terça-feira, 23 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3225: Estórias cabralianas (38): O Alferes roncador e a almofada (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, a quem já não vejo desde há alguns tempos (*). Tenho perguntado por ele às suas antigas alunas (!), quer as do saudoso Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa bem como as da Lusófona...

Todas (!) me falam dele, com grande carinho e apreço, como um professor excepcional, que as marcou intelectual e afectivamente... É um sortudo, este Jorge. Um sedutor, um senhor... Sempre bendito entre as mulheres... Ontem como hoje, lá como cá...

Jorge, quero confidenciar-te que aproveito sempre o ensejo para lhes dizer, às tuas ex-alunas, que eu sou teu amigo e admirador... E que é sempre dia de festa e de alegria quando nos manda uma das tuas magistrais short stories... Não te esqueças que te comprometeste a mandar-nos meia centena... Com estas duas últimas, chegamos à nº 39 (**)... O blogue quer publicar-te o livrinho... Eu sei que a tua produção é escassa, mas de primeira água. E que as tuas musas inspiradoras não trabalham propriamente ao ritmo da linha de produção automóvel... Dito isto, aqui vai um grande Alfa Bravo para ti... e para as tuas musas. LG

Amigos,

Tirei férias do computador… E só agora voltei ao nosso Blogue. Envio duas 'estórias' [ Alferes roncador e a amofada; O marido das senhoras] e,
Grande Abraço
Jorge Cabral


PS: Continuo roncador! Quanto ao devoto furriel, claro que não se chamava Paiva.



2. Estórias cabralianas (38) > O Alferes roncador e a almofada
por Jorge Cabral


Desde miúdo que adormeço rápido e de imediato inicío um ressonar fortíssimo, audível até pelos vizinhos. Dizem-me uns que são silvos assustadores, parecendo urros de touro ou de leão. Outros garantem que se assemelham aos sonoros sinais dos antigos vapores, quando iniciavam a marcha.

Ora, ao segundo dia de Bambadinca, mandaram-me à noite montar segurança junto à pista de aviação. Claro que foi chegar, assentar, adormecer e ressonar… O Pelotão quase que entrou em pânico, com o Sambaro a empunhar a bazuca.

Despertei, disfarcei… e ninguém me disse nada.

No dia seguinte, quando me preparava para de novo ir montar segurança, o Monteiro, um pouco atrapalhado, fez-me entrega de um bornal, dizendo-me:
- Tem uma almofada para o meu alferes encostar a cabeça.

Percebi, agradeci e foi remédio santo. Desde então, nunca mais deixei de usar o tal bornal.

Creio que foi em Maio de 71 que os Paras saltaram em Missirá com destino a Madina. Com eles e não sei porquê, também ia eu por ordem do Polidoro. Chegaram e logo notei que a minha ida não era do agrado do Capitão.

Aliás ao ver-me, franziu a testa e deve ter pensado:
- Porra, mas para que preciso deste gajo? - E com razão!

Apresentei-me, como de costume, de galões, sem arma, com o meu pingalim prateado…

Partimos e a uns três quilómetros fomos sobressaltados pelo restolhar do mato. Vem aí alguém!... Os Paras pararam e prepararam-se para o pior… Felizmente antes de ver, ouviu-se:
- Alfero, alfero!!! A almofada!
- Almofada? – interrogaram o Capitão e a Companhia inteira.

Só eu entendi. O meu fiel Soldado Mamadú cumprira mais uma missão.

Jorge Cabral

________

Notas de L.G.:

(*) Ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 . Actualmente, jurista e professor universitário. Vive em Lisboa.

(**) Vd. último poste da série > 9 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3040: Estórias cabralianas (37): A estranha 'missão' do Badajoz (Jorge Cabral)

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...

Não venho falar de mim...nem do meu umbigo (7) (1)

por Alberto Branquinho, ex-alf mil da CArt 1689 (1967/69)


Recordando o piloto-aviador HONÓRIO (2)


O Honório, já falecido, que, quando saiu da Força Aérea, seria sargento piloto-aviador, cumpriu, pelo menos, duas comissões na Guiné. Era natural da Cidade da Praia, na, agora, República Democrática de Cabo Verde.
Foi uma figura quase mítica durante os anos que esteve na Guiné ao serviço da FAP. Após a independência de Cabo Verde e depois de várias vicissitudes, acabou por ser piloto e comandante de voo da companhia de aviação da sua terra natal – Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV).
Na Guiné era conhecido (pelo menos pelo seu nome) por toda a tropa rastejante. Sempre que uma coluna era sobrevoada a baixa altitude por um FIAT, desaparecendo imediatamente para além das copas das árvores, os soldados rompiam aos gritos de: “- Ah Honore! “ ou de: “- Ah Honoro!”, enquanto agitavam os quicos por cima das cabeças.
O zunir dos motores de um FIAT, que voasse baixo, era (naturalmente!) pilotado pelo Honório (3) e por mais ninguém. Não tinham dúvidas. Os T6 que ronronavam lá bem em cima (e que o Honório também pilotava), para o pessoal rastejante nada tinham a ver com o Honório. Eram outros pilotos…
- O Leixões disse que viu o Honore em Bambadinca e que ele é preto.
- Ele não disse que era preto. Disse que era mulato.
- Eu não acredito!
O racismo primário de quem saiu de uma aldeia do interior português para aquele teatro africano (sem ter passado, previamente, por Bissau), não admitia que "um aviador com aquela categoria" pudesse ser "preto".
A dúvida permaneceu, mas sempre que um silvo, seguido do zunir dos motores de um FIAT lhes sobrevoava as cabeças quando atravessavam uma bolanha, lá vinham, espontâneos e sem reservas, os gritos:
– Ah Honore !
– Ah Honor!
Os quicos voavam, o peito enchia-se de ar e, até, as cabeças seguiam mais alevantadas.
__________

Notas de vb:

(2) Também conheci o Honório. Em 1965/66 era Furriel Pil Av. Dava-nos apoio aéreo nos T6 e levava correio e mantimentos nas DO aonde fosse preciso. Era muito estimado pelo pessoal apeado. Abaixo segue transcrição de parte do relatório de uma das operações em que o Honório deu apoio aéreo:

-"6/04/66, Op. 'Olinda', Buba. Reconhecimentos aéreos confirmam a existência de uma base IN junto ao pontão de Buba Tombó. Na última operação ali efectuada, as NT foram emboscadas por um grupo calculado em cerca de 100 elementos. Na mesma acção foram levantadas 2 minas a/c e um fornilho na estrada Buba-Buba Tombó. Sabia-se que o mesmo itinerário se encontrava minado e que a picada Sare Tuto-Buba Tombó também devia estar minada contra pessoal pois já nele tinha sido accionada uma mina a/p.
"O acampamento de Buba Tombó servia de ligação entre as bases de Antuane e Injassane para os reabastecimentos IN e cortava a estrada em Buba e Fulacunda. Não havia guia para o acampamento, apenas guias da zona. O grupo de comandos, constituído por 15 homens, saiu de Buba às 21h20, iniciando a progressão pela estrada na direcção a Buba Tombó. A cerca de 3 kms desta decidiu-se aguardar o amanhecer e procurar um caminho que o conduzisse ao acampamento. O grupo fez várias pontuadas mas teve de regressar devido à densa vegetação impedir a progressão.
"Os T-6 surgiram pouco antes das 07h00. Procurou estabelecer-se a ligação rádio, o que não foi possível porque as frequências tinham sido alteradas, sem conhecimento das forças terrestres envolvidas. Estabelecida finalmente a ligação, mas os indicativos também não estavam certos. Os T-6 começaram a picar sobre a base o que levou o grupo a procurar abrigos (...) Com as frequências e os indicativos alterados, não havia a certeza de que os pilotos tivessem identificado as posições do grupo. Os T-6 afastaram-se, regressando momentos depois. Pelo diálogo travado entre os pilotos, concluiu-se que iriam abandonar a zona e recolher a Bissau.
"O grupo de comandos, não encontrando o trilho de acesso ao acampamento, tentou encontrá-lo através da mata. Às 7h15 foi avistado um elemento IN que disparou uma rajada de PPSH sobre as NT, atingindo gravemente um soldado no ventre. Foi passada busca às casas e recolheu-se o material encontrado. O acampamento era constituído por duas moranças, com 12 camas numa e 8 noutra, com abrigos cavados no terreno à volta. Não sendo possível evacuar o ferido no local, foi o mesmo transportado a corta-mato, enquanto o IN fazia fogo de morteiro e de RPG sobre o acampamento. Os T-6 voltaram à zona, quando as NT se encontravam já a cerca de 3 kms de Buba."

(3) Quem é que está lá em cima? É o Honório, quem havia de ser! O Honório, naqueles anos, era mais que um piloto, era um símbolo, representava a ajuda vinda dos céus. Não é de estranhar que tudo o que voasse fosse "pilotado" pelo Honório. Camaradas que com ele voaram nos anos 1968/1970 sustentam que, nesses anos, pilotava "apenas" as Dornier-27.

Guiné 63/74 - P3223: Convívios (85): Pessoal da CCAÇ 2615, no dia 18 de Setembro de 2008 em Benavente (Manuel Amaro)


1. Mensagem, com data de 18 de Setembro de 2008, do nosso camarada Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71, dando notícia do rescaldo do Convívio da sua Companhia.


Caro Carlos Vinhal

No âmbito do espírito da Tabanca Grande, junto envio um texto e foto, sobre o Convívio da CCAÇ 2615.
Grato pela atenção.

Um abraço.
Manuel Amaro

CONVÍVIO ANUAL DOS EX-MILITARES DA CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, EM BENAVENTE, NO DIA 13 DE SETEMBRO DE 2008

Foto de família do Encontro do pessoal da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, realizado no dia 18 de Setembro em Benavente

Realizou-se no passado dia 13 de Setembro, no Restaurante O Miradouro, em Benavente, o convívio anual dos ex-militares da CCAÇ 2615 (BCAÇ 2892). Guiné (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala), 1969/71.

