sábado, 3 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5046: Parabéns a você (31): Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF, Piche e Bissau (1970/72) (Editores)

Neste dia 3 de Outubro de 2009, está de parabéns, por somar mais um ano à sua curta vida, o nosso camarada Hélder Sousa (*) (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), a quem, por este meio, toda a tertúlia vem dar o testemunho da sua alegria, associando-se não só ao Hélder, mas a toda a família e amigos mais próximos.

Prometemos marcar encontros sucessivos nos próximos anos, neste mesmo dia e local, assim ele nos continue a considerar seus amigos e camaradas.


O Hélder Sousa, entrou na nossa Caserna virtual em 10 de Abril de 2007, assim:

Sr. Professor e camarada da Guiné:

Peço desculpa de entrar desta maneira no seu (teu) endereço mas penso que é desta forma que se contacta o blogue.

Sou leitor assíduo do Luís Graça & Camaradas da Guiné, desde finais de Fevereiro, altura em que encontrei, comprei e li o livro Diário da Guiné do António Abreu e, através da informação lá disponibilizada, tomei conhecimento do blogue.

A Guiné sempre provocou em mim um misto de atracção e de nostalgia mas não me tinha dado ao trabalho de procurar coisas que afinal estão por aí e já há bastante tempo e com bastante qualidade.

Chamo-me Hélder Valério de Sousa, vivo actualmente em Setúbal, fui Furriel Miliciano de Transmissões, do STM, cumprindo a comissão de serviço na Guiné entre 9 de Novembro de 1970 e 10 de Novembro de 1972, tendo estado cerca 7 meses em Piche (contemporâneo do BCAV 2922) e o resto da comissão ao serviço do Centro de Escuta e de Radiolocalização do Agrupamento de Transmissões da Guiné.

Das minhas leituras do blogue devo começar por dizer que concordo inteiramente com os estatutos do mesmo. Penso até que só mesmo com enquadramentos colectivos com essa abrangência e ao mesmo tempo com esses compromissos, se pode criar e manter uma ampla plataforma de entendimento onde as diferenças se assumam mas se respeitem.

Não estou ainda a fazer um pedido formal para ser aceite como membro da Tertúlia porque não tenho ainda cumprida uma outra condição para ser membro e que se prende com as fotografias. Tenho que resolver essa lacuna pois tenho que procurar as fotos antigas e essas andam guardadas em algures.

Sendo assim, então qual o motivo deste contacto? Simples, como está previsto o almoço/convívio em Pombal (e não no, conforme recomendação expressa), a pergunta é se, não sendo membro, se pode participar e, caso sim, se se deve enviar a comunicação para o editor do blogue (para poder testemunhar que embora não sendo tertuliano de facto, já tem contacto preliminar no sentido de se efectivar) ou para o organizador do almoço (Vítor Junqueira).

Saudações e até breve.
Hélder Sousa


É caso para dizer que o nosso camarada Hélder foi atraído pelo estômago e ficou preso pela camaradagem reinante na Tabanca.


Nem sempre temos a oportunidade de neste dia homenagear os nossos progenitores, mas desta feita temos a sorte de possuir uma foto do senhor Ângelo Ferreira de Sousa, pai do Hélder.

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1.º Cabo n.º 816/42/5.

Foto editada por CV

O Helder Sousa no seu quarto em Bissau... Sinais dos tempos: um poster do Che Guevara, um ícone da juventude da época

Hélder Sousa, Fur Mil Trms TSF, algures na Guiné no exercício das suas funções

Bissau > Hélder Sousa, no quarto. Na mesinha de cabeceira, os inseparáveis livros

Na foto, Hélder Sousa com os camaradas Fernando Roque e Nelson Batalha

Fotos: © Hélder Sousa (2008). Direitos reservados.

Nesta foto tirada no III Encontro Nacional, pareço acusar o Helder de algo, apontando-lhe o dedo, mas ele aponta para a sua esquerda indicando talvez o verdadeiro culpado

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Será o meu companheiro Inácio o verdadeiro culpado? Que estarão os dois a conspirar?

Foto: © José Armando F. Almeida (2008). Direitos reservados.
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2438: História de vida (10): O Último Adeus ou as peripécias da minha partida no N/M Ambrizete (Helder Sousa)

6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

19 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2828: Convívios (56): CCS/BCAV 2922, Piche, Buruntuma, Canquelifá (Helder Sousa)

10 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3430: Bibliografia de uma guerra (36): No ocaso da Guerra do Ultramar, de Fernando Sousa Henriques. (Helder Sousa)

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3809: Os últimos dias do destacamento de Copá, Janeiro/Fevereiro de 1974 (Helder Sousa / Fernando de Sousa Henriques)

11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3871: Em busca de... (65): Pessoal de Copá, 1ª Companhia do BCAV 8323/73 (Helder Sousa)

23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3926: Efemérides (17): Piche, 22 de Fevereiro de 1971 ou... Carnaval, nunca mais! (Helder Sousa)

4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3981: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (1): Aprender a ser solidário

13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4025: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (2): "Conta-me como foi" ou há mesmo coincidências

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4095: O trauma da notícia da mobilização (5): Depoimentos (Magalhães Ribeiro/Hélder Sousa/David Guimarães/Juvenal Amado/César Dias)

22 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4235: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (3): Recordar aos poucos ou circuncisão espectacular

10 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4316: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (4): A bazuca em rajada

29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4436: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: tradução de Miguel Pessoa (4): Alguns comentários

7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4474: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (5): Os meus livros

15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4531: A Tabanca Grande no 10 de Junho (13): Tertuilianos éramos mais de 30… (Hélder Sousa / Xico Allen)

17 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4544: Blogoterapia (107): Olhar, pensar e sentir a Guiné - Ontem e hoje (Hélder Sousa)

27 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4593: Controvérsias (22): As influências dos grandes mestres (Hélder Silva / José Brás)

11 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4811: Informações adicionais ao Poste 4800 (Hélder Sousa

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5026: Parabéns a você (30): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69 (Editores)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5045: Humor de caserna (12): A Paisanada... e Os Insaciáveis (Vitor Junqueira / Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça, um ser híbrido, meio alentejano, meio algarvio, no campo fortificado de Mansambo, onde se dormia debaixo de terra em bunkers, com paredes cobertas de imagens de estrelas ... de cinema como a Catherine Deneuve, que ajudavam os jovens, cheios de testosterona, nos seus verdíssimos 20 anos, a alimentar e a sublimar o ardente desejo... de viver! Em Mansambo (!), com Lisboa e o Porto, tão longe... e Bissau pelo meio, mas só para alguns privilegiados.... O melhor era mesmo afivelar a máscara do espanta-tentações, como aqui exemplificada na foto...

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.






Mensagem do nosso camarada Vitor Junqueira, publicada em 10 de Agosto de 2005 (*): "Entre os meus papéis encontrei esta lista com os títulos dos filmes que passavam nos principais cinemas do país nos finais da década de 60. Alguém estabeleceu um elo de ligação, irónico, entre esses títulos e certos momentos importantes da vida de um combatente. Quero partilhar o achado convosco.Vitor Junqueira".


