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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21941: Historiografia da presença portuguesa em África (253): "Kaabunké, Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais", por Carlos Lopes; Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
A tese de doutoramento de Carlos Lopes na Sorbonne constitui um indesmentível esforço para procurar clarificar a presença Mandinka e a fundação do reino do Kaabú, que se espalhou essencialmente nas terras do que são hoje os países da Guiné-Bissau, Gâmbia e Senegal. Este reino do Kaabú marca o fim do Império do Mali, deu origem a um Estado autónomo em que os Mandinka detinham grande poder político e cultural. Carlos Lopes consultou inúmera documentação que permite trazer luz à estruturação social Kaabunké, à organização do seu território e à sua consolidação graças fundamentalmente ao tráfico de escravos. Chegados ao século XIX, os Mandinka envolveram-se numa prolongada guerra com a etnia Fula, perderam a capital Kansalá, o Mansa suicidou-se, acabou o seu reinado, os Fulas ascendiam ao poder.
Iremos no próximo número apreciar as conclusões apresentadas por Carlos Lopes face à herança Kaabunké, há ali observações com muita dinamite.

Um abraço do
Mário


A Guiné antes e durante a presença portuguesa:
Kaabunké, um trabalho admirável de Carlos Lopes, historiografia incontornável (2)


Mário Beja Santos

O
importantíssimo trabalho do historiador Carlos Lopes sobre o reino do Cabo detalha a expansão Kaabunké, o seu declínio e a sua herança. Sobre a expansão e lógica do poder falou-se no número anterior, vejamos agora como se passou da consolidação ao declínio. O Kaabú era um reino de escravatura, vivia do tráfico negreiro. E o autor observa: “O tráfico prejudicou o desenvolvimento de outros sistemas de produção orientados para a produção de mercadorias e enviesou o comércio para uma troca ainda mais desigual do que as anteriores”. O fenómeno decorria do acordo das aristocracias do Kaabú, da sua aliança de interesses e dos negócios com os europeus. A aristocracia vive dos impostos e da guerra, e esta lógica de funcionamento desce até às aldeias, tem a caução dos poderes religiosos. O autor estuda atentamente as lendas sobre a queda de Kansalá e retém uma frase de um autor português de 1945, Viriato Tadeu, em Contos do Caramô: “Na Guiné de bandeira portuguesa, só há brancos e Mandingas. O resto são os pobres coitados”. Subentende-se que estava a subir de tensão a luta entre poderes a partir do século XVIII. O Kaabú entrara em declínio devido ao permanente sobressalto da guerra e à reorientação do comércio transatlântico. Os Fulas tinham começado a revoltar-se contra a exploração Malinké, vão começar as longas guerras entre dois Estados – Kaabú e Futa-Jalo. Os Malinké não desistiam de ser os senhores do território e vão enfrentar os franceses no Senegal. Os territórios do Kaabú precisavam cada vez mais do poder militar, a centralização política ia-se esboroando. Chegara-se também a um limiar intolerável na coexistência pacífica entre o Islão e o animismo, quer Fulas quer Mandingas estavam agora confrontados com uma lógica de Guerra Santa. Isso devia-se ao papel crescente do Islão, até então o poder islâmico tratava o relacionamento interétnico com uma enorme flexibilidade. Não é novidade para ninguém que ainda hoje os chamados islamizados da Guiné não prescindem de amuletos tradicionais, aliás, a penetração do Islão no meio animista socorreu-se do uso de talismãs que encerravam versículos do Corão. Escreve Carlos Lopes: “O Kaabú é o símbolo de uma coabitação islamo-animista desde o século XII e esta relação foi sempre favorável ao primeiro, através dos tempos. Foi por o Sudão Ocidental estar em plena transformação no século XVIII que o Islão continuou a progredir. Os Fulas do Futa-Jalo não são a principal razão, mas antes a ponta do icebergue”. Mas também na Senegâmbia meridional os europeus iam pondo de pé uma nova estratégia de conquista territorial, a partir do momento em que o tráfico de escravos tem os seus dias contados havia que redefinir a presença colonizadora, e franceses, ingleses e portugueses facilmente se entenderam neste ponto: havia que destruir os grandes espaços políticos, sabendo de antemão que teriam que conviver com sociedades islamizadas.

A situação do Kaabú também se agravara devido a novos conflitos relacionados com as interpretações islâmicas de diferentes confrarias (a Tijaniya e a Kadiriya), apoiadas por chefes diferentes. Havia lugares de peregrinação até aos centros religiosos islâmicos. “No século XVIII, o Islão tornou-se mais militante que nunca, não apenas devido à existência das confrarias, mas também por ser apenas desse meio que provinham as elites educadas e alfabetizadas. Hoje em dia, ainda é possível distinguir diferenças significativas entre as práticas religiosas das diferentes confrarias, mas as grandes querelas dos séculos XVIII e XIX estão ultrapassadas, o que prova bem como o essencial dos argumentos tinha sido uma natureza política”.

Algo de profundamente novo tinha acontecido nas sociedades Fulas, a partir do século XVIII eram inteiramente dirigidas por chefes religiosos. “A evolução política do Futa-Jalo introduzirá discórdias graves entre os Fulas que estão cativos dos Malinké do Kaabú, que podiam aliás contar com aliados no interior da estrutura social Kaabunké. Uma parte das camadas intermédias Kaabunké está insatisfeita e recetiva a uma aliança com novos interesses, que utilizarão o Islão como porta-estandarte”. Portugueses e franceses estavam atentos ao crispar destas tensões, reduziram o volume de trocas com os chefes Malinké, começou o isolamento das regiões e no Futa-Jalo sentiu-se que o apoio europeu estimulava os Fulas a lançar uma ofensiva. É exatamente o que escreve Carlos Lopes, o Kaabú já não conseguia manter o controlo indireto das várias províncias que constituíam a sua base territorial. Havia por um lado a penetração europeia e a pressão do Futa-Jalo fazia perigar as formações políticas existentes desde a época medieval. E vão-se dar batalhas que culminarão com a queda de Kansalá. Atenda-se agora a considerações um tanto controversas, umas, e complementares ao que nós já sabíamos sobre o colonialismo português na Guiné no século XIX: “O verdadeiro fim do Kaabú e o verdadeiro início da colonização coincidem no tempo. Estão ligados, pois ambos se desenvolveram a partir do tráfico negreiro. O fim deste foi o princípio do fim do Kaabú. Mas os colonos tinham uma estratégia económica. No final do século XIX, os colonialismos vão intervir indiretamente no jogo político com o objetivo confesso de controlarem o território – era a lógica da Conferência de Berlim. No Senegal, os franceses produziram estratégicas económicas virando-se para a exploração da mão-de-obra local e para a sua utilização como mercadoria de troca. Vai ser assim com a cultura do amendoim. Em 1846, Aurélia Correia já tinha uma plantação respeitável em Bolama, bem como João Marques de Barros. A presença portuguesa ia-se reduzindo a Norte, a hostilidade africana era clara, como Andrade Corvo escreveu em 1884, falando de um gentio bárbaro e indómito, que raramente está em completa paz, e que muitas vezes abusa da nossa falta de força na Senegâmbia Portuguesa. Não devemos iludir-nos acerca das condições do nosso domínio da Guiné”. Ao tempo, e segundo ainda Andrade Corvo, havia concelhos em Bissau, Bolama e Cacheu; dependendo do primeiro Geba, do segundo Buba, e do terceiro Farim e Ziguinchor. Quem irá dar configuração a uma boa parte do que é hoje a Guiné-Bissau foi Honório Pereira Barreto.

