sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1264: Postais Ilustrados (10): Bissau, melhor do que diz o fotógrafo (Beja Santos / Mário Dias)

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Bilhete Postal > Guiné Portuguesa > 118 – Vista aérea de Bissau. Fotografia verdadeira – Reprodução proibida. Edição Foto Serra. C.P. 239 – Bissau… Impresso em Portugal. Sem data.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Bilhete postal gentilmente cedido pelo nosso camarada Beja Santos (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).
O postal foi enviado nas vésperas de Natal de 1969, pelo Beja Santos (2), a alguém das suas relações, a quem dizia o seguinte, entre outras coisas: “Bissau é melhor do que o postal diz. Os fotógrafos também se enganam!”…



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Guiné > Bissau > Vista aérea > 1966 > Fotografia do álbum do ex-furriel miliciano Mecânico Auto Adrião Mateus, pertencente à CART 1525 (Bissorã, 1966/67). Reproduzido com a devida vénia. Fonte: © Companhia de Artilharia 1525 - Os Falcões (Bissorã, 1966/67). (1)
Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


2. Pedia a outro Mário, o Mário Dias, para comentar o Postal Ilustrado de Bissau, edição Foto Serra (infelizmente não lhe pude mandar esta magnífica vista área de Bissau que só ontem encontrei no sítio dos Falcões de Bissorã).
Mário: Eis a Bissau do teu tempo, a Bissau que tu, menino e moço, viste crescer e que amavas… e sobre a qual escreveste uns magníficos textos (3)… Não queres fazer uns curtos comentários ? Eu sei que saíste em 1966… De qualquer modo, obrigado, Mário, em meu nome, do outro Mário (Beja Santos) e do resto dos tertulianos.

PS – Tu deves também ter uma rica colecção de postais da Guiné do teu tempo… Ou não ? Estamos a recuperar esse material: Postais Ilustrados… O Beja Santos tem sido incansável em fazer-me chegar alguns dos que mandou pelo correio a amigos e familiares…



3. Eis uma primeira resposta do M.D., com data de de Outubro de 2006:
Caro Luis:

Antes de mais, mea culpa pelo meu tão longo silêncio provocado por três factores:

(i) Constantes e prolongadas ausências no Portugal profundo. (Que raio de expressão!).
(ii) O emergir de novos e qualificados tertulianos com maiores e mais aprofundados conhecimentos sobre a guerra na Guiné sobretudo na sua fase de maior perigo (para as NT) e violência ou seja, a partir de 1969. Como sabes, eu saí de lá em Fevereiro de 1966. Assisti e participei nos primeiros anos dessa guerra, desde 1963, quando, embora já bastante dura e perigosa, não tinha ainda atingido as proporções de (quase) catástrofe
(iii) O principal: preguiça. Quanto a esta, à preguiça, é para mim fonte de grande prazer pois me posso dar ao luxo de a cultivar e usufrui-la em toda a sua plenitude. Não imaginas como é bom alguém poder sentir preguiça e fazer-lhe a vontade!... Porém, a solideriedade e a amizade que se gerou entre nós me leva a que, de vez em quando, me esforce e a sacuda para longe.

Vamos, então, ao que interessa. Neste mail não vem a fotografia de Bissau nele referida. Espero por ela e depois de a ver (recuso-me a utilizar neologismos estúpidos como visualizar e semelhantes) terei muito gosto em dar os esclarecimentos possíveis. Conheci muito bem o fotógrafo Serra bem como a esposa que tirava as fotografias no estúdio.
Infelizmente a minha colecção de fotografias de Bissau e de outras localidades da Guiné é muito escassa. As que tenho serão enviadas com mais alguns textos sobre a Guiné do antigamente. Para isso, conto com a tua preciosa ajuda no sentido de sacudir esta preguiça crónica. Embora sem participar directamente no Blogue nos últimos tempos, não tenho deixado de o visitar sempre que possível. Julgo que os textos recentemente publicados têm bastante interesse para o conhecimento da história da guerra na Guiné. A minha colaboração será mais um olhar ao passado dos felizes anos que antecederam o conflito, embora também tenha algo que contar sobre a guerra propriamente dita.

4. Eis por fim os comentários do Mário Dias - o ex-sargento comando Roseira Dias - ao Postal Ilustrado, enviados ontem e que se publicam a seguir. Mas antes disso quero aqui uma palavra de agradecimento (...e de incitamento)
Amigos e camaradas: É um excelente trabalho, este, que só foi possível graças à cooperação dos dois Mários: o Beja Santos (que me mandou o postalito) e o Dias (que o comentou). Já viram o que se pode fazer com um postalito ? A torrente de memórias que jorra por aí ?
De facto, espero que isto provoque reacções em cadeia... Falem-me das bugigangas (orientais...) que vocês compraram na Casa Gouveia ou no Nunes, para oferecer à namorada e à prima da namorada, às manas, à mamã... Falem-me das últimas cervejas, ostras e camarães, à beira-rio... Das últimas incursões ao Pilão (Cupelom, em crioulo)... Falem-me de amores e de amizades, que foram breves como os furacões tropicais (Tu, Virgínio Briote, que sabes falar da Bissau intimista como ninguém...)... Falem-me da nostalgia, da saudade... Se calhar não é de Bissau, mas dos nossos verdes anos que lá ficaram... para sempre. Bissau, camaradas, para o periquito que ia no mato, ou para a velhice que regressava a Bissau, era bem melhor do que dizia o fotógrafo...
Para muitos camaradas que passaram por Bissau como cão por vinha vindimada, a correr, a caminho do mato - ou no regresso, gastando o último patacão, e escrecendo o último postal ilustrado - é uma autêntica visita guiada em flash back... São comentários preciosos que nos ajudam a compor o puzzle da nossa memória da Guiné e da sua capital, Bissau... (5)...
Obrigado Mário Beja Santos, obrigado Mário Dias...


Memórias de Bissau,
por © Mário Dias (2006)

Aceitando o desafio do nosso comandante Luís, aqui estou eu para prestar alguns esclarecimentos sobre o postal ilustrado de Bissau que o Beja Santos enviou.

É da autoria do fotógrafo Serra, pessoa que muito bem conheci nos idos anos 50 e 60. Tinha o seu estúdio numa moradia, onde também residia, situada na avenida que ligava a praça do Império ao Alto do Crim. Várias vezes tirei fotografias para BI, passaporte ou simples recordação no seu estúdio. Lá, no estúdio, pontificava a sua esposa, pessoa de uma extrema simpatia e simplicidade e de notável nível profissional.

Falando ainda em fotógrafos de Bissau, conheci também o fotógrafo Macedo, natural de Cabo Verde, cujas instalações se situavam na rua que, passando pelo campo de futebol (ver fotografia colorida, no lado direito), seguia em direcção ao rio. A casa ficava do lado esquerdo da rua, um pouco abaixo da esquina do campo.

Outro fotógrafo muito conhecido era o Geraldo, com actividade principalmente ligada a reportagens, oficiais ou não, e que foi, nos anos 50, uma das poucas pessoas em todo o mundo a conseguir fotografias e filmes da circuncisão masculina e da excisão feminina [, vulgo Fanado].

Feito este breve preâmbulo, passo então a assinalar os principais pontos de interesse que podem ser identificados no postal. Como, porém, a perspectiva não é muito favorável, tomei a liberdade de incluir outra, a preto e branco, publicada no blogue pelo Paulo Raposo (3) e que, a avaliar pela posição dos barcos no rio, me parece ter sido tirada na mesma ocasião.



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Postal Ilustrado > Guiné Portuguesa > Vista aérea de Bissau. Edição Foto Serra. Comentários de Mário Dias (a complementar com a consulta da nossa página sobre Bissau).

1 -Ponte-cais.

2 - Pidjiguiti. (Aproveito para esclarecer que são dois locais com designações diferentes e que, por vezes, são erradamente referidos. O porto principal de Bissau (1) nada tem a ver com o Pidjiguiti que se situa ao fundo da Avenida da República que tem início da Praça do Império.)

3 - Forte da Amura.

4 -Esplanada-cervejaria conhecida por Zé da Amura onde tantas vezes me deliciei com os excelentes camarões da Guiné e percebes de Cabo-Verde.

5 -Palácio do governador. No jardim tinham lugar em datas festivas e ocasiões especiais recepções, muito bem servidas, como era timbre daquela terra, e que, por se realizarem normalmente ao fim do dia depois de passado o calor, se apelidavam de pôr-do-sol.

6 -Hotel Portugal, mais conhecido por Espada, nome do proprietário.

7 -Residência do bispo.

8 -Casa pertencente à minha madrasta e onde residi durante algum tempo.

9 -Bairro de pequenas residências para funcionários públicos.

10 -Uma das primeiras zonas de expansão da cidade situada nas proximidades do local conhecido como Achada de Burro. Na rua de cima residiu o Fernando Fortes, um dos fundadores do PAIGC.




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Guiné > Bissau > 1970 > Vista aérea da cidade, com o ilhéu do Rei, ao fundo, frente ao porto. Ao centro, a Praça do Império e o palácio do Governador.
Foto: © Paulo Raposo (2006) (4). (Julgo que esta foto, tirando a cor, é a mesma que se reproduz acima, a cores, disponibilizada pelo ex-Fur Mil Adrião Mateus, da CART 1525. Muito possivelmente tratava-se de um outro postal ilustrado, vendido nas lojas de Bissau aos nossos militares. L.G.)

Comentários de Mário Dias (a complementar com a consulta da nossa página sobre Bissau).