Documento (digitalizado): © Vitor Junqueira (2005). Direitos reservados


1. Uma das coisas que mais aprecio nos seres humanos (e nos extra-terrestres, se um dia porventura os vier a encontrar) é o sentido de humor.

Infelizmente não temos cultivado devidamente esta arte e esta ciência. Convenhamos que o humor não é fácil. E que os tempos não são os mais favoráveis para os seus cultores. A menos que a coisa resvale para a chicana política, o trocadilho fácil, o bota-abaixo, o palavrão, a desbunda ... Mas esse arsenal do baixo humor (ou mau humor) não nos interessa, não faz parte do nosso core buisiness...e é eticamente reprovável, à luz dos nossos 10 mandamentos...

Gosto do humor do camarada que, em comentário a um poste meu (P5021), me diz:
- BAC ?... Bateria de Artilharia de Costa e não anti-costa.

E depois pergunta, com ironia:
- Paisanada?

E como "humor com humor se paga", respondi-lhe:
- É isso, camarada, é mesmo uma paisanada, uma calinada de paisano!... A minha cultura castrense tem lacunas... Fui infante, ninguém é perfeito... Peço desculpa aos leitores e, muito em especial, aos nossos valores artilheiros de costa (BAC)... Obrigado ao leitor anónimo, sempre atento e culto...

Pois, amigos, cá temos mais um termo (jocoso) que vem enriquecer o nosso linguajar de caserna:
paisanada sf > paisano + ada: 1. pej Os paisanos. 2 Grupo de paisanos. 3 gíria militar: Acção de paisano; gafe... (O termo vem do francês, paysan, camponês, pessoa que vive no campo, rústico)...

Outro camarada com humor (às vezes bem cáustico) é o nosso Vitor Junqueira... Creio que o primeiro ou um dos primeiros postes que lhe publiquei, nos primórdios do blogue, na I Série, era sobre o humor (*)...Merece transcrição (já que ninguém visita a I Série do blogue) (*):

Eu já tive ocasião de dizer ao Vitor que este documento era uma maravilha!... De facto, quem disse que nós, os tugas, não tínhamos sentido de humor ? Eu acho que o humor é, além de um sinal de inteligência, uma forma muito nossa de ser e de estar que nos ajuda a enfrentar e aguentar as situações difíceis…

Para um mancebo a tropa sempre constituiu, entre nós, um verdadeiro ritual de passagem. Para os mancebos da nossa geração, a passagem implicava também em 90 e tal por cento dos casos (tirando os filhos de algo, mais os cegos, os surdos e os mudos) um bilhete de ida (e nem sempre de volta) até ao Ultramar, a uma das três frentes da guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique...

O documento que o Vitor nos mandou [, reproduzido acima, ] é constituído por duas imgens, em formato.jpg, de uma lista, dactilografada, que tem por título "A Vida de um Militar na Guiné Atravez (sic) do Cinema".

A qualidade da digitalziação não é boa, pelo que transcrevo as duas partes, corrigidindo alguns erros de ortografia e/ou dactilografia. A segunda parte da lista (continuação) é aqui inserida sob a forma de imagem, a título meramente exemplificativo.

Esta lista, bem humorada, faz sobretudo a equivalência entre as situações do dia-a-dia de uma aquartelamento no mato e os títulos dos filmes que passavam na época nos nossos cinemas... Ainda me lembro de alguns!

Desconhece-se o autor. Possívelmente era alguém de transmissões, que tinha tempo e vagar para estas coisas... Talvez um cabo operador cripto, um especialista que não esconde a sua crítica à hierarquia e aos pequenos privilégios que davam as divisas e os galões:

(i) Clube de Sargentos = Casino Royal (possível referência à tendendência para a jogatana e a batota por parte de furriéis e sargentos);

(ii) Clube de Oficiais = Hotel Internacional (as instalações dos oficiais eram, sempre, apesar de tudo, melhores do que as barracas e os abrigos onde dormia o Zé Soldado);

(iii) Oficiais = Os insaciáveis;

(iv) Especialistas = Milionários sem vintém...


Também transparece aqui que a ideia de que ser sargento de messe (= golpe de mestre à napolitana) era uma forma rápida... e socialmente aceite ou tolerada de aumentar o pé de meia durante a comissão!

O autor é também possivelmente alguém que esteve numa zona quente, junto à fronteira norte ou sul, já que o turra é indentificado com o "perigo que vem da fronteira"... Curiosamente não há tanta referência à vida concreta dos operacionais no mato: a emboscada, a mina, o rocket, a costureirinha, o capim, os feridos, os mortes, o golpe de mão, etc.

Não deixa também de ser interessante a representação da enfermeira (pára-quedista): "o amor desceu em paraquedas"... Durante a comissão toda (= noites sem fim), a enfermeira pára-quedista era a única mulher branca que o Zé Soldado podia ver, ao vivo, embora de camuflado e de relance, em caso de evacuação de um ferido grave, quer no mato, quer no aquartelamento... Era, para muitos, uma visão quase celestial e sobretudo altamente erótica...

Ainda me lembro a perturbação e a excitação que causava, entre os básicos de Bambadinca, a chegada de um helicóptero com uma enfermeira pára-quedista... Em contrapartida, o furriel enfermeiro da unidade era associado a carniceiro e assassino... No caso da CCAÇ 12, o pessoal era mais gentil, embora brincalhão e travesso, pelo que o nosso furriel enfermeiro Martins era simplesmente o Pastilhas (um profissional competentíssimo... mas o que ele sofreu connosco!).

Outra das obsessões do militar na Guiné era a contagem dos dias que faltavam para a chegada dos periquitos e para o fim da comissão...E, por fim, inevitamente, a referência à ida às tabancas (= sarilho de fraldas), o convívio com as bajudas (= amor sem barreiras), o tabaquinho e os copos (= amores clandestinos), o tempo de lazer e de prazer do Zé Soldado...

