quinta-feira, 19 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2962: A guerra estava militarmente perdida? (20):Um Fraco Rei Faz Fraca a Forte Gente (António Graça de Abreu)

República Popular da China > Pequim > O António Graça de Abreu na praça Tianamen

Foto: © António Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.

Meus caros Luís Graça, Virgínio Briote e Carlos Vinhal

Envio mais um pequeno contributo para a polémica da "guerra militarmente perdida." Apenas com um objectivo, o de nos conhecermos todos melhor.
Um abraço,
ex-Alf Mil
CAOP 1
1972/74
__________

"Um fraco rei faz fraca a forte gente"

por António Graça de Abreu

"Nós, Portugueses (…) oscilamos entre o 'eu sou o maior' e o 'eu não sou ninguém'. Em suma, não sabemos quem somos. Não temos um mapa real. E seria fundamental tê-lo. Para a nossa vida social, política e afectiva. Porque Portugal precisa urgentemente de saber a sua exacta medida. E não oscilar entre a tendência para o pequenino e a megalomania."
Júlio Gil, Jornal de Letras, nº. 752, 19 de Janeiro de 2005, pag. 14.


Meus caros tertulianos e amigos:

Comecei a escrever um Diário com quinze anos de idade e nunca mais parei de o fazer. Fui agora buscar mais uma página do que chamo o "meu diário secreto" onde registei uma citação de Jorge Luís Borges, o argentino excelente:
"O passado é argila que o presente molda à vontade." Logo de seguida, na mesma página, no dia 29 de Setembro de 2001, alinhei a seguinte prosa:

Leio no Expresso, em texto do director José António Saraiva:

"Há muitos anos que as formas clássicas de fazer a guerra vêm a ser postas em causa. (…) Veja-se o que aconteceu na Guiné onde o exército português foi irremediavelmente batido. (a 22 Set. 2001).
Há a ideia construída e generalizada em muitas boas mentes de que a guerra da Guiné estava perdida pelos portugueses e ganha no terreno pelo PAIGC. Trata-se de um juízo refinadamente mentiroso. Não é verdade, mas de tão repetido, começa a sê-lo. Hei-de fazer algo para repor a verdade da História. Tenho os documentos e as vivências plenas desses dois últimos anos 1972-74. É só dar testemunho. E é preciso.

Há setenta anos atrás, explicava o nosso António Aleixo, poeta popular de Loulé, que:

P’ra mentira ser segura
E atingir profundidade
Tem de trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.

Hoje, Junho de 2008, o problema da derrota militar, a questão do "exército português irremediavelmente batido" na Guiné, não é nova, existem umas dezenas de textos em livro com abordagens ao tema. O problema tem enformado (ou deformado) as mentes de incontáveis pessoas que, do poleiro do seu azedume, pelo inchaço da nostalgia do colonialismo e da sagrada defesa da Pátria, pelo gosto muito português da auto-flagelação, pela ausência de um mínimo de auto-estima, por falta de respeito pela História, por razões políticas e ideológicas, tentam, por magia, transformar as tropas portuguesas na Guiné, nos anos de 1973/74, ora num imenso bando de heróis, ora numa chusma de cobardes, de calças na mão, incapazes de responder militarmente aos ataques do PAIGC, com armamento inferior, em colapso militar, enfim uma guerra militarmente perdida.

Isto não é verdade.

Há muita gente que confunde o que de facto aconteceu, há quem acredite ainda no sonho irrealizável de um obsoleto império colonial (estas pessoas, felizmente poucas, não costumam aparecer no nosso blogue), e há uns tantos que pugnam por uma derrota militar em toda a linha. Trinta e quatro anos depois, estas afirmações continuam a ser um desprazer para muitos de nós, dezenas de milhares de homens que participámos na fase final de uma guerra injusta, numa pátria que não era a nossa, no tempo errado da História. Sei também que temos todas as razões para assumirmos que saímos da Guiné de cabeça levantada, com traumas, naturalmente, mas sem remorsos nem retardados actos de contrição.

Vamos à questão da derrota militar.

Volto a repetir, não estamos a falar de política. No caso do colapso das tropas portuguesas, estamos a falar de uma derrota no campo militar, repito militar, ou seja, um dos contendores (PAIGC) era militarmente mais forte do que o outro, nós, e consequentemente derrotou-nos, obteve vitória após vitória no terreno de luta, nós recuámos, eles avançaram, houve um "exército português (já agora, também uma marinha e uma força aérea) irremediavelmente batido", como escreve José António Saraiva no Expresso.
Eu acredito que, neste editorial do Expresso, o então director do mais importante semanário português está a falar do que não sabe ao referir um "exército português irremediavelmente batido" pelas tropas do PAIGC.

Em 2006, fui recuperar o meu Diário da Guiné, 1972/1974, e publiquei-o. Desculpem-me a vaidade, ajustei contas com a História, a nossa, a minha história. Está lá quase tudo sobre esse período das nossas vidas, singularmente num enquadramento ideológico de uma certa esquerda radical que na época prevalecia nas nossas mentes e universidades, ideologia que chegou à Guiné e que assumi então, facto de que não me arrependo, nem um bocadinho.

De regresso ainda às teses "do colapso militar, da superioridade em armamento do PAIGC, do exército português irremediavelmente batido", porque as confusões subsistem, volto a inserir o seguinte texto já utilizado por mim aqui no blogue mas que, creio, merece uma segunda leitura.

Leopoldo Amado em entrevista a Aristides Pereira, pergunta-lhe: "Por altura do 25 de Abril de 1974, o PAIGC tinha uma capacidade militar maior que as tropas coloniais?"
Aristides Pereira: "Maior, não diria, na medida em que estavam bem apetrechadas, tinham uma logística mais bem montada que a nossa, para além de um número superior de efectivos do que nós. A verdade é que no fim o soldado português já estava mal; estava farto daquilo."
Vamos ler outra vez.

Aristides Pereira, um dos dirigentes máximos do PAIGC, recorda que, por altura do 25 de Abril, a capacidade militar do PAIGC era inferior à das tropas portuguesas, diz-nos que a logística das tropas portuguesas estava mais bem montada do que a do PAIGC, confirma ainda que o número de efectivos das tropas portuguesas era superior ao dos seus guerrilheiros.
E conclui, com naturalidade, que nós portugueses (eles também, PAIGC, digo eu!) estávamos fartos da guerra.

É espantoso que depois de um dirigente do nosso "inimigo" reconhecer honestamente que a capacidade militar, a logística e número de efectivos das tropas portuguesas era superior ao dos seus combatentes, tenhamos ainda de ouvir umas tantas almas portuguesas iluminadas que nos vêm explicar que os guerrilheiros possuíam maior capacidade militar, que o armamento do PAIGC era superior, e que "o exército português" havia sido "irremediavelmente batido".
E depois o Mário Beja Santos ainda nos vem dizer: "Por favor não se insinue que os militares portugueses estiveram associados ao colapso."

Por vias travessas, a questão é mesmo esta, os militares portugueses não estiveram associados ao colapso porque não houve nenhum colapso militar. Há pessoas que gostam de entrar no reino do surreal, da confusão, da inversão do entendimento e dos valores.

Vamos ler Mário Beja Santos, no nosso blogue, post 2959, a 18 de Junho de 2008:

"Primeiro foi a dupla Nixon/Kissinger que decidiu a perda da supremacia militar. Circunstâncias? Tudo aquilo que se passou depois de 6 de Outubro foi decisivo para o colapso militar da Guiné."

6 de Outubro de 1973? Uma dupla de senhores importantes em Washington a decidir a supremacia militar do PAIGC sobre as tropas portuguesas?

Meus caros tertulianos, meus queridos amigos, para esta fase final da guerra da Guiné, penso que não será de dar muita importância às congeminações, às previsões, às hipóteses, às insinuações, às possibilidades, ao que eventualmente podia, ou poderia, acontecer, ao conhecimento livresco das situações adquirido no sofá de Lisboa, a 4.000 quilómetros da Guiné, dos lugares onde a guerra acontecia.

Interessa-me o que realmente aconteceu, os factos, a leitura do quotidiano, o rigor, a análise das sensibilidades e do poder das forças em presença.
É assim nas Ciências Sociais e na História. Tenho um mestrado (1999) em História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses, pela Faculdade de Letras de Lisboa, e três livros publicados na área da História. Isto não me dá grande autoridade para falar como conhecedor da História, mas não façam de mim parvo.

De resto, para aquilo que modernamente se chama conceptualizar, para as sínteses conjunturais, (Fernand Braudel, os homens da Nova História explicaram isto há já muitos anos), para a abordagem global de um dado momento histórico, necessitamos de conhecer bem os pormenores, a história dos quotidianos, das mentalidades, etc. É por isso que este blogue do Luís Graça é importante.
Do emaranhado de opiniões, do particular passa-se para o geral, começamos a conhecer o todo porque entendemos as pequenas partes que juntas começam a constituir esse mesmo todo. E não podemos falsificar dados, nem inventar factos. Porque o próprio corpo da História, com o passar dos anos, os irá rejeitar.

Eis um exemplo de como, partindo do particular, podemos chegar ao entendimento da globalidade.

