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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16380: Notas de leitura (868): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VI: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (II): Na margem direita do rio Corubal, na mata do Fiofioli: «¿Tú piensas aguantar la mecha esta?, olvídate, que no duras ni tres meses" / "Tu pensas aguentar esta ratoeira? Esquece, pois não duras nem três meses”...


Guiné > Região controlada pelo PAIGC, possivelmente no sul > Visita de uma delegação escandinava às "regiões libertadas" > Novembro de 1970 > Foto nº 25 > Progressão, na savana arbustiva, por meio do capim alto, de um grupo de guerrilheiros. Presume-se que as colunas logísticas do PAIGC tivessem segurança por parte da milícia ou do exército populares...

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI. As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda. Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Sexta parte, enviada a 7 do corrente, das "notas de leitura"  (*) coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue,


1. INTRODUÇÃO

Caros tertulianos: no P16357 (**) iniciámos a publicação da segunda de três entrevistas realizadas pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch a médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência.

Seguimos agora com a segunda de quatro partes em que o entrevistado continua a ser o dr. Amado Alfonso Delgado, médico de clínica geral mas com experiência em cirurgia. O seu depoimento global pode ser consultado no livro, escrito em castelhano, com o título «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. Disponível "on line"em formato pdf, numa versão de pré-publicação].

Nesta obra encontramos uma panóplia de outros relatos e experiências vividas exclusivamente por médicos cubanos em diferentes missões africanas como foram os casos passados na Argélia, no Congo Leopoldville, no Congo Brazzaville ou em Angola.

Porque se trata de uma tradução (com adaptação livre e fixação do texto em português, da minha responsabilidade), não farei juízos de valor sobre o conteúdo desta e das outras entrevistas: apenas coloquei entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento sócio-histórico ao que foi transmitido, com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos do nosso blogue.


Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


2.  O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [II]

Sumariando as primeiras cinco questões abordadas pelo médico Amado Alfonso Delgado no poste anterior, é de relevar que foi por ter iniciado o Serviço Médico Rural em Realengo 18, em Guantánamo, e pela prática clínica desenvolvida no Hospital de Gran Tierra de Baracoa, para onde fora transferido em janeiro de 1967, que surge a oportunidade de cumprir uma "missão internacionalista", que ele desejava que fosse no Vietname mas que acabou por ter outro destino: a Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau).

Com vinte e sete anos de idade inicia a sua missão africana na véspera de Natal de 1967, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri, com escala em Gander [Canadá], Praga, Paris e Senegal (, quase meia volta ao mundo!). Durante o primeiro trimestre de 1968 presta serviço médico no Hospital de Boké, na Guiné-Conacri (e uma das bases do PAIGC) na companhia de mais quatro clínicos cubanos: o cirurgião militar Almenares, um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X.

Em abril de 1968 segue para a frente Leste, substituindo o seu companheiro Daniel Salgado, na base de Kandiafra, por este se encontrar doente com uma forte crise palúdica. Nesta base encontravam-se vinte combatentes cubanos. Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal Ina região de Tombali) e Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, onde pensou não sobreviver, tantas foram as dificuldades por que passou.

Eis o relato de outros apontamentos revelados pelo doutor Amado Alfonso Delgado tendo por base o guião da sua entrevista.

A entrevista tem com 25 questões. Hoje apresentamos a resposta (em itálico) às  questões de 6 a 11 com a devida vénia ao autor, conhecido jornalista cubano Hedelberto López Blanch (n. 1947).


“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” 
(Cap XI, pp. 136 e ss)


Entrevista com 25 questões [Parte 2 > da 6.ª à 11.ª]

(vi) Quando chegou 
à zona da guerrilha?

Em Conacri estive cerca de uma semana [em janeiro de 1968]. Levaram-me a uns armazéns do PAIGC e aí distribuíram-me roupas, dois pares de botas, arma, granadas e outras coisas. Os companheiros que iam deixar aquela terra africana perguntaram-me para onde ia com aquele carregamento, explicando-me que deveria levar ténis uma vez que era o mais adequado, pois que no interior da Guiné-Bissau iria ter de caminhar muito e quanto mais pesado pior. De qualquer modo, levei uma mochila bem carregada.

Num dia de semana fui transportado num camião que me levou, não sei durante quanto tempo, passando por várias aldeias até chegar a uma povoação de nome Boké, onde havia um hospital de rectaguarda do PAIGC, perto da fronteira com a Guiné-Bissau [, a sul]. Ali permaneci três meses [até meados de abril de 1968], na companhia de vários cubanos.

Aí conheci o [comandante] Victor Dreke (chefe da missão militar cubana) e o [tenente] Erasmo Vidiaux [Robles],  outro importante combatente cubano, quando ambos circulavam naquela zona. [Estes dois oficiais participaram, anteriormente, na missão cubana no Congo-Leopoldville (Belga), em 1965, comandada por Ernesto “Che” Guevara (1928-1967)].

Com permanência fixa em Boké, estavam [quatro técnicos de saúde]: o dr. Almenares (cirurgião militar de Santiago de Cuba que morreu alguns anos depois em Cuba com cancro da próstata), um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X. Eu ia como médico de clínica geral, mas como tinha experiência de cirurgia ajudei o Almenares em várias operações, particularmente feridos de guerra.

(vii) Porquê e quando lhe destinaram 
a zona de guerra?

Um dia disseram-me que teria de ir para a frente Leste, pois havia que substituir o médico [Daniel] Salgado (morreu em 2000 de um cancro no fígado),  que tinha contraído paludismo e não se sentia bem. Saí em abril de 1968 num camião e depois de várias horas chegámos à fronteira entre as duas Guinés. Cruzámos um rio e chegámos a um acampamento denominado Kandiafara. Aí estavam vinte cubanos e onde passei vários dias até que chegou a ordem para avançar.

Designaram vários guerrilheiros guineenses para me levarem a um determinado lugar. recordo que andámos durante sete ou oito dias, em etapas de muitas horas. Foi muito duro, nunca tinha caminhado tanto mas sentia-me bem. Iam também algumas raparigas guerrilheiras que de vezes em quando ajudavam no transporte dos meus bens, colocando a minha mochila às suas cabeças.

Num desses dias entrámos numa lagoa [ou bolanha?] e nela caminhámos durante horas. Não sei como o podiam fazer mas conheciam perfeitamente o itinerário e o terreno, e em várias situações a água chegava-nos ao peito. A lagoa estava cheia de sanguessugas,  aconselhando-me a amarrar bem as calças e a levantar os braços bem alto para que não entrassem. Numa porção de terra, cercada de água, parámos para descansar e onde passámos a noite. Tinha um capote grosso e através deste os mosquitos picavam-me. Tive de me tapar completamente com uma manta. Pela manhã voltámos à caminhada.


Mapa da região de Cumbijã, no sul,  com a posição relativa de Unal. Infogravura de António Murta


(viii) De que se alimentavam?

Durante este trajecto comemos pequenas quantidades de arroz e em duas ou três ocasiões parámos em aldeias [tabancas] onde nos deram um pouco de farinha e carne. Comíamos pouco e, por isso, nos fomos habituando. Depois não me preocupava em alimentar-me, o mesmo não aconteceu no princípio, quando passava fome.

Volvidos quatro dias entrámos num lugar que me disseram ser a Mata de Unal, muito perigosa e onde o tiroteio era abundante. A menos de um quilómetro as tropas portuguesas batiam a zona com a sua artilharia. 

Continuámos a marcha até chegar a um rio grande que tinha cerca de dois quilómetros de largura. Era a junção dos rios Corubal e Geba [Xime] que iam desaguar no Atlântico. Nesse braço de mar existiam tubarões [?], hipopótamos e crocodilos, onde me disseram para ter muito cuidado porque um homem que havia caído aí recentemente nunca mais apareceu.

Fizemo-lo em canoas de troncos de árvores e informaram-me de que deveria tirar tudo do corpo caso a embarcação se virasse. Às vezes as canoas [pirogas] levavam umas trinta pessoas. Tentei chegar à embarcação mas não pude, porque era de estatura baixa. Os nativos eram altos, experimentados e podiam/sabiam andar no lodo, mas eu ao quarto ou quinto dia me enterrei até aos joelhos e não podia continuar. Naquele momento tiveram que me puxar com o meu equipamento: a arma e mais três carregadores, e me levaram até à canoa. A travessia foi feita durante a noite, uma vez que aí não existiam lanchas de patrulhamento nem aviação para nos atacar.

Disseram-me, ainda, que ali havia um problema grave, mais perigoso que a tropa [portuguesa], que era o “macaréu”. No princípio não entendi e deduzi que fosse um animal, até que um dia vi o dito macaréu, que era uma maré que entrava e subia, não sei quantas vezes no dia. Uma onda de vários metros procedente do mar e se apanhasse algo pela frente era certo que o virava e o fazia desaparecer. Eles sabiam quando podiam passar.


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > 1972 >  Imagem do “macaréu” no Rio Geba por onde circulou o dr. Alfonso Delgado no ano de 1969. Três anos depois, em 10 de agosto de 1972, a CART 3494 perdeu neste mesmo local, estupidamente, três elementos do seu contingente (faz quarenta e quatro anos): Abraão Moreira Rosa, da Póvoa de Varzim; Manuel Salgado Antunes, de Quimbres, Coimbra; e José Maria da Silva e Sousa, de São Tiago de Bougado, Santo Tirso (história deste naufrágio nos P10246, P13482 e P13493).