1- Praça do Império com o monumento Ao esforço da raça.

2 - Palácio do governo.

3 -Moradia onde residia o governador antes de concluído o palácio à qual me referi no episódio da serenata (3).

4 - Associação Comercial.

5 - Museu e biblioteca, edifício onde inicialmente funcionou o colégio-liceu de Bissau.

6 - Pastelaria Império que era também a principal padaria de Bissau.

7 - Cinema da UDIB. Encostado ao edifício pode ver-se uma casa mais baixa que era a secretaria, sala de jogos, bar e outras instalações do clube. Tinha anexo um recinto cimentado onde se fizeram grandes bailaricos. (Belos tempos)

8 - Hospital.

9 - Edifício comercial de Nunes & Irmão.

10 - Catedral.

11 -Edifício dos Serviços de Administração Civil. Nas traseiras situava-se uma escola primária.

12 - Estação dos Correios.

13 - Banco Nacional Ultramarino.

14 - Casa Gouveia. Situado à direita da seta, no limite da foto, era o barracão onde se realizava o cinema antes do novo da UDIB ter sido construído. A ele me referi numa das minhas memórias de Bissau (3).

15 - Aqui, no jardim à entrada do porto, havia, e suponho que ainda lá estejam, dois enormes poilões que tinham uma especial serventia -além da sombra como é evidente.
Era por eles que os pilotos, entrados a bordo dos navios em Caió, se orientavam para a entrada no canal navegável.

16 -Ilhéu do Rei com as instalações da Casa Gouveia: armazéns e fábrica de óleo de amendoim.

17 - Referência indispensável: aqui se situava, embora não visível, a célebre 5ª Repartição ou seja, o Café do Bento.

18 - Alfândega, armazéns e outras instalações portuária.

19 -Escola, tipo artes e ofícios ou industrial, pertencente às Missões Católicas.

20 - Edifício sede do Sport Bissau e Benfica.

21 - Grande Hotel, inicialmente propriedade do senhor Marques e mais tarde do Pireza, anterior dono do hotel existente em Varela, destruído no início da guerra e que, por tal facto, veio para Bissau.

22 - Era sensivelmente neste local que se situava o Foto Serra.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1263: Os Falcões de Bissorã, festejando os 39 anos de regresso a casa (Rogério Freire, CART 1525)
(2) Vd. post de 3 de de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1242: Postais Ilustrados (9): Dança do compó, Bissau (Beja Santos)
(3) Vd. posts do Mário Dias sobre a Bissau do seu tempo:
9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite
19 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador
15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau
Vd. também o post de 1 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)
(4) Vd. post de 3 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1022: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (16): De novo em Bissau, a caminho de... Dulombi

(5) Vd. post de 8 de Dezembro de 2005 > de Guiné 63/74 - CCCXLVIII: Cartas que nunca foram postas no correio (1): Em Bissau, longe do Vietname (Luís Graça)

"Diário de um Tuga > Bissau, far from the Vietnam. 10 de Fevereiro de 1970:

"Meu caro L.

"Gostaria de falar-te de Bissau, cidade lumpen, e da sua morna dolce vita, em termos não propriamente de desencanto mas de desmistificação, a ti que ficaste no Vietname… E com palavras que fossem como ácido sulfúrico na pele!... Receio, porém, que a minha crueldade não chegue a tanto (que a realidade, essa, é requintadamente sádica, grotesca, como as telas de Brueghel ou do Goya!) e que não passe, afinal, de azeda esta carta que daqui te envio, aproveitando o macaréu da minha neurastenia e uns fugazes dias de liberdade vigiada. Daqui, da esplanada do Pelicano, frente ao estuário do Geba, rio tragicamente belo, insubmisso como os povos que habitam as suas margens! (...)


Vd. também outros posts que evocam Bissau como, por exemplo:
20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida (Jorge Cabral)

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1263: Os Falcões de Bissorã, festejando os 39 anos de regresso a casa (Rogério Freire, CART 1525)

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Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 1525 (Os Falcões) (1966/67) > Armamento IN apreendido em 3 de Fevereiro de 1967 em circunstâncias que tem algo de insólito e até de hilariante... A estória está contada na excelente página dos Falcões e merece ser aqui transcrita(1) . Estas fotos foram-me gentilmente cedidas pelo webmaster da página, o ex-Alf Mil Rogério Freire (2).

Texto e fotos: © Rogério Freire (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Caro amigo:

Tenho o prazer de te informar que a CART 1525 (Os Falcões) se vai reunir no próximo dia 11 de Novembro, no Restaurante José Julio, em Santa Luzia, Mealhada para comemorar o 39º ano após o regresso da Guiné que ocorreu em 11 de Novembro de 1967 (Meu Deus, como o tempo passa !!!)

Informações detalhadas estão disponíveis no nosso sítio: Companhia de Artilharia 1525 - Os Falcões (Bissorã, 1966/67).

Aproveito para te convidar a visitar o nosso site que foi actualizado, com a inclusão do nosso Historial e de muitas fotos do tempo e não só.

Agradeço-te que registes esta reunião e, se possível, que a coloques no painel informativo que regularmente recebo anunciando estes convívios.

Bem hajas.

Cordialmente

Rogério Freire
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Notas de L.G.:

(1) (...) "Na madrugada de 3 de Fevereiro de 1967, um grupo de balantas de Bissorã, no qual iam integrados Milícias e Polícias Administrativos, encontrou-se, em plena escuridão da noite, na região de Conjogude [, vd. carta de Binta], com uma coluna de reabastecimento de material do IN.

"A surpresa foi geral, de parte a parte, sendo contudo os elementos de Bissorã os primeiros a reagir e a aperceber-se da situaçãoo, abrindo, acto imediato, fogo. Desorientados, os carregadores inimigos puseram-se em fugas, abandonando, pura e simplesmente, o material que transportavam.

"O nosso pessoal, ainda incrédulo, mais não teve do que recolher aqueles despojos e regressar à vila [de Bissorã], onde contou o sucedido e apresentou as provas materiais da acção. Tinham trazido consigo 4 ML, 8 Esp Aut e grande quantidade de granadas de Mort 82 e LGFog.

"Calculando-se que no local do encontro, houvesse ainda outro material abandonado, imediatamente saiu o 2º Grupo de Combate [da CART 1525], devidamente enquadrado, em plena madrugada ainda, e, efectivamente, pouco depois, regressava, trazendo consigo mais duas MP, granadas de Mort e LGFog, medicamentos, cunhetes com fitas de ML e material diverso. Esta acção, pelo ineditismo de que se revelou, pelos óptimos resultados obtidos, pela acção decisivamente colaboradora da população nativa que colaborou nela, a todos causou satisfação, merecendo até um Comunicado Especial, por parte das entidades responsáveis" (...).

O autor - estamos a citar a história da unidade que está integralmente reproduzido no site - tece a seguir algumas considerações ambivalentes sobre o imprevisível comportamento do balanta do Óio e a sua mania de roubar gado aos vizinhos das outras etnias:

"Como é do conhecimento geral, o balanta é, por tradição, ladrão de vacas. Esse seu costume, que, para além dos enormes benefícios que trouxe para as NT, se veio também, por vezes, a revelar bem pernicioso, foi para nós motivo de bastantes aborrecimentos. Impossível de controlar nas suas saídas para o Mato, o grupo de balantas, no qual se integravam clandestinamente elementos nativos da Milícia e Polícia armados, arriscava-se em incursões perigosas no seio dos terrenos mais bem controlados pelo IN. Daqui resultou um elevado número de baixas por parte dos balantas, assim como da parte dos Milícias e Polícias que seguiam incluídos no grupo" (...).

(2) Vd. post de 13 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXXIX: CART 1525, Os Falcões (Bissorã, 1966/67)

(3) Tanto quanto eu conheço, é a página mais completa sobre uma companhia individual, no TO da Guiné. Desejo aos nossos amigos Falcões um belíssima festa e dou-lhes os parabéns, pelo aniversário. De facto, 39 anos é obra!... Também já é altura de descansarem.... As estatísticas sobre a actividade operacional dos Falcões é impressionante: 281 acções de carácetr operacional, realizadas, das quais 20% com contacto; quase 3600 km percorridos a pé; mais de 4300 km, de carro... Tiveram 19 mortos (apenas 3 propriamente da CART 1525, sendo os restantes das unidades adidas: mílicias, polícia administrativa e caçadores nativos)...

Esta unidade foi condecorado com 9 cruzes de guerra. O Cap Piçarra Mourão (hoje coronel) é autor do livro Guiné, sempre: testemunho de uma guerra (2001), já qui recenseado no nosso blogue: vd. post de 19 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXIII: Piçarra Mourão, militar e escritor (CART 1525, Bissorã, 1966/67) (A. Marques Lopes)

(...) "Não conheço o coronel Piçarra MOURÃO, mas li o livro. A companhia com que foi inicialmente, uma CART, foi colocada em Bissau às ordens do Comando Chefe (noto que ele nunca diz o nome das companhias, é cumpridor das normas, não é como eu).

"Conta que uma vez a companhia foi mandada para o Queré com um pendura, um tenente-coronel americano que vinha ver como era a guerra na Guiné e que, parece, iria depois para o Vietnam. Conta a sua atrapalhação, pois que o deram à sua responsabilidade pessoal. Acabaram por cair numa emboscada e o pendura desatou a tirar fotografias e a filmar de máquina em punho, em vez de usar a G3 (a melhor da companhia) que lhe fora distribuída. Não aconteceu nada e ele pergunta-se se aquelas imagens lhe terão valido alguma coisa no Vietnam.