No Sul da colónia, a situação era muito instável, como recorda Carlos Lopes: “Os portugueses tinham procurado assinar tratados no Forreá para controlarem integralmente esta região, mas tiveram problemas com Bakar Kidali. Um dos indícios disto é o ataque de Mamadu Paté de Koyade ao entreposto de Buba. Aliás, os portugueses não intervieram nas lutas intestinas do Forreá, embora apoiassem indiretamente os escravos a revoltarem-se contra os seus donos, fornecendo-lhes armas”. São tempos de acordos com os Fulas. Mas a lógica colonialista era imparável, houve destituições e nomeações de chefes locais impostas por Paris ou Lisboa. “O exemplo de Alfa Yaya que procurou desesperadamente manter o controlo do Labé, Kaabú, Forreá e Kadé ilustra bem o desespero dos últimos grandes homens políticos africanos dessa outra época. Nem ele nem Mussa Molo serão bem-sucedidos. O século XIX terminava uma História de África. E o Kaabú tornava-se para a história da região o fim de um ciclo histórico: o dos poderes independentes africanos. Os colonialismos invasores acabavam de destruir um sistema político e económico secular”. Iremos seguidamente falar da herança Kaabunké, sem dúvida o ponto mais polémico da tese de doutoramento de Carlos Lopes.

(continua)
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Notas do editor

Último poste da série de 17 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21911: Historiografia da presença portuguesa em África (252): "Kaabunké, Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais", por Carlos Lopes; Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19966: Historiografia da presença portuguesa em África (166): Alfa Moló Baldé e o mito fundador do reino de Fuladu, em 1867 (Cherno Baldé) - II (e última) Parte


Guoleghal, a ave mensageira do conto de Canhánima (Sancorlã) e de Fuladu ... Grou-Coroado (Balearica Pavonina). Conhecida na Guiné, coloquialmente, como ganga... Havia muitos na grande bolanha de Bambadinca.

Foto (e legenda): © Armando Pires (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Notas de leitura:  ALFA MOLÓ E O MITO FUNDADOR DO REINO DE FULADU - II ( e Última) Parte (*)

por Cherno Baldé [, foto à direita]


(iii) A passagem e as predicações místicas do Marabu El-Hadj Omar Tall

Foi por ocasião das suas longas e numerosas peregrinações através do continente que El-Hadj Omar passou na região de Firdu a caminho de Futa-Djalon. A data desta passagem do Marabu "toucouleur" [subgrupo, muçulmano, de língua fula, que vive sobretudo no norte do Senegal, resultante da mistura de fulas com outros povos na época de Koli Tenguella] é controversa. 

A tradição oral, diz-nos Abdarahmane, avança a data de 1854, mas esta última não está em conformidade com as fontes escritas que situam esta passagem do sábio Toucouleur por Futa-Djalon em meados de 1845. De qualquer modo, para o caso que nos interessa, é que quando ele chega a Sulabali, vai directamente à morança (casa) do nobre, Samba Egué.

Chegado a entrada da morança deste, ele cumprimenta em voz alta, à maneira muçulmana, dizendo: « Assaláamu alaykúm, matchubhê Allah ! » (Salvé, servos de Deus !). Mas, o termo « matchubhê » (Servos) utilizado na fórmula do religioso islâmico, não convinha aos membros da família dos Fulas-forros que o intimaram a continuar para a morança dos « matchubhé » que era do outro lado.

Mol Egué (futuro Alfa Moló) tinha ido a caça, como habitualmente. O Homem Grande foi recebido com todo o respeito por Cumba Udé (mulher de Moló Egué) que, segundo algumas fontes orais, tinha percebido por intuição que o peregrino não era um homem vulgar. Ela fez tudo o que era necessário para que o arabu tivesse as condições de hospitalidade dignas do seu nivel e notoriedade. Outra das versões sustenta que Molo Egué tinha recomendado à sua esposa para cuidar de qualquer estrangeiro que se apresentasse durante a sua ausência.

Com essa preocupação na cabeça, a mulher vai buscar a única galinha que possuíam em casa no momento e, como mandavam as regras, a levar ao Marabu, pedindo-lhe que a mandasse imolar de acordo com o rito muçulmano o que serviria para a preparação da sua refeição. O velho, conhecedor de toda a situação, tendo agradecido a mulher, ordenou-lhe para devolver a galinha onde ela a tinha retirado,  ou seja em cima dos seus ovos, pois que o seu marido estaria brevemente de regresso trazendo consigo alguma peça de caça que serviria para preparar o jantar. Com estas palavras a mulher ficou ainda mais aflita e não sabia o que fazer perante tamanho assombro.

Quando Moló Egué regressa a casa, a mulher vai ao seu encontro e diz-lhe : « Moló, vai tomar banho e veste-te convenientemente, pois temos hóspedes em casa ». Depois de colocar no corpo as suas melhores vestes, ele vai cumprimentar o Marabu, tendo este ficado por alguns dias antes de se despedir. Teria sido durante aqueles dias que o Homem Grande teria informado ao Moló Egué da sua missão, relacionada com a necessidade da islamização das populações pagãos de Firdu e que passava, necessariamente, pela conquista do poder das mãos dos irredutiveis pagãos soninquês.

Moló Egué ouvindo atentamente a predicação e conselhos do velho sábio, defendia-se, educadamente, tanto quanto podia e sabia, que ele era um homem humilde sem meios e sem qualquer ambição de poder e ainda por cima de condição servil; que os mandingas estavam bem organizados e eram muito aguerridos etc. Todavia, não podendo fugir ao que lhe estava predestinado, o velho acabou por convencê-lo a desafiar o seu destino, dando-lhe todas as garantias que ele era a pessoa indicada para superar o desafio de combater e vencer os mandingas e acabar com os abusos a que, diariamente, eram sujeitos.

Para isso, seria preciso preparar-se seriamente, discretamente e sobretudo respeitar escrupulosamente as directivas que lhe iria dar, a saber : primeiro, matar alguns elefantes, totém dos mandingas e extrair das suas panças os orgãos vitais que serviriam para a confecção de mesinhas de protecção e de invulnerabilidade. De seguida seriam retirados e postos à venda os dentes dos elefantes para a compra de armas e pólvora que ele esconderia em lugar secreto. 

A segunda directiva consistia na criação de um carneiro ao qual ele daria uma poção mágica (nassi). Depois o Marabu diz-lhe « quando o Farim (chefe de provincia) mandinga vier tomar o teu carneiro para comer, sabes que chegou o dia e podes passar à acção com os teus homens sem hesitar ».