Nos posts 2940 e 2941 de 15 de Junho de 2008, o nosso amigo e tertuliano ex-furriel miliciano Eduardo Magalhães Ribeiro, o homem que arriou a última bandeira portuguesa a flutuar na Guiné, na cerimónia de entrega de poderes ao PAIGC, em Mansoa, a 09.07.1974, pois o Eduardo contribui com quatro achegas importantes para a compreensão do tema da guerra militarmente perdida pelos portugueses, do colapso militar, da vitória militar do PAIGC.
A primeira é uma entrevista com o comandante Rebordão de Brito, ao jornal O Diabo, em data não referenciada, mas é um documento autêntico. Cito apenas um excerto:

"Em Junho de 1974, quando da entrada dos primeiros elementos do PAIGC estes se apresentavam na sua maioria esfarrapados e com péssimo aspecto. Aliás, ao conversar na altura na povoação de Cacine com o comandante da sua Marinha (Pedro Gomes) este confessou-me que dificilmente o seu partido aguentaria mais um ano de luta. Esta confissão é sem dúvida corroborada pelo insistente pedido feito às nossas autoridades para que se procedesse ao imediato desarmamento das forças africanas."
Estará Rebordão de Brito a mentir? Isto são posições da extrema-direita?
Depois, o Eduardo Magalhães Ribeiro, com fotografia e tudo, em Mansoa mostra um furriel do Batalhão 4612 a entregar uma metralhadora HK 21 a um guerrilheiro do PAIGC, para a segurança e defesa de Mansoa nesse dia histórico para a Guiné.
Têm andado por aí umas tantas boas almas a apregoar que os combatentes do PAIGC dispunham de armamento em quantidade e qualidade muito superior ao da tropa portuguesa? Afinal, num dia tão importante, os guerrilheiros precisaram que lhes emprestássemos, ou oferecêssemos, umas tantas HK 21.
Outra questão, essas armas e essa segurança eram para o PAIGC se defender de quem? De nós, portugueses, não era, de uma FLING, mito ou realidade, também não acredito muito. Então era de quem? Não seria das tropas guineenses que haviam combatido ao lado dos portugueses, eram mais numerosas do que os guerrilheiros e ainda não haviam sido totalmente desarmadas? Isto explica, creio, os fuzilamentos posteriores dos comandos africanos, milícias e não só.
O Eduardo Magalhães Ribeiro conta mais uma história curiosa. Diz:

"Outro facto de que me recordo perfeitamente, pelo espanto que me provocou foi que, ao contactar com vários guerrilheiros do PAIGC, que faziam parte da guarda de honra nesse dia, verifiquei que um grande número deles não entendiam nada de português, e nada ou quase nada de crioulo.
Só entendiam e falavam francês.
De onde são vocês? - perguntei eu.
- Somos da Guiné-Conacry!"

O Eduardo afirma que se recorda perfeitamente desta conversa e eu acredito nele, embora reconheça que alguns dos ex-combatentes na Guiné sofrem hoje de alucinações e são capazes de inventar factos e situações apenas possíveis em mentes doentias.
A questão das tropas da Guiné-Conakry a combater e a misturar-se com o PAIGC também é importante.

O Amílcar Cabral defendia a chamada tese do dominó, ou seja, os aquartelamentos de fronteira na Guiné Portuguesa iriam ser conquistados um a um, (corrijam-me se estou enganado) obrigando-se a tropa portuguesa a refugiar-se no interior do território. Para isso contava com o apoio das bases do PAIGC no Senegal e na Guiné-Conakry (tudo fora da actual Guiné-Bissau) e com a ajuda de, pelo menos, o exército da Guiné-Conakry.
Foi o que aconteceu em Maio de 1973 em Guidage, Guileje e Gadamael. Os três aquartelamentos foram quase cercados e atacados com uma força brutal. Registaram-se as maiores batalhas (talvez exceptuando a do Como, em 1964) da guerra da Guiné, com um rol de mortos, feridos e sofrimento que perdura na memória de muitos de nós.
Gadamael, tal como Guileje, foi atacada com canhões M 50 que tinham um alcance de 30 quilómetros (corrijam-me se estou a errar), com foguetões 122, morteiros 120 (uma arma temível), canhões sem recuo, etc. Os guerrilheiros cumpriam a sua obrigação, lutavam contra o inimigo que éramos nós, a tropa portuguesa. Mas (este mas é importante!) quase sempre as suas bases de fogo, nos ataques a estes aquartelamentos situavam-se do lado de lá da fronteira e, no caso concreto de Guileje e Gadamael, o exército da Guiné-Conakry deu uma boa ajuda ao PAIGC.

Tivemos recentemente aqui no blogue a descrição cruenta do doloroso inferno de Gadamael feita por um sargento ex-pára-quedista deficiente das forças armadas, chamado Carmo Vicente.
Pelo que li e foi escrito em livro, de memória, muitos anos depois, o Carmo Vicente, embora lhe reconheça a autenticidade da descrição, não me merece grande respeito. Entre outros, ele insulta por exemplo, a 38ª Companhia de Comandos, acusando-a na altura da cobardia de "estar há mais de ano em Bissau" quando em Maio de 1973 os homens da 38ª CCmds acabavam de chegar de Guidage, com um morto e dois feridos graves. Enfim, as pessoas, deficientes ou não, devem ter respeito por si próprias e pelos outros. Fiquemos por aqui.

Mas a batalha por Gadamael, tal como a de Guidage e até a de Guileje, tão faladas e descritas no nosso blogue, – talvez para provar que a força militar do PAIGC era enorme e que a guerra estava militarmente perdida – provam exactamente que a força militar do PAIGC, a atacar, a bombardear de fora do território da Guiné, auxiliado pelo exército da Guiné-Conacry, assustou, destruiu, matou mas afinal não venceu.
Quem ganhou as batalhas por Guidage e por Gadamael foram ou não foram as tropas portuguesas, os pára-quedistas em Gadamael? É um facto importante que o Carmo Vicente se "esqueceu" de incluir no seu relato? Falo do que aconteceu no terreno, em termos militares. Em Guileje houve o abandono de um dos contendores. Foi este o único aquartelamento que o PAIGC pode considerar ter "conquistado".
A tese do dominó, de Amílcar Cabral, não teve comprovação prática. Os portugueses (eu sei, à custa de quantos sacrifícios!) continuaram com os aquartelamentos de fronteira. O Carmo Vicente fala nos seis aviões Fiats que bombardeavam os guerrilheiros em volta de Gadamael, já em Junho de 1973. Isto significa que um mês e picos depois dos cinco aviões abatidos pelos Strella do PAIGC, os Fiats voltavam a voar, a bombardear e a acertar nos alvos IN.
A guerra não estava militarmente perdida. A sobrevivência de Gadamael deve muito à força aérea.

Podemo-nos questionar, porquê e para quê tanta luta, tantos mortos, tanto sofrimento? A resposta a estas questões é de natureza política e não militar, tem a ver com a essência do conflito em termos políticos e ideológicos. Portugal teve a pouca sorte de ser governado por Salazar e por Marcello Caetano.
Regressemos à "derrota militar" das tropas portuguesas.

É verdade que em Julho de 1973 o governador António de Spínola falou na "contingência de um colapso militar", dado o grande poder de fogo IN sobre os aquartelamentos de fronteira, e pediu mais armas a Marcello Caetano. Falou na "contingência de", não de um "colapso militar".
E o colapso militar não se veio a concretizar. Digo isto com toda a simplicidade, eu estava lá, na Guiné, 1973/74, em Cufar, a trinta quilómetros de Gadamael e Guileje, eu e mais 40.000 portugueses espalhados pelo território e não assistimos, nem participámos em nenhum colapso militar.

De resto, ainda uma palavrinha sobre António de Spínola. Foi um homem de confiança do regime, pelo menos até 1972, altura em que a chamada ala liberal se lembrou dele para Presidente da República, para substituir o Américo Tomás. Marcello Caetano não concordou (parece que o inefável Costa Gomes meteu a sua colherada neste processo denunciando antecipadamente a Marcello as intenções de Spínola), e o nosso general do monóculo começou a entrar em contradições com Caetano. Depois, e neste contexto, vem a saída de Spínola da Guiné, a nomeação para Vice-Chefe das Forças Armadas, a demissão, o livro Portugal e o Futuro, o 25 de Abril.

Falei há dias aqui no blogue na "minha" Companhia de Caçadores 4740, os "Leões de Cufar", sedeada durante dois anos (72/74) no coração do Tombali/Cantanhez, numa situação extrema de uma dura guerra de guerrilha, cento e oitenta homens que tinham à sua guarda um importante aeroporto militar, populações guineenses nas aldeias de Cufar, Impungueda e no grande reordenamento de Mato Farroba, cento e oitenta homens que participaram sozinhos e com outras companhias em operações militares, sofreram emboscadas, defenderam o aquartelamento e a povoação durante as muitas flagelações a que fomos sujeitos.
Tiveram vários feridos mas nem um único morto em combate. Por pura sorte, com certeza, mas também e sobretudo devido ao real poder das forças em confronto.
Qual derrota, qual colapso militar?

"Um fraco rei faz fraca a forte gente"... São palavras de Luís de Camões, em Os Lusíadas, canto III, estrofe 138. Temos tido muitos fracos reis, às vezes não passam de um baronetes da bravata e da maledicência, megalómanos imperadores do nada.
Oito anos de vida fora da minha Pátria, em quatro continentes, ensinaram-me a gostar muito de Portugal. Mas há portugueses que me entristecem. Não importa, vou com as aves, no murmúrio azul do perpassar da brisa.

E uma coisa eu sei, na Guiné, com fracos reis, fomos ainda forte gente.