A vida de um militar na Guiné através do cinema:


Partida de Lisboa = Passaporte para o desconhecido
Chegada à Guiné = As duas faces do perigo
Transmissões = O perigo é a minha profissão
Comissão = Noites sem fim
Apresentações = Eu, eu... e os outros
Alojamento = Este é o meu mundo
Messe = Por favor não comam os malmequeres
Clube de Especialistas = A grande vitória
Clube de Sargentos = Casino Royal
Clube de Oficiais = Hotel Internacional
Enfermaria = As loucuras do dr. Jerry
Secretaria dos TAP = Por favor não incomode
Secção de Fardamento = Pijama para dois
Comunicações = Este difícil amor
Metereologia = E tudo o vento levou
Linha da Frente = Com jeito vai
Grupo Operacional Aéreo = Os gloriosos malucos das máquinas [voadoras]
Companhia de Transportes = A ultrapassagem
Oficiais = Os insaciáveis
Sargentos = Os profissionais
Praças = A família Trapp
Especialistas = Milionários sem vintém
Oficial de Dia = Sua Excelência, o Mordomo
Enfermeiras = O amor desceu em pára-quedas
Enfermeiros = O assassino
Médico = O homem da mala preta


A vida de um militar na Guiné através do cinema (continuação) [Vd. documento acima reproduzido]:

Sargento de messes = Golpe de mestre à napolitana
Formaturas = Eram duzentos irmãos
Saída à porta de armas = Duelo ao pôr do sol
Ordem de serviço = Os Dez Mandamentos
Justiça e disciplina = Arquivo K
Condecorações = A Cruz de Ferro
Castigos = Adeus ilusões
Prisão = Longe da multidão

Dispensas = Uma réstea de azul
Recolher = Servidão humana
Não ir de férias = Restos de um pecado
Ir de férias = O prémio
Avião semanal = A esperança nunca morre
TAP = O último recurso
Bissau = Vida sem rumo
Tabancas = Sarilho de fraldas
Bajudas = Amor sem barreiras
Vinho, tabaco, etc. = Amores clandestinos
Ida ao mato = Um campista em puros

Turras = O perigo vem da fronteira
Ataque ao quartel = A visita
Fim da comissão = Com a felicidade na alma
Louvor = Não sou digno de ti
Substituto = O espião que veio do frio
Último dia da Guiné = O dia mais longo
Partida para Lisboa = África adeus
Chegada a Lisboa = Europa de noite
Primeira noite em Lisboa = Um homem e uma mulher
Passagem à disponibilidade = O adeus às armas



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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVIII: Humor de caserna: 'A minha vida, contada, dava um filme' (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 – P5044: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (22): A chapa de identificação


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 22ª estória:

Camaradas,

Continuo a vasculhar o meu baú de recordações, onde ainda retenho alguns textos escritos à muito tempo, e vou-os enviando, aos poucos, para eventual divulgação no blogue.

Este tem o título de:

A CHAPA DE IDENTIFICAÇÃO

Todos nós transportámos ao pescoço este precioso colar, contendo a nossa chapa de identificação.

Um colar de metal, sem qualquer valor comercial, que nos tinha sido oferecido pelo nosso Exército. Era o nosso maior bem e riqueza pessoal, pois o mesmo representava a nossa presença entre os seres vivos daquela guerra.

Este foi o método encontrado pelos Serviços Mecanográficos do Exército, para mais facilmente identificarem os mortos, quer em combate, quer pelos mais diversos motivos.

Para qualquer um de nós era sempre um momento doloroso, quando tínhamos de tirar a chapa de identificação a um camarada nosso, porque, como é evidente, era sinónimo que já não regressava vivo connosco, quando regressássemos ao Continente.

Tive a infeliz tristeza, que me marcou indelevelmente e jamais esquecerei até ao resto dos meus dias, de ter realizado esse acto com um dos nossos Camaradas mortos em combate, o Victor Manuel Parreira Caetano, Soldado Atirador de Artilharia, com o Nº Mec. 17618068, segundo os elementos que constavam na sua chapa de identificação.

Para mim, e creio que para totalidade dos meus Camaradas, era a cena mais negra e dolorosa da guerra, tirar e partir a sua chapa de identificação.

Infelizmente, houve casos em que nem esse simples gesto foi possível fazer, devido ao grave estado de mutilação em que ficavam alguns dos corpos.
Um combatente que tivesse a infelicidade de ser atingido pelo sopro e pelos estilhaços de um fornilho, a sua identificação posterior, pela chapa que o mesmo transportava, era quase impossível.

Hoje, todos aqueles a quem tivemos o doloroso dever de retirar a sua chapa de identificação, por terem morrido no conflito do Ultramar, têm a sua memória perpetuada, nas pedras evocativas com os seus nomes no Monumento aos Combatentes do Ultramar, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa.

Deus permita que repousem eternamente em paz!

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5043: Blogues da Nossa Blogosfera (19): Victor Garcia abre na Net uma página sobre a CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)



1. O nosso Camarada Victor Garcia, ex-1º Cabo Cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga , 1969/71), tem vindo a construir uma bela página pessoal, onde, entre outras, há uma secção dedicada expressamente à sua Companhia e aos seus Camaradas.


No poste P3209, já o Victor havia apresentado as suas credenciais, passando a fazer parte da nossa lista da Tabanca Grande:

Nome: Victor Garcia
Posto/Especialidade: 1.º Cabo Cavalaria
Companhia: CCAV 2639
Grupo de combate: 3.º pelotão (Os Kimbas de Capunga)
Zona de acção: Binar, Bula, Capunga
Comissão: de Outubro de 1969 a Outubro de 1971


No seu sítio ele confessa que é alfacinha, de Marvila, é benfiquista assumido e tem ao dispor dos visitantes excelentes apresentações em power point.

O endereço da sua página consta já da nossa lista de blogues e sítios, dos nossos camaradas e amigos (coluna do lado esquerdo, ao fundo).





Imagem da "primeira página" do sítio do Victor Garcia
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Vd. primeiro poste sobre o Victor em:


Guiné 63/74 - P5042: (Ex)citações (49): Réplica ao camarada José Belo (António Matos)



1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos em 29 de Setembro de 2009 a seguinte mensagem:


Camaradas,

Aqui fica uma réplica ponderada ao camarada José Belo, hoje que vivemos as consequências
dum dia pós eleitoral, onde alguns conceitos adquiriram estatuto de desactualização ainda que os nossos concidadãos ausentes da realidade nacional deles possam não se aperceber.
Nem mesmo Ruy Belo teria razão nos dias de hoje, pese embora o lindíssimo poema que o Luís Graça nos recorda!

Camarada José Belo,

Estou perfeitamente convicto que dizer-se que Portugal é um país de tolerância e humanismo ou, quiçá, de brandos costumes, é chão que já deu uvas e nem a sua repetição à exaustão consegue hoje disfarçar a falácia que se lhe associa.

Percebo que todos aqueles que engrossam a nossa diáspora exprimam essa ideia, mas atribuo-a a um sentimento de saudade e ao fado que a necessidade intrínseca de se perfilarem ao lado da nação-mãe num misto de patriotismo e falta do seu colo implica.

A falta de tolerância está muito bem patenteada neste dia pós eleições onde, não tendo despontado qualquer maioria absoluta, são constantes as declarações dos vários partidos com assento parlamentar na indisponibilidade de viabilização da governabilidade do país.

Aproximamo-nos inexoravelmente dum precipício social de dimensões incalculáveis e onde os brandos costumes já deixaram de ser paradigma de Portugal.