(ix) Como comunicava 
com eles?

Uma vez que os cubanos haviam chegado já há algum tempo, os guineenses tinham facilidade de aprender vários idiomas. Alguns deles falavam português, que era parecido com o espanhol, e ao fim de um mês eu já falava com eles. Durante a viagem de canoa, onde iam vinte guerrilheiros, seguia ainda outro cubano, que era um técnico de raio X, de apelido Pupo, e apesar de ser muito mais forte do que eu, era com dificuldade que resistia aquela caminhada.


(x) Nessa região encontrou-se 

com o médico que iria substituir?

Quando chegámos à outra margem [, direita, do Rio Corubal], encontrei um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Olhou-me com alguma indiferença, perguntando-me: "Tu pensas aguentar esta ratoeira? Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “Tu verás como isto é”[No original: "¿Tú piensas aguantar la mecha esta?, olvídate, que no duras ni tres meses».]

Este homem era de facto Daniel Salgado, médico militar que também esteve na segunda Frente e a quem eu ia substituir. O que aconteceu depois foi que ele passou a ser o meu melhor amigo que tive e cuja amizade se prolongou em Cuba durante muitos anos até que faleceu. Como já sabia que eu vinha, preparou um macaco para o almoço. Ali esteve mais cinco dias até que partiu de regresso. Nesse lugar soube da existência de um hospitalito [enfermaria de colmo] na frente Leste, na região de Bafatá [Sector L1], que me disseram ser na Mata de Fiofioli [mapas abaixo].


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Localização da mata do Fiofioli, zona de floresta galeria, situada na margem direita do Rio Corubal, entre Mangai e Concodea Beafada [P9080].


O "hospital de campanha" ["hospitalito"] onde esteve o dr. Delgado foi destruído pelas NT no decurso da grande Op Lança Afiada, que envolveu mais de 1300 homens entre militares e carregdores civis: vd. poste de 3 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11665: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): III Parte: Dias D+4, D+5, D+6, D+7: Pânico entre os carregadores devido aos ataques de abelhas, muitas helievacuações por desidratação e esgotamento, muitas toneladas de arroz destruído, muitas centenas de animais apanhados e consumidos, várias grandes tabancas (como Mangai, Ponta Luís Dias e Fiofioli), escolas, dois hospitais de campanha e outras instalações queimadas...

Essa zona do hospitalito [enfermaria] tinha quatro palhotas: uma para os feridos, com dois pequenos bancos de madeira, duas camas construídas com estacas e palha por cima; a cozinha; o depósito de géneros e a do médico, que se encontrava um pouco mais distante. Estava situado na confluência de dois rios [Corubal + Buruntoni?] surgindo depois um grande espaço de terra que ia ter ao mar [?].

Era nessa ponta onde nos encontrávamos, num plano mais alto, bastante fechado e com muitos animais [seria entre a Ponta Luís Dias e a Ponta do Inglês? De referir que o destacamento da Ponta do Inglês foi desativado em 7/8 de outubro de 1968, com a evacuação do pelotão aí instalado da CART 1746, regressando este à sua Unidade aquartelada no Xime, comandada pelo nosso saudoso amigo e camarada ex-Cap Mil António Vaz (1936-2015). A decisão da sua evacuação é atribuída a António de Spínola (1910-1996), então Brigadeiro, contemplada no plano de redistribuição das NT no terreno, iniciado após a sua chegada, em maio de 1968, ao CTIG - P10009].

O responsável pelo hospitalito [enfermaria] era um cabo-verdiano, enfermeiro, ao qual lhe pedi autorização para caçar. Primeiro, disse-me que não se podia gastar munições, mas depois indicou-me que só o poderia fazer um pouco mais distante por forma a não sinalizar a sua posição.

Levantava-me às cinco da madrugada, cozinhava o arroz, que era o pequeno-almoço, e depois fazia a visita, pois quase sempre tinha algum ferido. Operava quando havia combates, uma vez que dava a ideia de ser uma guerra planificada. Aconteciam emboscadas pré-estabelecidas, onde estavam os guerrilheiros com mulheres e filhos. Eles tinham muitas vezes critérios rigorosos na guerra. Em certas ocasiões ficavam num acampamento, apesar do opositor [o inimigo] saber da sua localização, e quando este bombardeava morriam alguns.


(xi) Como tratava os guerrilheiros 
no mato?

As estações do ano na Guiné-Bissau são duas: a época seca [, de novembro a abril] e a da chuvas [,de maio a outubro]. Durante a época seca passavam meses [seis] e não caía uma gota de água, na outra, em determinadas ocasiões, a chuva caía durante dias. 

Os guerrilheiros faziam a sua vida normal, debaixo de água [à chuva], e pela noite reuniam-se à volta de uma fogueira para se aquecerem. Nesta época a vegetação crescia e tapava todo o hospitalito [enfermaria]. Era uma época má para a caça e a única que se conseguia apanhar era algum macaco, embora se considerasse ser uma época boa para a guerra, pois os aviões não nos detectavam.

As avionetas de reconhecimento [DO 27] passavam com frequência e quando o faziam várias vezes seguidas, mudávamos o acampamento, porque a seguir acontecia, quase sempre, um ataque. 

Por outro lado, a época seca era boa porque tínhamos abundante comida, muita carne, mas o opositor te atacava muito mais, bombardeando a partir dos helicópteros [Alouette III – Heli Canhão, de fabrico francês, utilizados pelas NT nos três TO (imagem abaixo]. 


DO 27

Heli canhão

Os helis desarmados  realizavam essencialmente operações de transporte geral, reconhecimento, heli-assaltos e evacuações sanitárias. Os armados, chamados de “helicanhões”, tinham o nome de código “Lobos Maus”, estavam equipados com canhão lateral Mauser MG-151/20 (20 mm). O artilheiro estava sentado de lado e disparava o canhão pela abertura do portão esquerdo. (http://neloolen-modelismo.no.comunidades.net/alouette-iii-52-anos-na-fap, com a devida vénia)].

Continua…
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 8 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16370: Notas de leitura (865): O ensino da literatura da Guiné nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16285: Notas de leitura (856): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte III: onde se faz referência à possível operação das NT, no corredor de Sambuiá, onde terá morrido o cap inf QP José Jerónimo da Slva Cravidão, da CCAÇ 1585, em 4/6/1967 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)


Guiné > 1970 > s/l > Algures, numa enfermaria do mato, um guerrilheiro do PAIGC ferido, em tratamento. Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro, nascido em 1942, que esteve 'embebed' com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. É hoje um vulgaríssimo fotógrafo comercial, mas contnua  manter,   na sua página na Net, na sua galeria, esta e outras fotos que documentam bem a dura realidade da vida dos guerrilheiros do PAIGC e da população sob o seu controlo,

Título da imagem em húngaro: "0076_Bara Istvan_Sebesult PAIGC harcos, Guinea Bissau_1970.jpg",,,

Estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos em tempos contactá-lo por e-mail, mas nunca recebemos resposta, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria > Guiné-Bissau (com a devida vénia / with our best wishes...)


1. Terceira parte das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo, e enviadas a 28 de junho último. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue.  Reproduzimos aqui a sua mensagem que serve de introdução:

Caros tertulianos:  apresento-vos o terceiro de quatro fragmentos em que foi dividida a publicação, no nosso blogue, da entrevista ao cirurgião Domingo Diaz Delgado, médico do primeiro grupo de nove clínicos cubanos chegados em junho de 1966 à Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau], para apoiarem o PAIGC na sua luta pela independência [, o outro lado do combate]. 

Trata-se de um trabalho realizado pelo jornalista e investigador cubano Hedelberto López Blanch e que consta no seu livro, escrito em castelhano, com o título «Historias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. Disponível na Net em versão preliminar, em formato pdf .

No que concerne aos clínicos que cumpriram a sua missão na Guiné são três as entrevistas publicadas nesse livro, cada uma delas relatando algumas das suas experiências, vividas na primeira pessoa por cada um deles, a saber: (i) Domingo Diaz Delgado (médico-cirurgião); (ii)  Amado Alfonso Delgado (médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia); e (iii) Virgílio Camacho Duverger (médico militar, especialista em cirurgia geral). 

O conteúdo de cada fragmento respeita aquela ordem, assim como a estrutura dos guiões utilizados pelo autor nas três entrevistas.

Porque se trata de uma tradução e adaptação para português, não farei juízos de valor sobre os diferentes depoimentos, apenas colocando entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento socio-histórico ao que foi transmitido com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos deste blogue (e, nalguns casos, da própria publicação, ou da versão disponúivel em formato pdf).


[Foto à esquerda:

 O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo:  (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


2. O CASO DO CIRURGIÃO DOMINGO DIAZ DELGADO - Parte III

Para melhor compreensão da contextualização deste 3.º fragmento, referente ao cirurgião Domingo Diaz Delgado, sugere-se a leitura dos P16224  e P16234 (*): o primeiro relacionado com a preparação para a missão africana, viagem e inclusão na estrutura do PAIGC; o segundo de explicação/caracterização da paleta de actividades clínicas presentes no quotidiano de um médico naquela guerra de guerrilha, das condições logísticas vividas em bases improvisadas, provisórias e de parcos recursos, ora socorrendo os guerrilheiros feridos nos combates, ora cuidando das maleitas apresentadas pela população sob o seu controlo.