António Graça de Abreu

S. Miguel de Alcainça, 17 de Junho de 2008
Ano do Rato
__________

Notas:

1. Edição da responsabilidade de vb

2. Artigos relacionados em

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Silêncio, diz-se poesia!... O Joaquim Mexia Alves, confidenciando-nos que às vezes tem saudades da Guiné, do Mato Cão, do Rio Geba (1)...

O Joaquim Mexia Alves foi alferes miliciano de operações especiais, tendo passado, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, por três unidades no TO da Guiné: (i) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas); (ii) ingressou depois no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão); e (iii) terminou a sua comissão na CCAÇ 15 (Mansoa ). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Pel Caç Nat 52 estava na altura afecto ao mesmo batalhão.

Vídeo (3' 05''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes


Sentado na minha cadeira (2),
Cerveja na mão,
Fito os olhos no longe,
Tão longe,
Que vai para além do horizonte.
O Sol começa a descer ,
Lá ao fundo,
Para os lados do Enxalé,
E os seus raios de luz
Tocam a terra de sangue
E pintam o ambiente de vermelho.
O momento é mágico,
Porque não há nada mais bonito
Que o Pôr do Sol na Guiné.
Na bolanha,
Junto ao Geba
(Que se ouve a murmurar),
Passa um pequeno tornado.
Quase que o podia agarrar!
Ao meu lado,
O Furriel Bonito.
Deve estar a meditar
No que é que eu estarei...
A pensar!
Estou para aqui, isolado,
Vivendo como uma toupeira
Debaixo de terra,
Cercado de arame farpado.
A letargia da rotina diária
Toma conta de mim
E tanto me faz
Que o dia nasça
Como chegue ao fim.
Fecho os olhos por um momento.
Estou em Monte Real!
É fim de tarde,
Hora de banho
E vestir a preceito,
Que o meu pai não deixa
Que se jante no Hotel
Sem uma roupa de jeito.
Já lá vem o chefe de mesa
Que tem muito que contar,
Fala-me da carne e do peixe,
Tenho a boca a salivar.
Tocam-me no ombro!
Esfumou-se o meu sonho!
É o Mamadu que me diz,
Com o seu sorriso:
«Alfero,
O comer está pronto.»
O que lhe falta
Em smoking de profissão,
Excede em alegria
E dedicação.
Levanto-me,
Olho em redor.
Nas pequenas tabancas,
A luz das fogueiras
Ilumina a escuridão
Da falta de luz.
Abano a cabeça,
Para afastar o torpor,
E grito bem alto
Com a minha voz forte,
A afastar o temor:
«Pessoal,
vamos morfar,
que nunca se sabe,
quando isto vai acabar!»


Monte Real, 29 de Março de 2008
(Fixação e revisão do texto: LG)

Poema (original): © Joaquim Mexia Alves (2007)

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd poste de 26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2886: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (10): Homenagem ao António Batista (Joaquim Mexia Alves)

Vd. também poste de 17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2868: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (7): Homenagem a um camarada, poeta e viticultor, o José Manuel

18 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2855: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (2): A estreia mundial do Fado da Guiné

(2) Vd. poste de 30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr do sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2960: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): Eu, virgem, me confesso

Foto > Confissão de O Virgem

Foto 2 > O Virgem Perdoado

Foto 3 > O Afasta-Tentações

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça, nio campo fortifivcado de Mansambo, como lhe chamava o PAIGC: uma outra faceta, brincalhona, brejeira, do nosso amigo e camarada que vive no Fundão...

Fotos, legendas e texto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.


1. Texto enviado em 19 de Novembro de 2007, pelo Torcato Mendonça , Fundão:


Caiu o Carmo e a Trindade. Logo hoje que aqui bem perto ainda estão nos ares restos da festança de ontem. A inauguração da recuperação da Igreja Matriz, com políticos, bispos, arcebispos e outros dignos membros da Igreja – disseram – me o nome mas, cabeça a minha..., foi-se (de ir, foice não).

Mas porque caiu o Carmo e Trindade? Porque o José viu o Poste e de pronto manifestou o seu desagrado ao Torcato: porco e foto minha lá metida. Eu, homem sério e sempre afastado do pecado carnal, exijo reparação. Lembra-me um texto e 3 fotos esquecidas no tempo. Vá pecador, com que então a frequentar lugares de pecado! Juro que não estou louco. Tenho é frio porque a casa demora a aquecer. Brincar, mesmo com a guerra não deve fazer grande mal. Outros tratam-na bem pior. Boa semana, bom trabalho e melhor saúde. Não sei se o anexo, pesado, vai levantar voo e aí chegar… tentemos! Um abraço,


2. Estórias de Mansambo (12) > EU, VIRGEM, ME CONFESSO!

Confirmo o título – Eu Virgem me Confesso – se o fui para lá, tal qual vim para cá. Por isso ilustro este breve texto com três fotos. Pode-se pois, confirmar a transformação sofrida.

Íamos a um bruxo. Afastávamos as tentações da carne, num ritual onde Baco era figura suprema. Depois de ingerirmos grandes e variadas quantidades de líquidos, ao bruxo nos confessávamos. Como por magia, éramos libertados do pecado carnal e aparecia uma auréola. Vide fotos. As asas surgiam, também por magia claro, ao segundo ou terceiro afastamento das tentações. Assim éramos libertados do pecado…

- Estas fotos estão no meu álbum. Creio terem sido tiradas num abrigo, em Mansambo, junto às camas dos Furriéis Rodrigues e Sérgio. Talvez o fotógrafo tenha sido o Rei, apesar dele aparecer noutra foto. Foram tratadas agora, para esta mensagem.

Na nossa Companhia, oficiais, sargentos e praças, dormiam, sem privilégios, nos respectivos abrigos. Excepto o Comandante (zona do comando) e Serviços como secretaria, cripto, etc. tinham abrigos separados dos Grupos de Combate, só por questões funcionais.

A alimentação era igual para todos. Havia um bar/refeitório e sala de convívio, para sargentos e oficiais, junto à zona do comando. Cada abrigo tinha um espaço, rodeado por bidões, a sala, que servia para a convivência e os mais diversos afazeres de todos, mas aqui, principalmente para os soldados. Era uma questão de formação (instrução), disciplina e espírito de corpo, ou convivência salutar com a disciplina aceite onde cada um, sabia quem era naquele buraco.

Antes, em Fá, a situação era outra. Instalações – edifícios normais de uma antiga Instalação Agronómica do Eng. Amílcar Cabral – muito melhores e, principalmente, um Comandante a pensar como era hábito. Oficiais e sargentos de um lado, praças do outro. Instalações, alimentação e não só eram diferentes. Em Mansambo aos poucos as diferenças esbateram-se.

Há fotos aéreas, já diferentes do aquartelamento do meu tempo, que mostram aquele quadrado, de cem por cem metros, oito abrigos e mais outros dois ou três para serviços e ao fundo, a velha tabanca.

Leio, em certos escritos situações que não as vivi assim. Miliciano era miliciano, as diferenças eram poucas na [CART]2339. Assunto diferente, sobre o qual quero opinar, depois de ouvir outras pessoas.

Voltando ao assunto:

Um simples e belo texto, vem trazer à colacção um tema interessante, a merecer, por nós, reflexão e tratamento. O sexo em tempo de guerra.

(As fotos são brincadeira, nota introdutória ou homenagem, a todas as virgens diurnas e profissionais do sexo depois do sol se esconder… por vezes, a pressa ou a necessidade, não cumpre ciclo de sol ou lua…)

Já aqui levantado, o tema… o tema, porque o falo, esse, cada vez mais se abaixa. Talvez as palavras, de Pombal enviadas, tenham sido o clique, não a levantar o porro, a tanto não seriam capazes e o autor talvez, para isso, pastilha azul a outros receite mas, ao menos abriu as memórias de doces, leitosas e belas recordações. Em baixo ou em cima, recordar é viver e, se hoje tantos, a tanto não iriam, vão, ao menos na recordação e porque não, na tentação. Vale a pena tentar ou, talvez, mais valha a pena o tema tratar. Não com a ligeireza que agora o faço, mas descomprime por terapia. Necessário será tratar o sexo em tempo de guerra e a sua importância para as tropas.

Não digo heroína ou estátua a madame de bordel. Prefiro, se possível contribuir para que sejam tratadas com respeito. Eram profissionais, bastante falta, a muitos, faziam. A Helena… oh triste memória… oh degradação do efeito dos tempos…eu e a malta que quando havia ronco, íamos a Bafatá, procurávamos a doce, pensava eu até hoje, Ana Maria. Erro meu. Falsa recordação. Talvez fosse Helena, por confusão minha. Se duas eram, contemporâneas foram. Apresentavam sempre virgens ou inexperientes donzelas em ébano talhadas. Mas, em Bafatá, havia nome de mulher que não esqueço – Solemato – talvez a ablação dos lábios e clítoris tenham sido mal concretizados. Bendito cirurgião. Eu, ainda hoje, por doce recordação te lanço a minha bênção, com os poderes que o bruxo, protegido de Baco, outrora me ofereceu e julgo, ainda estar em período de validade.

Tanto tempo, tanto tempo… a Bafatá fomos proibidos de ir, em caso de ronco… as senhoras sentiam-se mal na piscina. Entravamos nós saíam elas…e no cinema…onde nunca fui, preferia o acto á visão, houve problema… mas nós só queríamos beber… e como jovens…enfim…algo mais.

Posteriormente, quando à dita cidade íamos era em rápida fuga – passando pelas tais casas e, após o acto, passávamos ao repasto na Transmontana. Tudo rápido.