Foi uma festa maravilhosa, das 11h00 às 20h00, com 126 participantes (40% militares e 60% familiares), sendo de realçar que, além dos cônjuges, estiveram presentes muitos jovens, que também participaram nas conversas saudosistas dos ex-militares e introduziram novos temas, relacionados com o futuro, proporcionando aos progenitores, darem conta aos antigos camaradas, da forma como geriram a sua vida, como singraram, sempre a pulso e como contribuiram para o desenvolvimento do país.

Em termos de informação, eu sou um priviligiado, porque sempre perguntei coisas do género... o que fazes?... tens filhos?... quantos?... e acompanhei, sem ser chato a evolução do grupo.

E hoje, sem perguntar, são eles que me dizem... este é engenheiro, o outro tem um bom lugar na PSP. E é ver quantos médicos, engenheiros, advogados, psicólogos, e mais uma série de licenciaturas e outras profissões dignas.

Sei que já passaram 37 anos.
Mas é muito agradável verificar hoje, quem são, onde estão e como estão, os cidadãos que durante dois anos constituiram a CCAÇ 2615.

Em Nhala, o furriel enfermeiro (e professor), ainda arranjou um tempinho para dar aulas aos que não tinham a 4.ª classe, para irem a exame, logo após o regresso à metrópole.

E tanto os oficiais como os sargentos, sempre incentivaram os cabos e soldados a lutar pela vida, no trabalho, mas também no estudo, pois ainda estavam bem a tempo.
Missão cumprida.

Só mais um pormenor deste convívio. Três senhoras que ficaram uns minutos a conversar, à sombra duma árvore, junto à entrada do parque de estacionamento, comentavam, com agradável surpresa, a boa qualidade da frota automóvel. Mesmo com todas as crises. Felizmente.

Pois, afinal não escrevi sobre a guerra. Agora é tarde.

No final da festa, guardou-se um minuto de silêncio, em memória dos três camaradas falecidos na Guiné e também por todos aqueles que não têm resistido às emboscadas da vida.

Em Setembro de 2009, lá estaremos de novo.

Manuel Amaro
ex-Furriel Mil.
CCAÇ 2615

domingo, 21 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3222: Convívios (84): Pessoal dos BCAÇ 237 e 599, Pel Mort 912, Pel Caç 955 e Pel AM Daimler 807 (Santos Oliveira)

1. Mensagem, com data de 17 de Setembro de 2008, do nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Como, Cufar e Tite, 1964/66, dando conta do Convívio dos BCAÇ 237 e 599, Pel Mort 912, Pel Caç 955 e Pel AM Daimler 807, no dia 6 de Setembro de 2008


Convívio dos BCAÇs 237 e 599, Pel Mort 912, Pel Caç 955 e Pel AM Daimler 807, comemorando o 43.º aniversário do regresso.

Camaradas

Como foi anunciado através do Post P3107: Convívios, no passado dia 6 de Setembro, foi realizado, em Espinho, o Almoço/Convívio dos BCAÇ’s 237 e 599 e respectivas Sub-Unidades, Pel Mort 912, Pel Caç955 e Pel AM Daimler 807, comemorando o 43.º aniversário do regresso.

Infelizmente, foram imensos os camaradas ausentes, por razões que a cada um diz respeito.

Pessoalmente notei um envelhecimento no entusiasmo, que diria demasiado precoce, a infirmar as justificações apresentadas, ou o tempo que já se esvai.

A verdade é que responderam à chamada bem poucos dos que conhecemos muito activos. E dos que participaram, notória é a juventude dos setenta e... mais alguns anos, do nosso Coronel Agostinho Dias da Gama fazendo conjunto com a presença sempre fiel do Ten Médico Dr. Agostinho Furtado, que em permanência nos honram com as suas presenças.

Para a Foto de Família, apresentaram-se trinta elementos o que não é justificativo do total dos que se estiveram no Repasto; foram muitos mais.

No habitual discurso, que o nosso Cor Gama proferiu, não faltaram alusões ao verdadeiro patriotismo e aos valores por que se regia a juventude do nosso tempo.

Foi-nos facultado um artigo que havia sido inserto num dos últimos números do GUIÃO, Jornal do Núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes e que não posso deixar de apresentar, pela sua oportunidade e actualidade

O Cor Dias da Gama em plena Oração. Ao fundo o Agostinho Carneiro (organizador do Evento). Meditativo o nosso Doutor Furtado.

Eu próprio, o Cor Gama (meu Director de Instrução, em Mafra, depois 2.º CMDT do BCAÇ 599, Unidade a que estive Adido) e o Manuel Pinto, meu Soldado e companheiro do Pel Mort 912

Um aspecto parcial da Sala de Repasto.

Finalmente, cabe-me referir que para o ano há mais, embora a extinção do CONDOR, seja um caminho a considerar. (Com dor aqui, com dor ali…)

Abraço, do
Santos Oliveira

Fotos e legendas: © Santos Oliveira (2008). Direitos reservados

Guiné 63/74 - P3221: Em busca de... (40): Major Inf Abel Carvalho de Almeida, Mansabá, 1969 (Jorge Félix)


1. Mensagem do nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, 1968/70 (1), com data de 8 de Setembro de 2008.

Caro Carlos,
Não te assustes com o tamanho do email, depois da explicação podes fazer delete.

Como sabes tenho andado a incomodar vários tertúlianos que escrevem no Blogue e estiveram na Guiné na mesma data que eu. Uns respondem outros não. Vem de longe o desejo de encontrar um Combatente que eu tivesse transportado para o Hospital.

Como podes ver nesta troca de Emails com o Raúl Albino, que esteve em Mansabá em 1969, indica-me o nome do Major Inf Abel Carvalho de Almeida (2.º CMDT), que ficou sem um pé e foi evacuado no dia 8 de Abril de 1969.

Os meus registos indicam que no dia 8 de Abril fui fazer uma evacução (TEVES) a Mansabá.

Este é o primeiro homem que consigo encontrar, agora falta saber por onde ele pára.

Conseguiremos encontrá-lo na nossa tertúlia? Agora que estou tão perto, espero me ajudes.

Se achares opurtuno podes postar os nossos email, ou delete com eles.

Fico à espera de boas noticias.

Um grande Abraço
Jorge Félix

2. Comentário de CV

Caro Jorge
Claro que as tuas mensagens e as de qualquer outro camarada não são apagadas... às vezes ficam esquecidas entre o montão de correio que aqui cai diariamente. Fora a publicação de postes há que responder a diversas solicitações que nos são feitas via email.

Fica desde já feito um apelo, em teu nome, à tertúlia e aos leitores em geral, para te ajudar a encontrar, o então, Major Inf Abel Carvalho de Almeida, a quem desejamos desde já a melhor saúde.

É natural que queiras saber daqueles que socorreste, quando mais precisavam de ajuda. Como bom militar que foste, tendo uma missão a cumprir, que implicava evacuações nas condições mais difíceis, não quererás agradecimentos. Sentirás sim uma ponta de orgulho pelo dever cumprido e por teres contribuído para salvar alguns infantes da morte certa.

Mansabá > Chegada de uma Operação helitransportada

Mansabá > Um Alouette na Placa

Fica agora a troca de correspondência entre os nossos camaradas Jorge Félix e Raúl Albino.

3.
De Jorge Félix para Raúl Albino

Caro Raúl Albino:
Quando li a História da CCAÇ 2402, pedi o teu email para tirar umas dúvidas sobre umas datas.

Fui piloto de helis entre 1968 e 1970 na Guiné, e tenho os registos de todas as operações que fiz.

Em Abril de 1969 fui dois dias a Mansabá e como a primeira data era 8 de Abril de 1969, fazer uma "Tves" (evacuação), fiquei na duvida se não terias trocado 0 3 pelo 8 por serem números parecidos.

Leio agora num outro poste da tua autoria P3156 que no dia 8 de Abril o rebentamento de uma mina fez dois feridos.

Nesse dia eu fui a Mansabá fazer uma evacuação.

No dia 24 de Abril também estive em Mansabá e pelos meus registos deve ter havido bastante movimento,pois fui 6 vezes à Zops.

Se tiveres alguma memória deste dia gostaria de saber.

Vou ficar atento aso teus posts,
um abraço
Jorge Félix

4. Resposta de Raúl Albino, com data de 3 de Setembro de 2008

Caro Jorge Felix,
É interessante a vantagem de pertencermos ao blogue. Aos poucos, cada um de nós vai construindo um puzzle sobre a nossa vivência e intervenção na Guiné. Dando algum desconto às nossas falhas de memória, mesmo assim podemos ficar com uma panorâmica bem alargada do trabalho daqueles que passaram pelos mesmos locais que nós, antes e depois.

Folgo imenso em saber que o Jorge também passou por Mansabá, na meritória função de evacuar os nossos feridos para o hospital, dando-lhes alguma esperança de vida. Vou tentar dar alguma ajuda.

No dia 8 de Abril de 1969 o rebentamento da mina A/P provocou 3 feridos: o major que ficou sem um pé, e mais dois feridos ligeiros, sendo um deles oficial sub-alterno.

No dia 24 de Abril não tenho qualquer acontecimento reportado pelo batalhão. Tenho sim registo de duas flagelações do IN às NT na zona dos trabalhos de estrada, uma a 19 e outra a 26, de curta duração e sem consequências.

Sempre ai dispor para qualquer esclarecimento,
um abraço,
Raul Albino

5. Mensagem de Jorge Félix dirigida a Raúl Albino

Caro Raul Albino,
Grato pela resposta.

Uma das normas do nosso Blogue é o tratamento por tu, por isso o meu à-vontade.

Quando entrei nesta troca de mensagens, tinha a esperança de um dia encontrar um combatente que tivesse transportado naqueles dias longínquos.