Em função dos itinerários percorridos a pé por Domingo Diaz, no interior do território da Guiné durante os primeiros seis meses da sua missão [2.º semestre de 1966], este teve a oportunidade de conhecer quase todas as bases do Norte, como sejam os casos de Liador, Sambuia, Naga, Maqué, Morés e Sará.

Considerando este facto, um militar das NT, cuja identidade se desconhece e utilizando uma cópia do mapa da Guiné existente à época, assinalou em 1968 a localização de bases dos guerrilheiros, de zonas de infiltração destes a partir dos países circunvizinhos, de áreas onde a acção da guerrilha era mais intensa e dos aquartelamentos das unidades militares portuguesas.

Dando conta desse levantamento, reproduzimos abaixo uma dupla imagem: o original retirado do P14391 e a cópia extraída do livro de Renato Monteiro & Luís Farinha, (1990),  Guerra Colonial - Fotobiografia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, Circulo de Leitores e Autores. pp. 130/131, com a devida vénia. [ O Renato Monteiro é membro da nossa Tabanca Grande e passou pelo Xime e Enxalé,  ao tempo da CART 2520,  em 1970, sítios por onde também passarei dois anos depois...]



Mapa da Guiné (original e cópia). A cópia refere-se à localização de bases dos guerrilheiros, de zonas de infiltração destes a partir dos países circunvizinhos, de áreas onde a acção da guerrilha era mais intensa e dos aquartelamentos das unidades militares portuguesas, elaborado por militar das NT em 1968, e encontrado um ano depois num dos aquartelamentos no interior do território.

Fonte: Renato Monteiro & Luís Farinha, (1990),  Guerra Colonial - Fotobiografia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, Circulo de Leitores e Autores. pp. 130/131. (Com a devida vénia...)

Continuação da entrevista com Diaz Delgado (no docuemto em pdf, a que tivemos acesso, as páginas não estão numeradas. mas o total da entrevuista corresponde, no pdf, ao cap X (pp. 65/78). O Diaz Delgado regressou a Cuba em janeiro de 1968.

Para ligar o presente texto com o anterior,  a questão n.º 17 (xvii, na nossa rnumeração romana) foi repetida. Tradução, fixação de texto, negritos,  itálicos e realces a cor são da nossa responsabilidade bem como todas as notas em parênteses retos.

Este documento merece ser conhecido e parcialmemte partilhado com os nossos leitores, e em especial os camaradas e amigos da Guiné.

Cuba terá mandado cerca de 60 "voluntários internacionalistas" para apoiar a luta do PAIGC, entre 1966 e 1974 (entre os quais 9 ou 10 médicos).  A mortalidade foi elevada (cerca de 15%), apesar das grandes preocupações de Amílcar Cabral com a sua segurança. Conhecemos pelo menos os nomes de 9 combatentes "internacionalistas cubanos" mortos ao lado dos guerrilheiros do PAIGC:  tenente Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro Llopins, Radamé Sánchez Begerano, Eduardo Solís Renté, Felix Barriento Laporte, Radamés Despaigne Robert e Edilberto González...

O primeiro a tombar em combate foi Félix Barriento Laporte, em 2 deJulho de 1967, no ataque ao quartel de Beli, a nordeste de Madina do Boé. 


(xvii) Tem outras memórias da estadia 
em Sará?

Um dia, pela madrugada, chegou à nossa tabanca (assim se chamam as aldeias ali, nas quais existem várias construções que podem ser 7, 8 ou 10) um miúdo que se chamava Kumba [imagem ao lado, a ser assistido pelo cirurgião Domingo Diaz], com aproximadamente quatro anos. Estava em boas condições gerais, mas com uma grande ferida na perna direita onde se tinha lesionado, vendo-se o osso e as artérias, pois foi na face anterior. Impressionou-me o estado anímico em que chegou, com naturalidade, sem uma lágrima, nem um sinal de dor.

(…) Foi tratado pelo ortopedista Teudi Ojeda e por mim. (…) Durante o tratamento sem anestesia, Kumba manteve-se igual, sem uma lágrima e sem manifestar dor. A esta situação já nos tínhamos habituado particularmente na população adulta.




(xviii) A que se deve essa resistência?

Creio que é um problema de cultura, de formação, das condições duras que se vive naquele país. Por uma razão de formação e de valentia, os habitantes desta parte de África controlam e resistem à dor. Fizemos operações de abdómem sem anestesia a pacientes conscientes, que não se queixaram. Isto também acontece nos países asiáticos como o Vietname. Doentes com uma perna partida são tratados e não expressam a dor. Resistem. Guardo uma foto de Kumba, quando o tratámos no acampamento,




(xix) Quantas cirurgias realizou 
nesse tempo?

A frio realizei umas quantas, em patologias que necessitavam como hérnias, inguinais, umbilicais, enguino-escrotais. Operei umas vinte hérnias com anestesia elementar que me proporcionava o doutor Pedro Labarrere, o clínico que às vezes fugia da anestesia, porque o sistema chamado éter rainha ou éter gota-a-gota, que se realiza primeiro com uma indução de cloro de etilo para que o paciente perca a consciência rapidamente e depois se aplicava o éter gota-a-gota. Este tipo de anestesia, que inclusivamente, nessa época, era muito frequente nos hospitais de Havana, provocava muita secreção, e depois teríamos de lhes dar atropina por administração parental, para a diminuir.

Não tivemos nenhuma complicação, mesmo sem a administração de antibióticos. Nesta região, por estarem virgens os organismos dos seus habitantes, com uma dose mínima de antibiótico se pode controlar facilmente qualquer infecção. Também vimos doentes com hérnias sujas que não se infectavam e que no início não o entendíamos.

A isto se adiciona o clima desfavorável com um calor insuportável no verão [, estação das chuvas], embora no inverno [, estação seca,] fizesse bastante frio. Apesar do grande calor, as feridas não se infectam. Esta situação era-nos favorável, porque a quantidade de antibióticos que dispúnhamos era mínima e vinham do exterior, com as consequentes dificuldades de transporte, uma vez que em Sará estávamos a cinco dias de caminho até à fronteira com o Senegal, cujo governo não ajudava a guerrilha do PAIGC, tornando muito complicada a obtenção de medicamentos através desta via.

Inclusivamente transportar guerrilheiros feridos para o Senegal era um problema e muitas vezes havia que fazer um grande percurso por terra, contornando toda a fronteira até chegar a Koundara, no Norte da República da Guiné, para depois os levarmos a Conacri, onde recebiam o apoio médico. No total, entre o ortopedista e eu, realizámos umas cento e cinquenta operações a civis e militares, incluindo hérnias, feridas de balas, fracturas e outras urgências.



(xx) Quando deixou o bigrupo? 

Com o bigrupo continuei a acompanhá-lo permanentemente pela Zona Norte, mas mais tarde comecei a ter vários problemas importantes de saúde como paludismo crónico, viroses, e uma lesão infiltrativa tuberculosa. Por essa razão o chefe da missão, que naquela altura era já o comandante Víctor Dreke (Moja), decidiu retirar-me até ao meu restabelecimento total.

Mas antes da saída e ainda na base de Sambuiá  [,  Zambulla, no original], quase todos os dias as tropas portuguesas nos atacavam com morteiros e canhões que caíam muito perto de nós. Essa base portuguesa ficava somente a quinze minutos a pé. Mas uma noite notámos que as canhoadas caíam mais longe, passando-nos por cima e sentindo o som, caindo muito mais longe. Eu estava com o chefe do grupo da Frente Norte, o tenente Alfonso Pérez Morales (Pina), surgindo-nos a dúvida de que estas canhoadas tão longe queriam dizer que as tropas estavam avançando por terra para nos surpreender. Esta nossa percepção estava certa, uma vez que pelas quatro da manhã uma companhia constituída por portugueses e naturais começaram o ataque.

Por sorte, os primeiros tiros foram do nosso lado, na sequência de uma ronda que estava a ser feita por dois guerrilheiros que, ao detectarem a presença do inimigo,  reagiram e acabaram por matar o comandante da companhia. [Possível referência à Op Cacau, em 4/6/1967, em que morreu o cap inf José Jerónimo da Silva Cravidão, cmdt da CCAÇ 1585, na região de Bricama (Farim), no dia em que fazia 25 anos, se bem que o médico cubano refira outra data, março de 1967, quando foi a seguir evacuado para Conacri com paludismo,, regressando ao fimd e 3 meses: no período em que o Diaz Delgado esteve na Guiné,  na frente norte, entre agosto de 1966 e janeiro de 1968, não temos informação de mais nenhum comandante de companhia morto em combate numa operação] (**).

Por outro lado, as tropas portuguesas reagiram ao fogo e praticamente devastaram todas as palhotas da base, onde conviviam os guerrilheiros com a respectiva população. Só tive tempo, pois ouvia a fala dos atacantes, de dar uma volta à minha cama (recordo que estava com uma crise de paludismo) e rastejar até desaparecer no meio das explosões das granadas de morteiro e dos disparos. Aquilo transformara-se num inferno.

Mas, como quase sempre sucedia, quando havia tiros de resposta, não avançavam, pois não estavam dispostos a combater. Esta base era dirigida por Campané, um homem muito valente e que se bateu com afinco detendo o ataque. Certo é que, se [as tropas portuguesas] têm avançado,  não teria ficado nada.