Após ter dado estes diferentes conselhos, o Marabu despediu-se. Moló Egué, bom conhecedor das pistas que atravessavam a floresta, acompanhou-o até a actual localidade de Dandum (perto de Bafatá), onde se separam. Aqui o Marabu o teria dito que aquele local seria o limite do seu reino, desde o rio Gâmbia, o que veio a acontecer. Desde então, Dandum será para o Alfa Moló, um lugar abençoado e, quando sentiu a proximidade da sua morte, escolheu aquele lugar para ser enterrado (o que, segundo Armando da Silva, teria acontecido entre finais de 1881 e principios de 1882, posto que em Julho de 1882 o seu irmão, Bacar Demba, se apresentou em Geba, na qualidade de monarca, para a assinatura de um novo tratado com as autoridades portuguesas).

As tradições orais normalmente são muito fecundas e algumas vezes contraditórias quando se trata de relatar a história da passagem do Marabu "Toucouleur", El-Hadj Omar, pelo território de Gabu. Todavia todos são concordantes relativamente aos três elementos considerados fundamentais : a recepção do Marabu por Cumba Udé, o Elefante e o Carneiro.

Em jeito de conclusão, Abdarahmane na sua tese, revela-nos que a narrativa desta passagem se articula à volta destes três elementos fundamentais que estão na base da história e a tornam mítica para não dizer legendária. Para Abdarahmane, a dimensão mítica deste encontro vai encontrar a sua verdadeira razão de ser no estatuto dos dois protagonistas da cena : O Marabu, impregnado de Islão e da mistica religiosa,  e o Caçador, detentor de conhecimentos místicos pré-islâmicos, em que, em vez de uma confrontação lógica, como seria de esperar, assistimos a uma convergência que, a hospitalidade concedida por uma mulher pobre e de classe mais baixa da sociedade, vai selar para sempre. 

Para além do símbolo mítico deste encontro inesperado e fortuito se profila o destino de um homem, de um povo e de um país inteiro. Assim, a passagem do predicador, El-hadj Omar, no Firdu vai acentuar a necessidade de se organizar as hostes, a fim de retirar o poder das mãos dos mandingas, acabando com a sua dominção secular.


(iv) A luta pela emancipação ou quando o escravo liberta o seu mestre.

Moló Egué (Alfa Moló) tinha seguido à risca todas as instruções que o Marabu "Toucouleur" lhe havia dado. Com efeito, ele criou um carneiro e seguiu as instruções recomendadas. A partir desse dia, Alfa Moló reuniu aqueles que estavam a sua volta como auxiliares e aprendizes do ofício da caça, convocou todos os homens grandes dentre os Fulbhê, para os informar que ele iria lutar contra os chefes mandingas cujas atitudes e abusos os causavam enormes prejuizos. 

Os grandes dentre os fulbhê consideraram a operação demasiado arriscada, na medida em que os combatentes da parte dos fulas ainda não estavam preparados e suficientemente aguerridos. Preocupados com as consequências desastrosas que dai poderiam advir em caso de derrota, muitos dentre os nobres recusaram participar na revolta contra os mandingas. Foi então que Alfa Molo proferiria a frase que entraria nos anais da historia épica de Fuladu, com a frase seguinte : « Máh-ôn mballi-kam fêlludê sébbhê; Máh-ôn mballi-kam dogdê ("Ou vocês me ajudam a combater os mandingas ou, então  ajudarão a fugir").

Quando viram que o Alfa Moló estava decidido a dar luta ao poder dos Soninquês, numerosos fulas dentre os chamados « nobres » fugiram para outras províncias distantes, enquanto que alguns deles, muito poucos, aceitaram o sacrifício do combate pela emancipação que se apresentava no horizonte. 

Segundo Abdarahmane, a guerra teria sido feita em duas fases distintas. O reino mandinga [do Gabu] enfraquecido pela desorganizaçao e sobretudo por querelas e dissenções internas, aliado ao disfuncionamento dos poderes central e provincial, não conseguia manter a sua unidade e força para se defender contra os ataques repetidos dos exércitos fulas. Este disfuncionamento dos dois poderes tinha conduzido à independência progressiva dos Farin-mansa (governadores de província) que continuavam a exercer um peso crescente sobre os seus súbditos.

A provincia de Firdu que parecia, por excelência, ser a dos fulas, não podia escapar a esta situação de crise generalizada. O chefe desta provincia, Mofa Djenu ou Karabuntim Sané para outros (Roche,  1985), com capital em Kansonco, semeava o terror nesta província do reino que era a mais distante e a mais rica de todas as outras, em virtude do elevado número de fulas nela radicados. 

Os fulas de Firdu eram prósperos, mas o seu gado e as suas colheitas eram objecto de assaltos permanentes da parte dos mandingas. Este facto levou a que, os fulas conduzidos por Alfa Mol atacassem Kansonco e destruissem a sua capital (Bercolon) defendido por guerreiros mandingas. Aproveitando esta situação de confusão  e com o apoio dos Almames de Futa-Djalon, em 1869 (Roche 1985), de Bundu e de combatentes "Toucouleurs" de Kabada, os fulas destruiram todos os cercados (tatas) mandingas. As províncias tombaram umas atrás das outras e com elas a dominação dos mandingas.

Uma das mais importantes consequências desta guerra seria a dispersão da população através do territorio "pacificado". Com efeito, a extensão do povoamento dos fulas foi feita após esta guerra. Confinados, no início, em zonas de pastagens, os fulas dispersam-se e reocupam as antigas aldeias mandingas, conservando, muitas vezes, o antigo topónimo (Bercolon, Cambaju, Mansajã, Canquelifa, Salquenhe, Contuba, etc. etc). E passaram a plantar arroz nas mesmas bolanhas que pouco tempo antes eram propriedade exclusiva dos seus suseranos mandingas.

 A partir deste momento assistimos a uma reconfiguração do território e a paulatina estabilização a favor dos fulas. O Firdu que era apenas uma provincia passou a ser um estado independente com a designação de Fuladu. Todavia seria de curta duração, pois este período coincide com a ofensiva « diplomática » de algumas potências europeias, nomeadamente Portugal e a França,  e a concorrência para a posse efectiva dos territórios da região.

Entretanto, no decorrer deste período agitado de recomposição política, económica e social, o Fuladu será atravessado  por clivagens sociais que deixam transparecer em filigrana o que serão, mais tarde, as relações, por um lado, entre os antigos senhores do território, os mandingas, que continuavam a tentar recuperar a sua hegemonia perdida, organizados em grupos de guerrilha no interior do mato,  e os fulas, na condição de novos detentores do poder ; por outro lado, entre os  «Jiáabhé» (antigos servos comummente chamados na literatura colonial de fulas-pretos) e  os «Rimbhé» (antigos senhores, chamados de fulas-forros).