Hoje parece que estou perto de encontrar dois. Será posivel saber o nome e contacto desses companheiros evaquados no dia 8 de Abril de 1969? Fico à espera de novas.

No dia 24 de Abril de 1969 tenho registadas em Mansabá e Zops, 3 horas e 55 minutos de voo com TMAN (transporte Manobras) e Tger ( transporte geral) e DESP (deligência especial), que podia muito bem ser o transporte do Comandante Chefe António de Spinola.

No dia 24 de Fevereiro de 1969 também fiz uma TVES, com passagem por Farim. Fui duas vezes a Farim nesse dia e Canjamba.

No dia 3 de Maio fiz um TGER para Mansabá. O tempo da viagem entre Bissalanca e Mansabá era de 30/35 minutos. Tão perto e tão longe, não?

Voltei lá no dia 27 de Maio 1969 com outra DESP.

No dia 22 de Agosto de 1969 lá voltei a fazer "pó".

No dia 6 de Novembro de 1969 deve ter havido algo especial pois voei 5 horas e 45 minutos, fui 10 vezes às Zops e voei 35 minutos de noite.

Não mais voltei a Mansabá.

Caro Raúl, estas datas estão na minha caderneta de voo, as histórias sabe-as tu. Fico atento ao correio para saber novas.

Um abraço
Jorge Félix

6. Resposta de Raúl Albino com data de 4 de Setembro de 2008

Caro Jorge Felix,
Ajudas que eu posso dar:

No dia 3 de Maio houve de facto uma Operação com uma Companhia de Páras e outra de Caçadores normal. Terá sido abatido o chefe de um bi-grupo IN. Também nesse dia o CMDT do COP6 (Mansabá) deslocou-se ao Olossato, possivelmente de helicóptero.

No dia 22 de Agosto houve uma flagelação IN a uma coluna de reabastecimentos, onde um militar fracturou um pé ao saltar de uma viatura. Possivelmente terá sido evacuado. Em Agosto eu já estava no Olossato.

No dia 5 para 6 de Novembro, tenho registo de uma Operação grande a partir de Mansabá. No entanto não estão reportados feridos, porque não chegou a haver contacto com o IN o que quer dizer que a Operação foi um tiro de pólvora seca.

No dia 8 de Abril o major que ficou sem um pé terá sido o Maj Inf Abel Carvalho de Almeida, 2.º CMDT. O outro ferido ligeiro poderá ter sido um alferes, mas não sei o nome dele nem do outro militar.

Espero ter dado alguma ajuda sobre algumas datas. A minha passagem por Mansabá foi de facto muito curta.

Um abraço e até um dia.

Conto assistir à divulgação do 2.º livro do Beja Santos em Novembro. Talvez aí nos encontremos,
Raul Albino

7. Mensagem de Jorge Félix para Raúl Albino

Caríssimo Raúl Albino,
Grato por tudo o que me informou. Agora vou procurar saber onde pára o Maj Abel Carvalho de Almeida.

Vou tentar encontrá-lo através do nosso Blogue, para isso preciso de autorização da tua parte, para publicar esta nossa troca de emails.

Nos dias 5 e 6 de Novembro de 1969 não tenho assinalado TVES. Tenho 10 idas às ZOPS com a indicação TMAN e no dia 6 tenho DCON-Zops, já não sei o significado.

Em Dezembro de 1969 no dia 27 estive no Olossato. Um DESP, deligência especial, com passagem por Ingoré, Barro, Olossato, (com paragem em Olossato).

Depois levantei para uma localidade que não consigo decifrar, ANdoriNHA (?), ANtotiNHA (?)- as letras maiúsculas estão certas mas as outras não sei.

É natural que nesse dia tivessemos bebido um copo juntos. Eu não perdoava; uma pró caminho , outra pra viagem, e outra para o que der e vier!

Fico à espera de novas, desta vez do Olossato.

Como é que um acontecimento que se passou em 1969 pode hoje ter a indicação de novas? A relatividade do tempo.

Um abraço
Jorge Félix

8. Resposta de Raúl Albino, com data de 8 de Setembro de 2008

Jorge,
Está a autorização dada para a publicação no blogue e boa sorte na pesquisa a ser efectuada.

O nome a que te referes como sendo uma localidade situada perto do Olossato, não me diz nada, pelo que não te posso ajudar. No entanto fico a matutar e se me surgir alguma ideia, escrevo-te a informar. Em breve começarei os relatos das peripécias da CCAÇ 2402 no Olossato.

Fico sempre ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.

Um abraço,
Raul Albino
________________

Nota de CV

(1) - Vd. postes de:

27 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2587: Gandembel: Será que ainda estão vivos os jovens que eu evacuei, em Outubro de 1968 ? (Jorge Félix, ex Alf Mil Piloto Aviador)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2683: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (9): O Jorge Félix e o Prisioneiro

sábado, 20 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3220: Convívios (83): Almoço anual de Confraternização do pessoal da CCAÇ 763 (Mário Fitas)

COMPANHIA DE CAÇADORES 763 - NOBRES NA PAZ E NA GUERRA

ALMOÇO ANUAL DE CONFRATERNIZAÇÃO – 14 de Setembro de 2008

A Concentração dos ex-militares e familiares efectuou-se frente ao Convento de Mafra estando como representante do falecido Coronel Carlos Alberto da Costa Campos Comandante da CCAÇ 763 em 1965/1966 seu filho Luís Costa Campos.

Pelas 12H00 os convivas, dirigiram-se para a Quinta do Cangalho, onde se efectuaria o respectivo Almoço e Convívio no restaurante do mesmo nome “O Cangalho”. Após o bacalhau no forno o cordeiro também no forno sobremesas e respectivos digestivos com óptimos momentos de convívio, o nosso Comandante orador em serviço, Amadeu Carreira 1.º Cabo Escriturário, da Moita dos Ferreiros vizinho do nosso Chefe de Tabanca, deu início aos momentos solenes com 1 minuto de silêncio pelos camaradas mortos em combate e pelos que cá também já partiram.
Seguidamente o nosso sempre dinâmico Fernando Albuquerque leu e informou das mensagens enviadas dos colegas que não puderam estar presentes e dos amigos que se lembraram de nós: O nosso Fernando Oliveira 2.º Sarg Mil AP Ranger do Pelotão de Morteiros 912; do Alf Mil Hugo Moura Ferreira da CCAÇ 1621 que nos rendeu em Cufar, em seu nome e do Braima Baldé; do Fur Mil Benito Neves da CCAV 1484 que foram nossos companheiros por Áfiá, Camaiupa, Cabolol; do António Salvador da CCAÇ 4740 que nos fez a surpresa da sua presença acompanhado de sua esposa, etc., etc.





Seguiu-se um momento complicado, quando o Fur Mil Op Esp Mário Fitas disse um poema do Luís Graça já publicado no blogue, pois houve pessoal, que ficou um pouco emocionado, e lá houve alguns olhos com pérolas (e não foram só as mulheres).(*)



Seguiram-se palavras do Alf Mil Op Esp Artur Teles e Jorge Paulos que a seguir se transcrevem:

Palavras do Alf Mil de Op Esp Artur Teles

Companheiros e Amigos

Começo por saudar todos os presentes, por mais este agradável convívio, como a CCAÇ 763 sempre soube fazer, e agradecer:

- Aos que o tornaram possível, o incansável Mário Ralheta, bem apoiado pelo Fernando e o Acúrcio (desta vez foi mais curta a intervenção dos outros membros da comissão);
- Aos companheiros da CCAÇ 763;
- A indispensável presença dos nossos Familiares e Amigos sem os quais estes encontros não teriam o mesmo sentido;
- A presença especial dos familiares do Coronel Costa Campos, referência 1.ª da CCAÇ 763.

Há 43 anos atrás, neste dia 14 de Setembro, em 1965, pelas 5h30m da madrugada atingíamos a tabanca de Cantumane, integrados na Operação Rastilho. Foi mais uma das nossas muitas operações na Guiné. Nela faleceu o Martinho e tivemos 8 feridos. Não vou entrar em pormenores.

Não podemos deixar de recordar aqueles tempos, por isso aqui estamos mais uma vez, confraternizando e falando dos episódios passados e das nossas vidas de hoje.

É bom poder fazê-lo, porque alguns companheiros já ficaram pelo caminho.

Mas isto foi sobre o passado, e quanto ao presente, ou ao que se seguiu àquele período ? Julgo interessante referir alguns factos bons e também alguns maus:

1.º - Os maus

- Cufar parece ter-se transformado num dos maiores centros de encaminhamento de droga em África;

- Numa viagem para a África do Sul, passei pelo Maputo, em Moçambique, antiga Lourenço Marques. Comecei a filmar a cidade normalmente. Vi-me em sérias dificuldades para não ser preso, pois precisava de autorização para filmar. (tipo licença de isqueiro)

2.º - Os bons

- Lembram-se do tristemente famoso Tarrafal , na Ilha do Sal ? Por acaso repararam nos excelentes Hoteis, caros, mas não deixam de ser excelentes, construídos naquela ilha, onde não havia uma só arvore ? Achei interessante trazer e afixar fotografias de uma revista de turismo.

- Na Africa do Sul, os Zulus, têm uma tabanca, tal e qual os Balantas, organizaram-se, têm um cicerone deles que explica tudo em inglês, como funcionam, o chefe da aldeia, as mulheres e a organização da família. Têm restaurante todo equipado, show de dança, tudo o que o turista quer ver, até cerveja fazem durante a visita.

- Parece que vão aparecer 10 voluntários para a nova comissão!

- Também se ofereceram para dizer umas coisas uma meia dúzia deles!

- No passado dia 2 de Setembro nasceu o meu 5.º neto! ( é um bocadinho mau ser mais um rapaz, já são 5, e a rapariga não aparece) mas sempre aumenta a natalidade!