Na rectaguarda do acampamento passava um rio no qual entrei com água pela cintura cerca de três horas, embora as balas me passassem por cima. De qualquer maneira mantinha a pistola, pois o meu desejo era de nunca ficar prisioneiro.

Posteriormente começaram a sobrevoar a zona alguns helicópteros, baixando para recolher os mortos e os feridos. Passava do meio-dia, regressei à base que estava completamente destruída e não pude recuperar nenhum dos meus bens, nem tampouco os ténis. Este tipo de calçado era mais aconselhável para aquele contexto, pois como tínhamos de atravessar muitos rios e riachos, secavam mais rápido que as botas e eram mais leves.




Guiné > Região do Cacheu e região do Oio > Os nossos aquartelamentos junto à fronteira com o Senegal e a Frente (do PAIGC) São Domingos / sambuiá. Fonte: SUPINTREP nº 31, fevereiro de 1971.


(xxi) Quando saiu para a República da Guiné?

No dia seguinte ao do ataque a Sambuiá,  inicio a viagem pelo mesmo caminho por onde tinha entrado havia oito meses [a povoação de Yiriban, rumo a Ziguinchor]. Isto aconteceu em março de 1967. Volto a Conacri onde permaneci cerca de três meses em recuperação. O comandante Víctor Dreke, que era o chefe da missão militar cubana, deu-me um apoio muito bom.



(xxii) Recorda outros factos interessantes da sua primeira etapa no norte da Guiné-Bissau?

Tenho muitos para contar. Por exemplo, nas primeiras caminhadas que fiz perdi todas as unhas dos dedos dos pés. Ficaram pretas e caíram porque não estava preparado para esse desempenho, uma vez que os pés se mantinham quase todo o tempo húmidos e as travessias eram intermináveis. Depois de ter perdido peso, e com o treino diário, consegui ter mais resistência. Fiquei tão fraco que parecia uma “corda de violino”. Mas fiquei com o hábito de andar e em Cuba percorro cinco quilómetros todos os dias.

Noutra ocasião, quando me encontrava na base de Liador, também no Norte, recebi uma mensagem num pequeno papel escrito por Francisco Mendes,  um dos chefes militares da zona a quem chamavam de Chico Mendes ou Chico Té. Ele, atraído pelo triunfo da Revolução, foi o primeiro presidente da Assembleia do Poder Popular desse país e morreu depois num acidente. Nesse papel solicitava-me que fosse ver uma mulher que estava com sinal de parto e em dificuldade de parir.

Essa noite saí com outro companheiro e um guia até uma aldeia um pouco distante e nos perdemos. No trajecto cruzamos dois corredores com muito cuidado e com a arma na mão, pois por ali passavam regularmente viaturas com portugueses. Quando chegámos, encontramos uma mulher aparentando uns vinte e quatro anos (e com aquela idade era quase uma velha pois a esperança de vida, naquela época, era de quarenta anos). Estava no chão, rodeada de galinhas e uns porquitos e já havia parido um dos bebés, pois tinha gémeos.

Eu tinha bastante experiência em partos, porque durante a minha carreira fiz as práticas no Hospital da Maternidade Obrera [Operária], aonde realizei mais de uma centena. Como este bebé se encontrava emperrado, sabia que devia introduzir a mão para o retirar. Ao ver que o bebé estava em boa posição,  lá o conseguir extrair sem problemas.

A mãe tinha feito um quadro psiquiátrico e que me pareceu ter contraído tétano. Começou por dizer que o primeiro filho não era seu, mas só o segundo, e queria matar o primeiro, no que foi impedida pelos seus familiares. 

No entanto, administrei-lhe dez milhões de penicilina nos dias seguintes e o trismo, que é a contracção da mandíbula que se vê nos tétanos, cedeu. Ela sobreviveu, embora mantendo o quadro psiquiátrico.

Continua.
 ____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriors:

22 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16224: Notas de leitura (850): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte I: a partida de La Habana e os primeiros contactos com o PAIGC (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

24 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16234: Notas de leitura (851): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte II: a vida dura nas base de Sara, na região do Oio (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

(**) Vd. postes de:

24 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6638: Lista alfabética dos 24 capitães que morreram em campanha no CTIG, dos quais 10 em combate, todos comandantes de companhias operacionais (9 Cap QP, 1 Cap Mil) (Carlos Cordeiro)

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16224: Notas de leitura (850): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos; o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005)- Parte I: a partida de La Habana e os primeiros contactos com o PAIGC (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)


Hedelberto López Blanch -  Historias secretas de médicos cubanos. La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005. 248 pp. [La edición de este volumen ha sido financiada por el Fondo para el Desarrollo de la Educación y la Cultura.] [Consult em 31 de maio de 2016]. Disponível em http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf

1. Notas de leitura coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo, e enviadas a 30 de maio último. Trata-se de um extenso documento, que vai ter que ser publicado em diversas partes:


Sobre o Jorge Araújo, aqui fica uma pequena nota biográfica, para "refrescarmos" o seu CV mal conhecido da maior parte dos nossos leitores:

(i) nasceu  em 1950, em Lisboa;

(ii) foi fur mil op esp / ranger,  CART 3494 / BART 3873  (Xime. e -Mansambo, 1972/1974);

(iii) fez o doutoramento pela  Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»;

(iv) é professor universitário,  no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona;

(v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto.


2. Introdução

Trago hoje,  ao colectivo da Tabanca Grande e aos anónimos que nos visitam regularmente, o tema que ficara em aberto na sequência da minha última narrativa relacionada com as actividades do PAIGC, em janeiro de 1974, na região de Canquelifá [P16127], de que resultou a morte do meu/nosso camarada ranger Pinto Soares, e onde é referida a presença de cubanos no apoio à guerrilha.

Esse apoio, que no início (em 1966...) era secreto, deixou de o ser com o decorrer do tempo, porque, como diz o ditado popular: «mais cedo ou mais tarde tudo se sabe».

Eu próprio e outros camaradas [,como o nosso editor Luís Graça,] tivemos "encontros de 1.º grau" (nomeadamente, emboscadas no subsetor do Xime] com os famigerados "internacionalistas" cubanos, pelo que a história da sua presença no TO da Guiné não nos pode deixar...  indiferentes.

Influenciado pelos comentários produzidos pelos camaradas Luís Graça, António Rodrigues, António Duarte e Manuel Luís Lomba, que agradeço, procurei encontrar outros relatos que pudessem acrescentar algo mais ao que já se disse/escreveu a esse respeito, nomeadamente com recurso ao publicado neste espaço colectivo.

Foi a partir dos postes P950, P951 e P956 (*) que, seguindo em frente, encontrei um livro escrito pelo jornalista cubano Hedelberto López Blanch com o título «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana, 2005], que achei interessante partilhar convosco, ainda que saiba que na linha do tempo estas memórias estejam a uma distância de cinco décadas.

Porque está escrito em castelhano (espanhol), tomei a iniciativa de traduzir e adaptar com a devida liberdade o texto ou partes do texto como meio de facilitar o acesso à sua leitura e a sua compreensão, quer daqueles a quem o contexto diz muito, quer de quem se vier a interessar pelo seu aprofundamento.

A sua tradução e adaptação são feitas de modo a respeitar as ideias expressas pelos diferentes protagonistas, o que fica mais facilitado pela minha própria condição de ex-combatente no TO da Guiné (e também de doutorando por uma universidade espanhola, se me permitem que puxe aqui pelos meus pergaminhos académicos).

Hedelberto López Blanch, enquanto jornalista e investigador, conta a história vivida por quinze médicos cubanos que estiveram em diversas partes de África - Argélia, Guiné-Bissau (ex-portuguesa), Congo Leopoldville (ex-belga), Congo Brazzaville (ex-francês) e Angola  -, apoiando os "movimentos de libertação" daqueles territórios (, no caso da Argélia, foi apenas apoio à reconstrução do país, depois da independência em 1962).

No caso da Guiné-Bissau são três os entrevistados: 

(i) o médico-cirurgião Domingo Diaz Delgado;

(ii) o médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia, Amado Alfonso Delgado;

(iii)  e o médico militar, especialista em cirurgia geral, Virgílio Camacho Duverger.

Cada um deles fala das suas muitas memórias ou experiências, vividas na primeira pessoa, e das motivações que os levaram a optar por um dos lados do combate.

Pela dimensão do conteúdo narrado no livro [pp 112-164], a metodologia utilizada teve que ser a da divisão por partes, sendo esta, justamente, a primeira delas. O blogue (e o leitor do blogue) não se compadece de textos (postes) demasiado longos.

O livro está disponível, em formato pdf, no sítio da editora, Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, La Haban. Referência bibliográfica:

Hedelberto López Blanch - Historias secretas de médicos cubanos. 
La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005. 248 pp. 