Vidas agitadas, a viverem furiosamente aquele dia…a viagem em asfalto até Bambadinca…depois, chiava mais fino, na picada até ao conforto do resort em Mansambo e o Spa …onde rapidamente as forças nos eram recuperadas.

Bolas…

O aquartelamento tinha péssimas condições de vida. Eu contarei a construção de tudo aquilo. Pior para os que primeiro foram – 4º e depois o 1º – Grupos. Nós, 2º Grupo, fomos depois… eu contarei um dia.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste anterior desta série > 12 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2527: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Na Bor, Rio Geba abaixo, com o Alferes Carvalho num caixão de pinho...

Guiné 63/74 - P2959: A guerra estava militarmente perdida? (19): MIGS e Aliados. Juvenal Amado. M. Beja Santos.

A guerra estava militarmente perdida?

1. Mensagem de Juvenal Amado de 12 de Junho:

Caros camaradas da Tabanca Grande.

Com a polémica a chegar ao fim, (ou não) não posso deixar de tornar os meus pensamentos transparentes e dizer também o que penso.
O medo dos Migs era real, pois foram distribuídos cartazes com fotos identificativos dos referidos aparelhos, em variados destacamentos.

É verdade:

Que nós não tínhamos meios de autodefesa contra esse tipo de ataque.
Que a nossa Força Aérea, já dificilmente cumpria a sua missão de apoio às tropas debaixo de fogo.
Que os helis e Dorniers voavam rente ao chão e de preferência, por cima das estradas e rios (mesmo assim levavam rajadas de automáticas).
Que os batalhões cumpriam 26, 27 meses, por não haver homens para formar novos batalhões e assim serem rendidos.
Que havia movimentos, para que os soldados se negassem a embarcar.
Que se não temesse o efeito dominó a Guiné já teria sido abandonada.
Que os destacamentos junto à fronteira, estavam a ponto de terem que ser evacuados.
Que as nossas armas mais emblemáticas (Chaimites, Fiats) se tornaram obsoletas, graças aos mísseis e novos RPGs (emboscada entre Bafatá e N. Lamego, onde a Chaimite foi varada por munição anticarro).
Que estávamos a um passo de ver os ex-Alferes, que já tinham cumprido comissões serem chamados a cursos de capitães, e serem obrigados a combater novamente, em novas comissões. A vez dos outros (furriéis, cabos e soldados) também chegaria a seu tempo.
Que na (Metrópole) a resistência ao regime, desencadeava cada vez mais acções de sabotagem (caso dos helis, centrais eléctricas e navio de transporte de tropas Cúnene dinamitados pela ARA).

Que os Portugueses estavam fartos.

Quanto se utiliza o relato de actos de bravura dos nossos soldados, para se negar o que era inegável.
A derrota militar era uma realidade.
As derrotas militares são normalmente precedidas do sofrimento das populações civis. O Povo Português estava casado de sofrer.
Se não se tem promovido etnias em desfavor de outras. Se não se tem promovido a cavaleiros do Império, soldados oriundos das populações indígena, que fizeram em muitos casos o trabalho “sujo”, a guerra teria durado ainda menos.
Quando li as opiniões de alguns nossos camaradas sobre a questão, fiquei perplexo.
Parece que falam de outra realidade.
Na opinião deles, este país que vivia num atraso tal que competia com as próprias colónias, tinha condições para se manter como a última potência colonial. Contra tudo e contra todos.
Na minha opinião há de facto falta de realismo nesta visão e 34 anos após a revolta dos que lá combatiam alguns ainda mantêm o sonho inexplicável do Império Colonial.

Juvenal Amado
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2. Mensagem do Mário Beja Santos de 12 de Junho:

Luís, Graça Abreu, estimados tertulianos,

Regresso à polémica com os Strella e a falta de contrapartida e à delicada questão da "Guiné defensável", introduzida no texto do Graça Abreu.

Primeiro, foi a dupla Nixon/Kissinger que decidiu a perda de supremacia militar. Circunstâncias? Tudo quanto se passou depois de 6 de Outubro de 1973 foi decisivo para o colapso militar na Guiné. A diplomacia norte-americana sentia sérias dificuldades em continuar a apoiar-nos no Conselho de Segurança, começava a abster-se nas votações decisivas.

Com a Guerra dos 6 Dias, a Base das Lajes tornou-se vital para apoiar Israel. Convido todos os interessados a lerem "Nixon e Caetano – Promessas e abandono", por José Freire Antunes, Difusão Cultural, 1992. Está lá tudo contado, a partir da página 263.
A 12 de Outubro, Kissinger solicita ao Governo português autorização para a cedência da base dos Açores. Caetano está ausente, Rui Patrício procura Tomás em Belém, este recusa a cedência.
A Europa retraíra-se perante o risco do embargo petrolífero, Espanha, Turquia, França, Reino Unido e Alemanha interditaram as suas bases para o trânsito de aviões norte-americanos. A mensagem de Kissinger às primeiras horas de 13 para o Ministério dos Negócios Estrangeiros é ameaçadora: fala das reacções do Congresso, na necessidade de uma paz estável no Médio Oriente, aguarda imediatamente uma resposta. Patrício responde referindo a neutralidade no conflito israelo-árabe, invoca as possíveis retaliações, pede garantias a Washington e uma atitude de condenação à proclamação da independência da Guiné.
E escreve explicitamente: "O Governo português formulou ontem um pedido específico a que atribui a maior importância e urgência. Estamos defrontando neste momento perspectivas de séria ameaça de escalada da agressão nas nossas províncias ultramarinas, e muito especialmente na Guiné (...) que pode ter possibilidades de concretização, nomeadamente na utilização de meios aéreos de bombardeamento naquela província. Para lhe fazer face, necessitaremos com a maior urgência de dispor de meios defensivos que nos permitam neutralizar a superioridade de armamento dos nossos adversários".

Freire Antunes recorda uma outra nota do embaixador Hall Themido para Kissinger:

"Relativamente ao fornecimento de materiais defensivos que temos em vista... se trata designadamente de mísseis terra-terra para a hipótese de enfrentarmos ataques blindados e mísseis terra-ar para eventual defesa contra aviões. Sabemos que os EUA produzem um míssil Red Eye... atribuímos primeira prioridade à satisfação do nosso pedido de entrega imediata de mísseis terra-ar, que poderá mesmo efectuar-se nos Açores".

Ao fim da tarde do dia 13, no momento crítico da batalha do Sinai, quando ainda havia o risco de um desaire israelita, Nixon envia um ultimato a Caetano onde se diz explicitamente:
"Devo dizer-lhe com toda a franqueza que a sua recusa em ajudar neste momento crítico, forçar-nos-á a adoptar medidas que não deixarão de prejudicar as nossas relações".
Como é sabido o Red Eye nunca veio, a soberania na Guiné foi reconhecida por mais de oitenta Estados. O desequilíbrio militar passara a existir.

Segundo, a questão da Guiné defensável, que o Graça Abreu brande, usando uma expressão de Caetano. Pego em "Marechal Costa Gomes, no centro da tempestade", pelo historiador Luís Nuno Rodrigues (A Esfera dos Livros, 2008), a partir da página 101.
Depois de tudo quanto se passou em Guidaje, Guileje e Gadamael, Spínola escreve a Costa Gomes solicitando um reforço de tropas e meios disponíveis. Costa Gomes visita o território. Spínola escrevera a Costa Gomes o seguinte: "O PAIGC passara a ter novos meios que lhe davam a possibilidade de isolar povoações de fronteiras e sobre elas desencadear potentes e prolongadas acções de fogo, em manifesta situação de superioridade sobre as nossas guarnições, dotadas de armamento obsoleto".
É nessa data que Spínola escreve ao Ministro do Ultramar: "Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar". Já não havia dinheiro para meios adicionais, os nossos diplomatas, como aqui se dirá mais tarde, andavam desesperados a pedir armamento aos nossos aliados.

Tudo nos foi negado. Costa Gomes propõe uma modificação do dispositivo defensivo da Guiné, sobretudo a retirada de todas as forças nas fronteiras para uma zona em que não fossem atingidos pelos morteiros 120.
É nessa altura que Costa Gomes comunica a Marcello Caetano que a Guiné é defensável caso o dispositivo fosse modificado, retirando para o interior as guarnições militares que estavam a defender as povoações localizadas junto à fronteira. Mas havia uma ressalva: o PAIGC podia vir a utilizar os MIGs e se estes bombardeassem Bissau "nós perderíamos imediatamente a guerra".

Não vale a pena desdenhar deste argumento do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

Vem nos jornais que em Outubro de 1974 os MIGs da nova República da Guiné-Bissau aterraram em Bissalanca pilotados por guineenses que tinham estado a preparar-se com o apoio da URSS. Espero que não seja necessário ir à Hemeroteca para citar a chegada dos MIGs a Bissau.

Voltando ao essencial, Spínola pretextando não estar disposto a abandonar as populações, demitiu-se. Em Setembro, tomou posse o general Bettencourt Rodrigues que não contestou este dispositivo, não teve tempo de o aplicar.

Parece-me útil pormos um conjunto de protagonistas a falar sobre a evolução da Guiné de 1973 para 1974, é o que procuraremos fazer no próximo texto com base nos dois volumes da Guerra de África que José Freire Antunes publicou no Círculo de Leitores, em 1995.

Confio que esta argumentação clarifique porque é que escrevi e mantenho que a guerra na Guiné estava militarmente perdida.

Aproveito para recordar ao Joaquim Mexia Alves que a generalidade dos nossos camaradas da Guiné desconheciam o que se estava a passar quanto ao armamento e à procura de soluções para se repor o equilíbrio. Por favor, não se insinue que os militares portugueses estiveram associados ao colapso.