"A sua companhia ficou, depois, adida a um Batalhão colocado em Mansoa, colocada no Olossato. Diz que durante 1966 foi quatro vezes ao Morés, com o apoio de outras forças. Da primeira vez conseguiram capturar material. Na segunda, em Junho, o guia fugiu na altura decisiva e valeu-lhe um segundo guia para indicar o caminho da retirada. A terceira investida foi em Setembro, com o apoio dos páras e de artilharia; tiveram dificuldades, levaram porrada antes de lá chegar, e os páras não quizeram mais e retiraram para Mansabá. Em Outubro chegaram a Morés, mas a base estava abandonada (...).

"Em resumo, gostei do livro escrito por este militar de carreira. Tem um olhar crítico sobre a preparação antes de ir para a Guiné. Curiosamente, fez o IAO, como eu, na serra de Sintra e na Carregueira. Foi uma lástima para ele, como foi para mim. Como profissional fez a guerra, mas reconhece que esteve envolvido num processo sem saída. O livro, com um traço de humanidade sentida, procura transmitir os sentimentos dos intervenientes, tem relatos de actividade operacional, tem um perspectiva correcta sobre o povo da Guiné, o IN é um combatente sério e motivado. Vale a pena ler.

"Curiosamente (para mim), quem assina o texto do prefácio é o Gen Octávio de Cerqueira Rocha, que era Oficial de Operações do BCAÇ 1857, o tal para onde a companhia do coronel Piçarra Mourão foi como adida. O Vidrão (a alcunha que foi dada ao Gen Cerqueira Rocha quando foi Chefe do Estado-Maior do Exército) diz que a companhia do coronel Piçarra Mourão era a CART 1525" (...).

Guiné 63/74 - P1262: Guidaje: a verdade sobre o Cemitério de Cufeu (A. Mendes, 38ª CCmds)

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Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Cufeu > Maio de 1973 > A caminho de Guidaje, os comandos da 38ª CCmds deparam-se com um espectáculo macabro... Cadávares de combatentes das NT e do IN abandonados, na sequência da batalha de Guidaje... Nesta imagem, brutal embora de má qualiddade, vê-se o cadáver de um elemento das NT, africano NT (provavelmente da CCAÇ 19), com a cabeça apoiada num tronco de árvore...O braço, assinalado com um círculo a amarelo, é o do 1º Cabo Cmd Mendes, à procura de documentos para identificar o cadáver.


Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Há tempos o nosso camarada A. Mendes, ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos) (Guiné, Brá, 1972/74), abordou aqui o tema (delicado e doloroso) dos nossos mortos em combate, naturais da metrópole ou da Guiné, que terão ficado abandonados na zona do Cufeu, perto de Guidaje (1). Já o convidei a aprofundar este assunto, que mexe com todos nós: "Um dia que queiras escrever sobre isso, estás à vontade... Por muito doloroso que isso seja, temos o dever de contar a verdade"...

No post anterior, da autoria de outro camarada que conheceu o inferno de Guidaje, o 1º cabo paraquedista Vitor Tavares, também há uma referência explícita ao sinistro cemitério de Cufeu (2).

2. No passado dia 3 do corrente, o Amílcar mandou-me a seguinte nota:


Com respeito a tua pergunta sobre os restos mortais das NT que ficaram no Cufeu, deixa primeiro que eu mande mais algumas coisas de choque para despertar consciências e preparar os espíritos e depois vamos lá, ok?

Como reparastes a verdade sobre Guidaje (3) teve o condão de derrubar algumas barreiras mas só algumas. Ainda há verdades que eu acho que são demasiado, digamos, reais.

Corri toda a Guiné, conheci cada mata, cada bolanha, cada etnia, aprendi a falar crioulo, ouvi muitas queixas das pops [populações] naquele tempo sobre militares portugueses, coisas que tu nem imaginas e que constatávamos serem verdades muitas delas (e que se eu hoje aqui as contasse seria sacrificado).

Os excessos também fizeram parte da nossa passagem por lá e e, sem ter sido santo, garanto-te que só no contexto do factor guerra é que os cometi.

Vamos deixar que os camaradas continuem a falar das suas experiências, que eu noto agora serem os relatos já menos poéticos e mais reais. E aí eu irei falar-te da parte encoberta do chamado Cemitério de Cufeu.

Não sei se reparaste que na foto do camarada morto no Cufeu (4), que tu publicaste, vê-se uma mão a mexer no cadáver: é a minha mão à procura de documentos para identificar o corpo. Naquele caso não tinha, por isso passou a número, pecebeste?

Acho a que a derteminada altura em Guidaje os mortos eram números que era não preciso humanizar para não dar rosto à tragédia e os números eram fáceis de apagare. Mas as ordens vinham sempre de cima e essas eram: façam o que puderem!

Perante esse cenário e com dificuldades de evacuações de feridos, como é que se evacuavam mortos?



Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > O abutre ou jagudi (corruptela do crioulo jugude). Foto do João Santiago, filho do Paulo Santiago... Na batalha de Guidaje (Maio/Junho de 1973), quantos combatentes, de um lado e de outro, ficaram no terreno para pasto dos jagudis ? Nunca o saberemos ao certo...
Foto: © João/Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.



O destino final de muitos foi o chão da bolanha, pois foi preferível isso do que ver os corpos a servirem de repasto aos abutres. Dito assim, parece demasiedo cruel, mas mais cruel era ficar onde estavam. E repara que esses corpos não foram deixados ali por nós, nós apenas ali os encontrámos.

Hoje ficamos por aqui, ok? Voltaremos ao assunto mais tarde e em mais pormenor.Se quiseres, podes publicar.

Um abraço e fica bem.
A. Mendes

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

(2) Vd. post de hoje > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(...) "Entretanto a CCP 121, seguida pelos Fuzileiros, elementos do exército e um grupo de Companhia de Comandos Africanos, que foram regressando da Operação Ametista Real, cruzaram-se connosco no Cufeu. Seguimos rumo a Binta, não sem que víssemos inúmeros cadáveres em decomposição, alguns já só em esqueleto, dando a indicação de não serem todos referentes aos mesmos combates.

"Esta zona, sim, era um autêntico cemitério ao ar livre. Para provar isso, quem esteve em Guidaje, nesse período, deve-se ter apercebido que, quando fazia aragem desse lado, o cheiro era bastante acentuado" (...).

Vd. também post de 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto



(3) Vd. posts de

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Cubiana-Churo

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje


24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

(4) Vd. post de 23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

Guiné 63/74 - P1261: Convívio do pessoal do BCAV 2876, em 25 de Novembro: lá estarei com o Nelson (Manuela Gonçalves)

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Caldas da Rainha > Nela [Manuela Gonçalves] > Foto: © Caminhos por onde andei (2006) com a devida vénia...)

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

1. Recebi notícias da nossa amiga Nela [Manuela Gonçalves], nossa tertuliana (1) e editora do Blogue Caminhos por onde andei (2)

Boa noite, Luís...

Apesar de uma ausência mais ou menos longa, tenho ido ao blogue com alguma frequência embora sem tecer comentários alguns.

Bem, como tenho verificado que a zona de S. Domingos e Ingoré está muito ausente, aproveito para dizer que dia 25 de Novembro de 2006 vai haver um almoço de antigos elementos do BCAV 2876 - CCS e CCAV 2538, 2539 e 2540.

Vou estar lá com o Nelson e procurarei saber se alguém conhece o Blogue.

Tive imensa pena de não ter ido ao convívio na Ameira (3), mas cá em casa, a bloguista sou eu... Pode ser que no próximo almoço, lá possamos estar.

Saudações amigas
nela

"...nada deve parecer natural , nada deve parecer impossível de mudar!" (B. Brecht)

 
2. Comentário de L.G:

Nela: Gostei das notícias, gostei do teu mail, gostei do Brecht… Aqui vai o anúncio do vosso convívio, do pessoal da BCAV 2876, a que pertenceu o teu marido, o ex-alf mil Nelson, ferido em combate por mina anticarro na região do Cacheu, na altura em que eu estive na Guiné, em 1969/71 (aliás, viemos no mesmo barco, sem nos conhecermos)…
 
É verdade, amiga, não temos grande coisa dessa parte do Cacheu, a não ser as cartas ou mapas (Varela, Susana, S.Domingos, Sedengal) que eu introduzi recentemente…

Um beijinho para ti, um abraço ao camarada Nelson (cujo silêncio eu respeito)… A próxima reunião da tertúlia poderá ser em Pombal: aí não terás desculpas, já que é quase ao pé de casa (Caldas da Rainha)…
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

26 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLIII: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

8 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXVIII: Dia Internacional da Mulher (6): a guerra no feminino (Manuela Gonçalves)

(2) Caminhos por Onde Andei > Descrição do blogue > "São muitos os lugares por onde tenho passado mas não tantos como os que desejava ainda percorrer! De todos os lugares e tempos, guardo memórias que contribuíram para a pessoa que sou! Viajar no tempo e no espaço, com palavras sentidas!"

(3) Vd. pots de 15 de Outubro de 20056 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os pára-quedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

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O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Giné 1972/74)


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Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Maio de 1973 > CCP 121 > O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares em acção.

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Guiné > BCP 12, CCP 121 (1972/74) > O crachá da unidade.
Texto e fotos: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Segunda e última parte do relato A Caminho de Guidaje
Operação Mamute Doido
Guidaje > 23 a 29 de Maio de 1973
CCP 121- Companhia Caçadores Paraquedistas 121

Estimado amigo e camarada Luís:

Conforme prometi cá estou para dar continuidade ao texto A Caminho de Guidaje (1).