 [Premio Memoria 2001. Prólogo de Piero Gleijeses. Ediciones La Memoria, Colección Coloquios y testimonios]. . [La edición de este volumen ha sido financiada por el Fondo para el Desarrollo de la Educación y la Cultura.] [Consult em 31 de maio de 2016]. Disponível em


3. Sobre o autor: Hedelberto López Blanch [, foto à direita]

(i) nasceu em 1947 em Havana, Cuba;

(ii) é licenciado em Jornalismo (1972) e, na altura, em 2005, doutorando em Ciências da Comunicação na Universidade de Havana;

(iii) relatou numerosos acontecimentos internacionais ocorridos em Cuba, Angola, Zâmbia, Moçambique, Guiné, Líbia, Tanzânia, Qatar, Zimbabwe, África do Sul, Alemanha e Rússia; 

(iv) foi correspondente permanente da Juventude Rebelde na Nicarágua e assessor de redacção do diário Barricada neste país centroamericano entre 1985 e 1987; 

(v) como investigador da imigração cubana, viajou até aos Estados Unidos em diferentes períodos; 

(vi) entre as suas obras destacam-se: La emigración cubana em EE.UU.; Descorriendo Mamparas; Miami; Dinero Sucio; Bendición Cubana en Tierras Sudafricanas; Historias Secretas de Médicos Cubanos en África; y Cuba, pequeño Gigante contra el Apartheid; [, alguns destes títulos estão disponíveis na Amazon.com];

(vii) em 2005, trabalhava como comentarista internacional no semanário económico e financeiro Opciones, da editora Juventud Rebeld; 

(viii) tem colaborado com várias publicações nacionais e internacionais como Rebelión, de Espanha, tendo recebido vários prémios de jornalismo.


4. Antecedentes históricos do envolvimento cubano – o exemplo na Guiné-Bissau (Sinopse, da autoria de Jorge Araújo)

Blanch (2005) começa por situar o leitor no contexto histórico das lutas de "libertação anti-colonial" em África.

No início da década de 1960, poucos anos depois da tomada de poder por Fidel Castro e seus companheiros, em 1/1/1959,  "Cuba não tinha muita experiência em enviar médicos para ajudar os combatentes africanos que lutavam nesse continente pela libertação dos seus países".

Havia, no entanto, já alguns antecedentes, caso do Congo Leopoldville (belga) e o Congo Brazzaville (francês), em que médicos cubanos estiveram integrados em "grupos de combatentes (...) sempre sob as ordens de um cubano".

O PAIGC, através de Amílcar Cabral,  "mostrou interesse na participação de alguns instrutores cubanos para reforçar a luta armada"... Esse interesse terá sido manifestado em 12 de fevereiro de 1965, quando, e no decurso do périplo africano de Ernesto "Che" Guevara (1928-1967), este se encontrou  com Amílcar Cabral, em Conacri.

"Três meses depois, em 11 de maio de 1965, o navio cubano Uvero [construído em França em 1960 e adquirido por Cuba em 1964, e que durante vários anos foi o de maior porte da marinha mercante cubana... ] desembarcava a primeira ajuda de Cuba ao PAIGC em Conacri": (i) cento e trinta e sete caixas de medicamentos; e (ii)  sessenta e seis caixas com armas, munições, minas e uniformes militares; assim como alimentos, cigarros e fósforos.

Em janeiro de 1966, foi a vez de Amílcar Cabral (1924-1973) se deslocar a  Havana  para participar na Conferência Tricontinental [na qual foi aprovada a criação da Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina (OSPAAAL), em 12 de janeiro de 1966]. Naturalmente aproveitou a ocasião para se reunir com o presidente Fidel de Castro (n.1926).

Fidel de Castro ter-se-á comprometido a enviar "viaturas para a deslocação dos combatentes, mecânicos, instrutores militares e médicos", estes em número de nove. "Dos nove médicos solicitados, três tinham carácter de urgente, estando destinados à fronteira entre a Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau, de preferência um clínico geral, um cirurgião e um ortopedista". Pormenor importante; se possível,  deveriam viajar de avião...

Pormenor também deveras curioso, e revelador das "cautelas" ou dos "escrúpulos" do dirigente do PAIGC:

"O pedido formulado por Amílcar teve em consideração a cor da pele de que era constituída a maioria dos combatentes recrutados, sendo uma condição fundamental para os poder introduzir no continente africano sem chamar a atenção dos serviços de Segurança e Inteligência das capitais europeias e dos Estados Unidos." (negritos nossos).

Em finais de 1965, os cubanos estavam convencidos,  graças à hábil propaganda de Amílcar, que o  o PAIGC: (i)  não só controlava "um terço do território da Guiné"; como (ii)  era um "caso de sucesso", sem paralelo, na luta anticolonialista em África...

5. O caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado. (sinopse feita por Jorge Araújo)

Domingo Diaz Delgado, recém formado em cirurgia, está com 29 anos, nos finais de 1965. Na altura decidiu preencher "um formulário solicitando a sua incorporação como internacionalista em qualquer movimento de libertação"... A sua inspiração era o "exemplo do heróico guerrilheiro Ernesto 'Che' Guevara"  [também ele médico e que viria a ser  assassinado pelas tropas bolivianas, dois anos mais tarde, em 1967].

No início de 1966, é designado então como membro do primeiro grupo de médicos e combatentes que vão partir para a Guiné.

É essa experiência de vida e de combate que ele vai relatar a Blanch (2005), "com a modéstia e a humildade características de muitos internacionalistas cubanos" (sic) , apontados pelo autor como exemplos do "verdadeiro internacionalismo" e da "verdadeira solidariedade humana".

Em 2005, data em que foi publicado o livro, o dr. Domingos Diaz Delgado era neurocirurgião, vice-director da área assistencial do CIMEQ [Centro de Investigaciones Médico-Cirúrgicas, uma unidade hospitalar de elite, que faz parte do sistema nacional de saúde cubano].

A entrevista, com 27 questões, vai aqui relatada na primeira pessoa, em versão adaptada e traduzida por mim, Jorge Araújo... Optei, depois de falar com o nosso editor LG, por eliminar um ou outro parágrafo, dada a extensão da entrevista (que, de resto,  pode ser lida no original em castelhano, aqui):

http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf

Na impossibilidade de contactar o autor e o editor, esperamos a sua compreensão e benevolência. Seguramente que esta e outras entrevistas com médicos cubanos que combateram ao lado do PAIGC nos interessam a muitos de nós, combatentes portugueses e guineenses que lutaram contra o PAIGC, bem como aos próprios veteranos do PAIGC.   A guerra já acabou, mas as suas memórias, de um e do outro lado, ainda estão vivas, enquanto estivermos vivos. (**)


Guiné > Região do Oio > Base de Sará (1966)  > Da esquerda para a direita,  o instrutor militar Alfonso Pérez Morales (Pina), chefe da missão cubama na Frente Norte; o ortopedista Tendy Ojeda; o cirurgião Domingo Diaz e o médico de clínica geral Pedro Labarrere. Com a devida vénia, foto de H. L: Blanch (2005), op. cit.


6. A história de Domingo Diaz Delgado (Blanch, 2005. Excertos. Tradução e adaptação livre de Jorge Araújo)

“Donde o tempo não se mede pelo relógio” (cap X)


No final de 1965 fui informado de que existia a possibilidade de ir combater noutras terras do mundo, seguindo o exemplo do “Che” [ já se conhecia a sua carta de despedida lida por Fidel de Castro, em 3 de outubro de 1965] dizendo aos meus chefes que queria participar nessa luta. Preenchi um formulário como voluntário, solicitando ir para qualquer parte do mundo, em especial em países da América Latina.

No princípio de 1966, exercia a chefia dos Serviços Médicos da Divisão 1270, em Mariel [um município da província de Artemisa, a quarenta quilómetros de Havana]. Indicaram-me ao Estado Maior das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e desde esse momento incorporaram-me no grupo onde estavam médicos e instrutores militares, num total de trinta e um combatentes que iriam participar na luta de libertação do povo da Guiné-Bissau contra o colonialismo português. Soubemos, depois, que os guerrilheiros guineenses tinham já dois ou três anos de luta, mas com muitas dificuldades, pois careciam de técnica militar, armamento e de cuidados médicos.


(i) Quantos médicos formaram o grupo 
e como fez essa viagem? 


Fomos nove médicos, três viajaram de avião porque o PAIGC precisava deles com urgência. Eu tinha muita experiência em cirurgia, já que nessa época, desde que comecei a estudar, pude participar em determinado grupo cirúrgico.

Em 21 de maio de 1966, depois de me incorporarem neste contingente, constituído por artilheiros, apontadores de morteiro ["morteiristas", em castelhano] e médicos, embarcamos para a Guiné no navio Lídia Doce, de 2 mil toneladas.

A viagem durou dezasseis dias, chegando ao porto de Conacri em 6 de junho desse ano. O navio estava com problemas e foi um trajecto difícil, pois avariou pelo menos três vezes. Numa ocasião teve um início de incêndio na casa das máquinas e por pouco não tivemos que abandonar o barco.


(ii) Levavam armamento? 

Era provável que fossem armas no navio, mas naquele momento não sabíamos. Noutros sacos se colocaram mochilas, botas e outros materiais, e numas malas de madeira, um equipamento mais ligeiro. Íamos vestidos à civil. Aquilo era totalmente secreto, inclusivamente para entrar no barco não o fizemos no cais, mas somente no alto mar.


(iii) Como fizeram essa operação? 