Um abraço para todos do

Mário Beja Santos
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Notas:

1. Adapatação do texto da responsabilidade de vb.

2. vd. artigos relacionados em:

14 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio >
Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 >
Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2958: E os nossos assobios vão para... (1): Um embaixador que não honra Portugal... (Luís Graça / Pepito)



Vídeo (0' 32''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes




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Dois pequenos excertos do discurso do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Prof Doutor João Gomes Cravinho, na sessão de encerramento do Simpósio Internacional de Guileje, Bissau, Hotel Palace, 7 de Março de 2008. A atitude do embaixador português em Bissau - entrou mudo e saiu calado - contrastou com a jovialidade e a simpatia do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, o Prof Doutor João Gomes Cravinho.

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Sessão de encerramento > Na mesa, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Prof Doutor João Gomes Cravinho, e o Prof Doutor Luís Moita.

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Sessão de encerramento > Isabel Miranda, presidente da Comissão Organizadora do Simpósio.

Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Visita de homenagem aos túmulos de Amílcar Cabral e de outros dirigentes históricos do PAIGC > O Pepito e a Alice.


Guiné-Bissau > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Visita ao Cantanhez > Travessia do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > O nosso camarada Carlos Silva, à esquerda, e o Dr. Frederico Silva, conselheiro da Embaixada Portuguesa em Bissau, o nº 2 da hierarquia.

Fotos: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Ediçãoe legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Há notícias que de vez em quando nos deixam tristes. Em especial aquelas que dizem respeito ao nosso país e à Guiné-Bissau, aos portugueses, aos nossos amigos guineenses... No dia 11 de Junho transacto, recebi uma dessas, de um amigo, que muito prezo e respeito,o Carlos Schwarz, mais conhecido por Pepito, fundador e director executivo da mais respeitada e seguramente a maior ONG guineense, a AD - Acção para o Desenvolvimento, que vai já a caminho dos 17 anos de existência. 

A AD é uma ONG com uma presença insubstituível e marcante na vida económica, social e cultural da Guiné-Bissau. E que, além do mais, tem uma conduta ética e socialmente responsável. Recentemente foi apresentado e aprovado e divulgado o seu relatório de actividades de 2007, cuja leitura recomendo.

O Pepito é, desde Dezembro de 2005, membro da nossa tertúlia, e um grande entusiasta da amizade Portugal/Guiné-Bissau, do reforço da nossa cooperação, da preservação da memória da guerra colonial/luta de libertação, da lusofonia... Para quem não o conhece, acrescentarei que é, profissionalmente, engenheiro agrónomo, formado em Portugal pela mesma prestigiada escola que formou o Amílcar Cabral, quase trinta anos antes, o ISA/UTL - Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, onde conta, de resto, inúmeros amigos e condiscípulos. A sua mãe, ainda viva e leitora assídua do nosso blogue, com noventa e tal anos, vive em Portugal. O seu pai, Artur Augusto Silva (1913-1912), nascido em Cabo Verde, foi um advogado notável, um cidadão corajoso, um escritor talentoso, e um lusoguineense de alma e coração.

Tratando-se de uma mensagem privada, não a vou transcrever. Mas é importante saber, no mínimo, quais são as más notícias que ele me mandou de Bissau. No essencial, o Pepito relatou-me, compreensivelmente indignado, as circunstâncias em que a sua filha mais velha, Pepa, de nacionalidade portuguesa, filha de mãe portuguesa (Isabel Levy Ribeiro), foi (mal) tratada na Embaixada de Portugal em Bissau, no próprio dia de Portugal, de Camões e das Comunidades . Por ordens expressas do embaixador, um segurança barrou-lhe o caminho, impedindo-a de se juntar aos restantes compatriotas em dia de festa...

Segundo o Pepito, a razão (absurda) para tal atitude, inédita nos anais da história recente, de 33 anos, da Embaixada Portuguesa (1), terá sido o facto de a Pepa não ter alegadamente cumprimentado o senhor embaixador. Este ter-lhe-á gritado, com modos muito pouco ou nada próprios de um embaixador, de um cavalheiro, de um homem e de um português o seguinte:

- A senhora não me cumprimentou, ponha-se na rua!
E agora passo a citar o comentário do Pepito, pai naturalmente indignado por uma atitude tão grosseira como aparentemente inexplicável do representante máximo de Portugal na nossa irmã Guiné-Bissau:

"Nada de especial se isso não tivesse a ver com o nosso Simpósio de Guiledje. É que a sua organização e financiamento passou-lhe [, ao Embaixador,] completamente ao lado. Não porque nós, da organização, assim o quisessemos, mas porque ele, na modorra da sua vida diplomática, nunca tivesse feito algo para se envolver na organização do Guiledje. Bem que nós insistimos e aí estão as cartas para o provar.

"Como o Simpósio foi um sucesso (até hoje não houve uma única voz contra) e está sempre a ser citado (ainda no Parlamento guineense, há 2 dias atrás), ele sentiu-se desprestigiado, para não dizer outra coisa".


A Pepa, que é uma mulher casada, mãe, profundamente empenhada, como profissional e como cidadã estrangeira, no estudo e na preservação do património natural da Guiné-Bissau (e em especial da sua fauna), terá sido apenas vítima de um acesso momentâneo de mau humor do nosso embaixador ? Parece que não, segundo o nosso amigo Pepito que alega que o embaixador, não podendo vingar-se no pai, humilhou a filha, o elo mais fraco da cadeia...

Não seria um acto isolado e insólito, mas antes deliberado, de discriminação dos dirigentes da AD, nas pessoas do Pepito (director executivo) e da Isabel Miranda (que foi a presidente da Comissão Organizadora do Simpósio).

De facto , foi a primeira vez, em 33 anos, que o Pepito e a Isabel Miranda não foram convidados para a festa do dia de Portugal, de Camões e das Comunidades...

E termina o Pepito:

"Apenas levo ao teu conhecimento este facto, em primeiro lugar pela nossa amizade e depois porque afinal fazes parte da história... Todos os participantes portugueses se recordarão do desinteresse completo como o Embaixador de Portugal os (não) recebeu em Bissau"

2. Na qualidade de fundador e principal editor deste blogue, mas também amigo do Pepito, da sua família, da AD, dos seus colaboradores e sobretudo do povo da Guiné-Bissau, tenho a obrigação de publicitar aqui a minha solidaridade com a Pepa, o Pepito e a Isabel Miranda:

Meu querido amigo Pepito:

Fiquei mesmo colado, literalmente, à cadeira, quando acabei de ler a tua mensagem. Como português, sinto-me envergonhadoo e revoltado com o que vos aconteceu: em primeiro lugar à tua filha, Pepa, que é cidadã portuguesa como eu; e depois a ti e à Isabel Miranda, que não são apenas simples cidadãos guineenses, são grandes amigos de Portugal e dos portugueses, e são duas pessoas, de grande nível, cívico, moral, intelectual e humano, que representam o melhor que a Guiné-Bissau tem, e a quem se deve muito do sucesso do Simpósio Internacional de Guileje, em que eu tive a honra de participar, com mais amigos e camaradas da Guiné, que fazem parte do nosso blogue.

Pepito: O que está feito, mal feito, não tem reparação, e ainda para mais sendo imputado â pessoa de um representante institucional de Portugal, do Estado Português, logo feito em nome de Portugal e dos portugueses. E desgraçadamente por alguém que,sendo embaixador, faz uma interpretação abusiva do seu papel e do seu cargo, confundido a nossa embaixada com a sua casa (memo que ele viva, fisicamente, no mesmo espaço).

Pepito: A única consolação é que tens (e podes contar sempre com) a nossa solidariedade e a certeza de que, aqueles de nós que te conhecem, como fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, independentemente de serem ou não teus amigos, estão contigo, com a Pepa e com a Isabel Miranda, e irão levar, ao conhecimento do Governo Portugués e do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, os seus veementes protestos por este incompreensível, insólito, deselegantíssimo, reprovável comportamento de um diplomata português, que humilha, em público, uma jovem cidadã portuguesa, querendo aparentemente vingar-se do pai, que é uma figura pública, um homem grande, da Guiné-Bissau, e de uma das suas mais próximas colaboradoras, a Isabel Miranda, presidente da AD.

Pepito: Não conheço senão a tua versão dos acontecimentos. Todos os conflitos têm o verso e o reverso. Não creio, todavia, que tenham sido dadas quaisquer explicações (muito menos apresentadas desculpas) pelo senhor embaixador ou pela embaixada, relativamente a este incidente... Mas, conhecendo-te como te conheço, como homem honrado,  acredito na tua palavra e na tua versão dos factos. Herdaste do teu pai a verticalidade, a coragem e a honestidade intelectual. Não irias seguramente fazer deste incidente um caso público, a não ser por razões de dignidade.

Tratando-se de um acto público, praticado em território português (que é, simbólica e legalmente, uma embaixada), por um representante do Estado Português, eu não só posso como devo relacioná-lo com outros actos públicos que, no passado, envolveram o mesmo representante diplomático de Portugal em Bissau.

Quero com isto dizer que não estou a infringir as próprias normas bloguísticas, que criei, e que me impedem de me imiscuir nos assuntos, políticos, internos, da actual República da Guiné-Bissau. Isto é um assunto que envolve também cidadãos guineenses, mas que diz respeito sobretudo aos portugueses. Ora o mínimo que posso escrever, é que o senhor embaixador envergonha-me, a mim, como português e como amigo da Guiné-Bissau. Lamento-o dizer, mas ele não honra Portugal nem os portugueses.