Estamos um país muito moderno;

Já nos matamos nas ruas em tiroteios de fazer calar um qualquer cowboy do farwest americano;

Já silenciamos uma estação de televisão privada onde um governo mexe (ou é mexido?) pelos cordões das marionetas em mãos hábeis escondidas atrás do biombo ;

Já se escuta clandestinamente, dizem, o gabinete do Presidente da República;

Criam-se inventonas e intentonas ao nível de um qualquer Watergate;

Sustentam-se até ao limite da prescrição, crimes tipo Casa Pia onde a culpa só não morre solteira porque havia um estúpido dum Bibi que serviu de cobaia;

Enfim, até tentamos envolver a figura do Santo Padre nas eleições do bairro!

Não queria deixar este texto ao tratamento de mero e singelo comentário mas antes dar-lhe uma exposição de poste ao nível do que melhor se faz neste blog uma vez que discordo da opinião do José Belo ao se confranger com a crítica irónica a que se sujeitam os brandos costumes.

Meu caro, já lá vai esse tempo, mas agora, a globalização que bem conhecerás aí pelos lados nórdicos dos fleumáticos senhores das neves, também nos trouxe a crua realidade da vida moderna com as suas vantagens, é certo, mas com injustiças pungentes que uma democracia permite na sua qualidade da pior forma de governo exceptuando todas as outras já tentadas (Churchill dixit).

Com amizade,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790


Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5041: Estórias do Juvenal Amado (23): O velho milícia

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 30 de Setembro de 2009:

Caros Carlos, Luis, Virgínio, Magalhães e restante tabanca.

Esta é uma estória sobre a nossa passagem por Galomaro.
Não consegui confirmar que o nome dele seja efectivamente Mamadú, mas penso que ele é do tempo dos camaradas que estiveram na área antes de mim.

Aproveito para enviar algumas fotos da tabanca.

Na foto aérea que foi tirada no sentido de Bafatá na direcção do Dulombi. Do lado esquerdo vê-se a pista, do lado direito uma fiada mais escura são as grandes árvores que ladeavam o caminho de Cansamba, Duas Fontes, Dulombi, Bangacia, Campata e Saltinho.

Também junto à casa grande com quatro pequenas, à direita destas mal se vê, penso que seja o famosíssimo Regala.

Um abraço para todos
Juvenal Amado


O VELHO MILICIA

Boina castanha debotada, olhar como quem olha para além de nós, o Mamadu acariciava a espingarda, como quem fazia festa a um neto.

Sentava-se à porta de sua palhota, mascava incessantemente alguma coisa e de tempos a tempos mandava uma daquelas cuspidelas, que velozes atingiam dois ou três metros. A saliva saía com um barulho particular dos seus lábios apertados.

A idade era indefinida, pois para nós miúdos de 22 anos, um homem com 50 ainda por cima africano era um velhote.

Muito magro e alto, caminhava lentamente casaco de camuflado demasiado largo e calções feitos a partir de umas calças da farda n.º3.
Era a indumentária constante do velho milícia de Galomaro.

Às nossas perguntas sobre os anos de guerra, respondia com um sorriso melancólico e indefinido.

Corria a estória que no passado ele tinha abatido 6 guerrilheiros num ataque a Cossé.
Falava-se que por isso tinha a cabeça a prémio.

Às nossas perguntas como tinha sido, respondia fazendo uma espécie de mímica, agachava-se apontava a hipotético inimigo e seis vezes premia o gatilho. O seu pouco vocabulário de português, era assim complementado com os gestos, acabando a sua narração batendo levemente na G3, dando assim a entender que tinha sido com aquela mesmo, que tinha cometido o feito que lhe era atribuído.
Depois disso mais uma cuspidela, a conversa morria ali sem mais demoras.

Não sei o que lhe terá acontecido após a independência, se não fugiu, possivelmente foi morto, o que se lamenta, a ser verdade ter a cabeça a prémio.

Juvenal Amado

Tabanca de Galomaro

Vista aérea de Galomaro

Padre Nuno na tabanca de Galomaro

Fotos: © Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.
Editadas por CV
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4983: (Ex)citações (47): Sexo e amor em tempo de guerra (Juvenal Amado / S.N.)

Vd. último poste da série de 30 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4884: Estórias do Juvenal Amado (22): O que será na verdade a coragem

Guiné 63/74 - P5040: Historiografia da presença portuguesa em África (21): Bolama, Farim... Álbum fotográfico de 1943 (Beja Santos)




Guiné Portuguesa > Farim e Bolama > 1943 > "Um album fotográfico que é uma raridade para bibliófilos muito exigentes... Imagens de uma Guiné que não conhecemos" (BS)

1. Mensagem enviada pelo nosso camarada Beja Santos, em 16 e 17 de Dezembro de 2008:

Este álbum (que me foi oferecido) tem uma singela dedicatória:

«Desculpe oferecer-lhe, Lourdes, um álbum em tão mau estado exterior. Como tem, porém, curiosas fotografias, deste caleidoscópio que se chama a Guiné, não resisti à tentação de lho mandar. E com ele vão as muitas saudades do Artur, Bissau, 24 de Novembro de 1952.»

O ofertante chamava-se Artur Martins Meireles, era um prestigiado funcionário colonial que se especializara na cultura dos manjacos (trabalhara em Caió, Jeta, Pecixe, ia agora ser nomeado administrador em Farim) e dirigia-se assim a Maria de Lourdes Soares d'Oliveira, com quem casará alguns meses depois.

Ambos viverão 10 anos na Guiné, percorrendo Farim, Teixeira Pinto, Gabu e São Domingos (aqui os dois viverão os ataques promovidos a partir do Senegal, em Julho de 1961).

O álbum data de 1943, está dominado pelo espírito do exotismo, retrata uma África de contrastes e sabores completamente longínquos para esses Europeus atraídos pelo desconhecido desses nativos a quem generosamente exercíamos a nossa acção civilizadora. Fotografias de Amândio Lopes, desenhos e legendas de Ascensão Júnior e Fausto Duarte.[Vd. imagem da bonita capa do álbum, aqui à esquerda]...

Vejam-se os aviões que planaram sobre as águas de Bolama,veja-se a Farim dos anos 40, onde viveu a Lourdes, a protagonista do livro «Mindjer Grandi», que estou a escrever [, e que voltará a casar, em segundas núpcias, com o Comandante Teixeira da Mota].

Não existe nenhum exemplar nas bibliotecas onde seria esperável encontrá-lo. Vou oferecê-lo à Sociedade de Geografia, a seu tempo. Um abraço, Mário

Imagens (editadas): © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados

Guiné 63/74 - P5039: Tabanca Grande (176): José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje (1971/73)

1. Mensagem de José Manuel Simoa Pechorro, ex- 1.º Cabo Op. Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73, com data de 28 de Setembro de 2009:

Olá Luís Graça,
Decorreu quase um ano que detectei o v/sítio na Internet.
Estava numa sonolência a respeito da minha presença na Guiné. Ao ler sobre Guidaje, Guileje e Gadamael, etc., a minha visão dos acontecimentos e da guerra no ultramar ficou melhorada.