Depois de chegados e instalados junto às valas que circundavam Guidaje, do lado da picada que dava entrada no destacamento, aí ficámos a montar segurança durante a nossa permanência.

Depois disto a noite aproximava-se. Entretanto os nossos feridos, o Melo e o Peixoto, foram colocados num abrigo que servia de enfermaria improvisada uma vez que as restantes infra-estruturas se encontravam todas danificadas pelos constantes bombardeamentos que esta unidade tinha sofrido até à data, não oferecendo nem tendo quaisquer condições para socorrer os nossos feridos nem aqueles que já lá se encontravam.

Ai, tudo foi tentado para salvar os nossos companheiros que, em agonia de morte, aguardavam a sua hora de partida para a eternidade. Poucas horas passadas viria a falecer o Peixoto: veio-se assim, infelizmente, a confirmar o que poucas horas antes eu tinha pensado, quando o fui ver à viatura que o transportou do local da emboscada, de Cufeu até Guidaje (2).

Depois de mais uma baixa das nossas forças restava a esperança que o Melo viesse a ter melhor sorte, o que não viria a acontecer, tal era a gravidade do seu ferimento, que o levou ao estado de coma da qual não saiu até à sua morte, depois de evacuado para Bissau, para o HMB 241 e depois para a metrópole onde viria a falecer.

Não posso deixar de referir a coragem de um piloto dos Helis que se deslocou a Guidaje para fazer a evacuação do Melo, pois que como todos sabiam os riscos eram enormes naquela zona derivado à utilização dos Mísseis Strella (3).

Nessa viagem o mesmo piloto acabou por nos levar elos para as HK21 e MG42, assim como meias uma vez já andávamos há cerca de 15 dias com as mesmas - os que ainda as tinham! Foi feita a evacuação do nosso companheiro Melo.

A CCP 121 tinha ainda pela frente a tarefa mais árdua e difícil para executar. Atrevo-me mesmo dizer: a mais difícil da sua história, naquela altura ainda curta - só com 17 anos apenas, na altura; hoje com 50 anos, desde a criação das Tropas Paraquedistas em Portugal (4)...

Perante os factos havia que tomar decisões: tínhamos 3 companheiros mortos, não aguentaríamos muito mais tempo com eles em estado de decomposição, não havia meios para os retirar dali... Fizemos uma tentativa para regressar a Binta mas já em progressão fora do destacamento, deparámos com uma situação delicada: a população seguia-nos...

Tivemos que regressar ao destacamento, por ordens superiores. Posto isto não tínhamos outra alternativa. A solução foi enterrar os nossos companheiros em local ermo, perto do arame farpado, na condição de mais tarde serem daqui retirados, o que até hoje ainda não aconteceu (5).

Quero dizer a todos os Tertulianos que para mim foi o dia mais triste que passei durante toda a minha comissão na Guiné. E esse dia ainda hoje o recordo com tristeza.

Todas as situações relacionadas com a forma de enterrar em Guidaje os paraquedistas isso deveu-se ao facto não haver qualquer previsão de formação de nova coluna a partir de Binta, o que só veio a acontecer passados seis dias, ou seja, a 29 de Maio de 1973 (3).

De 23 a 29 de Maio o destacamento foi atacado várias vezes tanto de dia como durante a noite. Devido à falta de munições da nossa artilharia, esta disparava muito esporadicamente em resposta. Era impressionante a eficácia das granadas IN que raramente falhavam o objectivo, o interior do destacamento.

Quanto à alimentação durante este período, era ao meio dia arroz com conserva de sardinha, um autentico paté. Ao jantar era paté de sardinha com arroz, nos dias seguintes para variar era a mesma coisa, mas digo-vos, amigos, com toda a sinceridade, esta situação da alimentação, embora crítica, nunca preocupou os paraquedistas, porque para atenuar a deficiente alimentação tínhamos como sabem muita e boa água.

Os paraquedistas da 121, quando foram solicitados para romper o cerco para Guidaje (3), tinham consciência plena dos riscos que iam correr, porque a preocupação não era só fazer chegar a coluna a Guidaje, era também tentar chegar lá para dar ânimo e reforçar a capacidade de defesa das NT e preparar-se para apoiar, a partir desta posição, nova tentativa de reabastecimento terrestre.

Fomos informados pelo nosso comandante de companhia, o Cap Paraquedista Almeida Martins, das dificuldades que poderiam surgir, as incertezas e privações que poderíamos vir a ter, porque sabíamos que a alguns quilómetros se encontravam camaradas que precisavam de apoio. por isso avanáamos como sempre o fizemos neste TO e comprimos o nosso dever, à custa da valentia de muitos e o sacrifício de alguns bravos que tombaram heroicamente.

Travámos uma dura batalha mas ultrapassámo-la num combate difícil, mesmo desigual. Mais uma vez provámos que merecemos a Divisa QUE NUNCA POR VENCIDOS SE CONHEÇAM. Assim como para o 1º Cabo Paraq Peixoto e os Sold Paraq Victoriano e Melo a Divisa DAQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE.

Entretanto estamos a 29 de Maio e as ordens são para preparar o regresso a Binta (3). Fazem-se as últimas inspecções às armas para passado pouco tempo iniciarmos a marcha de regresso.

Ao contrário do que aconteceu na ida em que eu segui sempre na retaguarda, agora seria o primeiro logo a seguir o meu municiador desta operação, o Sold Paraq Correia, que tão bem deu conta do recado no contacto em Cufeu (1), transportando fitas várias debaixo de intenso fogo do IN. Normalmente o meu municiador era o Sold Paraq Domingos.

Em terceiro lugar no início do deslocamento seguia o Cap Comando Raul Folques (6), o qual tive que chamar a atenção por não guardar a distância adequada à segurança, além de também falar muito alto na comunicação por rádio. Progredíamos com atenção redobrada porque a zona assim o exigia e os acontecimentos recentes aconselhavam.

Andados cerca de trinta minutos, detectámos uma mina antipessoal que balizámos, seguindo em marcha lenta , até que a pouca distância se ouvem duas pequenas rajadas de armas ligeiras. Fizemos uma pequena paragem para logo de seguida reatar a marcha, íamos progredindo muito próximo da picada existente, a mata era semiaberta.

Entretanto estávamos nas redondezas do ponto mais crítico de todo o percurso, estacionámos durante algum tempo, até que rebenta uma emboscada do outro lado da bolanha. Era mais um ataque no Cufeu, à sexta coluna que vinha de Binta para Guidaje, protegida por uma Companhia de Comandos, a 38ª , e por mais duas ou três companhias do exército, que até ao destacamento não tiveram mais problemas .

Entretanto a CCP 121, seguida pelos Fuzileiros (8), elementos do exército e um grupo de Companhia de Comandos Africanos, que foram regressando da Operação Ametista Real (6), cruzaram-se connosco no Cufeu. Seguimos rumo a Binta, não sem que víssemos inúmeros cadáveres em decomposição, alguns já só em esqueleto, dando a indicação de não serem todos referentes aos mesmos combates.

Esta zona sim era um autêntico cemitério ao ar livre. Para provar isso, quem esteve em Guidaje, nesse período, deve-se ter apercebido que, quando fazia aragem desse lado, o cheiro era bastante acentuado (7).

Retomando a picada aberta de novo, seguimos em viaturas rumo a Binta, aonde chegámos sem mais qualquer percalço. Daqui fomos para Farim, onde pernoitámos, partindo na manhã seguinte [, a 30 de Maio de 1973,] rumo a Bissau.

Um forte abraço para ti e todos os tertulianos.

PS - O próximo texto será sobre a Op Amestista Real

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

(2) Extracto do post anterior: (...) "A partir daqui aguardava-se a chegada de viaturas que vinham de Guidaje. Chegadas estas, carregaram-se os mortos e feridos. Nnessa altura fui à viatura onde se encontrava o Peixoto para ver qual era o seu estado. Apertando o meu braço, diz-me ele:
"- Tavares, desta vez é que eu não me safo. - Aí respondi-lhe:
"- Não, tu és forte e tudo vai correr bem, tem calma.

"Quando desci da viatura depois de ver os ferimentos, fiquei com a convicção de que só por milagre é que o Peixoto se safava: fora atingido por vários tiros em zonas vitais" (..)

(3) Vd. post de 21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)

(...) "Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strella. O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anticarro e foi emboscada, sofrendo 12 feridos. Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas.

"A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje" (...).

(...) "Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas [, a CCP121]. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70 elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje " (...).
(...) "Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois mortos e vários feridos" (...).

(...) "Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.

"Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973: Mortos: 22; Feridos: 70; Viaturas destruídas: 6.

"Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação. Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29 de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8 esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9 sofreu quatro ataques, em 10 três, e até ao final todos os dias foi atacada. No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, 30 feridos militares e 15 entre a população civil. Foram causados estragos em todos os edifícios do quartel" (...).

(4) Vd. O sítio das Tropas Páraquedistas (1956-2006) > o historial das tropas paraquedistas em Portugal >

(...) "1952 - É promulgada a Lei 2055, de 27 de Maio, que cria a Força Aérea Portuguesa como ramo independente das Forças Armadas. Esta Lei, no seu artº nº 9, prevê a constituição de uma unidade de pára-quedistas" (...).


(...) "1956 - É criado o Batalhão de Caçadores Pára-quedistas - BCP (Portaria Nº 15671, de 26 de Dezembro de 1955), com sede em Tancos e dependente da recém criada Força Aérea Portuguesa" (...)