Estas guerras, dissenções e clivagens sociais, ainda não estavam bem resolvidas quando as potências coloniais tomaram conta desses territórios, em finais do séc. XIX e princípios do séc. XX.  Os fulas, depois dos primeiros reencontros e reconhecendo a superioridade tecnológica e militar dos europeus, escolheram a estratégia das alianças em lugar de oferecer resistências condenadas ao fracasso. 

E, passados alguns anos, quando os nacionalistas iniciam a mobilização para a luta de libertação nacional no território da antiga Guiné-portuguesa, a percepção dos chefes tradicionais fulas, agudizada pela estratégia da administração portuguesa, é que era mais uma tentativa de recuperação do poder da parte dos seus arqui-inimigos mandingas, facto que não estava longe da verdade, porque se a elite dirigente [do PAIGC] era urbana e escolarizada, nas fileiras dos seus combatentes no mato, pelo menos no Norte, a maior parte eram mandingas, o que era inaceitável para as elites fulas.

A independência da Guiné-Bissau, concedida ao PAIGC por Portugal em 1974, foi um duro golpe sofrido pelos fulas, uma autêntica traição aos seus interesses estratégicos e de sobrevivência como grupo que, tudo somado, talvez preferissem continuar a guerra, em vez de capitular e entregar o país aos «bandidos » que, já era sabido, para além da retórica pseudo-revolucionária, a única coisa que sabiam fazer e bem, era oprimir e roubar o bem alheio. 
Numa das suas intervenções sobre as lutas contra a dominação e opressão social e económica das populações em África e referindo-se, provavelmente, a rebelião bem sucedida de Alfa e Mussa Moló Baldé, Amílcar Cabral dizia assim : «sempre que os africanos fizeram grandes lutas para acabar com a dominação dos outros, acabaram por se tornar, eles mesmos, ainda piores tiranos para os seus povos do que aqueles que tinham combatido no passado ». 

Sim, verdade, uma grande verdade, sobretudo se tivermos em conta o que representa hoje o brilhante legado do seu Partido no nosso pobre país, a Guiné-Bissau. (**)

Cherno Abdulai Baldé
Bissau
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Bibliografia:

Ngaidé Abdarahmane : Le royaume Peul du Fuladu, de 1867 a 1936 (L’Esclave, le Colon et le Marabout, 1997/98, Thèse de doctorat de troisième cycle en histoire, UCAD (Université Cheik Anta Diop, Faculté des Lettres et Science Humaines, Dakar, Sénégal.

Gloria Lex : Le Dialecte Peul du Fouladou (Casamance, Sénégal); Thèse de doctorat en Linguistique et Phonétique.

Mouhamadou Moustafa Sow, Professeur d’histoire, Lycée Régional de Kolda, Sénégal, Blogue Seneweb.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19956: Historiografia da presença portuguesa em África (164): Alfa Moló Baldé e o mito fundador do reino de Fuladu, em 1867 (Cherno Baldé) - Parte I

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19921: Em bom português nos entendemos (21): quem chama "fula-preto" a quem ? (Luís Graça / Cherno Baldé)



"Fula" é uma marca de óleo, registada, do Grupo Sovena. "É a marca líder no mercado português de óleos vegetais", e está "presente nos lares portugueses há cinquenta anos," (Imagem reproduzida aqui com a devida vénia...).

A marca tem inclusive um sítio próprio na Net: www.fula.pt (, além de uma página no Facebook). Na história da marca diz.se: 

"O óleo Fula foi lançado há mais de 50 anos. Nasceu como óleo de amendoim puríssimo e a origem do seu nome está em África – Fula é o nome de uma conhecida tribo da Guiné. Conheça agora as datas mais relevantes da sua história. (...)"

Cá está, mais um exemplo, da eventual utilização abusiva do nome de um povo, "etnónimo", para promover  um produto... comercial, para mais  associado à colonização, ou seja, a um contexto histórico determianado: a mancarra, o amendoim, donde se extrai  óleo alimentar, foi uma cultura comercial, irrelevante para a segurança alimentar dos "indígenas", imposta pelo colonialismo europeu, em África, no séc. XIX... Infelizmente, o caju, hoje em dia, na Guiné-Bissau, uma desastrosa opção estratégica do PAIGC timnada a seguir à independência... Hoje os guuneenses exportam caju para importar arroz...

Acrescente-se, no entanto, que o Grupo Sovena reivindica, para si, valores como a multiculturalidade: 

(...) "Porque somos verdadeiramente uma empresa Glocal somos também multiculturais. De entre as mais de 1000 pessoas que trabalham no Grupo Sovena temos pessoas de quatro continentes e de mais de 15 países. Pessoas de diversas formações pedagógicas, de diversas profecias religiosas e de diversas etnias. Assim garantimos diversidade de abordagens, de conhecimento, de experiências de vida e, acima de tudo, de opiniões – o que nos permite sermos cada vez melhores." (...) (Fonte: Sovena Group > Missão,  Visão e Valores)

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A propósito do vocábulo "fula-preto" e da sua eventual conotação racista... Comentários de Luís Graça e Chernp Baldé (*):


(i) Luís Graça

Obrigado pelas tuas preciosas notas de leitura (*). Confesso que preciso de saber mais sobre a história dos teus antepassados e, em geral, do(s) povo(s) guineense(s)... Mas é um terreno armadilhado. Como eram povos sem escrita, foram em geral os europeus a escrever sobre os seus "usos e costumes" ou as suas andanças no espaço e no tempo...

Há alguns vocabulos e expressões que me causam algum desconforto, embora tenham entrado no nosso léxico do dia a dia... São manifestamente racistas, alguns, que eram utilizados no meu tempo, e são resquícios das sociedades escravocráticas: "trabalhar é bom para o preto", "trabalhar que nem um negro", "quem poupa seu mouro poupa seu ouro"... Outros são mais subtis, menos óbvios, mas não deixam de ser pejorativos: "ovelha negra da família", "mercado negro", "preto ou pretinho da Guiné", por exemplo... Ou "fula-preto" 'versus' "fula-forro"...

De quem será a autoria da expressão "fula-preto" ? Da etnografia colonial, imagino!?

A(s) nossa(s) língua(s) é(são) cruel (cruéis)...Basta dar uma vista de olhos aos provérbiods "populares", eivados de sexismo, machismo, misoginia, racismo... Sobre a mulher, por exemplo, há inúmeros provérbios, todos eles reveladores de uma mentalidade predadora e doentia, alimentada pelo mito judaico-cristão do pecado original, e que vê nela um ser desprezível mas diabólico:

"Da cintura para baixo não há mulher feia";
"De má mulher te guarda e da boa não fies nada";
"Debaixo da manta tanto faz a preta como a branca";
"Frade e mulher - duas garras do diabo";

Mas fiquemos, por agora, nos "fulas-pretos"... Quem chama "fula-preto" a quem ? E porquê "preto" ?


(ii) Cherno Baldé:

Caro amigo Luis,

Antes de falar sobre a estrutura social dos fulas, permitam-me corrigir um lapso no texto relativamente a data provável do nascimento de Mussa Molo (1845) e não 1945.