Solicito a minha inscrição na Tabanca Grande, junto dos Tertulianos, se me quiserem acolher.

Os meus agradecimentos e cumprimentos aos criadores do blog: Luís Graça, Virgínio Briote, Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães e colaboradores.

Idem, aos que relataram o cerco a Guidage: o 1.º Tenente AN/FZE Albano Alves de Jesus; o Albano M. Costa, da Ccaç 4150; o Amílcar Mendes, 38.ª CCmds; o Sargento-Mor Pára Manuel Rebocho; o ex-1.º Cabo Pára Victor Tavares (BCP 12) CCP 121; o ex-1.º Cabo Manuel Marinho, BCaç 4512/72; os Pilotos da FAP, etc.

O motivo do contacto é em memória de todos os intervenientes e homenagem aos mortos. Aos soldados da CCaç 19, injustamente maltratados... e às forças militarizadas africanas fuziladas pelo PAIGCV, não esquecendo os que na metrópole lhes recusam os seus direitos.

Escolheram estar do nosso lado, confiando em Portugal e suas promessas. Foram abandonados!

Não foi só pelo dinheiro (soldo), como alguém mencionou, referente aos soldados da CCaç 19.
À noite, o calor no colchão e o sono não vinha, ia ao pé das sentinelas, onde conversando, me diziam estar no exército português por uma Guiné Melhor. Se o PAIGCV vencesse o futuro seria muito mau! Tinham razão.
Os povos simples da Guiné mereciam melhor sorte.

Houve heróis nestas guerras, e recordo o Ten Cor António Correia de Campos. Foi ele que evitou o abandono de Guidaje, e acontecesse uma grande tragédia! O IN derrotado desistiu.

Relembrando o dia 8, pergunto o que terá realmente acontecido à coluna?

O ex-1.º Cabo Marinho respondeu:

GUIDAJE - A PRIMEIRA GRANDE EMBOSCADA em 8/9 Maio 73 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74).

Com humildade remeto em anexo o meu relato, caso ajuízem que se deve publicar, do período de Abril a 9 de Maio de 1973. Deduzindo quem ler o motivo de realizar uma coluna apressada no dia 8 levando auxílio a Guidaje.

No texto seguem duas fotos.

Agradecido, os meus cumprimentos,
José Manuel


2. Comentário de CV:

Caro camarada José Manuel, bem-vindo à Tabanca Grande.

Tenho um esclarecimento a fazer. Quem fundou o Blogue foi o nosso camarada Luís Graça. Eu, o Magalhães Ribeiro e o Virgínio Briote apenas damos uma mãozinha, porque o trabalho é muito. Repara que és o 371.º tertuliano. Não percebo muito de tropa, mas não faltará muito formaremos um Batalhão.

Falando agora de ti. Muito obrigado por te dirigires a nós e por teres a coragem de dizer que nos espias há quase um ano. Sabemos que temos muitos camaradas que nos seguem, mas que por qualquer motivo pessoal não se nos dirige, embora alguns comecem a colaborar connosco, fazendo comentários nos nossos postes.

O trabalho que envias, relativo aos acontecimentos de Guidage em Abril/Maio de 1973, é muito extenso pelo que será publicado num outro poste.

Reparei que não mandaste uma foto do teu tempo de Guiné que sirva fazer uma tipo passe, como aconteceu com a actual. Logo que possas envia-a.

Esperamos que este teu contacto seja o primeiro de muitos, não só para falar dos trágicos acontecimentos de Guidage, mas também participando com outros relatos e experiências vividas no tempo que estiveste pelo Norte da Guiné.

Em nome da tertúlia, deixo-te um abraço de boas-vindas.
CV
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4973: Tabanca Grande (175): Carlos Sousa, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 1801, Ingoré/Bissum-Naga/S. Domingos/Cacheu/Antotinha(Ingoré) - 67/69

Guiné 63/74 - P5038: História de vida (23): Maria da Glória, uma saudosa filha com um dom especial para o fado (Cristina Allen)

1. Mensagem de 22 de Julho de 2009, enviada pelo Mário Beja Santos:

Luís, Meu querido amigo, junto o texto que a Cristina me pediu para digitar. Tens aí as 2 fotografias da Glória [, à esquerda], de óculos escuros, uma, com um pano guineense, a outra. A Cristina está muito comovida pelo acolhimento que o blogue deu à sua dor e à memória da nossa adorada Locas. Um abraço muito sentido do Mário



2. Texto de Cristina Allen, mãe da Maria da Glória Allen Revez Beja Santos (1976-2009) (*), que nos deixou vai fazer 3 meses (no próximo dia 2 de Outubro de 2009):


Caro Luís Graça,

Tenho, perante mim, duas fotografias da autora do texto que vai ter a gentileza de publicar, envolvendo o nosso blogue (foi este o seu último trabalho universitário) (**). E um disco de António Chaínho com a seguinte dedicatória: “Para a colega Glória, com um beijinho do António Chainho. 16-08-2003”. É que ele queria ensinar-lhe alguns truques na “Academia do Fado e da Guitarra” e lançá-la, mas ela, já doente, fugiu-lhe.

A Glória cantava quando queria. Iniciara-se no Colégio de S. João de Brito, junto de antigos alunos e teve, por padrinho D. Vicente da Câmara. Numa dessas noites de fado que o Colégio promovia, recordo-a no palco numa fila que começava com António Pinto Basto, praticamente todos os Câmaras e terminava com ela e Tozé Martinho. Recordo-a, esbelta, num longo vestido, preto e justo, envolta num manton de manilla antracite, bordado a seda tom sur tom, nos seus longos dedos os meus anéis mais faiscantes, as mãos juntas no peito, agradecendo, com fervor, os aplausos.

Mas com a nossa filha, o picaresco e o inesperado aconteciam quase sempre, de mãos dadas. Uma professora sua, e minha amiga conterrânea, fez-me um gesto discreto, indicando o fundo escuro do salão, atrás do palco. Escapara-se com um muito jovem (e atrevido!) Zé da Câmara e, receosa, lá foi a mãe que teve de presenciar uma insólita cena. O Zé dizia-lhe que com aquele vestido pouco se via dela e “mostra as pernas”, pediu. E ela, que não se preocupava nada e não era provocadora, levantou cuidadosamente a saia e, devagarinho, rodou e mostrou-lhas. Pu-los na ordem com um valente raspanete.

Recordo-a, ainda, num espectáculo em S. Jorge, nos Açores, cantando com outros amadores, após o espectáculo de Carlos do Carmo, um fado da mãe deste e ele, nos bastidores agarrado aos seus pulsos: “Continue, minha menina, com essa garra só vi a minha mãe”. Tinha então 17 anos.

E perdoe-me, Luís Graça, se narro mais outro episódio dos caprichos de uma inconsciente diva.