(...) "1966 - Formação do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas Nº12 (BCP 12) em Bissau - Guiné (Portaria 22260, de 20 de Outubro). O Batalhão será activado a 14 de Outubro de 1966 incluindo a Companhia de Pára-quedistas do AB2" (...) .
(5) Vd. posts de:
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
(6) Comandante da 3ª Companhia de Comandos, do Batalhão de Comandos da Guiné. Participou na Op Ametista Real (18-20 de Maio de 1973), onde foi ferido (3).
Vd. ainda posts de:
26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (João Afonso)
16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (JOão Almeida Bruno)
(7) Vd. posts de:
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
(8) Vd. post de 28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1220: Guidaje, Maio de 1973: o depoimento do comandante de um destacamento de fuzileiros especiais (Alves de Jesus)

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1259: Dicas para o viajante e o turista (4): Um cheirinho a alecrim & rosmaninho (Luís Graça / Jorge Neto)

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O Jorge algures em África: um homem entre homens... Fonte: © Africanidades (2006) (com a devida vénia...). O autor deste blogue é membro da nossa tertúlia e mantém connosco uma política, mutuamente vantajosa, de troca de serviços, de ideias, de afectos e de roncos...
Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Para quem chegou agora ao blogue e/ou à nossa caserna virtual, o Jorge Neto (aliás, Rosmaninho, em auto-homenagem à sua costela alentejana) é um branco, um tuga (não sei se ele gosta do termo), da nova geração - e que portanto não fez a guerra colonial, como nós-, que vive e trabalha em Bissau, e que dá voz (e imagem) aos guineenses que a não têm.
Há uns meses atrás (1), eu disse-lhe que continuava a apreciar (e a invejar) o seu trabalho como jornalista independente, lúcido, sensível e corajoso e sobretudo o seu blogue, o seu Africanidades (que agora mudou de poiso)... (Eu penso que ele é também mais coisas, como professor, formador...).

Continuo a pensar que o nosso Jorge (e mais um punhado de gente heróica e solidária, como o Pepito ou o Paulo Salgado) continua a fazer mais pela língua de todos nós, pela lusofonia, pela cultura portuguesa, e pela amizade luso-guineense do que todos os burocratas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de cá e de lá, juntos e atirados aos jacarés do Rio Corubal... Dir-me-ão que é uma hipérbole, uma caricatura, uma metáfora... Seja. A verdade é que eu continuo a ser fã do Jorge, o nosso Alecrim & Rosmaninho em terras da Guiné...

Não resisto, por isso, a roubar-lhe, de tempos a tempos, um cheirinho daquelas terras por onde passámos nos nossos verdes anos (ou onde deixámos os nossos verdes anos)... Hoje transcrevo um saborosíssimo texto que ele postou, no seu blogue, no dia 1 de Maio de 2006, sob o título Buracos e Decibéis...

O Jorge não é um coleccionador do anedótico e do exótico, é um cidadão do mundo que ama sobretudo a aventura humana e que é capaz de se emocionar com o quotidiano dos homens e mulheres que (sobre)vivem em países tão belos e tão precários como a Guiné-Bissau... Conhecedor de África como poucos jovens da sua geração, não mete todos os africanos, povos e países, no mesmo saco da globalização pós-modernista, sendo capaz de fazer juízos diferenciais como este: "Na Guiné-Bissau admirei-me com o civismo (em geral acima da média africana) com que grande parte dos condutores locais conduz os seus veículos"...

Acho que esta é uma também boa dica, para a reflexão e a acção dos nossos camaradas e amigos que se preparam dentro de dias - no dia 17 - para partir para a Guiné (estou a pensar mais concretamente no Carlos Fortunato e no José Bastos) (2)... Enfim, é também uma pequena achega às valiosas dicas que o Vitor Junqueira, outro andarilho e amigo da Guiné e dos guineenses, já aqui nos deixou (3)... Mais dicas de outros tertulianos serão bem-vindas.
PS - Poder-me-ão acusar de paternalismo e de estar a projectar no Jorge - que eu, por infelicidade, ainda não conheço pessoalmente - os fantasmas, as culpas, as frustações, as expectativas e as ilusões da geração da guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram)... Até pode ser, mesmo que ele, coitado, não tenha costas tão largas para arcar com tremenda responsabilidade... Mas não é isso: sendo da geração pós-colonial, só tendo conhecido a Guiné pós-independência, o Jorge está naquele país por vontade própria e em missão de paz, como paisano... E se acaso eu o invejo, é apenas porque ele substituiu a G-3 pelo portátil, a máquina digital e o gravador... Como eu gostaria de ter estado nessa situação em 1969/71!...


2. Buracos e decibéis
por Jorge Neto (aliás, Jorge Rosmaninho)

Fazendo por alto a soma do conta-quilómetros pessoal em transportes públicos africanos, calculo que a coisa se situe entre os 10 e os 15 mil. A estes ainda poderei juntar cerca de 10 mil quilómetros, palmilhados no conforto de veículos próprios, alugados ou emprestados.

Horas a fio de estrada. Incontáveis esperas sonolentas em paragens de pó e gasóleo (aqui um carro só anda depois de a lotação estar completa). Cansaço acumulado em estradas pavimentadas a buracos. Avarias na berma, pedidos de boleia à sombra de embondeiros. Furos. Um despiste e uma ressurreição, no Niassa, Moçambique, quando alguns companheiros de viagem morreram abalroados por um camião. Tinha deixado o local minutos antes.

No Zimbabué, cretinocracia habitada por gente com fome, decadentes autocarros mostraram-me um país de capim dourado e elefantes. No centro e norte de Moçambique visitei o paraíso em oxidados machimbombos e trôpegas chapas (as de caixa aberta e as históricas Toyota Hiace). Nas sept places [sete lugares] senegalesas (as também históricas carrinhas Peugeot 504) provei o sabor de um país bonito, recheado de gente oportunista. As neuf places [nove lugares] mauritanas (as mesmas Peugeot, mas com dois passageiros mais que no vizinho Senegal) fizeram-me voar, literalmente, pelas areias do deserto. Nos autocarros estufa (sem janelas ou ar-condicionado) do tórrido Mali desfiz-me em suor, procurando o sul do Sahara. Na Guiné-Bissau admirei-me com o civismo (em geral acima da média africana) com que grande parte dos condutores locais conduz os seus veículos.

No fim de tantas viagens aprendi uma máxima que guardarei para sempre no livro das errâncias por estradas africanas: aqui (como em todo o continente), um transporte público pode não ter faróis, piscas, seguro, chapa de matrícula ou travões, mas tem, de certeza, um potente rádio de colunas roufenhas a debitar decibéis e a desfazer, desta forma, a angústia de longas jornadas a consumir buracos. No interior de uma candonga todos se abanam, não ao som dos acordes, mas ao sabor das covas da estrada. Também poucos falam, que o condutor sempre faz questão de mostrar a potência das roufenhas colunas que adornam o veículo. A foto e o som do interior de uma candonga guineense para ver e ouvir em baixo. Boa Viagem! Boa Viagem!
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLV: Ajudar os guineenses a fazer o luto (Luís Graça / Jorge Neto)

(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(3) Vd. post Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira

Guiné 63/74 - P1258: Dicas para o viajante e o turista (3): transportes colectivos: o táxi, o toca-toca e o candonga (Luís Graça / Sofia Branco)

Guiné > Zona Leste > Bambadinca > 1969 > A festa do fanado. Imagem enviada em 19 de Setembro de 2006, pelo Beja Santos. Fazia parte de um conjunto de três fotografias que, dizia ele no e-mail, tinha um significado especial para ele. "A primeira refere-se a um fanado de raparigas e a fotografia foi tirada na rua principal de Bambadinca, na área comercial, e espero que te possas recordar do chão avermelhado da laterite. Seria bem interessante que se escrevesse sobre o fanado (se por acaso não haja já nenhum desses escritos no blogue)" (1)... De qualquer modo, hoje em dia para se ir de Bissau a Bambadinca ou a Bafatá, por exemplo, tem que se alugar um jipe (o que é caríssimo, talvez 200 euros por dia) ou então apanhar um candonga (2)...

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


1. A jornalista Sofia Branco publicou, no Público.pt, de 6 de Outubro de 2003, um delicioso, bem-humorado e muito útil - para o viajante e o turista - artigo sobre os transportes colectivos da Guiné-Bissau: os táxis, os toca-toca e os candonga, que segundo ela são os heróis do asfalto (eu diria: depois dos peões)...

Façam o favor de ler o artigo na íntegra, que eu não posso publicá-lo aqui, sem autorização da autora e do editor... É também uma pequena homenagem à Sofia Branco que tem sido a jornalista que mais tem investigado e escrito, em português, sobre a Mutilação Genital Feminina. Ela é, de resto, uma observadora atenta, sensível e profunda da realidade sociocultural da Guiné-Bissau de hoje.

O dossiê do Público.pt sobre este tema - a Mutilação Genital Feminina - está disponível em linha. Já aqui chamámos para a actualidade e a importância do trabalho, de resto, premiado, da Sofia Branco, e para a persistência desta prática cultural que viola os direitos humanos da mulher, na Guiné-Bissau, entre alguns grupos étnicos, bem como noutros sítios de África (1).