Bom, desejos a todos um bom regresso, muita saúde e que tudo corra bem até ao nosso próximo encontro.
Para terminar, e como diriam os meus conterrâneos alentejanos:
Viva a CCAÇ 763 e vivam todos quantos estão, vivam todos quantos estão e viva a CCAÇ 763!

Palavras do Alf Mil Jorge Paulos

Companheiros e Amigos

Estamos mais uma vez reunidos no nosso tradicional almoço anual, para podermos rever-nos e relembrar os tempos em que, em conjunto, vivemos a grande aventura da Guiné.

Foi um momento marcante para todos nós, jovenzinhos de pouco mais de vinte anos, que, de repente, nos vimos longe da nossa terra e dos nossos familiares, de arma na mão para combater, sem sabermos bem porquê, num local onde tudo era novidade.

Enviados para o Sul, mais concretamente para Cufar, deparámos com um terreno plano mas cortado por imensas linhas de água, com pântanos, tarrafe, bolanha e mata. Sempre que nos tínhamos de deslocar era preciso caminhar quilómetros para contornar os rios ou, então, atravessá-los com água pela cintura ou, muitas vezes com água até ao pescoço (os mais baixos que o digam), sempre na iminência de uma escorregadela na lama que formava o leito dos riachos.

Depois, durante um largo período de tempo, enquanto nós próprios e sublinho nós próprios, íamos construindo os abrigos em adobes (adobes são uma espécie de tijolos feitos de lama que era amassada com os próprios pés e depois secos ao sol), vivemos em buracos por nós escavados, que mais pareciam covis e onde, durante a noite, acordávamos, muitas vezes, a ser mordidos por formigas, que ao serem por nós sacudidas, separavam a parte de trás e mantinham a cabeça agarrada ao nosso corpinho.

À volta de Cufar havia quatro tabancas:

- Impungueda
- Iusse
- Mato Farroba e
- Cantone

A população nativa era quase toda Balanta, bem constituída fisicamente (sim, sim os homens e as mulheres), que se alimentavam principalmente de arroz, que mascavam tabaco, que se dedicavam à agricultura, que o casamento era contratado com o pai da mulher e, que tinham várias mulheres (eram polígamos).

Na altura em que lá chegámos, toda a população se encontrava do lado do inimigo e fugia das tabancas sempre que nos dirigíamos para lá.

No lado oposto às povoações estava a mata e era ali que se acoitavam os que denominávamos de turras, onde havia, pelo menos, dois acampamentos, um em Cufar Nalu e outro em Cabolol.

As primeiras saídas da Companhia foram, essencialmente, para reconhecer o terreno e nos habituarmos aos novos equipamentos. Na prática, muita coisa difere da teoria e, por exemplo, rapidamente percebemos que não era possível andar de capacete, que em vez de nos proteger, só servia de empecilho.

A 14 de Maio de 1965, partimos para a nossa primeira aventura.

Emociono-me sempre que recordo esse nosso feito.
Conquistar o acampamento de Cufar Nalu, que se dizia inexplorável e, no meio da emoção natural do momento, haver um soldado a desfraldar uma bandeira portuguesa que levara, sem que praticamente ninguém soubesse, é algo que merecia ser bem mais destacado do que alguns feitos que, apesar de importantes, não põem em jogo a própria vida.

Mas sobre este memorável dia e dos pormenores inesquecíveis, então vividos, já vos falei noutra ocasião.
Por isso, vou hoje relembrar a Operação Trovão, que aconteceu no dia 16 de Julho de 1965.

Cerca de um mês antes, mais concretamente, a 15 de Junho de 1965, a Companhia tinha levado a efeito a Operação Saturno, na região de Cabolol, onde tivemos quatro feridos, um dos quais teve de ser evacuado para Bissau.
O grupo inimigo estava fortemente armado, ofereceu enorme resistência, mas, ainda assim, conseguimos conquistar e destruir o acampamento que eles ali tinham localizado, capturando diverso material de guerra.

Um mês depois o Comando do Batalhão enviou-nos um guia que afirmava que lá havia outro acampamento que carecia de ser destruído.

Embora as informações que tínhamos fossem contraditórias, foi planeada a Operação Trovão para cumprir a ordem do Comando do Batalhão.

Com o guia a indicar-nos o percurso, batemos a região e apenas encontrámos os restos do antigo acampamento que tínhamos anteriormente destruído.

É então que o guia nos encaminha na direcção de uma pequena povoação – Cantumane – onde, ao entrarmos, fomos, inesperada e violentamente atacados por um numeroso grupo, que nos esperava emboscado na orla da mata.

Nos primeiros momentos ficámos completamente desarticulados, com a agravante de eles terem lançado granadas de fumos para junto das colmeias de abelhas que ali estavam estrategicamente colocadas e, cujos enxames nos atacaram, obrigando parte significativa do pessoal a debandar para a bolanha, onde se rebolaram no chão molhado para se libertarem das abelhas, tendo alguns ficado de tal forma picados que no dia seguinte tiveram de sofrer tratamento adequado para atenuar os enormes inchaços que apresentavam.

Apesar da situação crítica, conseguimos recompor-nos e, mercê da coragem demonstrada por alguns dos presentes e, dos eternamente por nós recordados Sargento Melo e Furriel Lema, heróis para sempre, repelimos o ataque e, ainda os perseguimos dentro da mata, causando-lhes algumas baixas.
Do nosso lado, o Sargento Barcelos foi gravemente atingido, tendo vindo a falecer alguns dias depois, visto que a bala encontrada era de aço e tinha trespassado o rádio que ele levava, indo-se alojar no fígado.

Discreto, mas sempre pronto a cumprir a sua missão, o Sargento Barcelos é um exemplo de um profissional que perdeu a vida ao serviço da Pátria.

Afinal, acabou por se confirmar as suspeitas iniciais de que o guia era falso e, o seu objectivo, era conduzir-nos ao local onde fomos emboscados.

Mas, Companheiros, cabe aqui lembrar que, apesar disso ou, talvez por isso mesmo, passados oito dias, no dia 24, já estávamos na Operação Vindima, a caminho de Cobumba, pela estrada que tinha 80 abatizes, cercámos a povoação e trouxemos um nativo, contra o qual havia uma ordem de captura, (1) mostrando assim que ali estávamos prontos e sem quaisquer receios.

Mas, se é verdade que nunca virámos as costas ao combate, é bom também destacar que fomos capazes de construir uma Escola para as crianças nativas das populações próximas, que foi inaugurada em 1 de Dezembro de 1965, com 108 alunos, a quem foram facultados livros e outro material escolar por nós angariado.

Foi com enorme alegria e, porque não dizer orgulho, que em Março de 1966, surgiu junto ao Aquartelamento um grupo de cerca de 100 mulheres das diversas tabancas vizinhas, que vieram agradecer a protecção que lhes havíamos dado no transporte do arroz para Catió e, também, mostrarem-nos a sua satisfação pela existência da escola para as suas crianças.
Com diversos vivas e palmas, pediram para dançar e ali ficaram, toda a tarde num convívio alegre, que era, afinal, o resultado da forma, como, aos poucos, tínhamos sido capazes de reconquistar a sua confiança.

Por isso, Companheiros, este relembrar do nosso passado comum, quase que só pode ser relatado entre nós, porque é muito difícil transmitir a quem lá não esteve, o ambiente, a comoção, os sentimentos por vezes contraditórios, o medo e a necessidade de o dominar e ultrapassar, a tristeza da perda de um dos nossos e a alegria final do regresso a casa, com a sensação de que tínhamos sido capazes de cumprir a nossa missão.

Em Novembro de 1966, os rapazitos que em 11 de Fevereiro de 1965 tinham partido para a guerra, eram agora homens que iniciavam uma nova luta.

Que as novas gerações reconheçam, ou não, quanto nos devem, para poderem agora viver sem tais riscos, não nos é indiferente, mas o mais importante é, nós próprios, estarmos conscientes do nosso decisivo contributo para a paz deste País, mantendo o nosso lema:

“NOBRES NA PAZ E NA GUERRA”

Companheiros e Amigos,
desejo para todos vós e para as vossas famílias tudo de bom, porque todos bem o merecem.

Viva a COMPANHIA de CAÇADORES 763

Pelas 17h00 o bolo foi partido pela Helena Fitas e Alf Mil Jorge Paulos, uma taça à saúde de todos.
O regresso começou, porque Braga, Viana do Castelo, Porto, Marinha das Ondas, Albufeira, Quarteira, Olhão, etc.,etc…. ficam longe.

Nota de Mário Fitas
(1) Malam Cassamá

Para todos o abraço de sempre do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas

Foto 1 > Início da concentração frente ao Convento de Mafra

Foto 2 > Ouvindo o poema do Luís Graça, houve pérolas nos olhos, e não foram só de mulheres

Foto 3 > O Amadeu Carreira e Fernando Albuquerque fazendo a leitura das mensagens

Foto 4 > Alf Mil Op Esp Artur Teles lendo a sua mensagem

Foto 5 > Alf Mil Jorge Paulos lendo a sua mensagem

Foto 6 > Helena Fitas e o Alf Mil Jorge Paulos, partindo o Bolo
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Nota de CV

(*) - Vd. poste de 11 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3193: Blogpoesia (25): Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3219: Homenagem aos Ten Pil Av Lobato e Pessoa e, Enf Pára-quedista Gisela (Nuno Almeida)


Mensagem de 17 de Setembro de 2008, do nosso camarada Nuno Almeida, ex-1.º Cabo MMA de Heli, BA12, 1972/73 (1).

Olá Camaradas
Junto envio foto actual para completar os vossos arquivos.

Apesar de pouco contribuir com a minha verbe, sou um visitante assíduo do blogue e sempre atento ao que cá se escreve, por isso ao ler a nota do Beja Santos, Guiné 63/74 - P3132: Notas de leitura (10): A minha Jornada em África (Beja Santos), fiquei imediatamente interessado no livro "A Minha Jornada em África" de António Ramalho da Silva Reis e publicado pela Editora Ausência.

