novos, que nunca ouviram falar de guerra colonial / guerra do ultramar, nem do abuso do amor em tempo de guerra... nem fazem a mínima ideia onde fica a Guiné-Bissau.  (E será que têm de saber de ética, de história e de geografia e de outras tretas ?!...)(LG)

PS - Para quem só agora chegou à Tabanca Grande, convirá dizer que o Jorge Cabral foi alferes miliciano de artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71; está reformado, tendo sido advogado e professor universitário, especialista em criminologia... É membro da Tabanca Grande da primeira hora, e tem cerca de 225 referências no nosso blogue. 

Amti-herói da guerra da Guiné, é uma espécie em vias de extinção. Como, de resto, todos os outros antigos combatentes de uma guerra que já foi há muito riscada da História. Alfacinha de gema, nado e criado em Lisboa, vive agora desterrado (e amargurado)... na "cidadela" de  Cascais!... Imaginem o pobre "alfero Cabral",  menino da Linha, e sem o seu "sobretudo"!...


A Lavadeira. O Sobretudo. E uma Carta de Amor…

por Jorge Cabral


No dia seguinte a ter ocupado Fá Mandinga, apresentaram-se no quartel as lavadeiras, cinco ou seis bajudas, todas alegres e simpáticas.

Uma, Modji Daaba, chamou-me logo a atenção pelo seu porte e beleza. Bonita de cara e perfeita de corpo, possuía um ar nobre e altivo que me cativou. Imediatamente a contratei como minha lavadeira exclusiva, tendo acordado uma remuneração superior na esperança de algumas tarefas suplementares… (Periquito, ainda não sabia, que com as bajudas mandingas era praticamente impossível ir além de algumas carícias peitorais…).

Porque o meu fardamento habitual consistia numa toalha atada à cintura, o trabalho de Modji escasseava, mas ainda assim, não a dispensei de comparecer duas vezes por semana a fim de receber o salário, trazer e levar a roupa.

Iniciámos então um jogo de “faz de conta”, pagando-lhe eu um serviço imaginário. Até elaborava um rol, onde inscrevia peças de vestuário que ela desconhecia:
- Um sobretudo, três camisolas de gola alta, dois pares de ceroulas….

Quando ela chegava muito se divertia ao simular entregar-me as peças inventadas, e comentando:
- É cusa bonito sobretudo.

Entretanto tentava ultrapassar as brincadeiras e consumar o desejo, que era aliás mútuo. Nada feito! Ia casar. Depois sim, prometia. Havíamos de fazer sobretudo, senha por nós adoptada para designar o acto.

Finalmente casou. Com um velho mal encarado, já com duas mulheres e não sei quantos filhos. Então cumprimos o destino! Sobretudo, sobretudo, sobretudo… quase todos os dias.

Infelizmente pouco tempo depois fui transferido para Missirá, e foi aí que recebi uma carta de Modji Daaba. De memória reproduzo o documento.:

"Kerido Namorado Alfero Odjú Groso. Nmiste bai pa Missirá pa ba ter cu bó nha grande amor. Pá bu bim prendi nha marido, pa bu fala nha marido i turra. Tisim sition, calcinha e mandidja de prata. Nha marido ta sutam. Se bu ca bim na fusi pa Xime e nunca mas a mi bu lavadeira de sobretudo."

Não fui buscar Modji Daaba. Não prendi o marido. Sei que fugiu para o Xime, e nunca mais foi a minha lavadeira de sobretudo

© Jorge Cabral (2006)

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Notas do editor:

(*) 20 de julho de  2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

(**) Último poste da série > 7 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22178: 17º aniversário do nosso blogue (6): homenagem às "nossas lavadeiras" (Valdemar Queiroz / Cândido Cunha)

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22173: 17º aniversário do nosso blogue (4): recordando os resultados de um inquérito "on line", de há cinco anos, sobre as nossas lavadeiras, que de facto não eram "lava-tudo"



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné >Região do Cacheu >  Teixeira Pinto > Março de 1973 > As lavadeiras no lavadouro público. Foto do álbum de Francisco Gamelas, que vive em Aveiro, ex-alf mil cav., cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73).

Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. No 17º aniversário do nosso blogue (*), e a propósito do tema das "lavadeiras", vale a pena relembrar aqui os resultados de um  inquérito "on line" que lançámos há 5 anos atrás (**),  numa época em que éramos cinco anos mais novos e ainda tínhamos pachorra para responder a questões como estas...

Recorde-se que os nossos leitores tinham 7 dias para responder e havia 4 hipóteses de resposta... O número total de respondentes foi de 122. 

"SIM, NO TO DA GUINÉ, TIVE LAVADEIRA"...


1, Sim, tive lavadeira, mas só me lavava a roupa > 
105 (86,1%)

2. Sim, tive lavadeira, lavava a roupa e fazia outras tarefas domésticas > 1 (0,8%)

3. Sim, tive lavadeira e também me fazia "favores sexuais" > 12 (9,8%)

4. Nunca tive lavadeira  > 
4 (3,3%)

Votos apurados > 122 (100,0%)

Sondagem fechada em 28/6/2016, às 14h36

II. Na altura, a divulgação dos resultados não suscitou muitos comentários. Mas, apesar das conhecidas limitações metodológicas deste tipo de instrumentos de pesquisa, os resultados parecem ir ao encontro do "conhecimento empírico, espontâneo", que tínhamos da situação há mais de meio século atrás:  

(i) praticamente toda a gente tinha uma lavadeira (, pelo menos nos aquartelamentos e destavamentos onde havia população civil); 

(ii) a lavadeira lavava e passava a roupa a ferro; 

(iii) só uma pequeníssima minoria dos rspondentes (menos de 10%) procurava obter adicionalmente, e eventualmente obtinha, da sua lavadeira, algum tipo de "favor sexual", não se especificando qual (, mas podendo ir das simples carícias e beijos à masturbação e ao coito),

É pena que a jornalista do "Observador", Tânia Pereirinha, não tenha feito referência a estes dados, na elaboração da sua reportagem, publicada no "Oservador", em 10 de junho de 2020 (***). Talvez a sinopse da reportagem fosse mais contída na generalização (que nos parece abusiva) da imagem da "lavadeira lava-tudo": 

(...) "Em Portugal não se falava, mas em África todos sabiam que muitas lavadeiras não tratavam só da roupa" (Negritos nossos). (...). 

Tãnia, o que é são "todos" ?  E o que é que são "muitas" ?  Quantifique-me lá isso, numa escala de 1 a 100 ?!...   

[Declação de interesses: não tenho acesso ao "Observador", não sou assinante, li uma cópia do artigo que me chegou as mãos, através de um assinante, troquei ao telemóvel algumas ideias com a jornalista, que me pediu "ajuda", sobre o tema, sobre o nosso blogue e sobre outros contactos, em 14 de janeiro de 2020; não se tratou de nenhuma entrevista formal, nem eu tive oportunidade de rever o texto, muito menos de o ler, depois de publicado.]

Enfim, não se trata de "salvar a honra do convento" (, cada um fala por si...), mas tão apenas de dar um retrato, tanto quanto possível aproximado, da realidade que conhecemos e vivemos no TO da Guiné (Vd. também poste P22169) (****).

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22135: 17.º aniversário do nosso blogue (3): Para muitos, e já lá vão décadas, [este Blogue] tornou-se um indispensável ponto de encontro (José Belo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2391, Ingoré, Buba. Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70))


(***)  Tânia Pereirinha, texto; Raqule Martins, grafismo - Abuso ou amor ? As histórias das lavadeiras que cuidavam dos militares portugueses na Guerra de África /premium "Observador", 10 de junho de 2020  

(...) Em Portugal não se falava, mas em África todos sabiam que muitas lavadeiras não tratavam só da roupa. Exército diz que não tem informação sobre estas relações. Que nem sempre terão sido consensuais." (...) 

(****) Vd. poste de 4 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22169: (Ex)citações (384): Em louvor das "nossas lavadeiras" que, na sua esmagadora maioria, não foram "lavadeiras lava-tudo"... (Joaquim Costa / Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / José Teixeira / Jorge Pinto / Luís Graça)