2. Mas vamos ao tema deste post sobre dicas para o viajante e o turista em terras (e águas) da Guiné-Bissau: afinal, o que é que são os toca-toca e os candonga ? Aqui ficam alguns excertos do artigo da Sofia Branco (Táxis, toca-toca e candongas: os heróis do asfalto na Guiné-Bissau) (negritos meus):

(...) "À semelhança de muitos outros países, na Guiné-Bissau, os táxis são verdadeiros transportes colectivos. Os lugares vagos podem ser ocupados por gente totalmente desconhecida do primeiro cliente. Uns minutos na estrada e parecem já grandes amigos, tal a intimidade com que se tocam e roçam de cada vez – que é constantemente – que o carro dá um solavanco. Esta proximidade é ainda maior num toca-toca – aliás, o próprio nome vem do facto de as pessoas estarem constantemente a tocar-se. Nos toca-toca, a entrada só é vedada a um cliente quando os rabos dos outros passageiros já saem pelas janelas e quando alguns rapazes já vão de pendura nas portas de trás da carrinha, pé dentro, pé fora. Até que isso aconteça, pode entrar, sem saber, no entanto, se vai conseguir sair" (...).

(...) "Para sair ou entrar em Bissau, com destino às principais cidades, como Bafatá ou Gabú (Nordeste), os guineenses usam um meio de transporte ao qual chamam candonga. É uma carrinha semelhante ao toca-toca, mas com licença para passar os inúmeros postos de controlo espalhados pelo país. Se for em carro particular, poderá ter a sorte de ter apenas de abrandar antes de seguir caminho. Mas as candongas param sempre junto ao homenzinho que, à sombra de uma árvore, segura uma corda presa ao tronco de uma outra árvore, do outro lado da estrada. Os passageiros são obrigados a sair para voltarem a entrar, do outro lado da corda" (...).

__________

Notas de L.G.:

(1) Sobre o fanado nas raparigas (ritual de passagem onde se inclui a prática da MGF, e nos rapazes, a circuncisão), já se escreveu aqui alguma coisa...Vd. posts de:

4 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina) (Luís Graça)

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVII: A festa do fanado ou a cruel Mutilação Genital Feminina (Jorge Cabral)

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVI: Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina

(2) Candongueiro, em Angola:

(...) O cheiro fétido do humano
Viaja nos candongueiros
Que atravessam de lés a lés
A tua rede de túneis-formigueiros,
As tuas entranhas,
O teu tutano,
A tua essência.
Alguém poderia achar essas correrias loucas
Se não soubesse quem tu és,
Mas tu tens o teu tempo e a tua medida,
Ó cidade das mulheres empreendedoras,
Peritas na arte da sobrevivência. (...)


Glossário de termos do falar local: Candongueiros > Os endiabrados táxis colectivos de Luanda. Param um qualquer sítio e levam sempre mais um passageiro para além da sua lotação máxim. Cada viagem custa 30 kwanzas. O termo vem de candonga (contrabando). "Inicialmente o contrabando de peixe seco. Só muitos anos mais tarde se passaria a usar o termo candongueiro para designar os contrabandistas de diamantes ou, mais tarde ainda, os novos taxistas luandenses do chamado processo dos 500" (Segundo leio no sítio de um brasileiro sobre os países e comunidades de língua portuguesa).

Vd. Blogue-Fora-Nada ... e Vão Dois > post de 7 de Novembro de 2005 > Blogantologia(s) II - (12): Luanda (re)visitada

Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Julho de 1969 > O pelotão do Alf Mil Torcato Mendonça (na foto, à esquerda), pertencente à CART 2339 (Mansambo, 1968/69), esteve aqui em reforço da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70).

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CART 2339 (Mansambo, 1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça , de eperfil, em segundo plano, à conversa com os Alf Mil Rui Felício, à esquerda, e Jorge Rijo, à direita, de cigarro na mão. Estes dois úlimos oficiais pertenciam à CCAÇ 2405.

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CART 2339 (Mansambo, 1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça e os homens do seu pelotão, todos já velhinhos, a pensar no regresso a casa.. (Em Outubro deixariam Mansambo)... Nesta última foto, à esquerda, reconhece-se o Alf Mil Rui Felício, de bigode, que pertencia à CCAÇ 2405.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

6. Galomaro > Julho de 1969

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes: vd último post, de 28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira.

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

Legenda do T. M.:


Talvez em Julho ou Agosto de 1969. O meu Grupo de Combate esteve lá em reforço à CCAÇ 2405. Era a Companhia do Cap Mil Jerónimo [e dos alferes Rui Felício, Victor David e Paulo Raposo, membros da nossa tertúlia]. Estivemos em Galomaro e Cansamba. Os Paras estavam em Bafatá [vd. carta geral da província e depois a carta de Bafatá] e faziam-se operações na zona – COP7.

Creio que nessa altura escoltei (para trazer as viaturas de volta) a CCAÇ 12 para Madina Xaquili [, a nordeste de Duas Fontes, vd. carta de Cansissé]. Aqui na foto só reconheço a minha malta. Talvez os da CAÇ 2405 se lembrem do meu grupo.

O Capitão Jerónimo foi buscar-me a Cansamba. Estava com o meu 5º ou 6º ataque de paludismo. Em Galomaro estava um médico (do COP 7?) e estive dois ou três dias num barracão, sempre com um africano - de dois que vieram comigo... São outras vidas...

Comentário do Paulo Raposo (depois de ver as fotos):

Nas tuas 3 fotos estão os Alferes Felício e Rijo e os Furriéis Esteves e Fereira, da minha CCAÇ 2405.
O Cmdt do Cop 7 era o Major Parquedista Pardal, que mora em Cascais. O nosso médico de Galomaro era o Carlos Pereira Alves, hoje cirurgião famoso e Director do Hospital dos Capuchos. São ambos da corda, são grande e bons amigos nossos (da família da CCAÇ 2405). O Jerónimo Cap 1000 - Miguel Novais Jerónimo -, mora em Lisboa, em Benfica, na Rua Cláudio Nunes. Está velhote. Foi operado à vista nos Capuchos, com a protecção do Carlos.

Comentário de L.G.:

Torcato, foi em Julho de 1969. Confirmei na história do BCAÇ 2852 (1968/70), Cap. II, pag. 90, bem como na História da Minha Unidade, a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).

As coisas andavam bravas lá para aqueles lados (vd. carta de Duas Fontes ou Bangácia, nome do sede do posto administrativo que, com a guerra, terá perdido importância, em detrimento de Galomaro): Na madrugada de 30 de Julho de 1969, eu estava em Candamã, ainda as armas dos defensores da tabanca fumegavam ... Eis o filme desse mês (só registo a actividade da guerrilha que, haveríamos de saber mais tarde, era comandada pelo Mamadu Indjai, na zona de acção da tua CART 2339, Mansambo):

(i) No dia 1 de Julho, às 20h00, um Grupo IN , estimado em 30 elementos, flagelou à distância o destacamento de Dulombi [, a sudeste de Galomaro / Duas Fontes]... durante duas horas (!). Os  "camaradas" do PAIGC utilizaram Mort 60, LGFog , Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas. Causaram 1 morto e 7 feridos, todos civis. Retiraram na direcção Norte...

(2) Em 10, um outro grupo IN (não se sabe quantos) emboscaram um grupo de 4 civis de Dulombi, a partir de uma árvore, em Paiai Numba [, a sul de Padada, vd. carta da Padada]. Só dois dos civis consequiram regressar a Dulombi, para contar o sucedido...

(3) Quatro dias depois, a 14, por volta das 16h05, um bigrupo (cerca de 60 elementos) - que presumivelmente se dirigia a Dulombi - reagiu a uma emboscada nossa em (PADADA 2E4), com Mort 60, LGFog e armas automáticas durante cerca de 35 minutos... Antes de retirar para Sudoeste, o IN causa às NT 1 morto, 2 feridos graves (1 civil), 3 feridos ligeiros, além de danos materiais num rádio CHP (de mal o menos)...

(4) No dia seguinte, às 20h00, um grupo IN (estimado em cerca de 40 elementos) atacou as tabancas de Cansamba e Madina Alage, durante 60 minutos, com Mort 60, LFog e armas automáticas mas, desta vez, felizmente, sem consequências... O IN retirou na direcção da tabanca de Samba Arabe, levando consigo um elemento da população...

(5) A 20, pelas 20h00, tocou de novo a vez a Cansamba, flagelada por um grupo de 30 guerrilheiros, durante 20 minutos, sem consequências... Retirou na mesma direcção (Samba Arabe)...

(6)A 24, às 00h45, é atacado o destacamento de Dulombi, da direcção SSW. O IN, estimado, em 60 elementos, utiliza LGFog e armas automáticas.

(7) Nesse mesmo dia, às 17h20, o aquartelamento de Mansambo é flagelado, a grande distância, com Mort 82, a partir da direcção sudoeste. Sem consequências. Na outra ponta do Sector L1, o Xime é flagelado, às 19h45 por canhão s/r.

(8) Meia hora depois, a sul de Madina Xaquili, a cerca de 1 Km, um grupo IN não estimado reagiu a forças da madeirense CCAÇ 2446 , causando 6 feridos ligeiros, entre os quais 2 milícias. Simultaneamente, este destacamento é flagelado à distância, com Mort 60 e LGFog. Há apenas danos numa viatura GMC. O IN retira na direcção de Padada. Três Grupos de Combate da CCAÇ 12 (na altura, ainda CCAÇ 2590) tiveram aqui, nesse dia, o seu baptismo de fogo... em farda nº 3 (!) (*)

(9) No dia seguinte, à 1h20, é atacado o destacamento de Quirafo, durante 3 horas (!), por um grupo estimado em mais de 100 elementos, que utilizam 3 Canhões s/r, 3 Mort 82, vários Mort 60, RPG 2 e 7, Metr Lig e outras armas automáticas... Felizmente, há apenas 1 ferido, mas as instalações do destacamento ficam praticamente destruídas, bem como os rádios DHS e AN/RC-9 e quatro G-3... O arame farpado fora cortado em vários pontos...