Não o conheço pessoalmente, embora estivessemos juntos, a escassos metros, em três ocasiões, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje, na primeira semana de Março de 2008:

(i) Estivemos juntos, eu e um grupo numeroso de portugueses, e o embaixador, no Palace Hotel de Bissau, na sessão de inauguração e na sessão de encerramento do Simpósio Internacional de Guileje; o represenante português ignorou, pura e simplesmente, a presença dos antigos combatentes portugueses, e de outros convidados, conferencistas, tanto portugueses como estrangeiros, incluindo figuras intelectualmente prestigiadas como o Prof Luís Moita, vice-reitor da UAL- Universidade Autónoma de Lisboa, ou o Prof Patrick Chabal, de nacionalidade francesa, mas vivendo em Inglaterra, e que é considerado o melhor biógrafo de Amílcar Cabral. A sua atitude - entrou mudo e saiu calado - contrastou com a jovialidade, a elegância, a competência, o fair play e a simpatia do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, o Prof Doutor João Gomes Cravinho, de cujo discurso publicamos acima um pequeno excerto.

Cruzámo-nos ainda com o embaixador, eu e mais uma numerosa delegação portuguesa, na sede do Governo da Guiné-Bissau, tendo o primeiro ministro feito questão nos receber, amavelmente, de resto, juntamente com a senhora Ministra dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria. (O mesmo aconteceria, a seguir, com o Chefe de Estado, 'Nino' Vieira)... Nesse dia, 6 de Março de 2008, o embaixador acompanhava o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, na audiência que, julgo, terá antecedido a nossa.

Em nenhuma destas três ocasiões, numa só semana, o senhor embaixador se dignou cumprimentar um único dos muitos portugueses que participaram neste evento e que andaram por Bissau...Nem um mísero Olá, viva, estão bons!? ...

Muitos de nós ficaram chocados e surpresos... Eu e mais alguns amigos e camaradas acabámos por, na altura, não dar excessiva importância ao caso... Acabei por aceitar a explicação do Dr. Frederico Silva, conselheiro da Embaixada, que procurou desculpar o comportamento do nosso embaixador, que alegadamente andaria muito cansado com a preparação da visita, nessa semana, do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação... (O Dr. Frederico Silva acompanhou-nos na visita ao sul da Guiné, nos dias 1 a 3 de Março de 2008, e teve um relacionamento correcto connosco, um pouco distante, mas correcto)...

Hoje compreendo finalmente o que se passou connosco, com a Pepa, com o Pepito e com a Isabel Miranda: este homem (cujo nome nem sequer menciono, porque eu não falo do indivíduo, mas sim da figura institucional que é pressuposto representar o povo português na Guiné-Bissau e que é um funcionário do corpo diplomático, pago pelos contribuintes portugueses) , este homem, repito, não honra, de facto, Portugal nem os portugueses. Não pode, decididamente, honrar Portugal, ignorando, desprezando ou maltratando os portugueses e os guineenses, amigos de Portugal...

Espero, ao menos, que ele seja uma excepção entre as muitas centenas de funcionários do corpo diplomático e consular, portugueses, espalhados pelo mundo fora, alguns dos quais representados, de resto, no nosso blogue. É por isso que vão para ele os nossos assobios, a nossa maneira cívica, bloguística, metafórica, virtual mas não menos veemente, de mostrar-lhe, a ele e ao Estado Português que ele é pressuposto representar, a nossa indignação como amigos e camaradas da Guiné que somos...

Mas, como tu dizes, Pepito, noutra mensagem posterior, Portugal felizmente "representa-se por pessoas de bem, civilizadas, cultas, como, por exemplo, todos aqueles que vieram participar no Simpósio Internacional de Guiledje e que trouxeram um abraço solidário, mostraram o seu elevado nível de sentimentos, de conhecimento histórico e cultural e que deixaram a todos nós uma imagem do Portugal moderno e civilizado que muito nos calou no coração"...

É essa imagem, Pepito, que eu e todos nós queremos que tu (e a tua família, e os teus amigos, e os teus colaboradores, e o teu povo) guardes de Portugal e dos portugueses até ao resto dos teus dias. Essa imagem leva muitos anos a construir, e não tem preço. Seguramente vai sobreviver a este episódio, infeliz e triste, que nos envergonha e revolta. O somatório da mesquinhez de alguns portugueses (e guineenses) não chega para destruir a nobreza dos nossos dois povos, o português e o guineense.

Luís Graça

PS - Amigos e camaradas:

(i) O email da embaixada de Portugal na Guiné-Bissau é o seguinte:
emb.port.bissau@sol.gtelecom.gw [não tenho a certeza de estar actualizado, pode ter havido mudança de operador]

(ii) O contacto do Governo Português é o seguinte:

http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Geral/Contactos

(iii) O email institucional do Pepito e da AD é o seguinte:

ad@orange-bissau.com

Estou a fazer uma sugestão, não um apelo: escrevam duas linhas, se assim o entenderem dever fazer, a mostrar a vossa indignação e a vossa solidariedade de amigos e camaradas da Guiné.

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Nota do editor:

(1) E por falar de embaixadores de Portugal na Guiné-Bissau, leia-se o poste de 25 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1113: Dez razões para ler 'Em tempos de inocência', diário do Embaixador A. Pinto da França (Beja Santos)

terça-feira, 17 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2957: O Nosso Livro de Visitas (18): Fernando Teixeira, ex-1.º Cabo Aux. Enfermeiro da CCAÇ 2404/BCAÇ 2852 (Guiné 1968/70)

1. No dia 10 de Junho de 2008, recebemos esta mensagem do nosso camarada Fernando Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2404/BCAÇ 2852:

Caro companheiro, Luís
Parabéns pelo site e tertúlia que você deve ser o cérebro deste feito.

Está muito bom. E ainda não me de debrucei em pormenor. Ler com calma e perceber coisas que eu mesmo já tinha esquecido. Aliás, consegui esquecer-me de muitas coisas que passei. Nem me interessa, para já, recordar.

Apresento-me: Fernando Maria Neves Teixeira, 1.º Cabo Enfermeiro.
Desembarquei em Bissau em 30 de Julho de 1968, passei por Teixeira Pinto, Binar, Bambadinca e desembarquei em Lisboa no dia 25 de Junho de 1970.
Pertenci à CCAÇ 2404/BCAÇ 2852.

Como estou reformado, vou conseguindo algum tempo e irei consultar mais em pormenor a Tertúlia através do seu blogue.
Enviei um email ao colega Carlos Fortunato a solicitar-lhe informações de contactos do meus colegas de Companhia. Se souber alguns contactos desde já agradeço.

As minhas saudações fraternas;
Fernando Teixeira


2. Em 17 de Junho foi enviada resposta ao Fernando Teixeira

Caro Fernando Teixeira
Gratos pelo teu contacto.

Obrigado pelas tuas palavras dirigidas ao nosso Blogue que também é teu.
O nosso Blogue destina-se a todos os ex-combatentes da Guiné que queiram colaborar na sua feitura.
Cada um de nós pode contribuir com os relatos das suas experiências e com fotografias que tenham alguma estória.

Aproveito para, em nome dos editores e da restante Tertúlia, te convidar a aderir à nossa Tabanca Grande, como é conhecido o Blogue entre nós.
Na volta do correio envia uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, tipo passe de preferência, e conta algo sobre ti e a tua Unidade.

Quanto ao pedido de contacto que pedes, consultei a página do nosso camarada Jorge Santos em http://guerracolonial.home.sapo.pt/ e encontrei um camarada da CCS do teu Batalhão, de nome Carvalhal (...).
Contacta-o pois podes a partir dele conhecer mais malta da tua Companhia ou do Batalhão.

Um abraço
Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2947: O Nosso Livro de Visitas (17): Henrique Martins de Castro, CART 3521 (Piche, Bafatá e Safim, 1971/74)

Guiné 63/74 - P2956: Tabanca Grande (75): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Guiné 1972/74)



Belarmino Sardinha
1.º Cabo Radiotelegrafista STM
Guiné
1972/74




1. Após a pré-apresentação à nossa Tabanca Grande no dia 14 de Junho na série O Nosso Livro de Visitas, Belarmino Sardinha apresenta-se formalmente com esta mensagem, de 16 de Junho, e o texto que anexou.

Estimado Camarada,

Foi com agrado que recebi a tua resposta. Claro que irei enviar as minhas fotos para me juntar a vós.

Quanto a factos, como fui em rendição individual e fazia parte daqueles que não saíam em operações, por ser do STM, felizmente não tenho história nem histórias dessa vivência a não ser por compreensão e solidariedade. Justifico assim a minha presença no almoço do BCAÇ 3832, com quem convivi durante seis meses.

Não deixarei por isso de vos dar o meu apoio e contributo sempre e quando for necessário.

Junto umas palavras que melhor descrevem o que aqui refiro. Por ser folha e meia, juntei como ficheiro para possibilitar a sua leitura em separado. Mas achei importante enviá-lo para melhor nos conhecermos.

Estava já em Bissau quando aconteceu o 25 de Abril, irei pensar se houve algum facto que mereça destaque.

Desculpem se pouco tenho que vos ajude, mas contem pelo menos com o apoio.