Quanto a categoria social (Fula-Preto), desconheço o autor, provavelmente Português, desta expressão que passou a designar uma categoria social dentro do grupo etno-linguistico da população dos Fulacundas (Fulas de Gabu) que habitavam no espaço do antigo império Mandinga, dentro do qual se integraram sem nunca deixarem de praticar a sua actividade economica fundamental de criação de gado e pastorícia ao mesmo tempo que, por força das circunstâncias, se interpenetravam entre si, social e culturalmente, tecendo fortes laços de complementaridade, de interdependencia e de mestiçagem.

Durante muitos seculos (e desde meados do sec.XIII), no espaço do Kaabunké, os fulas e outros povos sob dominio mandinga, trabalhavam, na agricultura e criação de animais, e as elites mandingas dominantes, seus clãs e suas numerosas linhagens de guerreiros, reinavam e viviam a custa de razias e do comercio, inclusive o comercio de escravos.

Para a realização destes trabalhos, sobretudo nos trabalhos agricolas para os quais os fulas não somente não tinham tempo suficiente, mas também não gostavam de fazer, era preciso arranjar mão de obra que se dedicasse exclusivamente a estes trabalhos menos nobres, do seu ponto de vista. E a solução era comprar "cativos" de diferentes origens tribais nas mãos dos mandingas que, desenraizados, educados e aculturados no meio fula, integravam as familias dos seus donos, formando uma categoria a parte ou a classe dos servos ou cativos.

Foram as pessoas oriundas dessa categoria de servos, trabalhadores essencialmente agricolas e doutras castas sociais tais como os Ferreiros, Tecelaos, artesãos de diferentes oficios é que receberam, durante a época colonial, a designação de Fulas-Pretos, para não ficarem com o nome altamente ultrajante de Cativos/Servos, isto é "Jiaabhé" na lingua dos fulas.

Claro que hoje este conceito está politica e socialmente morto
e enterrado, mesmo se subsistem alguns resquicios comportamentais e tentativas de segregação acompanhado de lutas e resistências subtis com base nesses conceitos que foram banidos juntamente com o dominio mandinga durante a guerra de libertação encabeçado por Moló Eguê, que mais tarde adquiriu o titulo de Alfa a semelhança das autoridades teocráticas do vizinho estado Futa-Fula que os inspirou e amparou.

Eu também não gosto da expressão, mas tratando-se de uma herança conceptual já não há nada a fazer a não ser contextualizar sempre que se usar a expressão para melhor cpmpreender as suas origens sociais.

Com um abraço amigo, Cherno Baldé


(iii) Luís Graça:

Peguei no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Lisboa, 2003), no Tomo IV FRE-MER, e lá estão grafados os vocábulos "fula-forro" e "fula-preto" (p. 1815)... [Convirá referir que esta é uma obra de referência, o mais completo dicionário da língua portuguesa, elaborado pelo lexicógrafo brasileiro Antônio Houaiss (1915-1999); a primeira edição foi lançada em 2001, no Rio de Janeiro, pelo Instituto Antônio Houaiss.]

Fula-preto: o termo é recente, proveniente da etnografia da Guiné-Bissau... Significado: "fula da Guiné-Bissau cujo TOM DE PELE é mais carregado que a dos chamados fulas-forros"

Fula-forro: "fula da Guiné-Bissau cujo TOM DE PELE é menos carregado do que os chamados fulas-pretos"...

"Tom de pele" em maiúsculas ou caixa alta  é da minha responsabilidade... Em meu entender, é uma definição menos feliz, redutor, simplista, e até com conotação racista, ao sobrevalorizar uma caraterística fenotípica, o "tom de pele", para distinguir duas "subpopulações ou grupos" dentro do povo fula da Guiné-Bissau...(que não é uma "raça", mas tão apenas um grupo etnolinguístico... da subespécie humana "Homo Sapiens Sapiens").

A explicação do Cherno Baldé é muito mais satisfatória, para mim, que dou muito importância às questões sociolinguísticas... Obrigado, Cherno, isto merece um poste! (**)

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Notas do editor:

(*)  Bd. poste de 25 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19919: Historiografia da presença portuguesa em África (163): O reino de Fuladu, de Alfa Moló Baldé a Mussá Moló, da bacia do rio Gâmbia ao rio Corubal (1867 - 1936) (Cherno Baldé)


(**) Último poste da série > 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19263: Em bom português nos entendemos (20): "Partir mantenhas"... (Virgínio Briote)

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19906: Historiografia da presença portuguesa em África (163): Ainda a viagem, ao Indornal (na atual Gâmbia), em março de 1883, do alferes Francisco António Marques Geraldes, cmdt do presídio de Geba, para ir resgatar duas mulheres cristãs, raptadas em São Belchior (Cherno Baldé / Armando Tavares da Silva / Mário Beja Santos)



Parte V - De Catedi (dia 15) a  Indornal (dia, 16)


Parte IV - De Salicocum (dia 14,) a  Catedi (dia 15, pernoita)



Parte III - Menino Cundá (dia 13, pernoita) a Salicocum (dia 14, pernoita)



Parte II -  De Sede  Cundá (dia 12)  Menino Cundá (dia 13, pernoita)



Parte I - De Geba, dia 11 de março de 1883, a  Sede Cundá (dia 12, pernoita)



Percurso seguido pelo alferes Francisco Marques Geraldes entre Geba e o Indornal, de 11 a 16 de março de 1883 (feita a partir da Carta original conservada na Sociedade de Geografia de Lisboa)





1. Comentários (ao poste P19905),  de Cherno Baldé, Armando Tavares da Silva e Mário Beja Santos (*):

(i) Cherno Baldé:

Caro amigo Armando da Silva,

No dia 17 do corrente fiz um comentário num Poste de Luís Graça sobre a região de Ganadu/Joladu e do seu primeiro régulo Fula, Mbucu ou Umbucu, contemporâneo do ten Marques Geraldes, nos seguintes termos:

Luís,

O Régulo de Joladu que é o mesmo que dizer Ganadu, seria da linhagem do régulo M'bucu ou Umbucu que, em 1886, ofereceu a logística e o serviço dos seus homens para apoiar o ten Marques Geraldes na Batalha de Fanca (Sancorlã) contra os homens de Mussa Molo, rei de Fuladu, com a capital em N'dorna ou Indornal (grafia portuguesa), tendo mudado mais tarde para Hamdalaye, localidades situadas entre o rio Gambia e o rio Casamansa.

Mbucu ou Umbucu era de ascendência Fula-Forro e por isso as suas relações com o Mussa Molo, rei de Fuladu, de ascendência Fula-preto, não eram muito amistosas pelo que a sua aliança com a administração portuguesa através do presídio de Geba era uma forma subtil de recusar a vassalagem ao Mussa Molo, rei do Fuladu que tinha destronado o seu tio, Bacar Demba (vulgo Dembel). De notar que o mesmo (estes conflitos de poder) não acontecia na época de Alfa Molo, pai de Mussa Molo e fundador do reino, que respeitava muito e permitia uma larga autonomia aos Fulas-forros a quem ele próprio tinha entregado a gestão de vastos territórios, muitos dos quais ainda por conquistar às mãos dos mandingas / soninques como era o caso de Joladu.