(10) A 26, há uma nova flagelação do Xime, às 17h45, da direcção Sul, com Canhão s/r e Mort 82. Durante 10 minutos. No Xime está a CART 2520, com menos dois pelotões (um destacado em Galomaro e outro - duas secçõas - na Ponte do Rio Udunduma).

(11) No dia seguinte, 27, às 16h50, Mansambo volta a ser flagelado, à distância, durante 10 minutos, com Mort 82. Sem consequências.

(12) Em 28, por volta das 22h30, o dcstacamento de Madina Xaquili vai conhecer o inferno: durante 1 hora e meia, é atacado de todas as direcções, por um grupo de cerca de 60 elementos, com Mort 82, Mort 60, LGFog e armas automáticas. Há dois feridos. (**)

(13) A 29, às 10 da manhã, um grupo IN reagiu, durante 10 minutos, a um patrulha nossa, a 200 metros a SW de Dulombi, que acabava de sair na sequência do rebentamento de uma mina A/C. O IN, que utilizou Mort 60, LGFog e armas automáticas, causou 2 feridos civis.

(14) A 30, às 18h00, Mansambo sofre nova flagelação à distância, da direcção SW. Durante 20 minutos, com Canhão s/r e Mort 82. Sem consequências.

(15) A fechar o mês (quente) de Setembro, é a vez da tabanca em audodefesa de Candamã [, já no limite leste da ZA da unidade de quadrícula de Mansambo, ] conhecer o inferno: a 30, às 3h40, um numeroso grupo IN (80 a 100 elementos) ataca a tabanca, até de madrugada, durante 2 horas e 20 minutos, utilizando 2 Canhões s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Pistolas-Metralhadoras e Granadas de Mão Defensivas, causando um 1 ferido grave e 4 feridos feridos às NT e 2 mortos, 3 feridos graves e vários ligeiros à população civil... Valeu o comportamento heróico dos homens - menos de um pelotão - de Mansambo! (****).

___________

Notas de L. G.:

(*) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

(...) "Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau](...)".

(**) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono de) Madina Xaquili

"Por outro lado, o 1º e o 2a Gr Comb seguiam para o sub-sector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

"A 28, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos, tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (hoje inoperacional) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP/Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

"Na reacção ao ataque, o apontador de mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

"A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7 [Bafatá] e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população" (...)

(***) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)


(...) "Ataque de duas horas a Candamã

"E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [Mansambo](Op Guita).

"Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer.

"Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [1 bigrupo reforçado], armado de canhão s/r, mort 82, LGFog, metralhadora pesada 12.7, armas ligeiras automáticas.

"Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

"Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN sofrera várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de canhão s/r e RPG-2.

"Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de danos materiais (moranças destruídas, etc.].

"O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

"A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará" (...).

(****) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira




Guiné-Bissau > Região de Báfatá > Cidade de Bafatá > 16 de Fevereiro de 2005 > José Couto (ex-furriel milicano de transmissões, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego), um turista (o)(a)cidental, nas ruas desertas da bela Bafatá...

Fotos: © José Couto / Tino Neves (2006). Direitos reservados.



1. Há dias (29 de Outubro de 2006) recebemos uma mensagem de António Osório, de Vila Nova de Gaia, do seguinte teor:

Caríssimos:

Não tenho o prazer de os conhecer mas vi algumas coisas vossas na Internet sobre a Guiné-Bissau, daí recorrer à vossa ajuda.

Vai para dois ou três meses li uma reportagem no Jornal de Notícias sobre uma viagem à Guiné para ex-combatentes organizada por um indivíduo de nome José Arruda, que não conheço, cujo preço é de 1450,00 Euros/pessoa.

Recebi ontem um e-mail do Sr Arruda, morador na Amadora que me pede a entrega imediata de 1.450,00 Euros x 2( para mim e para a minha mulher) de modo a garantir-me a viagem à Guiné com partida a 3 de Janeiro de 2007, 8 dias de estadia no Hotel Residencial Coimbra, em Bissau, em regime de alojamento e pequeno almoço e visita a todos os locais onde estivemos(eu pessoalmente estive em Gadamael Porto e Cacine entre Novembro de 1970 e Dezembro de 1972).

Diz o Sr Arruda que esta viagem tem o apoio da Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal. Todavia eu através de consulta ao 118 da PT não consegui obter a morada ou telefone da referida embaixada. Será que conhecem a morada e telefone da embaixa da Guiné-Bissau em Portugal?

Agradecia muito a vossa ajuda já que eu tenho uma vontade enorme de visitar a Guiné, mas como compreendem o dinheiro custa muito a ganhar e eu queria confirmar a idoneidade dos dados que então me foram forneceidos pelo Sr Arruda.

Grato pela atenção, recebam um abraço do António Osório.

Telm: 918817443
Casa: 227114936 (V.N.Gaia)


2. Através do e-mail de José Costa (ou José Arruda ?), já tinha recebido em recebido em 28 de Julho de 2006 a seguinte mensagem:

Prezados colegas ex-combatentes:

Junto em anexo programa para uma viagem á Guiné. Vamos realizar o sonho da nossa vida, voltarmos aos locais onde nos anos 60/70 andámos.

Para qualquer informação adicional, por favor contactem comigo

José Arruda

Telef/Fax. 214974410 - Telem. 939594546
e-mail: aguiareal46@hotmail.com

Cumprimentos

José Arruda

3. Reproduzo aqui, a título meramente informativo, o Programa nº 166/06 - Guiné > Viagem à Guiné para ex-combatentes e familiares, a realizar no mês de Outubrod e 2006

Organizador: José António Arruda
Av.Padre Himalaia, 7-1º.Dtº.
2720-435 Damaia/Amadora

Telef/Fax. 214974410
Telemóvel 939594546
email: aguiareal46@hotmail.com

1º Dia 6ª.Feira- Concentração de todos os participantes no Aeroporto de Lisboa, pelas 7,15 h, para as formalidades de embarque e ás 9,30 h, em voo TAP, seguimos para Bissau, chegada prevista para as 12,40 h,transfert para o Hotel Residencial Coimbra e resto dia livre.

Do 2º ao 7º Dia. ( De Sábado a 5ª.Feira) Dias destinados às diversas visitas em carro privado a toda a Guiné, indo aos locais onde todos os participantes estiveram.

8º Dia. 6ª.Feira- Saída de Bissau ás 14,35 h, em voo TAP com destino a Lisboa, chegada prevista para as 19,40 h.

Observações - Esta viagem tem o apoio da Embaixada da Guiné em Portugal.

Documentos Necessários: Passaporte válido, 2 fotos e 60 € para o visto

Cuidados Médicos: Todos os participantes devem consultar o seu médico/ou Instituto de Medicina Tropical, para efeitos de vacinas e medicação.

Preço da Viagem: O preço é de 1.450, € por pessoa e inclui: Todos os voos de avião a partir de Lisboa, Taxa de Aeroporto Lisboa/Bissau, Transferts, Carro privado para as diversas deslocações e visitas, Hoteis quarto duplo em regime de alojamento e pequeno almoço.

3. Já vários camaradas já deram dicas ao António Osório, procurando responder ao seu pedido. De todos os e-mails que passaram por mil destaco o do nosso camarada Vitor Junqueira, que tem uma larga experiência de viagens: é um andarilho do mundo, incluindo à Guiné-Bissau. A experiência e o saber do Vitor nesta matéria podem ser muito úteis a muitos de nós. Aqui ficam pois as primeiras dicas para turistas e viajantes na Guiné-Bissau. (LG).

Prezado Osório,

Eu sou o Vitor Junqueira de Pombal e estou a responder ao pedido de esclarecimento acerca da eventual programação de uma viagem que pretende fazer à Guiné Bissau, na companhia de sua esposa.

De facto já viajei por diversas vezes para a Guiné, mas não vou fazê-lo no próximo dia 17 Novembro de 2006 (e como eu gostaria!). Posso no entanto dar-lhe algumas indicações baseadas na minha experiência pessoal. Assim:

1 - Quanto à viagem: vai a qualquer agência de viagens e compra as passagens na TAP, que é actualmente o único operador. Os preços subiram muito nos últimos tempos devendo rondar os 700euros + taxas.

2 - Quanto aos vistos: a própria agência que vender as passagens, deverá encarregar-se desse assunto. O preço anda à volta de 40 euros por pessoa + o trabalho da agência. Deverá entregar os passaportes + duas fotografias de cada passageiro com uma semanita de antecedência, que é para não haver surpresas.

3 - Quanto ao hotel: recomendo o Hotel 24 de Setembro. Fica localizado na zona de Sta. Luzia sendo as suas instalações resultantes do aproveitamento, para esse fim, do antigo clube de oficiais. A baixa fica à distância de um agradável passeio a pé. A zona é calma e segura, mas os cuidados habituais não podem ser descurados.