Porque estive dois meses internado no HM241 de Bissau, entre 25 de Novembro de 1972 e 25 de Janeiro de 1973, onde fui operado 4 vezes em 25 dias, tenho uma enorme dívida de gratidão por todos quantos ali prestavam serviço, é, para mim, fundamental ter acesso a este relato da vivência de quem do outro lado da barricada (doente/enfermeiro) via a situação daqueles que dependiam das suas capacidades para sobreviverem aos ferimentos sofridos.

Sobre o que o Beja Santos diz sobre o Tenente Lobato, é sintomático de como os heróis da Guerra, que fomos obrigados a combater, são esquecidos pela História e remetidos a uma insignificância, para que não se dimensione o que foi, na realidade, a juventude de toda uma geração.

Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (nascido em 1942).

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)


O Tenente Lobato foi um mártir, durante muitos anos prisioneiro, sem saber se regressaria ao seio dos seus, torturado fisica e psicologicamente, nunca uma Lei foi promulgada onde verdadeiramente se desse o valor a essa condição de prisioneiro e se compensasse, devida e correctamente, os anos de ausência e sofrimento que ele e muitos outros como ele sofreram.

Foto do Tenente Lobato quando, no passado dia 31 de Maio de 2008, os Especialistas da Força Aérea, que serviram na Guiné, o homenagearam com o respeito que ele nos merece. Junto e ladeando-o estão o Victor Barata e o Carlos Wilson,  organizadores deste evento.

Neste almoço de confraternização foram igualmente homenageados o Ten Pil Av Pessoa e a sua esposa Enfermeira Pára-quedista Giselda, ele abatido em 1973 por um míssil e ela representando todas as Enfermeiras Pára-quedistas que tantas vidas salvaram com a sua coragem e prontidão na recuperação de feridos em zonas de combate.

Foto da evacuação do Ten Pessoa, assistido pela enfermeira na altura e actual esposa, a nossa muito querida camarada da armas Giselda.

Capa do livro Liberdade ou Evasão; Autor: António Lobato; Colecção: Memória do Tempo; Editor: Rui Rodrigues; Editora: Erasmos. © ERASMOS e António Lobato.

Neste livro, António Lobato conta o seu percurso na FAP desde a incorporação em Setembro de 1957, até ao dia 22 de Novembro de 1970, dia em que finalmente libertado, após sete anos e meio de cativeiro. Pelo meio ficam três tentativas de fuga frustradas. Por se tratar do militar português que mais tempo esteve prisioneiro do IN, pela forma como sobreviveu às condições mais adversas a que o ser humano pode ser submetido e porque nunca traíu a Pátria nem os camaradas que no terreno continuavam a lutar, António Lobato é digno da nossa admiração, estima e reconhecimento. CV


Foto e legenda de Carlos Vinhal
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Nota de CV:

(1) - Vd. poste de 10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1941: Estórias (nem sempre) vistas do ar (Nuno Almeida, ex-1º Cabo Mecânico de Heli, FAP)

Embarquei para a Guiné (BA12 - Bissalanca) em 27-01-1972 e fui ferido na mata de Choquemone - Bula , ao proceder a uma evacuação de dois feridos, debaixo de intenso fogo de metralhadoras e morteiros, em 25-11-1972.

Fui evacuado para o Hospital Militar de Bissau, onde fui sujeito a 5 intervenções cirúrgicas, no espaço de 25 dias, e evacuado para Lisboa em 27-01-1973 (para vir morrer ao pé da família!!!).

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3218: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (44): Em Bissau, no julgamento de Quebá Sissé


Texto de Mário Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,
Missirá e Bambadinca,
1968/70

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



Operação Macaréu à vista

Episódio XLIV

EM BISSAU, NO JULGAMENTO DE QUEBÁ SISSÉ
Beja Santos

As pequenas coisas da vida militar na época das chuvas


O Pel Caç Nat 52 de hoje pouco tem a ver com aquele que eu recebi em 4 de Agosto de 1968. Despedimo-nos comovidamente de Domingos Silva, regressa a Bissau, está ainda indeciso se irá trabalhar no comércio ou como professor. Não sei como é que hei-de agradecer-lhe toda a sua colaboração, a sua bravura, ao longo de todo este tempo. Recebemos mais uma ordem de transferência de praças, chegarão três soldados do Saltinho e saem outros três para o Depósito de Material em Brá. Um deles é Quebá Sissé, que dentro de dias será julgado no Tribunal Militar em Bissau, por homicídio involuntário. Sairão também Mamadu Silá e Adulai Djaló. Cherno já me avisou que se irá inscrever nos Comandos quando eu me for embora. Cibo Indjai voltou para Missirá, fez troca com um soldado do Pel Caç Nat 53, a sua paixão pela caça não tem limites. Acabo de receber uma carta de Jolá Indjai, foi considerado curado da sua tuberculose, está em convalescença, foi visitar a família a Farim, promete dar mais notícias em breve. A nota macabra é o pedido de transferência de Uam Sambu, falecido há cerca de seis meses, apeteceu-me não responder, mas era indispensável esclarecer e pugnar por um substituto. O furriel Pires, Bacari Soncó e Queta Baldé foram louvados pelo o Comandante Militar.

Tinha acabado de jantar quando chegou Amadu Só, fula do Cossé, estatura média, cara cheia de cicatrizes, linda pronúncia de português, riso aberto, aprumo incomum. Fez-me continência com um grande estalar de calcanhares, pediu-me para o ajudar com uma viatura, tinha a mulher e bagagem no cais, seguiu depois para uma das moranças alugadas pelo Rendeiro, junto da rampa para o quartel. Conversámos, esteve em Gandembel, um quartel já abandonado pelas nossas tropas, considerado como posição insustentável. Bambadinca está sob invernia, as bolanhas alagadas, as noites a esfriar e as manhãs de calor sufocante. Albino Amadu Baldé, o Príncipe Samba, prontificou-se a dar aulas aos mais atrasados, coxeia, é impossível voltar à vida operacional. Quanto a furriéis, estou neste momento sozinho: o Cascalheira seguiu para Bissau, o Pires está na CCS, o Ocante jaz na cama cheio de vermes, palúdico. Tenho, pois, o pelotão transfigurado mas sempre em actividade. De manhã passámos três horas na lama enquanto Spínola visitava os Nhabijões acompanhado por uma equipa da TV, ouvimo-lo três horas encharcados, debaixo de chuva, a fazer promessas ao megafone, recorrendo a intérpretes balantas e mandingas.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadincazinha (D), a sudoeste de Bambadinca, a escassas centenas de metros do centro (A)....Em primeiro plano, a estrada nova (C) para o Xime (posteriormente alcatroada) e, mais acima, a antiga estrada (B), paralela à pista de aviação.... Atravessando a tabanca de Bambadincazinho (D), seguia-se em estrada (picada...) até aos aquartelamentos de Mansambo, Xitole e Saltinho (E). Vê-se ao fundo a bolanha de Bambadinca... Era em Bambadincazinho que ficava a antiga Missão do Sono, em cujas instalações ficava, todas as secções, um Grupod e Combate para velar pelo bom sono dos seus senhores ofciais superiores do batalhão que dormim no quartel, a menos de um quilómetro...

Fotos: ©
Humberto Reis (2006)


O novo comando do BArt 2917 procura averiguar como trabalhamos. Ontem à noite apareceram dois majores no Bambadincazinho, de supetão, para saber se estávamos a cumprir a emboscada, chovia torrencialmente, estiveram pouco tempo, não percebi exactamente o que esperavam encontrar. É o ramerrão da época das chuvas, tudo alagado, temporais inusitados, a natureza desolada, mas o meio dia sempre com calor sufocante. O jovem Mamadu Soncó, filho do picador Quebá, anunciou-me por carta que quer vir estudar para Lisboa e pediu-me a morada de todos os meus familiares. Entrou-me no quarto, estavam lá o Abel Rodrigues e o Moreira que o ouviram atónitos: Mamadu Soncó recusa-se a voltar a Missirá, quer dormir aos pés da minha cama para ter a certeza que o levo para Lisboa, trouxe mantas e um saco com roupa... Arranjei uma questiúncula com o ajudante do capelão que me apanhou a roubar um pacote de velas na igreja, estamos com poucos petromaxes na ponte de Udunduma, gosto de adormecer a ler umas páginas. Esta é a época das chuvas em que leio aos bochechos “Vermelho e Preto”, de Stendhal, tempo de encontros e desencontros, ao amanhecer vamos picar a estrada até Amedalai, há uma coluna de vacas que parte para o Xime e daqui para Bissau, numa LDM chegará um novo contingente militar, irei conhecer um alferes de Ponta Delgada que andava no liceu quando lá fiz uma palestra. Passaram três anos, estamos certamente irreconhecíveis. A vida continua, até consegui que Serifo Candé e Ussumane Baldé vão passar férias a Bolama. Insistentemente, vou perguntando à Cristina se já conseguiu alugar casa, encontrou uma na Avenida do Brasil, três divisões a um preço módico, gostou, pede-me a opinião.