Um abraço,
Belarmino Sardinha
Odivelas
Ex-1º Cabo Radiotelegrafista STM


2. Apresentação
Por Belarmino Sardinha

Camarada,
A pior coisa que pode acontecer é sermos nós próprios a cometermos imprecisões dos factos que descrevemos e que não admitimos que sejam postos em causa.
Acontece que a memória quando não preservada, por escrito, submete-nos a algumas partidas, no caso concreto mais ainda por se tratar de factos tão dolorosos por vezes, que se torna difícil justificar o erro.

Cometi um erro quando referi ter estado em comunicação com Gadamael quando foi com Guileje (1).
Embora aqui reconheça de pronto o meu erro não deixa de ser lamentável que o tenha cometido, pelo que vos peço a todos desculpa.

Não fui sujeito a qualquer situação que mereça destaque, por isso me limitei a participar com alguns dados que pudessem permitir ou sugerir a quem melhor do que eu o possa fazer.
Limitei-me a viver dentro das paredes dos aquartelamentos, guardado pelos operacionais e a partilhar com todos eles as suas aventuras e desventuras apenas e só como camarada presente, pelos laços que nos uniam a situação.

Reconheço que a memória já não é o que era, ou terei eu feito por esquecer para evitar lembrar-me daqueles com quem não partilhava as operações mas partilhava as conversas, os copos e as vida antes deles a perderem e serem devolvidos depois de embalados.

A experiência mais caricata terá sido um jantar de 24 para 25 de Dezembro de 1973 em Aldeia Formosa, onde a refeição de consoada foi esparguete com marmelada e as cervejas se compravam no bar com caixas de fósforos, moeda que funcionava como dinheiro.

Recordo-me também de ter feito sofrer até ao último dia possível, o despenseiro que se tinha negado fornecer-nos diariamente, para o posto de rádio do STM, um casqueiro e um pedaço de margarina para as sandes da noite de quem estivesse de serviço ao rádio, única forma de contacto com o exterior e que funcionava 24 sobre 24 horas, à luz de duas garrafas de petróleo com uma torcida de atacador a sair pelo furo das caricas.

Confesso ter-me sentido importante nessa altura, tanto mais que ele já oferecia tudo, enlatados de chouriço e tudo, para que se lhe enviasse a mensagem a marcar as férias que permitiam vir até à tão ansiada metrópole. Aceitei apenas o casqueiro e a margarina, mordomia naquele tempo para as noites de serviço.

Podem todos ficar descansados, ele acabou por vir de férias e quando voltou eu já lá não estava, mas constou-me que continuou a haver casqueiro e margarina todas as noites. Aprendeu a lição e a saber o que era estar solidário e partilhar com os outros. Infelizmente mesmo naquele ambiente também aconteciam coisas destas, como a superioridade que se tornava ficção quando a necessidade ou o medo apertavam.

Julgo que hoje já somos todos mais iguais e compreendemos melhor o que se passava, até nisso a idade tinha importância.

Lamentavelmente, de tudo o resto, tirando umas garrafas de gin bebidas com o Brito da 38.ª de Comandos, camarada que vivia em Loures, na altura o mesmo Concelho a que eu pertencia por ainda não ter sido criado o de Odivelas, pouco mais tenho a registar, era sempre em conversas, bebidas e comidas que eu me reunia com estes amigos. Nada mais soube do Brito, espero que ainda esteja de boa saúde entre nós, pese os estilhaços que passeia consigo.

Mas dizia eu que tudo que me lembro se reúne em torno da mesa, infelizmente parece-me ter sido sempre a última ceia, já que também com o Tojo, furriel miliciano da Companhia de Transportes, surpreendido por um roquete na porta da viatura em que seguia, no dia imediatamente a seguir a termos aproveitado uma vinda do Pateiro (da 38.ª de Comandos) a Bissau para como bons alentejanos e na companhia de outros que o não eram, termos estado a comer e a beber umas cervejas e a festejar, o ainda podermos fazê-lo já que razão não havia para mais.

Parece-me por isso ser curta a minha história, pelo que calar-me-ei depois desta evocação que, lamento ser sempre ou quase sempre lembrando aqueles que já partiram há muitos anos, quando tinham apenas vinte e poucos anos.

Hoje, com filhos bem mais velhos do que nós éramos quando regressávamos, acentua-se mais este meu sentimento de incompreensão para tudo o que aconteceu.

Este texto, se para mais nada serviu, teve o mérito de ajudar a libertar-me um pouco mais e a ter com quem partilhar este sentimento da ausência dos companheiros que tombaram, mesmo sabendo que podia não mais os encontrar depois de acabado o serviço militar.

Talvez tenha sido o que mais me marcou e por isso tenha aproveitado aqui para evocar aqueles que não podendo fazê-lo pelas razões óbvias merecem que os lembremos e falemos deles.

A quem interesse este assunto das Guerras, sejam elas Coloniais ou do Ultramar, embora não se tratando da Guiné, lembro que foram publicadas duas obras, uma pela Caminho, intitulada A Primeira Coluna de Napainor (2), narrativa de um camarada em serviço em Moçambique e uma outra de um camarada em Angola, Médico, já falecido, intitulada Henda Xala (3), publicada pelo Círculo de Leitores, cuja leitura acho interessante embora saiba esgotada pelo menos a do Círculo de Leitores.

Belarmino Sardinha
_______________

Notas de CV:

(1) - Fui 1.º Cabo Radiotelegrafista STM - 036858/71 - e estive colocado em Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau nos anos de 1972/74.

Curiosamente estava de serviço no Posto Director de Bissau e em contacto com o operador de Gadamael no dia e hora em que capitulou.


Vd poste de 14 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2942: O Nosso Livro de Visitas (16): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Guiné 1972/74)


(2) - A Primeira Coluna de Napainor




António S. Viana iniciou a sua actividade de jornalista no antigo jornal O Século, passando depois pelos vespertinos Diário de Lisboa, A Capital e Diário Popular e por diversas revistas. A sua actividade jornalística preferida foi sempre a reportagem, embora tenha trabalhado em todas as habituais secções da imprensa escrita. O autor classifica este livro como uma reportagem, sempre adiada, que afinal se revelou um romance, em que mistura factos de ficção com factos da realidade, inspirado na sua experiência como militar na antiga África colonial portuguesa. Em 1968, um ano depois do regresso de Moçambique, publicou um conjunto de trinta poesias, num livro em co-autoria, Poemas, que abre com a sua primeira poesia (...)

Foto e texto retirados do site da Editorial Caminho, com a devida vénia.



(3) Sobre o romance Henda Xala, consegui saber que é de autoria de Abílio Teixeira Mendes (1939-1984) e que foi publicado pelo Círculo de Leitores.

Guiné 63/74 - P2955: PAIGC: Instrução, táctica e logística (12): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XII Parte): Saúde (A. Marques Lopes)


Reprodução da primeira página da 1ª página do Blufo, Orgão dos Pioneiros do PAIGC, nº 3, Março de 1966, além de parte das páginas 2 e 4 (continuação dos artigos da 1ª página). Era feito a stencil. "Em Janeiro de 1966, a Escola-Piloto começou a publicar o Blufo, órgão dos pioneiros do PAIGC, assumindo-se como a voz da Juventude que se lançou corajosamente na luta de libertação nacional do nosso povo, na Guiné e em Cabo Verde. A colecção que agora disponibilizamos, digitalizada a partir dos originais cedidos por Luís Cabral, vai do n.º 1 (Janeiro de 1966) ao n.º 22 (Dezembro de 1970)" (FMS).

Neste número dá-se um destaque às mulheres que tiveram um papel importante, em sectores como saúde e a educação, bem como no apoio de rectaguarda à guerrilha. Um dos artigos é sobre "As mulheres do Komo" que "se recusaram a abandonar a ilha quando, num momento de grande perigo, foi dada ordem, para se retirarem os velhos, as crianças e as mulheres. Pegando em armas, ao lado dos homens, elas lutaram com bravura pela defesa da ilha. Tudo isto se passou em Março de 1964. Desde então os colonialistas portugueses nunca mais tentaram pôr os pés na ilha do Komo" (...). É óbvia aqui a função ideológica da narrativa sobre a Batalha do Como que se tornou num dos mitos ou lendas do PAIGC. As mensagens eram simples mas eficazes, do ponto de vista comunicacional.

O outro artigo, um editorial, tem como título "Glória às mulheres das nossas terras"... Comemorava-se então o dis 8 de Março de 1966, dia das mulheres. "Também na nossa terra, na vida nova que vamos construir depois da saída dos portugueses, vamos festejar o dia das mulheres com muita alegria (...). As mulheres conquistaram também um lugar ao lado dos homens nba luta pela nossa liberdade e independência. Elas fazem a comida para os guerrilheiros, tratam dos combatentes feridos e doentes. As raparigas estudam nas Escolas do Partido ou nos países estrangeiros para participarem amanhã na construção da nossa Pátria livre dos colonialistas portugueses" (...).

Fonte: © Fundação Mário Soares > Dossier Amílcar Cabral (2008) (com a devida vénia...)







1. Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, em 19 de Setembro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma, e a quem mais uma vez agradecemos publicamente :

PAIGC - Instrução, táctica e logística (12): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (Parte XI) >


Logística: (e) SAÚDE

(1) O Desenvolvimento do Serviço de Saúde no PAIGC

Vencendo inúmeras dificuldades, resultantes muito especialmente da falta de quadros logo após a eclosão da luta armada, o PAIGC começou a instalar pouco a pouco em diversos pontos das Regiões Libertadas alguns postos de saúde, onde colocou os poucos enfermeiros que o Partido à data dispunha. Sendo este número, porém, insuficiente, e segundo directivas da Direcção do Partido, estes enfermeiros procuravam dar a outros elementos recrutados nas escolas na Milícia Popular uma preparação mínima que lhes permitisse auxiliá-los no seu trabalho.