~
Entrámos em lanchas que nos levaram até ao barco e em plena noite entrámos nele na zona norte da província de Havana. As instruções que recebemos eram de permanecer no porão  do barco, junto às máquinas. Devíamos permanecer alojados nos camarotes, porque nessa época os aviões Catalina, de reconhecimento da marinha norte-americana, sobrevoavam com frequência os navios que saíam do país. Tivemos vários voos de reconhecimento, daí que, enquanto não entrássemos no Oceano Atlântico, não podíamos sair. Depois, ao quarto ou quinto dia, pudemos estar na vigia, apanhar sol, e após esta angustiosa viagem, chegámos ao porto de Conacri.

Embora fossemos médicos, antes de partir de Cuba estivemos cerca de dois meses treinando física e militarmente com vário armamento, na medida que era suposto irmos para uma zona de guerra.

Fizemos essa preparação com todo o tipo de morteiros, metralhadoras e outras armas de fogo. Realizámos algumas caminhadas achadas suficientes, mas quando chegámos à Guiné demo-nos conta que deveríamos ter caminhado muito mais para estarmos melhor preparados.


(iv) Onde realizaram a preparação? 

Isso era feito, como se sabe por alguns livros e outros documentos que foram publicados, no acampamento Peti 1, em Pinar de Rio [um acampamento a norte do município de Candelaria, província de Pinar del Rio, local onde em janeiro de 1965 se iniciaram os treinos do grupo de soldados e civis que acompanhariam o “Che” no Congo].



(v) Quanto tempo estiveram 

em Conacri ? 


Ao chegar a Conacri, o grupo permaneceu aí perto de um mês à espera de seguir para os locais de destino. Eu fui recebido, na República da Guiné, pelo principal dirigente da guerrilha, Amílcar Cabral, um companheiro inolvidável. Com ele visitei escolas em Conacri onde estavam crianças das zonas guerrilheiras e aprendi muitas coisas nos dias em que estive com ele. Tinham muitas canções revolucionárias dessa guerra que vinham aprendendo.

A Guiné-Conacri era a antiga Guiné Francesa, e a Guiné-Bissau era um país muito mais pequeno que se pode comparar em extensão de terreno com a antiga província de Las Villas [Cuba]. Muito pouco terreno e daí a dificuldade que tinham os companheiros para desenvolver esta luta.

Os portugueses tinham ali bastantes tropas. As forças militares deles eram constituídas por nativos e portugueses. Muitos guineenses lutavam ao lado deles. Ao sul se situava a Guiné-Conacri, cujo presidente nessa época, Sekou Touré, contribuiu de maneira relevante para o desenvolvimento dessas acções.  (...)

(Continua)
___________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

19 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P971: Amílcar Cabral e a Cuba de Fidel Castro ou os mortos também se instrumentalizam (João Tunes)

14 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra


12 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P956: Antologia (48): Félix Laporta, o primeiro cubano a morrer, num ataque a Beli, em Julho de 1967

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3090: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação do cubano Ulises Estrada



Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje > 3 de Março de 2008 > Os participantes cubanos Oscar Oramas, antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri, e Ulises Estrada, antigo combatente internacionalista que integrou, como voluntário, as fileiras do PAIGC. Ambos manifestaram o seu regojizo por voltar a encontrar antigos camaradas de armas (guineenses e caboverdianos) mas também portugueses que estavam do outro lado da barricada...

No final do Simpósio, Ulises Estrada fez um belíssimo improviso sobre o "momento histórico" que se estava a viver, ao juntar-se antigos inimigos, hoje reconciliados, num seminário científico mas também político que honra e premeia "a qualidade do ser humano" (sic)... Haveremos de apresentar, oportunamento, um excerto do seus discurso, desta vez mais caloroso e amistosa que a comunicação que hoje se divulga, uma pequena parte, em vídeo...


Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje > 3 de Março de 2008 > O cubano Ulises Estrada, antigo combatente internacionalista que esteve ao lado dos guerrilherios do PAIGC, evocando o papel dos cubanos na guerra, nove dos quais lá morreram, incluindo o 1º tenente médico Angel Sequera Palácios (?).

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje > 3 de Março de 2008 > O cubano Oscar Oramas fazendo uma intervenção, a partir da plateia. É doutorado em Filosofia e actualmente interessa-se por música. É autor de diversos livros, incluindo uma biografia de Amílcar Cabral. É um homem afável e que estabeleceu, com os portugueses, participantes no Simpósio, uma realação franca e aberta. Viajou, tal como o seu camarada Ulises, a partir de Lisboa.

Fotos: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]




Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Terça-Feira, 4 de Março de 2008 > Painel 1 > Guiledje e a Guerra Colonial/Guerra de Libertação (Moderador: João José Monteiro, Universidade Colinas de Boé) > Comunicação: 11h30 – 12h00: Ulisses Estrada (Ex-Militar, diplomata, jornalista e escritor cubano) – Internacionalismo cubano e a participação de Cuba no esforço da guerra de libertação da Guiné-Bissau.

Vídeo (5' 49''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes. (Em caso de deficiente visionamento ou carregamento do vídeo, clicar, no You Tube > Nhabijões, em watch in high quality ).



Sinopse: Neste excerto, Ulises Estrada que chega à Guiné em meados de 1966 - não fazendo parte, por isso, do primeiro contingente cubano, que era composto por 3 médicos e 3 artilheiros, chegados a 29 de Abril de 1966 - relata o esforço dos voluntários cubanos na luta de libertação, ao lado dos guerrilheiros do PAIGC (1).

Faz referência a ataques em que ele próprio participou, desde o Olossato a Farim, desde Buba ao Morés, incluindo uma emboscada na estrada de Enxalé-Portugole, e um ataque ao destacamento de Missirá, no Cuor, a norte do Rio Geba (em Dezembro de 1966), a nossa conhecida Missirá onde estiveram, em épocas diferentes, os nossos camaradas Beja Santos (Pel Caç Nat 52, 1968/69) e Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1970/71).

Evoca também a figura de Domingos Ramos, chefe da Frente Leste e comissário político do PAIGC, que morre a seu lado a 10 de Novembro de 1966, num ataque de artilharia (1 canhão s/r) e infantaria ao quartel de Madina do Boé. 

O Ulises disse-me pessoalmente, em Bissau, que o Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro, quando o tentava proteger (a ele, Ulises). O seu corpo foi resgatado pelo cubano, "para que não caísse nas mãos dos portugueses" (sic), e levado a seguir para a base de Boké, na Guiné-Conacri, onde foi entregue a Aristides Pereira. Ulises diz do seu camarada guineense que era um grande homem, um grande combatente, e um grande líder político (2).

Ulises Estrada fala ainda de outros combatentes cubanos que se destacaram na luta de libertação na Guiné, incluindo o comandante Raul Diaz Arguelles que esteve ao lado de Nino Vieira no cerco de Guileje, em Maio de 1973 (e que viria a morrer em Angola, em Dezembro de 1975, na Batalha da Ponte 14, em que o MPLA e os seus aliados cubanos foram massacrados pelas tropas da África do Sul). 

Referiu ainda o nome (mal perceptível) de um tal coronel Fernandez Caturno (?), que comandava o pelotão de bazucas (RPG 7). Foi referido ainda o nome do Capitão Pedro Rodriguez Peralta, ferido e capturado pela CCP 122/BCP 12, em 18 de Novembro de 1969, no corredor de Guileje (Operação Jove).

No final, é lida a lista dos nomes dos 9 cubanos que morreram em combate na Guiné, incluindo um médico, o 1º tenente médico Angel Sequera Palácios (?). Há tempos li, noutra fonte (cubana), que teriam morrido 17 cubanos na guerra da Guiné (3).

Ulises Estrada e Oscar Oramas foram os únicos cubanos que participaram no Simpósio Internacional de Guileje, como oradores. Tal como os restantes convidados estrangeiros, incluindo os portugueses, estiveram hospedados no Hotel Azalai (antigo 24 de Setembro).

À hora das refeições, nas idas e vindas de autocarro, e nos programas sociais, tivemos oportunidade de conviver um pouco mais com estes cidadãos cubanos que, durante a guerra colonial/luta de libertação, desempenharam papéis diferentes. Objectivamente eram nossos inimigos. Em Bisssau (e na visita ao sul da Guné) comportámo-nos como velhos combatentes que o passado de guerra aproximou, em vez de separar.

Ulises Estrada, hoje com 73 anos I(nasceu em 1934), combateu nas matas na Guiné, desde Farim ao Morés, do Cuor a Madina do Boé, viu morrer a seu lado, em Madina do Boé, o comandante Domingos Ramos, atacou quartéis e destacamentos portugueses (como Buba e Missirá), montou emboscadas (como, por exemplo, na estrada Enxalé-Porto Gole)...

Oscar Oramas, pelo seu lado, era embaixador de Cuba na Guiné-Conacri, na altura em que foi assassinado Amílcar Cabral.

São personalidades bem distintas: Oramas é um homem afável, cavalheiro, amistoso, que nunca se furtou ao relacionamento com o grupo, mais numeroso, de portugueses... Ulises, um negrão, como diriam os nossos amigos brasileiros, pareceu-me um homem física e psicologicamente abatido. Inclusive terá sofrido um ataque de paludismo durante a sua estadia em Bissau. No regresso a Lisboa, vinha visivelmente combalido. Era também um homem, por essa ou outras razões, mais reservado. Parecia haver algum desconforto por, combatente do outro lado, estar agora ali, ao lado dos seus inimigos de ontem...