As descobertas surpreendentes de D. Violete

Estou a chegar do Xime quando recebo uma mensagem de D. Violete para ir à escola. Deixa as crianças a gralhar, avançamos para a varanda da sua casa, D. Ema sorri e anuncia que vai fazer um chá. D. Violete tem o entusiasmo estampado no rosto, sabe que me vai maravilhar, esclarece que os oincas aproveitaram a destituição de Abdul Indjai como régulo de Oio e do Cuor para ocuparem este regulado. Mostra-me o “Anuário Colonial” de 1916, retiro uma citação do antigo governador da Guiné, Carlos Pereira: “No regulado do Cuor, situado na margem direita do Geba, defronte de Bambadinca, habitavam até 1908, beafadas cujo chefe era Infali Soncó, destituído nesse ano. Depois de ter sido destituído, os beafadas abandonaram o Cuor, indo uns para o Oio e outros para Quínara. O governador dessa época investiu como régulo do Cuor o indígena Serua Abdul Indjai. Este chefe vinha de um grupo étnico diferente, não pôde conseguir povoar o Cuor com gente do seu grupo étnico. E como o território é pobre, foi abandonado por Abdul e ocupado imediatamente pelos oincas”. Não deixei de manifestar a minha estranheza com a presença destes oincas, seguramente que eles passaram a povoar o regulado na região ocidental, entre Madina e Gambiel. Tinha mais perguntas a fazer quando me encontrasse com Malã Soncó. Mas as novidades não ficavam por aqui, D. Violete encontrara elementos sobre a habitação dos mandingas num livro de 1948, uma projecto dirigido pelo comandante Teixeira da Mota. Levei para o meu quarto e passei para o meu caderninho viajante:

“Os mandingas constroem nas imediações das bolanhas usando como materiais o bambu, palha, madeira, corda e barro, aproveitando também a casca do ramo da palmeira e tiras de junco.

Constroem da seguinte maneira. Fazem uma circunferência que delimita o interior da habitação. Segue-se uma cerimónia que consiste em deitar uma pequena porção de água na extremidade superior do pau que serve de eixo ao desenho da casa. Nas extremidades abrem buracos e fixam-se prumos de bambu que vão formar um entrançado circular. Em seguida, arma-se o telhado constituído por bambus inteiros ligados entre si por anéis de tiras do mesmo material. A estrutura do telhado é armada entre quatro forquilhas. Sobre o telhado aplica-se a palha. Só então é que se procede ao revestimento da parede com lama amassada no próprio local”.

Amanhã devolvo este livro e os apontamentos inéditos sobre a Guiné da autoria do general Henrique Dias de Carvalho, que prestou relevantes serviços em Angola. Em, 1898, este oficial general foi convidado pelo Marquês de Liveri a organizar com Vítor Cordon a Companhia de Comércio e Exploração da Guiné. Viveu aqui cerca de dois anos, reuniu muitos dados científicos e estava a organizá-los quando faleceu. Não encontrei muitas novidades, mas fiquei surpreendido com alguns dados da navegação do princípio do século. Segundo ele, nas estatísticas de 1901 a 1904 figuram os vapores mercantes alemães, ingleses, franceses, portugueses e belgas servindo o comércio de Bissau a Bolama. Os números impressionam: alemães, 116; portugueses, 74; ingleses, 47; franceses, 11; belgas, 1. Começo a perceber o plano expansionista alemão, em directa rivalidade com franceses e ingleses na África Ocidental, no princípio do século XX. Tenho mais perguntas a fazer ao comandante Teixeira da Mota.


Guiné <> Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1968/70) > "O mais controverso cozinheiro do mundo, Quebá Sissé, o Doutor (fotografia de Luis Casanova).


O julgamento de um homicida involuntário

“Doutor”, o mais amável dos cozinheiros, olha fixamente o juiz, tem o olhar líquido, os braços pendem, desajeitados, vem com a farda n.º 2, imaculada. Escondeu à pressa o seu cachimbo num dos bolsos das calças. Compreendo a tensão do “Doutor”, tudo isto é bizarro, ele recebe este julgamento com a maior das incompreensões. Pela segunda vez, venho depor a este tribunal.

Voltei ao Tribunal Militar de Bissau, cheguei ontem ao princípio da tarde, a maior parte dos amigos e conhecidos já cá não estão, cumpri o ritual da ida às compras, uns escassos livros, mais um disco, satisfiz a lista de encomendas dos soldados, abracei o Emílio Rosa no BEng 447, vou hoje jantar lá a casa, espero ainda ter tempo de ir até ao Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Nos CTT, tive êxito nas chamadas para a Cristina, a minha Mãe e o Ruy Cinatti. Este último perguntou-me se eu já estava em Lisboa. Quando partes, quando regressas, quanto mais tempo dura essa comissão? A todos procuro serenar, prometo ligar novamente à Cristina e à minha Mãe.

Bilhete Postal > Guiné Portuguesa > 118 – Vista aérea de Bissau. Fotografia verdadeira – Reprodução proibida. Edição Foto Serra. C.P. 239 – Bissau… Impresso em Portugal. Sem data.

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Ao fim da tarde de ontem, tal como combinado, encontrei-me com o “Doutor” numa cervejaria ruidosa, ali para os lados do Comando Naval, o Mário. Seguimos pelo cais fora, procurei, de uma forma pausada, convencer Quebá Sissé que era indispensável explicar ao juiz que a G3 que vitimara Uam Sambu estava com a patilha na segurança, fora um puríssimo acidente a arma ter-se destravado quando ele subira para o burrinho, naquele malfadado amanhecer de 1 de Janeiro de 1970. Informei-o que tinha três louvores, o último dos quais realçava as suas qualidades humanas, o seu brio militar, a sua compostura e dedicação às tarefas que lhe foram incumbidas, ao longo de mais de quatro anos, era matéria a seu favor. O “Doutor” tudo ouvia, parecia que estava a interiorizar a sequência do interrogatório na sala do tribunal, em vez de um julgamento seria uma operação com perguntas e respostas. Convidei-o para jantar, fomos ao Solar dos 10, insisti que desse respostas directas e completas ao juíz, que fosse firme em invocar a sua total inocência e o seu arrependimento. Quebá Sissé estava tão desamparado, as linhas do rosto tão acentuadas, a tristeza tão à flor da pele desde que despejara quatro tiros na tábua do peito de Uam Sambu, que me senti na obrigação de o acompanhar até para os lados do Bairro da Tchada, onde ele pernoitou. E lá fui para o Vaticano III, ajoujado com os sacos das compras.

Estava uma manhã típica da época das chuvas quando entrei pelos corredores do tribunal onde se ajuntavam vários arguidos e testemunhas. Houve tempo para recapitular os possíveis quesitos, depois a chamada vociferante do meirinho separou arguidos e testemunhas, Quebá Sissé despediu-se súplice, por ele tínhamos entrado na sala de audiências de braço dado, ele ter-me-ia dado luz verde para aguentar o interrogatório pelos os dois. A atmosfera era sufocante e quando fui chamado estoirou um relâmpago sobre Bissau, ocorreu-me que acabara de subir ao palco como numa peça de teatro. Não exagero, tinha dormido bem, estava absolutamente convicto que o “Doutor” sairia ilibado, resolvi exceder-me no meu testemunho perante um juiz macambúzio e distraído. Sim, o comportamento cívico e militar de Quebá Sissé era inexcedível, amigo das crianças, a quem oferecia todas as sobras das nossas refeições, estóico na cozinha, a aguentar todas as críticas, voluntário para os serviços mais duros, largava a panela da sopa e seguia para os reforços ou para as colunas, sempre na vanguarda, com um sorriso, ninguém lhe conhecia acidez ou amargura. Sim, era amicíssimo de Uam Sambu, uma amizade comprovada, ninguém conhecia entre os dois mais do que amizade e só amizade. Sim, a nota de assentos espelhava os primores de carácter deste destemido e abnegado soldado, há muito que devia ser apontado pelos seus serviços distintos, a distracção era minha. Sim, dera ordens e confirmara que todas as armas estavam em segurança, fora um acaso brutal e fortuito que aquela patilha tivesse passado para a posição de fogo na altura em que Quebá Sissé subia para o burrinho. Sim, podia comprovar a consternação sentida por todos, Quebá Sissé e Uam Sambu eram a camaradagem personificada. A sentença só a conheci mais tarde, foram uns brandos dias de prisão, todas as atenuantes tinham sido tomadas em consideração, com aquela nota de assentos e com um comportamento tão irrepreensível pena mais suave não era possível. À porta do tribunal recebo o sol o cru na face, só penso em fugir. Tenho uma viagem no Dakota na manhã seguinte, Quebá Sissé segue para o seu quartel, o Depósito de Adidos, em Brá, despedimo-nos, dou-lhe garantias de que a sua vida militar não sofrerá mais castigos, já bastou o sofrimento daquela descarga de tiros no camarada, situação mais azarada não pode haver.

Abraço-o, nunca mais o voltarei a ver, ficará para todo o sempre a lembrança do seu sorriso meigo e inocente, dos meninos a quem ele saciava o apetite, do seu andar cambaleante como se estivesse permanentemente em risco de cair para o lado. Subitamente, cai chuva torrencial, em minutos o Bissau Velho ressuma de humidade, entro no Café Central para uma refeição ligeira, quero passar umas horas a ver papéis ao lado do Museu de Bissau, no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

Descubro a figura grandiosa do alferes Geraldes

Não sei, claro que não posso saber, mas nunca mais lerei um texto tão épico acerca de um oficial destacado no Geba, ou onde quer que seja. Com a ajuda daquele diligente, prestável e silencioso funcionário do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, manuseio despachos oficiais, documentação enviada para a metrópole e referente às mais desvairadas situações. É no meio desta papelada, numa atmosfera de sufocante humidade, com as janelas a gotejar e a reflectir todas as luzes acesas da sala, que leio a carta do governador Pedro Ignacio de Gouveia para o Ministro da Marinha e Ultramar, com data de 4 de Maio de 1883:

“Ilustríssimo e excelentíssimo senhor,

Em princípios de Março, os fulas pretos agrediram a pequena povoação de São Belchior, na margem, onde existiam alguns grumetes de Bissau, gente pacífica, que faziam algum comércio com os poucos recursos de que dispunham.

Os fulas pretos, capitaneados por Deusá, queimaram as cubatas, levando prisioneiros, dez homens e duas mulheres, todos cristãos.

Depois deste ataque à povoação, foi Deusá com a sua corte para os lados de Geba, e parece que receando-se de algum agravo da parte do Governo Português, que ultimamente não tem poupado os díscolos, apresentou-se ao comandante do presídio de Geba, o alferes Francisco António Marques Geraldes, levando-lhe um presente de vacas e não lhe falando em nada do ocorrido.