Foram assim iniciados no serviço de enfermagem muitos elementos que, muito embora carecendo de preparação teórica, foram solucionando o problema até à formação e Escolas de Enfermagem no interior, entre as quais se destaca a Escola de Ajudantes de Enfermagem do Morés.

Entretanto, e dada a insuficiência a que estas escolas ainda conduzem, o Partido, no sentido da formação do pessoal qualificado necessário a uma funcionamento mais eficaz dos centros de saúde, tem enviado para o estrangeiro muitos jovens que aí seguem estudos práticos de enfermagem e medicina, de modo a poder dispor, a curto prazo, de um número sempre crescente de pessoal capaz, o que irá permitir uma progressiva melhoria da actividade do Partido no domínio da saúde.

(2) O auxílio estrangeiro

Como já se referiu, o auxílio estrangeiro ao PAIGC no domínio da saúde reveste-se de uma importância muito grande, dado que é através do fornecimento de bolsas de estudo para a frequência de cursos médicos e de enfermagem que o PAIGC obtém elementos qualificados de cuja carência tanto se ressente. Assim, numerosos bolseiros do PAIGC cursam Medicina na Rússia e na Bulgária, enfermagem na Bulgária e Cuba e Profilaxia e Higiene Social na Checoslováquia.

Não termina, porém, aqui o auxílio estrangeiro ao Partido, pelo que se caracteriza também na cedência de pessoal médico, pelo que vamos encontrar médicos cubanos, jugoslavos, russos e holandeses nos principais estabelecimentos hospitalares. Este auxílio é completado com o fornecimento gratuito de medicamentos e material sanitário por parte de Cuba e dos países do Leste da Europa, revestindo-se também de particular importância a contribuição dada por particulares da Europa Ocidental, nomeadamente a Fundação Mondlane, com sede em Haia, e a Suécia.


(3) Como é prestada a assistência sanitária


A assistência sanitária aos combatentes e populações sob o controle IN é realizada através de "enfermarias" e "hospitais" existentes no interior do TO, formações sanitárias muito rudimentares, quase nunca dispondo de médico.

Os indisponíveis que denunciam casos graves, são transportados em macas improvisadas desde essas "enfermarias" ou "hospitais" para as bases fronteiriças, onde normalmente o PAIGC dispõe de instalações mais apetrechadas, e daqui, em automacas ou viaturas de transporte, senão mesmo em meios aéreos, para os hospitais de Conakry, Ziguinchor, Koundara ou Boké.

No capítulo da assistência sanitária, mormente nos "hospitais" e "enfermarias" do interior, além da falta de pessoal qualificado surge ainda toda uma série de condicionamentos, nomeadamente o reabastecimento irrregular dos medicamentos, a conservação do sangue para transfusões e o transporte e feridos graves para o exterior, que muito afectam o funcionamento normal do serviço.


(4) Orgnização dos serviços de saúde (civil militar) do PAIGC

Tanto quanto os elementos disponíveis o permitem, julga-se que estes centros sanitários ("hospitais" e "enfermarias") se dividem em dois ramos, o civil e o militar, dependentes de entidades distintas.

No meio civil, ainda em estado incipiente de organização, compreenderá "enfermarias" ou mesmo "hospitais" existentes nas "áreas libertadas", os quais se destinam a prestar assistência às populações controladas pelo IN. Estas "enfermarias" são accionadas nos escalões administrativos a que correspondem pelos responsáveis da Saúde dos respectivos Comités e destacam, com o fim de efectuarem uma cobertura eficaz das respectivas zonas, brigadas sanitárias que percorrem as tabancas que não dispõem de serviço de saúde próprio.

Julga-se que a saúde civil esteja dependente, a nível superior, da Direcção para os Assuntos Sociais do Departamento para os Assuntos Sociais e Cultura.

No ramo militar, o serviço de saúde encontra-se já num grau de desenvolvimento diferente, dispondo de estabelecimentos hospitalares, no exterior [Guiné-Conacri e Sewnegal], de apreciáveis recursos.

Julga-se que no topo de toda a organização sanitária militar se encontra o Serviço de Saúde do Departamento da Defesa, o qual acciona três Secções Sanitárias (Ziguinchor, Koundara e Boké) que abrangem todo o TO e zonas fronteiriças dos países limítrofes. Estas Secções Sanitárias corresponderam às três Frentes (norte, Leste e Sul) em que o IN dividia o TO até à reorganização levada a efeito durante o ano de 1970, mas mantendo actualidade mesmo depois desta reorganização.

Cada Secção dispõe de um Hospital Central, dela dependendo os “"hospitais" e "enfermarias" correspondentes aos Sectores e Frentes. As unidades, por sua vez, dispõem também de enfermeiros responsáveis pela assistência sanitária imediata aos guerrilheiros.


(5) Referências a alguns estabelecimentos hospitalares:

HOSPITAL DE BOKÉ

Inaugurado em Dezembro de 1965 como Dispensário Sanitário do Partido, logo no princípio do ano seguinte passou a ser designado por Hospital Militar de Boké, sendo destinado ao tratamento dos feridos de guerra, especialmente dos combatentes da Inter-Região Sul cujo estado justificasse evacuação dos “hospitais” do interior.

Compõe-se de uma grande enfermaria dividida em duas secções (homens e mulheres), uma sala de operações com quarto anexo para tratamento pré e poó-operatório, uma sala de consultas e tratamentos, uma secção de radiologia e uma farmácia. O hospital, que dispõe de todo o equipamento necessário, está apetrechado com moderno material cirúrgico e de Raio X.

A capacidade actual [1971] será de 100 camas, tendo sido equipado também, em local afastado do corpo principal do hospital, com um centro de reabilitação para diminuídos físicos e uma maternidade. Do corpo médico em serviço neste hospital farão parte, além de médicos caboverdeanos, outros de nacionalidade jugoslava, russa e cubana.

HOSPITAL DE KOUNDARA

Este hospital que dispunha de uma capacidade para 60 camas, terá sofrido, partir de Abril de 1970, significativos melhoramentos, nomeadamente alargamento das instalações, aparelho de Raio X, motor gerador de energia eléctrica e cisterna de capacidade para 5.000 litros.

Os melhoramentos introduzidos destinam-se a um melhor apoio a toda a Inter-Região Norte, evitando evacuações para Boké que, por demoradas, dada a distância e as possibilidades dos meios de transporte, poderiam fazer perigar a vida dos doentes.

As possibilidades deste hospital são já vastas, realizando intervenções cirúrgicas de certo melindre.

Para este hospital são evacuados os feridos e doentes de toda a Inter-Região Norte, mesmo os das regiões mais afastadas, desde que os seus casos não sejam resolúveis localmente.

No corpo clínico deste hospital estão referenciados médicos cubanos, um caboverdeano e, até há pouco tempo, um médico norte-vietnamita.


HOSPITAL DE ZIGUINCHOR

Foi, até à altura em que foi beneficiado o Hospital de Koundara, o hospital mais importante para apoio das antigas Frente Norte e Frente Leste.

Dispõe de 60 camas, sendo no entanto as suas possibilidades muito limitadas, supondo-se até que se servirá do hospital senegalês, para casos graves de extrema urgência. Ultimamente, parece que teria sido transformado em hospital crúrgico, mas não se possuem elementos que o confirmem.

Do corpo médico deste hospital faz parte uma médica holandesa (**).

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 15 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2762: PAIGC: Instrução, táctica e logística (11): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XI Parte): A máquina logística (A. Marques Lopes)

(**) Curiosamente a nossa inteligência militar não devia andar bem articulada com a PIDE/DGS, porque neste Subintrep não se faz menção do português, natural de Angola, o Dr. Mário Pádua, médico, que desertou das fileiras do nosso exército, Angola, e dedicou parte da sua vida, como médico e como militante, ao PAIGC, no Hospital de Ziguinchor, Senegal. Seguramente que o Mario Pádua tinha ficha na PIDE/DGS. Chegou a ser o único médico do PAIGC (até 1966, ano da chegada dos primeiros voluntários cubanos), e inclusive tratou prisioneiros portugueses, nomeadamente o Soldado Fragata,
CART 1690 (Geba, 1967/69), a que pertenceu o nosso A. Marques Lopes. Vd. o seu depoimento no filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, As Duas Faces da Guerra, 2007.

Vd. também poste de 28 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)


(...) Mas morreu também nesta operação o soldado Vito da Silva Gonçalves, que foi dado como "morto em combate", porque o corpo foi recuperado. Mas também não vem nessa lista! E porque é que não foi dado como "desaparecido em campanha" o soldado Metropolitano Fragata, o Manuel Fragata Francisco, que também ficou nesta operação?

É uma história das teias que o império tecia. Eu conto: ele foi crivado com uma roquetada nessa operação, mas vivo, e os guerrilheiros do PAIGC levaram-no numa maca, atravessando a mata do Oio, o rio Mansoa e o rio Cacheu, até ao hospital que servia o PAIGC em Ziguinchor, no Senegal, onde, coincidência, foi tratado pelo doutor Pádua (actualmente no Hospital Pulido Valente, em Lisboa), que se tinha passado para o outro lado. A PIDE sabia disso, claro. Parece lógico que se pense que teriam feito o mesmo com o alferes Fernandes se ele tivesse ficado vivo. Mas foi muito claro que estava morto (...).