Abraços,

Cherno Baldé
17 de junho de 2019 às 17:31


Observando atentamente o conteúdo do Poste de hoje e a descrição do percurso seguido até Ndorna (Indornal), a capital do império de Fuladu ou Firdu (ver parágrafo seguinte).

"Prosseguindo viagem atravessam as povoações de Duricundá, Chume-Cundá, Sede-Cundá, Sincho, Nhama-Dicundá, Menino-Cundá, Banco, Quinheto, Cuento, Salicocum, Caredi-Cundá, Pate-Cundá, o rio de Farim, as povoações de Mori-Cundá, Camaco-Geba, Tambuiel, Cotedi, o rio de Selho, e as povoações de Culijan-Cundá, Cutetó e Ille-Cundá".

Deve ter havido algum mal entendido nesta descrição, pois as localidades de Saré-Minine (Menino-Cunda), Banco e Solucocum (Salicocum) que ainda existem e habitadas, estão localizadas na margem direita do rio Farim e não na margem esquerda como esta aqui descrito. Com a Convenção Luso-Francesa de 1886, Solucocum estaria mesmo junto à linha da fronteira e perto de Sitato, entre as localidades de Cuntima e Cambaju.

É muito interessante notar que alguns meses após a passagem do ten Marques Geraldes ao Indornal, mais precisamente a 3 de Novembro de 1883, o mesmo Mussa Molo assina um tratado de amizade e de protecção com representantes da França presentes no presídio de Sedio (Selho) e deste modo garantir o apoio das forças francesas para destronar o seu tio (Bacar Demba) e afastar o irmão Dicory Cumba, também pretendente ao trono. Mas, daí para a frente estaria em guerra permanente com os régulos Fulas-Forros de Sancorlã, Joladu e de Gabu/Forreá que, aliando-se aos portugueses em Farim e Geba, não reconheciam a autoridade de Mussa Molo sobre esses territórios.

Estou a terminar um texto sobre esta parte menos conhecida da história da Guiné e de Casamança, conhecida como o reino de Fuladu, ou a tentativa da construção do último império na África ocidental.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
20 de junho de 2019 às 13:29

PS - Há uma grande probabilidade de a designação de Ganadu ter a sua origem a partir da localidade de Saré-Gana, onde residia o régulo Mbucu, aliado dos portugueses, em detrimento de Joladu, a antiga designação do regulado


(ii) Armando Tavares da Silva:

Caro amigo Cherno Baldé,

Obrigado pelos comentários. Eu já tinha notado que a carta com o itinerário seguido por Marques Geraldes contém alguma incongruência. Creio que esta deriva do facto de quem desenhou a carta (que terá participado na expedição ?) ter confundido o rio de Pateá pelo rio de Farim, de que é afluente. Penso que é o rio de Pateá que se encontra assinalado na carta como rio de Farim.

As guerras contra os régulos fula-forros empreendidas por Mussá Moló estão largamente referidas no meu livro, para as quais foram arrastadas as autoridades portuguesas, interessadas na “manutenção do sossego” no território, indispensável para que o comércio progredisse, bem como o papel dos franceses nestas contendas. E até conduziram à tentativa de realização de um tratado de paz com Mussá Moló em Abril de 1887, já depois da Convenção Luso-Francesa de 1886.


Em 1901 escreve o governador Judice Biker referindo-se a Mussá Moló: foi um ”grande chefe-de-guerra que expulsou os beafadas e os mandingas, antigos senhores do território, dividindo este, depois, por diferentes cabos-de-guerra seus. Alguns destes cabos-de-guerra tornaram-se independentes de Mussá Moló, procurando o auxílio do nosso governo, e a maior parte conservou-se-lhe fiel. Daqui a origem das guerras constantes em Geba – o Mussá procurando bater os que lhe não eram fiéis, o nosso governo auxiliando-os e procurando bater os que se conservavam fiéis àquele”.

“Com o tempo e as derrotas que foi sofrendo, Mussá foi perdendo o prestígio e, de 1892 para cá, Geba tem-se conservado sensívelmente sossegada, o que não quer dizer que aquele não conserve ainda alguma influência e não possa incomodar-nos mandando reunir gente para realizar alguma correria no nosso território”.

A operação de 21 de Setembro de 1886 empreendida por Marques Geraldes, em que participou o régulo Umbucú e todos os seus filhos, e em que as forças de Mussá Moló são atacadas em Fancá (San Corlá) está, entre outras, também, detalhadamente relatada no meu livro.

Uma questão: a povoação de Caramtabá (ou Carantambá) ainda existe? Fiz uma cuidada tentativa de a encontrar nas cartas actuais, sem sucesso. Pode o Cherno dizer-nos alguma coisa sobre isto?

Com um abraço amigo,

Armando Tavares da Silva
20 de junho de 2019 às 18:06


(iii) Cherno Baldé:

Caro amigo Armando,

Nao posso confirmar a existência da localidade de Carantaba na zona de Ganadu, parece que já não existe com esse nome no mesmo sítio onde, em contrapartida, existem outras com designações diferentes em língua fula, tais como Saré-Banda e Sincha Sutu.


Todavia, no conjunto da regiao do nordeste guineense, existem muitos Carantabas descendentes e espalhadas pelo território e que em mandinga significa literalmente "a árvore do saber".

A parte II do percurso traçado corresponde a minha zona (Cansonco/Fajonquito), onde passei toda a minha infancia, pastando gado bovino nas matas e que conheço melhor, e posso confirmar a existência das seguintes localidades citadas: Sanecunda (Sede Cunda), Saré-Minine (Menino Cunda), Banco, Quenhato (Quinheto) e Solucocum (Salucocum). Poderão verificar, consultando o mapa de Colina do Norte, inserido neste Blogue, subindo de sul para norte na carta.

Saré Minine esta perto de Saré-Jamara e que foi um dos destacamentos das companhias que passaram por Fajonquito na estrada para Canjambari-Jumbembem-Farim.

Muito agradecido pela simpatia e carinho no meu dia de aniversario. Um bem haja para todos os Editores e Colaboradores do Blogue.

Um forte abraço,

Cherno Baldé
20 de junho de 2019 às 19:05

(iii) Mário Beja Santos

Prezados confrades, é da mais elementar justiça relevar quem foi destemido e zelador pelas vidas alheias, como lhe cabia. Todo este episódio já aqui foi referido no blogue e permite-me acentuar que a carta que o governador Pedro Inácio de Gouveia, sobre o assunto, enviou para Lisboa, possui finura literária, foi este documento que conduziu à elevada condecoração deste militar que, infelizmente, anos mais tarde irá ter problemas disciplinares muito graves, que lhe mancharam a carreira.

Aqui se reproduz o que veio publicado no nosso blogue, em 30 de julho de 2014, segue o link (***):


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/07/guine-6374-p13449-biblioteca-em-ferias.html

Um abraço aos dois, Mário Beja Santos

21 de junho de 2019 às 12:43
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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 20 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19905: Historiografia da presença portuguesa em África (161): Viagem do alferes Francisco Marques Geraldes, de 11 a 17 de março de 1883, de Geba ao Indornal, feito que lhe valeu a atribuição, por el-rei D. Luís, do grau de cavaleiro da Torre e Espada (Armando Tavares da Silva)

(**) Vd. poste de 30 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13449: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (1): Francisco Marques Geraldes, um herói militar português na Guiné

(...) No Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa vem reproduzida a carta que o governador Pedro Inácio de Gouveia dirigiu a partir do palácio de Bolama, em 4 de Maio de 1883 ao Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar. A carta reza o seguinte:

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor,

Em princípios de Março, os Fulas Pretos agrediram a pequena povoação de São Belchior, na margem direita do rio Geba, onde existiam alguns grumetes de Bissau, gente pacífica e inerte, que faziam algum comércio com os poucos recursos que dispunham.

Os Fulas Pretos, capitaneados por Deusá [Dansa, segundo Cherno Baldé], queimaram as cubatas, levando prisioneiros dez homens e duas mulheres, todos cristãos.

Este ponto fica sob a jurisdição imediata do presídio de Geba e do concelho de Bissau.

Depois deste ataque à povoação, foi Deusá com a sua corte para os lados de Geba, e parece que receando-se de algum agravo da parte do governo português, que ultimamente não tem poupado os díscolos, apresentou-se ao comandante do presídio de Geba o alferes Francisco António Marques Geraldes, levando-lhe um presente de vacas e não lhe falando em nada do ocorrido.

Aquele oficial, sabendo então do procedimento do chefe em São Belchior, recusou-lho e exigiu-lhe os prisioneiros que ele conservava em seu poder; o chefe intimidou-se e entregou os homens, pois as duas mulheres iam a caminho do Indornal, que fica pouco mais de um dia proximamente ao SE de Gambia e dois proximamente ao NE de Selho.

Aquelas mulheres iam fazer naturalmente parte do serralho do régulo gentílico Dembel, potentado entre os Fulas Pretos, e a que todos obedecem, e pai [, irmão, segundo Cherno Baldé,] do agressor do Deusá, ou então trocadas por vacas, conforme os usos do gentio.

Deusá desculpou-se com o chefe do presídio de Geba, por atacar aquela povoação, dizendo ignorar que São Belchior [, na margem direita do Rio Geba Estreito,] pertencia aos portugueses, entregando três dias depois os prisioneiros, explicando a impossibilidade da entrega das duas mulheres, aliás que lhe seriam também apresentadas.

Aqui principia a fase brilhante e digna do alferes Francisco António Marques Geraldes, comandante do presídio de Geba; participa o ocorrido para o seu imediato chefe, o comandante militar de Bissau, e dizendo que ia buscar as mulheres, estivessem onde estivessem, pedindo para ser relevado de não esperar autorização superior pelo receio de que, esperando, chegasse tarde, receio fundado, pois no dia seguinte à sua chegada ao Indornal já estariam trocadas por vacas, segundo os ajustes feitos.

Põe-se este oficial a caminho, acompanhado apenas de um enfermeiro ao serviço na praça, António Mendes Rebelo, de José Lopes, comerciante em Geba, e quatro grumetes para conduzir a pequena bagagem da expedição, levando fazendas, tabaco e cola na diminuta importância de 35 mil reis, para lhe facilitar a passagem nos caminhos das diferentes povoações que tinha de atravessar.

Aí vai este oficial, convencido da sua nobre causa, em condições excecionais, sem cómodos, sem força, levando a ideia inabalável de que devia exigir e havia de trazer as duas mulheres cristãs, que, abusiva e violentamente, foram arrebatadas dos seus lares. Chegada à tabanca do régulo Umbucú, apresentou-se-lhe completamente uniformizado, dizendo quem era e qual o seu destino. Este régulo, bastante poderoso e dominando o território vizinho de Geba, recebeu-o admiravelmente, e ofereceu-lhe três cavalos para fazer a jornada e quatro Fulas armados para o acompanharem, e seu filho para lhe servir de guia e obviar a algumas dificuldades de ocasião, que em seu trajeto lhe aparecessem.

Andando nove a dez horas por dia, percorreu aquele trajeto (cerca de 54 léguas) sob um sol ardente, bebendo má água, seguindo tranquilo e cônscio de que realizava a sua nobilíssima ideia. Atravessou o rio Farim no dia 15, dois dias a jusante desta praça, onde é estreitíssimo e obstruído de paus, de difícil navegação, e no dia seguinte o rio Casamansa, a maior distância de Selho [Sedio, no atual Senegal, segundo o Cherno Baldé], também a jusante, chegando no dia 16 às oito horas da noite ao Indornal.

No dia seguinte, expôs ao régulo de Dembel o fim da sua visita, declarando-lhe as boas relações que têm havido entre o governo português e os da sua raça; que não podia acreditar que ele, régulo, permitisse as correrias dos seus, o que aliás obrigava o governo português a usar de represálias, como já tinha procedido para com os Fulas Forros, Beafadas e todos que praticassem violências para com gente sossegada, que apenas trata do seu comércio, concluindo por exigir as duas mulheres e uma indemnização para aqueles que sofreram na agressão em São Belchior.

O régulo ouviu no mais profundo silêncio a peroração do oficial, e considerou-a caso tão melindroso que só depois de conferenciar com os seus “maiores” lhe poderia responder. No dia seguinte, mandou-o chamar e disse-lhe que estava pronto a entregar as duas mulheres que seu filho tinha mandado para ali; que a indemnização aos roubados não podia ser a que ele entendia dever satisfazer, pois havia pouco tinham sido devoradas pelas chamas duas povoações importantes, como o próprio oficial presenciou, e daí grandes despesas a fazer para abrigar os seus vassalos; que também ia mandar cavaleiros buscar o seu filho para o repreender e proibir-lhe de fazer guerra sem ordem dele, e nunca que pudesse indispô-lo com o governo português.

Convidou-o a esperar pelo regresso do filho.

No dia 24, apareceu o filho de Deusá, e foi severamente repreendido pelo pai, entregando este as duas mulheres e 40.560 reis para distribuir pelos prejudicados de São Belchior.

O oficial saiu no dia 26 do Indornal, sendo acompanhado por Mussá, sobrinho e sucessor do régulo Dembel e seu primeiro-cabo de guerra, em quem deposita toda a confiança (***). A este ofereceu o alferes Geraldes uma espingarda de repetição que possuía, como presente dos seus bons serviços. Mussá declarou que, em quaisquer circunstâncias que o governo português carecesse dos seus serviços, que podia contar com ele e toda a sua gente, cuja força é superior a 6 mil homens.

No dia 26 saiu às seis horas da tarde do Indornal, seguindo o mesmo itinerário, tendo sido, tanto na ida como no regresso, admiravelmente recebido pelos povos onde passou.

Causou espanto no Indornal à aparição do oficial, pois ali nunca esteve um europeu, chegando a pedir-lhe para descalçar as botas, duvidando se também o corpo era branco,

Excelentíssimo senhor, um oficial que assim procede, nas condições e fim nobre como realizou esta expedição, parece-me merecedor de uma remuneração condigna, que à munificência régia lhe apraza conceder. Este oficial levou a sua abnegação a querer custear as despesas à sua custa, não obstante os seus pequenos vencimentos, e só instado é que se resolveu a mandar para a junta da fazenda a despesa feita, que importa apenas em cerca de 70 mil reis.

Pedindo toda a atenção de vossa excelência para o serviço relevante que o alferes Francisco António Marques Geraldes acaba de prestar ao país, entende cumprir o meu dever levando ao conhecimento de vossa excelência tão relevante serviço.

Deus guarde a vossa excelência.

(***) Segundo o nosso especialista em questões etnolinguísticas, o Cherno Baldé (*), (...) "sabe-se que o Dembel assim como Bacar Demba eram irmãos de Alfa Molo, rei de
Firdu, que fez a Guerra aos soninques / mandingas de Gabu e em consequência disso eram sérios pretendentes ao trono que acaba por ser arrebatado pelo filho, o Mussa Molo, o mesmo que acompanhou o Marques Geraldes no seu regresso ao Geba e, mais tarde, em 1886 estarão frente a frente na batalha de Fanca onde o Mussa e seus numerosos partidários são destroçados por M. Geraldes, tendo ao seu lado poucos homens (menos de 200 homens armados)."

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18218: Historiografia da presença portuguesa em África (107): Alfa Moló (c 1820-1881) e Mussá Moló (1846-1931), heróis de todos os fulas, tanto dos fulas-pretos (antigos servos) como dos fulas-forros (antigos senhores), uns e outros oprimidos pelos mandingas (Cherno Baldé, Bissau)




Mussá Moló, tendo à sua direita Dembá Dançá, e à sua esquerda Maransará, chefe-de-guerra deste último (in Francis Bisset Archer, The Gambia Colony and Protectorate. An Official Handbook, London, 1906). [O Cherno Baldé leu mal a legenda: a foto não é do Alfa Moló mas do filho, Mussá Moló].

Cortesia de Armando Tavares da Silva (2018)

Comentários do Cherno Baldé ao poste P18216 (*)
Cherno Baldé, Bissau

1. Caro amigo Armando: Muito obrigado pelos importantes subsídios para a história da Guiné. Obrigado, também, pela imagem do lendário Alfa Moló Baldé [, não, trata-se do Mussá Moló].

Dizem que o seu apelido original [do Alfa Moló], antes do cativeiro, seria Culubali. O Baldé era o apelido do seu Senhor e Suserano que ele foi obrigado a adoptar, como se fazia na época. Para quem não sabia, é isto que explica o número elevado de famílias "Baldé" no antigo território por eles governado, onde a maior parte eram descendentes de antigos captivos. "os fulas-pretos".

O Demba Dança, ou Dansa, era irmão mais novo e herdeiro legítimo do irmão Alfa Moló Baldé, facto que a administração colonial não compreendia na altura, tomando-o por um simples aventureiro, arruaceiro.

O Mussa Moló era o filho, pelo que, de acordo com os usos e costumes da época, devia esperar até chegar a sua vez. Não quis e usurpou o poder no meio de muita guerra e intriga palaciana, entre fulas-pretos, fulas-forros, futa-fulas, mandingas em decadência, beafadas e potências estrangeiras. [Morreu em 1931]

2. Caro Luis, duvido que encontres o topónimo Cabucussara. Deves ver o Cabu na persprctiva de Gabu e Cussará poderia ser a actual Cossaraá (Regulado de Bafatá) ou Gussará. Assim Cabucussara deveria ser Cossara ou Gussara do Gabu ou Cabu em mandinga.

Gostei imenso de ler estes textos e os mapas da época apresentados por Armando T. Silva. Espero ver um bom trabalho da história da Guiné contada, desta vez, pela voz de quem conhece.

3. Como se costuma dizer, uma imagem vale mais do que muitas palavras. A imagem do (Alfa) Moló Baldé corresponde bem ao que ouvimos dos nossos pais e avós, de um homem simples que, certamente, estava imbuído do alto espírito e designo de libertar os fulas da opressao insuportável a que estavam sujeitos pelos mandingas durante séculos. Não tinha ambicoes imperialistas.

A sua ligação ao Futa-Djalon é atestado pelo título que recebeu: "Alfa" quer dizer Chefe de Província, um pouco abaixo do titulo imperial de " Almame" que estava reservado ao Chefe teocrático do Futa, o Ibrahima Sory Maudo e seus sucessores.

Já o seu filho, Mussa Molo, era mais ambicioso e em consequência, mais belicoso. Todavia, os tempos tinham mudado e, na região. tinham chegado os Europeus que teriam a sua palavra a dizer no contexto da região, da África e do mundo.

4. Após consulta a alguns sites na Net, constatei que a foto que acompanha o texto não é o de Alfa Molo, mas o de Mussa Moló, seu filho.

O Alfa Molo ou Molo Egué (nome original) não teria feições tão finas e bonitas como o Mussá Molo. Pois que este último tinha nascido da união de seu pai (Molo Egué) com a Cumba Udé, filha do seu Senhor que era fula-Forro.

Também a data que consta na foto (1913) indica claramente que não poderia ser o pai pois este morreu em 1881 na localidade de Dandum Cossara que ele escolhera para capital do império de Fuladu e que se estendia entre as bacias dos rios Geba e Gâmbia.

Dandum Cossara ou Gussara situa-se a cerca de 15 km a nordeste de Bafatá, na Estrada antiga que ligava Bafatá a Contuboel. Estou convencido que o tal topónimo de Cabucussara seria a junção de duas palavras ou seja Cabu+Cussara e há fortes probabilidades de estar ligado com a história do actual regulado de Cossara ou Gussara.

Quanto ao conteúdo do titulo de que o Alfa Moló e seu filho seriam heróis dos fulas pretos, acho que não é bem assim, eles ainda hoje são considerados como os heróis de todos os fulas, sejam eles Forros (antigos senhores), sejam Pretos (antigos servos), na realidade todos eles eram servos dos mandingas e foi contra estes que todos os Fulas se reuniram para acabar, aparentemente, com os seus abusos de poder.


A propósito destes heróis Fulas, Amílcar Cabral, no livro da “História da Guiné e as ilhas de Cabo-Verde, diria assim: "...sempre que os africanos se levantaram para lutar e libertar os seus irmãos da dominação e da tirania dos outros, acabaram por se transformar ainda em maiores tiranos e continuar a oprimir os seus próprios irmãos".

Ironia de destino, o movimento de libertação que o próprio criou e dirigiu, o PAIGC, acabaria por se transformar na pior de todas as tiranias que os nossos povos jamais conheceram e, ainda hoje, continuamos a ser reféns da ditadura militar que nos impuseram e para a qual não encontramos saída.

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