Aquele oficial, sabendo então do procedimento do chefe em São Belchior, recusou-lhe e exigiu-lhe os prisioneiros que ele conservava em seu poder; o chefe intimidou-se e entregou os homens, pois as duas mulheres iam a caminho do Indornal, que fica a pouco mais de um dia proximamente ao SE de Gâmbia e dois dias proximamente ao NE de Selho.

Aqueles mulheres iam fazer naturalmente parte do serralho do régulo Dembel, potentado por entre os fulas pretos e pai do agressor Deusá.

Deusá desculpou-se com o chefe do presídio de Geba, dizendo ignorar que São Belchior pertencia aos portugueses, entregando três dias depois os prisioneiros, explicando a impossibilidade da entrega das duas mulheres.

Aqui principia a fase brilhante e digna do alferes Francisco António Marques Geraldes, participa o ocorrido para o seu imediato chefe, o comandante militar de Bissau, e dizendo que ia buscar as mulheres, estivessem onde estivessem, pedindo para ser relevado de não esperar autorização superior.

Põe-se este oficial a caminho, acompanhado apenas de um enfermeiro ao serviço na praça, António Mendes Rebelo, de José Lopes, comerciante em Geba, e quatro grumetes para conduzir a pequena bagagem da expedição, levando fazendas, tabaco e cola na diminuta importância 35$000 reis, para lhe facilitar a passagem nos caminhos das diferentes povoações que tinha de atravessar.

Aí vai este oficial, convencido da sua nobre causa, em condições excepcionais, sem cómodos, sem força, levando consigo a ideia inabalável de que devia exigir e havia de trazer as duas mulheres cristãs. Chegado à tabanca do régulo Umbucú, apresentou-se-lhe completamente uniformizado, dizendo quem era e qual era o seu destino. Este régulo, bastante poderoso e dominando o território vizinho de Geba, recebeu-o admiravelmente e ofereceu-lhe três cavalos para fazer a jornada e quatro fulas armados para o acompanharem, e seu filho para lhe servir de guia o obviar a algumas dificuldades de ocasião.

Andando nove a dez horas por dia, percorreu aquele trajecto sob um sol ardente, bebendo má água, seguindo tranquilo e cônscio de que realizava a sua nobilíssima ideia.

Expôs ao régulo Dembel o fim da sua visita, declarando-lhe as boas relações que tem havido entre o Governo Português e os da sua raça; que não poderia acreditar que ele, régulo, permitisse as correrias dos seus, o que obrigava o Governo Português a usar de represálias, concluindo por exigir as duas mulheres e uma indemnização para aqueles que sofreram na agressão em São Belchior.

O régulo ouvi-o no mais profundo silêncio a peroração do oficial e considerou-a caso tão melindroso que só depois de conferenciar com o seus “maiores” lhe poderia responder. No dia seguinte mandou-o chamar e disse-lhe que estava pronto a entregar as duas mulheres que o seu filho tinha mandado para ali; que a indemnização aos roubados não podia ser a que ele entendia dever satisfazer, pois havia pouco tinham sido devoradas pelas chamas duas populações importantes; que também ia mandar cavaleiros buscar seu filho para o repreender e proibir-lhe de fazer guerra sem ordem dele.

Convidou-o a esperar pelo regresso do filho.

Apareceu o filho Deusá e foi severamente repreendido pelo pai, entregando este as duas mulheres e 40$560 réis para distribuir pelos prejudicados de São Belchior.

O oficial saiu do Indornal sendo acompanhado por Mussá, sobrinho e sucessor do régulo Dembel e seu primeiro cabo de guerra, em quem deposita toda a confiança.

Causou espanto no Indornal a aparição do oficial, pois ali nunca esteve um europeu, chegando a pedir-lhe para descalçar as botas, duvidando se também o corpo era branco.

Ex.º Sr., Um oficial que assim procede, nas condições e fim nobre como realizou esta expedição, parece-me merecedor de uma remuneração condigna, que à munificência régia lhe apraza conceder. Este oficial levou a sua abnegação a querer custear as despesas à sua custa, não obstante os seus pequenos vencimentos, e só instado é que se resolveu amandar para a junta da fazenda a despesa feita.

Deus guarde a V. Ex.ª Palácio do Governo em Bolama, 4 de Maio de 1983. Pedro Ignacio de Gouveia, governador.”

Leio e releio, é impossível encontrar prosa mais bela para um gesto tão sincero. Devo estar emocionalmente a esgotar-me, não consigo reprimir as lágrimas, encontrei um alferes de Geba que não rouba, não intriga, não maltrata, arrisca tudo para ir buscar quem estava à sua guarda. O alferes Geraldes fez 54 léguas e cumpriu, entrou no mato onde nenhum branco fora. Anoiteceu e quando aquele diligente, prestável e silencioso funcionário me informou que estava na ordem de encerrar o serviço deve ter pensado que eu tinha recebido uma má notícia e disse-me: “Não se preocupe, trate de si, eu espero um bocadinho até se sentir melhor.

Sempre a pensar no alferes Geraldes e na sua viagem ao Indornal fui até à Sé de Bissau e depois segui para casa da Elzira e do Emílio Rosa.

Duas belas leituras entre Bissau e Bambadinca

Li “A Ásia a caminho da Europa”, de Franz Altheim. É um trabalho do pós-guerra, um ensaio sobre as especificidades deste dos continentes, no exacto momento em que as fronteiras asiáticas avançaram até ao Danúbio, já não estão nos Urais. O historiador reflecte sobre a grande China e como esta empurrou diferentes povos em direcção à Europa, no tempo em que o Império Romano do Ocidente colapsava. Fala dos hunos e de outros bárbaros e da fragilidade destes curtos impérios que irão desaparecer com as invasões árabes e Carlos Magno. Numa outra vertente do ensaio, fala do reino iraniano dos Sassânidas, quais as suas afinidades com a cultura ocidental, quais as suas diferenças no seu modelo feudal. As sucessivas deslocações da Ásia para a Europa foram fugazes, encontraram a resistência na concepção do Estado, a religião separou tudo radicalmente depois. Um belo ensaio para se perceber como a cultura não se rende aos caprichos do instante nem da conjuntura.



É um livro fascinante, foi um prazer revê-lo, 40 anos depois, com os reforços culturais entretanto chegados, fica-se até a perceber melhor o distingue Europa e Ásia, como viajam as ideias nestes continentes. Foi editado na prestigiada Enciclopédia LBL (Livros do Brasil Limitada), tradução de Aníbal Garcia Perira, s/data. Frantz Altheim escreve este admirável ensaio logo a seguir à derrota da Alemanha, em que tudo indicava uma redução territorial da Europa. A estrada da seda foi sempre o elo de ligação entre continentes, depois a China expandiu-se, deslocando povos em direcção ao Bósforo e ao Danúbio. Os Hunos estiveram prestes a conquistar o moribundo Império Romano do Ocidente, vieram depois as invasões bárbaras que permitiram ao cristianismo um desempenho religioso e temporal. Com o exemplo dos Sassânidas, ficamos a perceber como as grandes potèncias asiáticas, até aos árabes, tiveram um projecto que incluía pensamento europeu mas nada tinha a ver com a religião e a cultura que vieram a definir a Europa. Um grande ensaio sobre a especificidade dos dois continentes.





Leitura surpreendente foi também “O Tio prodigioso”, de Fredric Brown, um grande escritor de ficção científica que por vezes investe na literatura policial. Neste género, ele é bastante singular. Numa artéria do proletariado de Chicago, o linotipista Wallance Hunter aparece assassinado e roubado. O seu filho, adolescente e também trabalhador, vai pedir ajuda ao tio Ambrósio que trabalha num circo. O homicídio é um mero expediente para deambularmos em atmosferas verdadeiramente neo-realistas, gente de carne e osso, relações afectivas esquivas e sofredoras, dramas passionais e a sordidez do crime para usufruir os benefícios de um seguro de vida. Ambrósio e o seu sobrinho Eddie, que não se viam há um ror de tempo, afeiçoam-se. Eddie larga o seu trabalho e vai para uma banda do circo, feliz por tocar no seu trombone de profissional. Um policial muito diferente de tudo quanto tenho lido até agora.




N.º 56 da Colecção Vampiro, capa de Cândido Costa Pinto, tradução de Mário Quintana revista por Lima de Freitas. Hoje não seria classificado como romance policial e memo na época denota as preocupações sociais como as obras de John Dos Passos ou John Steinbeck. Em meio proletário, em Chicago, Wallace Hunter, é assassinado num beco. Ed, o filho, pede ajuda ao tio Ambrósio que trabalha num parque de diversões. Os dois vão procurar, em paralelo com a ionvestigação policial, descobriri o criminoso. O móbil é um seguro de vida envolvendo a madrasta de Ed e um amigo de Wallace. A estrutura do romance é muito simples, viva e directa. Houve um crime que aproximou tio e sobrinho, Ed abandona tudo e todos e vai trabalhar com o tio Ambrósio no parque de diversões, este oferece-lhe um trombone de profissional. Um bom Fredric Brown, um grande escritor eclético, ainda hoje uma referência na ficção científica.




Em Bambadinca fico a saber que o mês de Julho, à porta, vai ser passado entre a ponte de Udunduma, curtas estadias nos Nhabijões e muita segurança diária nos trabalhos do alcatroamento da estrada Xime-Bambadinca. Vou conhecer o engenheiro Semedo e uma face terrífica do ódio racial. O melhor é contar já a seguir.
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 12 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3195: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (43): Um grande ataque a Demba Taco

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3217: Notícias da Casa da Guiné-Bissau em Coimbra (2): Programa das comemorações dos 35 anos de independência

Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 14 de Setembro de 2008 > "Um grupo de 11 guineenses da Guiné-Conakry (Nanias) fez recentemente uma visita ao pólo de desenvolvimento do ecoturismo de Cantanhez, para um intercâmbio de experiências, uma vez que eles estão envolvidos num programa similar no seu país, na Ilha de Nuno Tristão.