Num passeio que fiz com outros colegas meus a Leiria, levei-a e fomos acabar a noite num local onde se cantavam baladas de Coimbra. No intervalo, disse, alto e bom som, que também queria cantar. Que não podia, diziam, que as mulheres não cantam fado coimbrão e no rebuliço que se gerou ouviam-se gritos que diziam: “Canta! Canta!”.

Generoso, o dono da casa, lançou-lhe sobre os ombros uma capa e ela, com um tenor zangado, escolheu a “Samaritana”. O rapaz viu-se aflito, porque era baixote e a voz dela ia do contralto ao mais fino murmúrio. A certa altura, estava o tenor vermelho e em bicos de pés, esticando-se todo, mas lá se aguentaram os dois num belíssimo dueto. A assistência estava entusiasmada, toda a gente em pé. E, depois, sacrilégio dos sacrilégios, entregou a capa e passou o resto da noite a cantar fado de Lisboa.

Ela tinha os ímpetos do seu pai e da sua mãe.

Nas fotografias que lhe enviamos há uma que tem por fundo um pano da Guiné. Adorava-os coloridos, mudava-os, trocava-os, cobrindo paredes, mesas e o topo de uma estante baixa encastrada no vão de uma janela. Nessa foto, estava de partida para a Holanda. Tinha ainda 21 anos. A outra é muito mais recente, talvez de meados de Junho passado. Estava, como sempre, de back-pack, com o seu portátil e roupas atiradas à pressa e ao acaso, lá para dentro. Ao seu rosto de 32 anos voltara a serenidade e a doçura. Estava mais jovem. Encontrara alguém que lhe devolvia a serenidade e a afastara dos riscos. De luxo, só os óculos escuros, que coleccionava.

Quanto ao texto académico que vai ter a amabilidade de publicar, e que diz respeito ao blogue, é possível que haja imprecisões, sobretudo na entrevista que gentilmente lhe concedeu.

Isto porque alguém lhe emprestara um gravador antigo e ela nem sequer o experimentou. Quando se lançou à transcrição, a sua voz e a do Luís vinham de muito longe, abafadas por silvos agudos e equívocos ruídos que nos fizeram, a ambas, rir às gargalhadas. Penosamente, lá se procurou descodificar a sua entrevista e, se imprecisões houver, ela não se importará nada que as corrija. A Glória era humilde, nestas coisas de estudos e estava de regresso à Faculdade, após anos de ausência.

Perdoe se me alonguei sobre os seus fados. Mas ela estava mais lá que nas andanças académicas.

Grata por publicar este seu último trabalho à volta da Guerra Colonial e das memórias dos ex-combatentes. (***)

Cristina Allen


Nota: Também fez com a ajuda do pai um outro trabalho sobre o Islão, outro ainda sobre o filme “O clube dos poetas mortos” e deixou no computador um estudo inspirado por uma intragável obra filosófica sobre Ética e Moral, em que eu colaborei.

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes sobre a Maria da Glória:

6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)

10 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4664: Blogoterapia (116): Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são (José Martins)

(**) Entrevista ao Luís Graça, no 1º trimestre de 2009, sobre a criação e o funcionamento do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. A publicar em breve.

(***) Vd. poste anterior da série > 22 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4400: História de Vida (14): Refazendo a vida correndo o mundo (José Eduardo Alves)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P5037: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (9): Súmula sobre o Regulado de Gada-Cuntimbo (Gabu)

1. Publicamos hoje um trabalho escrito pelo então Alf Mil Carlos Geraldes (*) da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, à ordem do seu CMDT, sobre o Regulado de Gada-Cuntimbo (Gabu), enviado em mensagem de 26 de Setembro de 2009.


Regulado de Gada-Cuntimbo (Gabu)

(Súmula dos conhecimentos adquiridos no período de Out. 1964 a Abr. de 1966)

Situação Geral:


Presentemente, não existem “tabancas” (aldeamentos indígenas) aliciadas pelo “IN” (Inimigo), embora em 1963, um grupo de terroristas que pretendia actuar na zona de Paúnca se tivesse acoitado em Madina Mamadu Sanússi (da etnia “Fulas-pretos”).

Foram escorraçados e mantida a população da tabanca sob vigilância, tendo-se criado lá um posto de cipaios. Todavia, tendo, os elementos suspeitos da tabanca, procurado refúgio no Senegal, nunca mais a referida população manifestou tendências suspeitas.

Durante o período 64/66, não se registaram quaisquer infiltrações ou tentativas de aliciamento por parte do IN.

Poucas são as tabancas e os caminhos que não estão devidamente assinalados na carta de 1/ 50.000, sendo, no entanto, de chamar a atenção para o traçado do caminho que vai de Fasse à ”cambança” (sítio onde se atravessa um rio), que não é o que vem indicado na carta. Na realidade, o caminho inflecte para Norte, cerca de 45 graus, atravessando por completo o Mato de Sacaio e localizando-se a cambança no ponto de intersecção de uma linha que fosse traçada de Fasse a Sare Bacar, com o rio Gêba.

Pelo facto de quase toda a região estar protegida, a Norte pelo rio Bidigor, a Oeste pelo rio Gêba e a Sul pelo rio Cumtimbo, goza naturalmente de certos privilégios no que diz respeito às defesas naturais contra possíveis acções do IN. Apesar disso, apenas na época das chuvas se poderá confiar nessas “muralhas”, pois somente o rio Gêba mantém, durante todo o ano, um nível de caudal suficiente para impedir a passagem a vau.

Existem três tabancas-chave, situadas junto de outras três cambanças utilizadas por quem vai ou vem do Senegal: Guiro Iero Bocari (Sinchã Queuto), Madina Mamadu Sanússi e Fasse.

Em todas elas a população tem-se mostrado digna de confiança, colaborando activamente com as “NT” (Nossas Tropas), no controle e vigilância das respectivas cambanças. Todas as canoas, durante a noite, ficam presas a cadeado, na margem de cá.

Em Guiro Iero Bocari existe uma ponte feita com troncos e “carentins” (grandes esteiras feitas de entrançado de bambu), de construção recente, mas apenas utilizável em tempo seco. É também de fácil controlo, pois só permite a passagem, em fila indiana, de três pessoas de cada vez, no máximo.

Todo o “chão” (território, nação) tem demonstrado estar incondicionalmente do lado da tropa, posição que não deixa de aproveitar largamente em seu favor, com constantes pedidos de transporte dos seus haveres, além de ajuda material em armas e munições, medicamentos, etc. No entanto, evidenciam um forte sentido de hospitalidade, notando-se até uma certa rivalidade entre as tabancas mandingas e fulas, nos actos de bem receber os visitantes.

A tabanca do interior, de maior importância, é, sem dúvida, Fasse, não só pelo valor estratégico, como pelo valor que tem por ser o centro mais importante no ensino do Alcorão, em todo o regulado. O “mouro” (sacerdote) da mesquita de Fasse é tido como uma das personagens mais importantes da região. O próprio traçado das ruas do interior da tabanca de Fasse, chama a atenção pelo seu traçado geométrico, pela largueza e higiene, denotando um elevado nível cultural da população, relativamente a todos os habitantes do resto do “chão”.