Note que pelos padrões europeus, os hotéis são maus e caros. Lençóis limpos, ar condicionado ainda que barulhento e água para o banho (quantas vezes despejando o caneco por cima da cabeça!), é tudo quanto podemos exigir. No hotel que referi, se optar por ele, vão pedir-lhe por um quarto duplo cerca de 50.000 CFA, equivalente a 16 contos, com pequeno almoço. Mas se negociar um pouco e disser que é amigo do Sr. Manuel Neves, um empresário meu amigo com bons contactos junto da gerência, talvez lho deixem por 35.000 (11 contos). Para fazer a reserva, contacte o sr. Moisés que é uma espécie de subdirector através do telef. 00.245.7237570.

Em Bissau, existem vários restaurantes, aceitáveis, com preços que não sendo baratos também não são exorbitantes. Quando forem para o interior, previnam-se com água, fruta e conservas. Até podem (e devem) levar umas latitas de cá.

4 - Quanto à bagagem: a roupa deve ser apenas a estritamente necessária para a estadia, transportada em sacos que caibam nos porta-bagagens da cabine (evitar as malas de porão), e adequada ao clima: dias quentes e relativamente húmidos sem chuva durante o dia, mas frescos à noite durante o mês de Janeiro.

Não esquecer de meter no saco uma pequena quantidade de sabão rosa ou azul. Uma T shirt, umas cuecas ou um par de meias, lavam-se à noite e deixam-se a secar frente ao ar condicionado. No dia seguinte ... é só vestir. E na falta de sabonete, shampoo ou creme de barbear, entra o sabãozito. De resto, quanto menos tralha, melhor.

5 - Quanto à segurança: na Guiné não há registo de criminalidade violenta exercida contra os turistas. Eu nunca tive qualquer problema, e posso garantir que se pode viajar tranquilamente por todo o território sem qualquer receio. No entanto, água benta e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

Como é sabido, a pequena delinquência existe em todo o mundo. Vamos então tomar algumas precauções. Em primeiro lugar, é fundamental não dar nas vistas. Para tanto, comecemos pelas roupas, que devem ser tanto quanto possível idênticas às das pessoas que lá vivem e trabalham. São de excluir os calções, roupas ou calçado de marca, objectos de ouro, relógios caros (ou de estimação!), máquinas de filmar ou fotogáficas a tiracolo (sempre no bolso, excepto quando estão a ser utilizadas ...). O mesmo para o telemóvel.

Relativamente aos documentos, eu costumo levar apenas o passaporte e uma fotocópia do BI para trazer no bolso no país de destino, para além dos meios de pagamento que tenciono utilizar. Note que isto é válido para os países pouco desenvolvidos, como para os ditos civilizados. Toda aquela carteirada de documentos que habitualmente nos acompanha para todo o lado, fica de férias em Portugal. E no cofre do hotel (quando existe), ficarão guardados, o passaporte, os valores em dinheiro, o cartão de crédito e os objectos valiosos. Nunca deixe quaisquer valores à vista no quarto. As malas devem ter fecho de segurança ou um bom cadeado.

O regresso ao hotel ser feito a pé, deve ocorrer antes do anoitecer. Na rua, as conversas ou qualquer comentário entre si e a esposa devem ser feitos de modo a que outras pessoas não se apercebam do seu conteúdo ou da razão da vossa presença no país (turismo, visita a familiar, trabalho etc.), nem mesmo da nacionalidade. Para qualquer digressão nocturna, chamem não o António (!) mas o táxi.

6 - Saúde: não recomendo a profilaxia anti-palúdica. É preferível fazer a prevenção através da observação de algumas regras e comportamentos. Durante o dia pas de problème! Mas se a zona a visitar for particularmente húmida (pantanosa), pode usar-se um bom repelente, comprado em Portugal. Existem à venda de diversas marcas, com excelentes características cosméticas.

À noite, no restaurante, discoteca ou simples passeio, usar sempre roupa com mangas compridas e calças, cobrindo as partes expostas (mãos e face) com o repelente (spray ou stick). As meias de desporto (Sportzone, por ex.) são também uma boa opção, pois oferecem algum conforto aos pés durante as caminhadas e à noite, dada a sua espessura, impedem que o ferrão dos mosquitos nos atinja a pele dos tornozelos. Até podemos meter as calças por dentro delas.

Para aquelas pessoas que se sentem mais seguras se tomarem o comprimido contra a malária (ou paludismo, é a mesma coisa), o medicamento que recomendo é o MEPHAQUIN. Toma-se um comprimido uma semana antes do embarque, outro na véspera da partida e daí para a frente, um por semana sempre no mesmo dia. Mínimo: 4 semanas de tratamento.

Do estojo de primeiros socorros deve constar também o paracetamol como analgésico e antipirético, um anti-inflamatório - por ex., Donulide, ou Voltaren para quem não sofre do estômago - , um anti-diarreico que pode ser o Imodium, um antibiótico multi-usos de que uma boa referência continua a ser o Clavamox, Augmentim, etc. Um ligadura de 7 cm (largura) e alguns pensos rápidos podem ser úteis.

Mas tão importante quanto isto tudo, é fazer um bom seguro de viagem, que garanta a evacuação aérea de urgência e/ou repatriamento em caso de doença súbita ou acidente.

7 - Meios de pagamento: EURINHOS, muitos! Notas de 5, 10, 20 e 50. E algumas moedas para dar, muito parcimoniosamente, aos putos que constituem a comissão de boas vindas, logo à chegada ao aeroporto e que não deixarão de ser bastante persuasivos em algumas ruas de Bissau, mas não no mato. Os câmbios fazem-se na rua em Bissau, onde aparecem os angariadores. Eu prefiro as Casas de Câmbio que se encontram praticamente todas concentradas numa rua da cidade. Cada euro vale à roda de 650 francos CFA (Communauté Francofone Africaine).

Para as crianças das aldeias a visitar, é conveniente levar alguns rebuçados, que não derretam com o calor. Esferográficas e outro material escolar assim como roupas, são muito apreciados mas muito difíceis de distribuir visto que é impossível levar quantidades que contemplem mais do que uma dezena ou duas de crianças, e elas caem-nos em cima como um enxame. Fica ao critério de cada um, mas se optarem por levar, então entreguem a alguém da tabanca e essa pessoa é que fará a distribuição.

8 - Deslocações: Taxi ou Toca-Toca (transporte colectivo). O táxi, bem negociado, pode ser uma boa solução e vai a todo o lado. Em Bissau, numa papelaria próxima dos Correios vendem-se óptimos mapas rodoviários da Guiné de que convém adquirir um exemplar logo à chegada, a fim de planear as viagens.

Uma boa norma consiste em viajar sempre na companhia de um guineense da sua confiança que lhe poderá ser recomendado por um amigo, alguém do hotel, um comerciante ...


9 - Nota final:

Os tempos mudaram, e a nossa relação com os guineenses não pode ser a mesma que se verificava quando por lá passámos há trinta e tal anos, com uma guerra então em curso. Eles estimam-nos, mas apreciam muito o tratamento de igual para igual.

Nunca se descuide com qualquer atitude de sobranceria ou arrogância tão frequente em pessoas que visitam África pela primeira vez. Evite o tratamento por TU, mesmo tratando-se de jovens ou crianças.

Nunca desdenhe dos produtos ou das intenções dos vendedores de rua. Sorria, converse com eles sem lhes transmitir a falsa ilusão de que está interessado se não for esse o caso, mas nunca lhes vire as costas. Nem os ignore baixando a cabeça e seguindo em frente. Uma moedita, nem que seja apenas de 20 cêntimos, que se dá a um garoto por aqui, a outro por ali, pode operar milagres no campo da comunicação.

Corresponda sempre a uma saudação e tome a iniciativa de cumprimentar quando achar que a bola está do seu lado. Para isso basta levantar o braço e fazer um ligeiro aceno de cabeça. Por outro lado, são proscritos os salamaleques bem como as atitudes de subserviência. Mostre compreensão pelas manifestações de pobreza ou mesmo miséria, material e humana, que vai sem dúvida encontrar. Não escarneça delas através do riso ou do gesto.

Do mesmo modo, situações ou atitudes que para nós podem parecer caricatas ou mesmo condenáveis, como por exemplo a abordagem por uma autoridade maltrapilha e ignorante, devem ser tratadas com pézinhos de lã. E muita compreensão.

Não se esqueça que estas pessoas podem não ter recebido um único salário desde há meses encontrando-se em situação desesperada. O lado positivo da coisa é que um qualquer berbicacho se pode resolver-se com uma discreta gratificação de 500 ou 1000 CFA. A melhor forma de lidar com esta gente é nós próprios deixarmos a cabeça de europeu aqui em Portugal e no seu lugar atarrachar uma de africano à chegada.

Durante a viagem é que não sei como vai ser! Em qualquer lado, cidade ou interior, não deixe de manifestar um particular respeito pelos idosos a quem tratará por Tio ou Tia. Sendo a população maioritariamente muçulmanna (2/3), a família tem para eles um valor que entre nós já lá vai. Por isso leve fotografias dos filhos e netos que mostrará quando achar oportuno. Vai ver quanto sobe no patamar da consideração desta gente simples. Se a sua máquina fotográfica ou de filmar é digital, mostre-lhes no display algumas das fotos que tirou e recolha um endereço para mais tarde enviar as cópias. Nunca prometa nada se não tenciona cumprir. Um africano nunca esquece o bem ou mal que lhe fizerem.

Dito isto, resta-me desejar-lhe boa viagem e uma óptima estadia.

Cumprimentos

Vitor Junqueira,
ex-alf mil da CCAÇ 2753 - Os Barões

(Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72) (1) .

Hoje é médico e vive em Pombal.

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Nota de L. G.:

(1) Vd. post de 23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)