Infelizmente não falámos o suficiente para eu poder perceber o que lhe ia na alma... A sua comunicação (de que vos dou um registo, em vídeo, de cerca de 6 minutos) fala por si: não difere da linguagem seca, aparentemente assertiva, objectiva, dos nossos militares profissionais... Não há emoção, não há subjectividade... Diferente será o seu discurso, de improviso, na sessão de encerramento, onde vem ao de cima o homem e não tanto o ex-revolucionário profissional.

Estrada é um velho combatente internacionalista que andou por muitas guerras (da Sierra Maestra ao Chile, do Congo à Guiné, sem esquecer a Palestina)... É autor de três livros incluindo um sobre a controversa Tânia, a Mata-Hari da América Latina, de origem alemã e judia, que fez trabalho de espionagem para os cubanos (mas possivelmente também para os alemães de leste e para os soviéticos)... Diz-se que foi amante do Che e do próprio Ulises...

De qualquer modo, o depoimento de um (Oramas) e outro (Estrada) são importantes. É outro ponto de vista, necessariamente diferente do nosso, sobre a guerra da Guiné... Sabemos ainda pouco sobre o papel dos cubanos cujos fantasmas eram vistos um pouco por todo o lado, na Guiné, no meu tempo (1969/71)... Só se fala do Capitão Peralta, ferido e capturado em 1969 pelos paraquedistas e libertado, já depois do 25 de Abril de 1974... Sabemos pouco sobre as misérias e grandezas da guerrilha... Quarenta anos depois, é já altura de abrirmos dossiês e corações...


Ulises Estrada Lescaille - Curriculum Vitae 

Nació el 11 de diciembre de 1934 en Santiago de Cuba, antigua provincia de Oriente. Origen social: clase media. Bachiller y Licenciado en Ciencias Sociales. Habla el idioma ingles.

Participó en la lucha clandestina en Santiago de Cuba y La Habana contra la dictadura de Fulgencio Batista en las filas del Movimiento 26 de Julio. Fue Oficial del Ejército Rebelde y del Ministerio del Interior, donde ocupó importantes responsabilidades en el Viceministerio Técnico como Director General de la Dirección V encargada del apoyo solidario de la Revolución Cubana a los Movimientos de Liberación Nacional africanos.

Participó en la lucha guerrillera del Consejo Supremo de la Revolución Congolesa en Congo Leopoldville junto con el Comandante Ernesto Che Guevara y en la guerra de liberación del PAIGCV [Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde].

Estuvo en zonas de guerra de los comandos Al Assifa contra Israel en las márgenes del río Jordán. También participó en la ejecución de la ayuda solidaria de Cuba con los movimientos revolucionarios y fuerzas progresistas en América Latina y el Caribe.

Entre 1975 y 1979 fue primer vicejefe del Departamento América del Comité Central del Partido Comunista de Cuba y Embajador Extraordinario y entre 1979 y 1990 fue Embajador Extraordinario y Plenipotenciario en Jamaica, Yemen Democrático, Mauritania, la República Árabe Saharaui Democrática y Argelia asi como Director de Medio Oriente, No Alineados y vice Ministro del Ministerio de Relaciones Exteriores.

A partir de 1990 como periodista fue jefe de Información del periódico Granma Internacional, órgano oficial del Comité Central del Partido Comunista de Cuba, periodista del periódico El Habanero, órgano oficial del Comité Provincial del Partido en la provincia de La Habana, director de la revista Tricontinental de la Organización de Solidaridad con los Pueblos de África, Asia y América Latina y periodista de la revista Bohemia.

Ha escrito cientos de trabajos en diferentes géneros periodísticos en medios de prensa cubanos y extranjeros. Ha escrito tres libros.


Título da Comunicação > O internacionalismo cubano e participação de Cuba no esforço da guerra de libertação da Guiné-Bissau

Sínopse da Comunicação

La ponencia refiere las condiciones existentes en Guinea Bissau bajo el colonialismo portugués y la decisión de su pueblo de alzarse en armas en la lucha por su independencia nacional bajo la guía política y militar del compañero Amilcar Cabral y el PAIGCV impulsando la conciencia y unidad nacional hasta lograr la victoria.

En este contexto, como a partir de la reunión de Amilcar con el Che Guevara a finales de 1965 y posteriormente con el Comandante en Jefe Fidel Castro, se inicio la ayuda solidaria de la Revolución Cubana con instructores y combatientes militares, médicos y personal para médico, medicinas, alimentos, armas y municiones, aperos de labranza, uniformes y becas de estudio, hasta que alcanzó su independencia de Portugal. (...)


Fonte: Guiledje: Simpósio Internacional [Página oficial do Simpósio já não disponível, inserida na sítio da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau] [LG - 3/11/2014. Ulisses Estrada morreu, entretanto, em 26/1/2014, em Cuba]

Outros elementos curriculares:
Dias com el Che, por Ulises Estrada Lescaille. Revista Tricontinental, Cuba.
(...) "Al salir de Cuba, el Che había dejado a Fidel, a quien calificaba como su guía revolucionario y amigo, la carta de despedida ante el llamado de otras tierras del mundo. La campaña internacional, cargada de infamias y especulaciones, más la preocupación y dudas de algunos amigos fuera de nuestras fronteras sobre la supuesta "desaparición" del Che, fueron aplastadas cuando Fidel decidió dar a conocer esa carta, a la vez que envió al comandante José Ramón Machado Ventura, entonces ministro de Salud Pública, a explicarle al Che las razones de su publicación, así como la situación existente y la creación del Partido Comunista de Cuba y su comité central, del cual, por razones obvias, no formaba parte.

"En el recorrido que realizara por el continente africano, profundizó en sus conocimientos sobre la lucha de liberación nacional que desarrollaban los movimientos anticolonialistas, con muchos de los cuales se entrevistó, y les ofreció la ayuda solidaria de Cuba. Esa fue la razón por la que viajé en el barco Uvero entregando alimentos, ropa, medicamentos y armas a los movimientos revolucionarios, entre ellos el Partido Africano para la Independencia de Guinea Bissau y Cabo Verde, dirigido por el legendario Amílcar Cabral.

"El periplo concluyó en Dar es Salaam, República de Tanzania. Allí llevamos suministros destinados al Frente de Liberación de Mozambique (FRELIMO), al Consejo Supremo de la Revolución (CSR) y para el grupo de asesores militares cubanos en el Congo". (...)





Ulises Estrada é autor de Tania: Undercover with Che Guevara in Bolivia (Paperback, June 2005).

De seu nome, Haydée Tamara Bunke Bíder, nasceu em 1937, na Argentina, sendo de origem judaico-alemã. Os pais fixaram-se, depois da guerra, na Alemanha comunista. Tânia, uma mulher inteligente, apaixonada, sedutora e controversa, aderiu à Revolução Cubana. Torna-se espia dos cubanos e faz, na Bolívia, à guerrilha de Che Guevara. Morre aos 30 anos, em 1967, numa emboscada.





Oscar Oramas - Curriculum Vitae

Nació en San Fernando de Camarones, Provincia de Cienfuegos, Cuba, el 12 de noviembre de 1936.

Doctor en Filosofía. Actualmente hace una Maestria en Historia del Arte, con la tesis: La impronta de la música en la identidad y la psicología social del cubano.
Es autor de los libros:

Amílcar Cabral, más allá de su tiempo, publicado por la Editorial Côte Femmes de París y Amílcar Cabral, para além do seu tempo, Editorial Hugin, Lisboa;
Las personalidades políticas más descollantes en el proceso de descolonización de África, publicado por la Editora Política de La Habana;
Estados Unidos: su otra cara, publicado por la Editora Política de La Habana,
El alma del cubano: su música, publicado por la Editorial Prensa Latina,
Los desafíos del siglo XXI, publicado por la Editorial de Los Andes de Venezuela,
Miel de la vida: el bolero, publicado por la editorial Vinciguerra de Buenos Aires.

Pendientes de publicación están los siguientes títulos: "Sueños traficados”, “La música de los árboles” y “Countdown to Sunrise”, “Los Ángeles también cantan”, “La Gloria tiene un nombre: Chucho Valdés”.

Fue Embajador de Cuba en Republica de Guinea, Malí, Angola, Sao Tomé y Príncipe y Las Naciones Unidas, así como Director de África del Minrex y Vice-Ministro de dicho Ministerio.

Durante 10 años fue funcionario de la Secretaria de las Naciones Unidas de lucha contra la Desertificación y coordinador de la misma para América Latina y el Caribe.

Recibió en octubre de 2005 la Medalla Amílcar Cabral de Primer Grado, otorgada por el Gobierno de la República de Cabo Verde.


Título da comunicação >  Contribuição e participação cubana na luta de libertação nacional da Guiné-Bissau: dados, números e factos

Sinopse da comunicação

Un hito en las relaciones de Cuba con Guinea Bissau y Cabo Verde lo constituyo el encuentro entre, Amilcar Cabral y el Guerrillero Heroico, Ernesto Guevara, celebrado en Conakry en los albores de 1965. Ya ellos habían conversado en Accra y el Che expreso su deseo de visitar el territorio liberado. Producto de esas conversaciones, zarpa del puerto de Matanzas, el barco Uvero, con productos alimenticios, medicamentos, uniformes, productos agrícolas y armamentos para el PAIGC.