Existe uma mesquita, coberta com folhas de zinco, oferta do Governo da Província.

Pertencendo à etnia “Fula-Forro”, dedicam-se com êxito às culturas tradicionais, assim como à manutenção de um Horto de bananeiras e outros frutos comestíveis.


Situação Particular: Paúnca

1) A Povoação:

É um dos centros populacionais e comerciais mais importantes da zona de Gabu e Bafatá. Com um perímetro de pouco mais de 4 mil metros, está cercada por uma rede de arame farpado c/ aba.

Todas as casas ficam situadas no interior da rede e existem abrigos para atiradores deitados ao longo da face Norte e Oeste.

De Paúnca partem caminhos, para todas as tabancas da periferia, perfeitamente transitáveis pelos carros militares em qualquer época do ano.

As vias mais importantes são: Paúnca-Fasse; Paúnca-Sinchã Queuto e Paúnca-Sinchã Molele. A mesquita de Paúnca é uma das maiores e mais característica da região, pois obedece a um estilo de construção já pouco comum neste género de edifícios.

Outra casa que se destaca, no interior da tabanca, é a casa do régulo, de forma rectangular e com um mastro para hastear a bandeira nacional em dias de festa.


2) A População:

É quase toda constituída por indivíduos de etnia “Fula-Forro”, seguindo-se por ordem numérica, os de etnia “Saracolé” e os “Mandingas”, estes em menor número. Existe também uma numerosa colónia de “Balantas”, “Papéis” e “Manjacos” que constituem os grupos de trabalhadores das casas comerciais. Vivem separados numa espécie de bairro, situado nas traseiras do aquartelamento. São ordeiros, embora se embriaguem frequentemente, pois não praticam a religião muçulmana, como o resto da população.

Os fulas dedicam-se ao cultivo da “mancarra” (amendoim), do milho, do arroz e da mandioca, além da secular criação de gado vacum. Outros dedicam-se ainda ao pequeno comércio e outros são alfaiates.

São amigos de festas, que promovem com assiduidade, pedindo sempre a prévia autorização, à tropa.

Existem 3 ferreiros situados junto das entradas da povoação e o mais importante é o que tem a oficina à entrada do caminho que vem de Sinchã Queuto.

O “cherno” (pessoa de respeito) é o velho Amadu Bari, que apesar de idade avançada (mais de 80 anos) mantém uma excelente saúde e um humor muito especial. É um grande amigo da tropa e, sempre que pode, não deixa de visitar o quartel. O filho, Iaia Bari tornou-se um excelente colaborador da tropa como intérprete e informador. Domina com facilidade o dialecto Mandinga, o dialecto Saracolé, assim como alguns outros dialectos do Senegal e da Gâmbia. Fala e escreve bem o Português e dedica-se à prática de enfermagem, auxiliando o 1º Cabo Enfermeiro do Destacamento, no tratamento de civis, com os medicamentos destinados ao serviço da “Psico”. Tem um irmão, quase cego, que goza da fama de ser informador directo do Governador.


3) O Comércio:

Reveste-se de características especiais, diferente do que é praticado noutras localidades da fronteira, pois não depende do trânsito dos “gilas” (contrabandistas semi-autorizados), nem dos senegaleses que vêm ao nosso lado fazer compras. O comércio mantém-se sempre em qualquer altura do ano, abastecendo, tanto a população deste regulado como a dos outros, situados no interior. Durante a campanha da mancarra (Janeiro a Março) é muito intensa a circulação de burros carregados com os habituais dois sacos e a das camionetas de caixa aberta que depois os transportam para Bafatá. Não existem, durante todo o ano, períodos mortos, mas apenas pequenas flutuações.

As casas comerciais existentes são seis, com representação das firmas, “Barbosas”, “Gouveia” e “Pinheiros”. Todos os comerciantes mantêm boas e cordiais relações com a tropa, sendo de destacar o que dirige a filial dos “Barbosas”, o Sr. Correia. É o comerciante mais antigo de Paúnca, com amplos conhecimentos sobre os problemas do regulado. É, também, o único comerciante que se preocupa em manter uma certa rede de informações, que tem sido muito útil à tropa. No entanto, tem medo de prováveis represálias do IN sobre a sua pessoa, pois em 1963 foi alvo de um atentado na estrada Paúnca-Bafatá. Actualmente tem adoptado, por isso, uma atitude fria e de quase completo mutismo, quando a tropa o aborda directamente ao balcão da loja. Mas abre-se em confidências se a “entrevista” for mantida num clima de discrição.

Por vezes o receio dele chega a parecer excessivo e até infundado.

É muito amigo do Administrador Barros, de Gabu, a quem fornece sempre em primeira mão as informações que recebe, algumas de interesse apenas militar e que, não raras vezes, têm servido para criar situações falsas, à tropa, que se encontra destacada.

É de evitar fornecer-lhe quaisquer informações referentes ao IN, de acção imediata.


4) O Régulo:

É um velho sem energia e espírito de mando. É pouco conceituado pelos súbditos, pela fraqueza de ânimo dele. No entanto é apoiado por alguns homens “grandes” de grande poder e prestígio.

Nas relações com a tropa mostrou-se sempre de grande humildade, fazendo amiudadas visitas para “partir mantenhas” (apresentar cumprimentos) e também com o fito, menos louvável, de pedinchar um pão ou um pouco de açúcar.

Colaborou sempre de forma eficiente quando o furriel encarregado do rancho necessitava de comprar galinhas ou cabritos.

Tem muito medo da guerra, da qual nem gosta de ouvir falar.

Cavaleiro Embaló, um chefe terrorista, de pouca importância, é seu sobrinho, mas ele renegou esse parentesco, ameaçando-o de morte.


5) Os Cipaios:

Existe um corpo de cipaios comandados por um Cabo, directamente dependentes do Chefe de Posto de Sónaco. Têm uma actividade bastante reduzida, limitando-se à cobrança dos impostos e à resolução de pequenos litígios entre os civis. São muito reservados em relação à tropa.


6) A Milícia:

É uma força constituída por 18 elementos, comandados por um “alferes” e por um “cabo”.

Fornecem, para o serviço de transporte de água e lenha para o aquartelamento, 3 homens por dia, que durante a noite fazem também um posto de sentinela à entrada da Casa da Milícia. São integrados nas Secções do Pelotão, quando estas efectuam patrulhamentos. Psicologicamente são pouco aguerridos e bastante preguiçosos. Contraem dívidas sem grande dificuldade e abusam facilmente se lhes são concedidos alguns favores.

Quase todos se ofereceram para cumprir o serviço militar, na próxima incorporação. Os que são casados são bastante ciumentos, surgindo atritos entre eles e os soldados europeus que estão menos esclarecidos quanto ao modo de tratar a mulher indígena.

Constituição do grupo:

Comandante: Samba
1.º Cabo – Bamba Jamanca
N.º 61 – Manca Baldé
N.º 64 – Demba Embaló
N.º 65 – Aliu Candé
N.º 67 – Bobo Jau
N.º 70 – Puloro Candé
N.º 75 – Samu Baldé
N.º 76 – Jarga Jaló
N.º 80 – Turá Baldé
N.º 82 – Bobo Quitá
N.º 85 – Umaro Jau
N.º 86 – Braima Jaló
N.º 87 – Aliu Embaló
N.º 89 – Ussumane Camará
N.º 90 – Sare Jaló


7) Os Soldados Africanos:

São quatro: Sadú, Jau, Santos e Sáco. Os dois primeiros são fulas, os outros balantas. O Santos é natural de Bissau, onde foi empregado comercial. É o mais culto e o mais pretensioso. Tanto ele como o Saco embriagam-se com frequência se não forem reprimidos. Os outros dois são mais sossegados e nunca deram origem a qualquer distúrbio. Estão todos desarranchados.


8) A Escola:

É um edifício de construção recente, com apenas uma sala de aula e alojamento para o professor que, em caso de necessidade, já tem albergado um pelotão de reforço, durante dois ou três dias.

A frequência é bastante reduzida, devido ao natural costume do fula de evitar que os filhos tenham outra educação que não a tradicional.

O professor, Timóteo, é de etnia manjaco, protótipo de negro meio civilizado, arrogante com a pouca sabedoria que adquiriu sem a necessária profundidade e preparação, mas que julga ser muita. Tem grande dom de palavra e gosta de organizar festas onde se possa evidenciar. Levando uma vida de estroina, descura por completo as suas funções de ensino, tendo até criado a fama de tratar brutalmente os alunos.

É um elemento de forte poder aliciante, imiscuindo-se entre os soldados de quem, facilmente, conquista a confiança. Por mais de uma vez, e por motivos diversos, se mostrou suspeito, embora nunca tenha havido provas concretas. Todavia evidencia uma forte tendência racista.


9) A Taberna:

Situa-se em frente do quartel e é propriedade de João Vieira (por alcunha “O Passarinhas”), casado com uma cabo-verdiana. O resto da família é constituído por duas filhas e uma sobrinha, que o auxiliam no balcão. Alberga também hóspedes ocasionais.

Todos têm procurado, sempre, captar as simpatias das tropas recém-chegadas, na mira de benefícios futuros, pois vivem na expectativa de poder explorar, o mais possível, quem lhes frequenta o estabelecimento.

Os conflitos entre esta família e os soldados são pois inevitáveis e frequentes, provocados quase sempre pela existência das raparigas, utilizadas pelo “Passarinhas” como um autêntico chamariz.

Em 1963 levantaram suspeitas de colaborar com o grupo IN acoitado em Madina Mamadú Sanússi, mas não apareceram provas.

O “Passarinhas” dedica-se também à prática ilegal de dar injecções, deslocando-se até às tabancas do interior.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5032: Blogoterapia (128): Somos de facto um povo de poetas, de soldados com cravos na boca das espingardas (Carlos Geraldes)

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5013: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (8): A Poderosa Rainha

Guiné 63/74 - P5036: Historiografia da presença portuguesa em África (20): Monografia da Agência Geral do Ultramar, 1961 (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Beja Santos:

Caríssimo Carlos,

Por causa da minha 'Mulher Grande', voltei à Sociedade de Geografia de Lisboa à procura de referências da 'Royal Society of London', onde o marido da minha heroína [Comandante Teixeira da Mota] iria fazer uma conferência. Não é que no meio da molhada de papéis não me aparece esta pequena monografia da Guiné? Não resisti a lê-la de fio a pavio e dar conta de um mundo que praticamente conhecemos em vias de extinção ou em profunda transformação.

Um abraço do Mário



2.Histpriografiada presença portuguesa (*) > Pequena monografia da Guiné, Agência Geral do Ultramar, 1961por Beja Santos

A Agência Geral do Ultramar publicava com regularidade pequenas monografias dos territórios ultramarinos, chegando mesmo a actualizá-las periodicamente. Só encontrei a monografia da Guiné com data de 1961. A estrutura era muito simples: situação geográfica, clima, flora, população, governo e administração, bosquejo histórico, comunicações, transportes, economia, ensino, espectáculos, turismo, etc.

À data, a Guiné tinha, segundo o recenseamento, mais de 510 mil habitantes, dos quais 2200 eram brancos. Bissau [foto à esquerda, postal ilustrado, edição Foto Serra, s/d] contava com mais de 18 mil habitantes, dos quais 4 mil eram europeus.

Havia 21 escolas do ensino primário oficial, e os estabelecimentos a cargo do Estado tinham ao seu serviço 45 professores; as escolas missionárias dispunham de 185 professores, além do pessoal eclesiástico.

O Liceu Honório Barreto teve no ano lectivo 1960 – 1961 uma população escolar de cerca de 300 alunos e a Escola Industrial e Comercial de Bissau tinham uma população de 200 alunos.

As estradas pavimentadas não excediam os 60 quilómetros. No tocante à aviação, a TAP [Transportes Aéreos Portugueses] viera substituir os TAGP. (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa). Os TAGP ligavam Bissau a Dakar duas vezes por semana, utilizando um quadrimotor Heron e Bissau à Ilha do Sal, uma vez por semana. Via Dakar e Sal era possível ter ligações com Lisboa. Com a TAP, as coisas mudaram, devido à linha Lisboa – Bissau – S. Tomé – Luanda. De acordo com uma errata publicada nesta monografia, foram realizadas viagens experimentais de uma ligação aérea Bissau – Lisboa via Tenerife ou Sevilha.

Bissau tinha um jornal diário, o Arauto, com uma tiragem de 1500 exemplares e o mensário Bolamense também com uma tiragem de 1500 exemplares. A grande atracção turística era a caça, não esquecendo belezas naturais como a mata do Cantanhez e a Lagoa de Cufada. Referia-se igualmente a praia de banhos de Varela e casas de espectáculos como o Cine Udibe e o Cine Bafatá.

Não há referência aos hotéis, o que é de estranhar, isto quando o Anuário da Guiné Portuguesa, de 1946, menciona o Grande Hotel, o Hotel Miramar e o Hotel Avenida-Bar, com gerência de Maria Queiroz (desconfio que era a pensão da D. Berta).

1961 é o ano de viragem: em meados do ano, S. Domingos, Varela e Suzana serão atacadas e vandalizadas por forças do Movimento de Libertação da Guiné. A militarização será um facto em 1963, com a entrada em cena do PAIGC.

O mundo desta pequena monografia extinguiu-se, tudo quanto aqui se lê passou ao domínio das curiosidades históricas.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 29 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4756: Historiografia da presença portuguesa (20): 1º Cruzeiro de férias às colónias de C. Verde, Guiné, S. Tomé... (Beja Santos)