"Foram recebidos por Abubacar Serra (de camisa branca) que manifestou o interesse no incremento da ideia da criação de um Parque Transfronteiriço que uniformizasse as disposições em relação aos recursos naturais, à defesa dos corredores de animais selvagens e à implantação de uma série de locais turísticos.

"Os visitantes ficaram muito impressionados pela excelente integração da população local na gestão do Parque e, em especial, com as opções arquitectónicas simples e bonitas dos bungalows de Iemberém".



(Aproveitamos para saudar o Abubacar Serra, técnico da AD, director do PIC - Programa Integrado de Cubucaré, e que segundo informações do nosso amigo Pepito, em Lisboa, teria tido recentemente alguns problemas de saúde. A ser verdade, desejamos-lhe rápidas rápidas e pleno restabelevimento, por que a Guiné-Bissau e o Cantanhez, muito em particular, precisam da sua grande competência e forte empenhamento).


Foto e legenda: AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)


1. Mensagem recebida da Casa da Guiné em Coimbra, através do seu presidente, o nosso amigo Julião Soares Sousa, guineense, investigador, doutorado em História Contemporânea, que conhecemos na sua terra natal, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) em que participámos como conferencistas (LG):


Guiné-Bissau: comemorações dos 35 anos de independência > Programa (provisório) > De 18 de Setembro a 18 de Outubro de 2008, – Coimbra


18 de Setembro:

16h30 – Apresentação do programa das comemorações à Comunicação social

20/09/2008:

16h30 – Jogo de futebol entre antigos jogadores guineenses residentes em Portugal e a selecção da Guiné e Cabo Verde do distrito de Coimbra.

20h00– Jantar de confraternização.

00h00 – Grande convívio na Via Latina.

23/09/2008 –

Inauguração do ciclo de conferências: Guiné-Bissau 35 anos de Independência (sessão inaugural com a presença do Doutor Leopoldo Amado, Historiador guineenses).

24/09/2008

17h00 – Documentário: “As duas faces da Guerra”, filme-documentário de Flora Gomes e Diana Andringa (com a presença de Diana Andringa), seguido de Debate.
Concerto do Grupo Cabaz/músicas de José Carlos Schwarz (*)

26/09/2008

21h00 – Grande Sarau Cultural (auditório do IPJ - Instituto Português da Juventude)

Convívio na Discoteca Massas.


16/10/2008 –

17, 30 – Inauguração de uma exposição de fotografias e de slides alusivos à guerra colonial e à proclamação da independência da Guiné (Casa Municipal da Cultura) (curta actuação de um Grupo)

18/10/2008 –

10h00 – Visita guiada das crianças e adolescentes guineenses ao Portugal dos pequenitos

11h00 – Passeio de barco pelo rio Mondego (Basófias)

11h45 – Lançamento de balões (com as cores da bandeira guineense junto ao rio Mondego. Encerramento de actividades.
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Nota de L.G.:

(*) Artista e patriota guineense (1949-1977) > Vd. poste de 22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2203: Artistas guineenses (2): José Carlos Schwarz (Didinho/Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P3216: História da CCAÇ 2679 (3): A primeira saída para o mato (José Manuel Dinis)


1. Mensagem do dia 16 de Setembro de 2008, do nosso camarada José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, (Bajocunda, 1970/71), com mais uma das suas estórias.

Olá pessoal da tabanca!
Depois da descrição da viagem desde o Funchal até Nova Lamego, e daí para Piche, hoje envio o terceiro relato sobre a CCAÇ 2679: A primeira saída para o mato.
Lá vai.

2. A primeira saída para o mato
Por José Manuel Dinis

Em 22 de Fevereiro de 1970 a Companhia saíu para o mato numa primeira missão de reconhecimento da zona envolvente de Piche, identificação de alguns caminhos que, derivando da localidade, podem incluir trilhos de penetração do IN, sobretudo na direcção do Corubal. E servia para identificação e controle de comportamentos.

Os quatro pelotões, verdinhos, muito verdinhos, cautelosos na movimentação e manutenção das distâncias, de entre dois a três metros, silenciosos em geral, com os sentidos a quererem casar-se com o ambiente, mas descuidados, porque compactos em trilhos abertos, marginais a bolanhas, e condicionados pelo medo de enfrentar o mato, onde imaginávamos um turra em cada árvore, o perigo iminente.

Antes de sairmos, cada pelotão teve uma conversa breve, apelativa à calma, ao espírito de grupo e, se necessário, à resposta organizada a qualquer acção do IN.

Passei revista às armas e, relativamente a três ou quatro que desconfiei poderiam disparar sem nexo, por minha conta, retirei os percutores.

Com um pisteiro local a revelar-nos o percurso, iniciámos a marcha, particularmente atentos ao alinhamento dos que nos precediam, na intenção óbvia de evitar minas antipessoais ou outros engenhos. Lembro-me de ter visto uma granada defensiva, portuguesa, nova, a pouco mais de um metro da fila de pirilau, deixada cair por alguém que seguiria na frente, e pedi a quem ia na minha frente, em voz baixa, que passasse palavra a transmitir a ocorrência. Eu iria a meio da longa fila, pelo que, provavelmente, a mensagem não chegou ao capitão, e a granada lá ficou à espera de quem a levasse mais tarde. Pelo caminho matutei se seria uma situação fortuita, ou uma armadilha, e, nesse caso, eu era um dos habilitados à averiguação.

Ainda fui a pensar que deveríamos ter parado, mas, por outro lado, prosseguido, evitámos uma eventual situação de perigo. Embrenhado nestes pensamentos ocorreu-me a máxima transmitida pelo engenheiro, alferes-instrutor:

- Nunca se armem em parvos.

Este axioma adoptei-o como divisa pessoal no que concerne a minas e armadilhas. Mas eu tinha adquirido os conhecimentos, e a partir de então, mais tarde ou mais cedo, teria de os aplicar. Apesar disso, quanto mais tarde, melhor, e senti-me confortado.

A fila prosseguia como que indiferente.

O patrulhamento durou cerca de cinco horas, e aparentemente de pouco nos serviu, mas deu-nos uma ideia sobre o terreno, atenuou os primeiros medos, deixou indicações sobre o comportamento do pessoal.

O regresso a Piche foi a tempo de almoçar, pelo que, após as formalidades, dirigimo-nos à messe, um alpendre acanhado e desconfortável, onde não cabiam todos em simultâneo, nos antípodas das novas construções do aquartelamento.

Nós, os da 2679, fomos comer em segunda ou terceira leva, e o que nos foi servido, foi uma sopa leofilizada, com uns supostos e escassos pedacinhos de legumes a flutuar, e o caldo insalubre, praticamente ausentes o sal e o azeite. A seguir, foi servida uma pequena quantidade de bianda com estilhaços, em estado de pré-argamassa.

Nesta fotografia, evidencia-se o elevado moral das NT, superiormente autorizados a manifestarem-se contra a fome no mundo.

Para contrariar tão frugal refeição, funcionava ali à vista a casa Tufico, onde esportulei os primeiros pesos naquela terra, para pagamento da substantiva sandes e cervejola, a Superbock, que só conheci na Guiné. Depois seguram-se uns digestivos na Cantina, a acompanhar a cavaqueira das curiosidades.

O Serviço Postal Militar parecia ser a única infra-estrutura de apoio às frentes de combate que funcionava exemplarmente. O correio constituía o único elo de ligação com a Metrópole, por isso era tão importante, mesmo quando não adiantava nada, mesmo quando evidenciava o divórcio entre dos cenários de guerra com a indiferença na Pátria distante, mesmo quando transmitia noticias indesejáveis, como rompimentos amorosos.

Fomos informados, pela tarde, sobre a actividade operacional de cada grupo, a iniciar no dia seguinte, consubstanciada em montagem de embocadas, nocturnas e diurnas, patrulhamentos, operações, protecções a trabalhos nas picadas, escoltas em colunas auto, etc., acções que caracterizariam a nossa actividade naquele sector da Zona Leste, enquanto domiciliados em Piche.

Nesta fotografia pode apreciar-se uma parte do esquema defensivo de Piche, onde abundavam valas arejadas, a partir das quais, os façanhudos recepcionavam as maluqueiras inimigas, procedendo sem dó nem piedade à limpeza dos mais afoitos que, seguidamente, sugeitavam-se à aprendizagem dos bons ensinamentos do corão. Finalmente, a fraternidade celebrava-se com música.

Fotos e legendas: © José Manuel Dinis (2008). Direitos reservados


Pelas 21h00 chegou o bendito cabrito à suite três. Àquela hora, na Guiné, já a maioria do pessoal estava a descansar. Por outro lado, a situação inusitada não tinha a divulgação que gera os grandes quoruns, e, assim, eu, o Zé Tito, o Branco da Silva e, talvez mais um ou outro, tivémos que devassar o amplo tabuleiro, onde pontificava o preceituado cabrito, cheiroso e corado, acolitado pelas saborosas batatinhas, em cama de cebola e alho, com um piri-piri contido e adequado, tudo regado com um indiscutível vinho, que fez a nossa delícia. Claro, na suite nunca faltaram os géneros bebíveis, e alguém providenciou cerveja, vinho do Reno, wisky e Perrier, em dose generosa, que não se brinca com necessidades estomacais e dionísicas.

Adormeci satisfeito.

P.S. (Naqueles tempos felizes anda não havia P.S.) - Anexo outro mail com retratos alusivos.

Um abraço para o Pessoal.
José Manuel Dinis
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Nota de CV

(1) - Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3203: História da CCAÇ 2679 (2): A caminho de Piche (José Manuel Dinis)