El comandante Jorge Serguera es el encargado de entregar esa primera ayuda de Cuba al PAIGC, en la capital de la República de Guinea, en Conakry. Con ese hecho se sello una amistad, entre nuestros pueblos, que la vida se ha encargado de mostrar cuan perecedera ha sido. Fue una muestra palpable de la solidaridad humana y por parte de Cuba, una muestra de gratitud para con los pueblos que un día fueron obligados a emigrar a América y allí nos crearon.

En 1965, Amilcar Cabral al frente de una delegación viaja a la Habana, para participar en la primera Conferencia Tricontinental de solidaridad con los pueblos de Asia-África-América Latina. En esa oportunidad, el Comandante en Jefe, Fidel Castro invita a Amilcar Cabral a visitar las montañas del Escambray y en una fría mañana, discuten, en presencia del comandante Manuel Pineriro Losada, el envío de consejeros militares, armamentos y personal medico para apoyarlos en la lucha contra el ocupante colonialista portugués.

En mayo de 1966 llegan los primeros consejeros militares cubanos y los médicos, así como material militar. Desde ese entonces hasta el día de la independencia Cuba trabajó codo con codo, junto a vuestros valerosos combatientes por alcanzar ese don tan preciado para el hombre, como lo es, la independencia.

Algunas semanas después del aquel memorable encuentro, el Jefe de la revolución cubana envía una pequeña delegación a Guinea, con el propósito de estudiar las condiciones del terreno, de analizar la situación de la lucha armada y determinar la ayuda que Cuba pudiera brindar y que fuera más eficaz para la lucha.

La presencia cubana debía mantenerse en secreto, para evitar incidentes internacionales. Y había que proteger la vida de los cubanos, según dispuso el PAIGC. Los cubanos fueron enviados al comando central del frente sur, a la región de Bochisance, otro grupo es situado en Madina Boe y un tercer grupo es destinado a permanecer en la retaguardia, en la villa de Boke, donde están los principales servicios médicos de PAIGC.

La experiencia de los militares cubanos se trasmite inmediatamente a los responsables militares del PAIGC, es decir: explorar el teatro de operaciones, los objetivos que deben ser blancos de la artillería, la organización de los repliegues de los combatientes. Hasta ese entonces el ejercito portugués o tugas, como los llamaban ustedes, se lanzaban sobre los combatientes en los momentos de la retirada, pero las nuevas tácticas de combate, lo obligan a ser más cauteloso, pues se les castiga. Aumenta el uso de la aviación por parte del colonialista, ventaja de cierta significación en esa contienda y contra la cual hubo que protegerse.

El 10 de noviembre de 1966, un cuartel de Madina Boé es atacado por las fuerzas del PAIGC, con la participación de instructores militares cubanos. Es una operación dirigida por el comandante Domingo Ramos, heroico guerrillero. El responsable de la ayuda para África, Ulises Estrada, es uno de los participantes en esos hechos y Domingo Ramos tratando de protegerlo es herido mortalmente por la esquirla de un obús de mortero. No pudo llegar a tiempo al hospital el combatiente, pero el gesto y la sangre unieron como los dedos de una mano a los hijos de ambos pueblos.

Combatientes militares fueron entrenados en las escuelas especiales cubanas, allá en Cuba. Decenas y decenas de jóvenes surcaron los mares hacia el Caribe, pero esta vez, para prepararse en muchas disciplinas y ser los que en el futuro asegurarían el porvenir del país. El PAIGC pensó en el futuro, al mismo tiempo que luchaban por el hoy, y Cuba, consciente de la necesidad de forjar a los profesionales del mañana, no vaciló en apoyarlos. Era la lucha de todos por la justicia, por liquidar la noche colonial y por garantizar que la libertad solo prevalece si los hijos de un pueblo se preparan adecuadamente para encarar la dura tarea del desarrollo socio económico.

Las armas enviadas no se cuantifican, las toneladas de azúcar, los medicamentos, todos los productos donados, aunque, y en la medida de las posibilidades de la pequeña Cuba, nunca dejaron de fluir hacia ustedes, pero lo trascendente aquí, es que ningún obstáculo amilano, o hizo retroceder la decisión de los combatientes internacionalistas cubanos, o de la dirección de la Revolución cubana, por luchar junto a ustedes. Ustedes, en la lucha se hicieron acreedores del sacrifico de seres humanos que se separaron de sus familiares más queridos, para correr la misma suerte, para ser victimas de las balas o del paludismo u otras enfermedades, del hambre o de las heridas en combate.

El significado del ataque al cuartel de Guiledje y las diferentes acciones combativas de las Fuerzas Armadas de Liberación del PAIGC, constituyeron una estrategia militar y politico de gran significación en la lucha por expulsar de todas sus colonias al regimen fascista de Portugal.

El desgaste politico y militar de las Fuerzas Armadas coloniales fue el elemento catalizador de la rebelión y la llamada revolución de los claveles en Portugal. Digámoslo con absoluta convicción que el sacrificio de los pueblos de Guinea Bissau, Cabo Verde, Angola, Mozambique fructificó en las calles de Lisboa y otras ciudades de la metrópoli, aquel día, 25 de abril, cuando el ejercito cansado de cruentos conflictos, que solo servían a determinados intereses económicos y políticos, decidió dar un vuelco a la situación y tomar el poder, para democratizar la sociedad portuguesa y regresar a sus hijos de las posesiones coloniales.

Si, cuando los patriotas del PAIGC liquidaban a un colonialista estaban mostrando que eran capaces de vencer al enemigo, de obtener la victoria y al mismo tiempo, liberar al Portugal fascista de uno de los regimenes más crueles que ha conocido un país europeo. Fue esa, una gran contribución de vuestros pueblos al proceso de formación de la conciencia del hombre africano, de sus capacidades y de lo innoble y acientífico de muchas de las concepciones de supuestos pensadores de los países coloniales acerca de la inferioridad de los seres humanos del mundo colonizado.

El ataque al cuartel significo un hito en el terreno militar, pues hasta ese instante la guerrilla no había desafiado al ejército colonial en sus instalaciones. Existía la concepción de que los combates contra los cuarteles podían provocar muchas muertes dentro de los luchadores por la liberación nacional y que eso afectaría la moral de los combatientes, pero el hecho le mostró a la guerrilla su capacidad en poder inflingirle fuertes golpes al enemigo. Ustedes lucharon victoriosamente y de acuerdo a las características propias del entorno histórico, social y económico del escenario de las batallas.

Dura brega, cuando se exigía el esfuerzo cotidiano, propio de ese tipo de lucha. No es necesario recordar las vicisitudes pasadas, ellas son consustanciales con el empeño de liberar a un pueblo, pero si es preciso decir una y mil veces que la contienda fue épica y que se requirió de mucha sabiduría, coraje, determinación, disciplina, para vencer siglos de oscurantismo, los propios de la noche colonial, de duro batallar para asimilar la técnica moderna, el arte de la guerra frente a un poderoso enemigo, para hacerlo morder el polvo de la derrota.

La doctrina militar desarrollada por el PAIGC, adecuada para el contexto de la lucha de esos pueblos por la liberación nacional, concebía que el proceso fuera largo y que el desgaste de Portugal diera lugar a la independencia. La práctica demostró la pertinencia de la concepción elaborada, pues el nivel de conocimientos, de medios y fuerzas de la guerrilla, en comparación con los del enemigo era enorme, solo era favorables a la guerrilla: el conocimiento del terreno, el apoyo de las poblaciones, la justeza del hecho, la solidaridad internacional. Todos debiéramos compartir aquel aserto del máximo dirigente del Partido, Amilcar Cabral, cuando dijera: “La Lucha de Liberación Nacional es un acto de cultura”.

Todo cubano que participó en vuestra contienda se siente feliz de haberlo hecho. Martianos al fin, sentimos que cumplimos con un deber, porque para nosotros, “Patria es Humanidad”. Pudiéramos hacer muchas historias o contar incidentes, como los acaecidos en Casamance, o las vicisitudes de los médicos que de manera abnegada laboraron junto a ustedes y salvaron muchas vidas, o la de la captura y prisión del entonces capitán Pedro Rodríguez Peralta o la presencia entre ustedes de los comandantes Víctor Dreke, Raúl Díaz Arguelles y tantos otros oficiales de las Fuerzas Armadas Revolucionarias, pero no, baste decir aquí, que nos enriquecimos espiritualmente, que se escribieron páginas de glorias de principios de alta significación humana, como lo es, la solidaridad militante en la lucha por la liberación nacional de los pueblos. La independencia alcanzada por ustedes, es nuestra mayor y única recompensa.


Fonte: Guiledje: Simpósio Internacional 
[Página oficial do Simpósio já não disponível, inserida na sítio da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau] [LG - 3/11/2014]
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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingos Diaz, 1966/67)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P956: Antologia (48): Félix Laporta, o primeiro cubano a morrer, num ataque a Beli, em Julho de 1967

18 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P967: Antologia (51): Os combatentes cubanos ou a mística da guerrilha (Victor Dreke)

(2) Vd. as revelações do Mário Dias sobre o Domingos Ramos, seu amigo e camarada do Curso de Sargentos Milicianos de 1959:

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIII: Domingos Ramos e Mário Dias, a bandeira da amizade (Luís Graça / Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIV: O segredo do Mário Dias, ex-sargento comando

12 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2461: Blogoterapia (38): Dois heróis, dois homens com valores, Domingos Ramos e Mário Dias (Torcato Mendonça)

(3) Vd. post de 14 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra