sábado, 16 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5654: Humor de caserna (18): Mansambo no seu melhor (Parte II) (Carlos Marques dos Santos, CART 2339, 1968/69)


Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Foto 6 > "Vamos ao vira ?"


Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Foto 7 > "Passagem de modelos. Será Ana Salazar ?"


Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Foto 8 > "Partida para os 1500 metros ? Pura ficção! O pessoal está a ficar grosso”.



Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Foto 9 >  "Exercício de karaoke?... Não!... São bazucas!"...


Continuação da publicação da II Parte do texto e imagens enviadas pelo Carlos Marques dos Santos (ex-Fur Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69), em 18/3/07 > O 'buncker' de Mansambo no seu melhor,  uma noite de 'alegria colectiva', aí por volta de Novembro de 1968, um ano antes o regresso a casa, à "doce casa"...

Eis como eu descrevi Mansambo, da primeira vez que lá passei: "Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo, eis Mansambo.

Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação.Aqui vive-se praticamente em estado de sítio. Para ir descarregar o lixo fora do arame farpado, apanhar lenha ou encher os bidões de água a 100 metros sai-se com um grupo de combate armado até aos dentes. A rotina, porém, leva ao afrouxamento da disciplina.

Há alguns meses atrás, o grupo de combate que montava segurança à viatura da água foi surpreendida pelos guerrilheiros, emboscados junto à fonte, no momento em que alguns soldados tomavam banho alegre e despreocupadamente. Resultado: 2 mortos e 10 feridos.

O aquartelamento tem sofrido flagelações, sem consequências. O pior são as minas e emboscadas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole . Todavia, o problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca. Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné" (...)



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Nota de L.G.:


sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5653: Ser solidário (51): Campanha da Tabanca de Matosinhos: Os números vão subindo (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira, Tesoureiro da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau, com data de 12 de Janeiro de 2010:

Boa noite Carlos
Junto um texto já passado no blogue da Tabanca Pequena. Em anexo vai o mapa actualizado das verbas entradas para a Campanha das Sementes.
Agradecia que colocasses no blogue.
Abraço
Zé teixeira


Segundo a Comissão Europeia há mais de 1.000 milhões de pessoas que não têm acesso à água potável.
Será que algum de nós já se imaginou a viver sem água?
Ao levantar-se, manhã cedo ter de palmilhar uns quilómetros para lavar a tabuleta?
E… se a sede aperta, agora que toda a gente descobriu que deve beber muita água?




É verdade, amigo e camarada, nós quando nos levantamos temos ali ao lado a torneira, o autoclismo, a água para o duche. Temos água, o dia todo, o ano todo em nossa casa a custos que consideramos altos, mas vamos tendo condições financeiras para a pagar.
Não basta ter água. É preciso que seja potável.

Na nossa campanha para conseguir abrir poços de água na Guiné, os números vão subindo*
.


José Teixeira
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5608: Ser solidário (50): Campanha da Tabanca de Matosinhos: Os primeiros resultados (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P5652: Blogpoesia (62): Do Homem guarda o silex o gesto / e nas marcas de sangue se guardam as ânsias de infinito (José Brás)


Continuação da publicação de poemas do nosso amigo e camarada José Brás (*), enviados em 29 de Março último à Cristina Nery, investigadora do CES/UC  (**).


Dr.ª Cristina Nery: Há muito tempo longe do ambiente da memória da guerra, ultimamente buscando as gentes que cruzaram os mesmos lugares, juntos ou separados no tempo e no modo, gostaria de estar amanhã em Coimbra mas 'o rei manda marchar mas não manda chover'.

Envio-lhe aqui alguns textos a que não me atrevo a chamar 'poesia', porém sofridos na terra da Guiné. (***)


Cumprimentos


José Brás
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Anéis

dedos apontados à secura da terra
acusavam-lhe a falência genética
do seu ventre parideiro
de diamantes, de minas
e de morte

olhos vitri-fixos diziam
mundos-nada-amargura
saudade já
de outros eu
fantasmas-frustração
coval marcado no espaço sideral

bocas-protesto-quase-renúncia
gritavam imagens-desejo
de um encéfalo criador
de novos cosmos

e seios negros-flácidos-lacerados
eram a denúncia-prova
de cordões umbilicais
que ligam ainda
o símio-escravo-jeová
à terra-mãe


ARCAS

Do Homem
guarda
o silex
o gesto

e nas marcas do sangue
se guardam
as ânsias
de infinito

Espantosa Visão


Corriam os olhos
na imagem
de um desfiladeiro de pedra
cinzenta
e os gritos colados
nas asas
de pássaros dourados
rasando os tufos
raros
de verde azeitona
impunham
na paisagem vazia
um pesado irreal
e a solidez
do alerta.


Pressa

Urgente
seria
que as palavras
cruzassem
o espaço
(fechado)
da memória
e no seu eco
se rompessem
as cadeias
do tempo
e do sangue
na terra da morte
e dos olhos
parados


Memória de fogo


eruptiva terra
vermelha e retorcida
vulva aberta
múltipla
e imprevista
teu quente orgasmo
da periódica
orgia vem
arrefecendo
solidifica
em ferro
e flores
nos corpos
de crianças
fardadas

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Notaa de L.G.:

(*) José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance Vindimas no Capim, Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura... Alentejano, vive em Montemor-O-Novo, foi chefe de cabine na TAP, dirigente sindical antes do 25 de Abril (SNPVAC - Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil).

(**) Cristina Nery, filha e neta de camaradas nossos, investigadora no CES/UC - Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tem-se interessado pelo estudo e divulgação da poesia da guerra colonial:


Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)

Vd. página do CES/UC sobre este projecto Poesia da Guerra Colonial

(***) Vd. postes anteriores:

15 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4689: Blogpoesia (54) : Abraço com aço não rima, nem rima a morte com sorte... (José Brás)

30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4107: Blogpoesia (35): Tinhas no olhar / sinais seguros de esperança... (José Brás)

Guiné 63/74 - P5651: Agenda cultural (55): Dor Fantasma, um espectáculo com texto de Manuel Bastos, em Sintra, 15 e 16 de Janeiro de 2010



Depois de uma curta temporada no Porto, no Estúdio Zero, em Novembro de 2009, o teatromosca apresentará, agora em Sintra, o espectáculo "Dor Fantasma", com textos de Manuel Bastos* e direcção de Mário Trigo.

Um espectáculo sobre a guerra colonial ou guerra da independência - dependendo do ponto de vista.

O espectáculo será apresentado nos dias 15 e 16 de Janeiro, às 21.30h, na Casa de Teatro de Sintra.

Para mais informações, visite a página do projecto no site do teatromosca.

Reservas 91 461 69 49

teatromosca@gmail.com

Consultar também o Blogue O Cacimbo do nosso camarada Manuel Bastos

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Notas de CV:

(*) Manuel Correia Bastos foi combatente em Moçambique na CART 3503, com o posto de Fur Mil.

Vd. último poste da série de 12 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5635: Agenda cultural (54): Convite para o lançamento do livro O Ninho, de Alexandra Almeida Reis (Manuel Reis)

Guiné 63/74 - P5650: Notas de leitura (54): Guiné 1968 e 1973 Soldados uma vez, sempre soldados!, de Nuno Mira Vaz (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Janeiro de 2010:

Queridos amigos,
Junto mais uma recensão, o livro do coronel Mira Vaz é um contributo importante para conhecer a intervenção dos pára-quedistas na Guiné.
Pedi ao meu amigo Jorge da Cunha Fernandes, que participou na Operação Ciclone II que nos fizesse uma descrição. Respondeu-me que ainda não é tempo. Há que aguardar serenamente, em certos casos de depoimentos do mais elevado interesse, que cheguemos ao limiar da perda das faculdades...

Um abraço do
Mário


O BCP 12 e a Guiné

Beja Santos

Tem já havido referências avulsas aqui no blogue a este livro do coronel Nuno Mira Vaz, designadamente por causa dos acontecimentos de Guidaje, em Maio de 1973. O livro está inserido na série Batalhas de Portugal, está comercialmente disponível e foi editado pela Tribuna da História em 2003.

O autor, coronel de Cavalaria na reserva, fez toda a sua vida militar nas tropas pára-quedistas, exerceu funções no Instituto de Defesa Nacional e ensinou Sociologia Militar na Academia Militar. A sua obra “Guiné, 1968 e 1973” é constituída por um acervo de notas em torno de importantes intervenções do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas n.º 12, designadamente a Operação Ciclone II, em Fevereiro de 1968, um heliassalto na região de Cafal-Cafine, com resultados notáveis, e o apoio dado pela referida Unidade militar para romper o cerco de Guidaje, em 1973, pela sua participação na Operação Amestista Real. Vejamos sumariamente o que escreve o coronel Mira Vaz. Reportando-se em 1968, refere-se à implantação do PAIGC na região do Cantanhez, escrevendo concretamente que “Por falta de meios adequados ou por falta de visão estratégica, o certo é que durante três anos os militares portugueses não desenvolveram uma actividade consistente naquela região, dando preferência a tentativas superficiais que, em vez de desarticularem o dispositivo inimigo, serviram antes para moralizar a guerrilha... No início de 1968, pouca gente podia suspeitar de que o Comando-Chefe das Forças Armadas na Guiné decidira recuperar a iniciativa na região e de que se iria travar, num dos últimos dias de Fevereiro, o mais violento dos combates que os militares do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas n.º 12 tinham até então sustentado contra os guerrilheiros do PAIGC”.

Previamente, o autor introduz a evolução da situação militar da Guiné, os motivos que levaram à criação do BCP 12 e dá-nos um quadro da situação em Fevereiro de 1968 na mata de Cafal, e quais os resultados obtidos depois da Operação Vendaval, executada por pára-quedistas em 10 e 11 de Janeiro desse ano. Em 15 de Fevereiro, ocorreu a Operação Ciclone I em que o elemento capturado deu informações preciosas sobre o quartel do PAIGC, em Cafal. O heliassalto a Cafal-Cafine é um compreensível motivo de orgulho para o BCP 12, pela quantidade de baixas e militares do PAIGC capturados e pelas enormes quantidades de material aprendido. O relato da Operação é um registo vibrante, cheio de vivacidade com depoimentos de intervenientes directos e indirectos. Segundo este relato, Sana Naiana, comandante do aniquilado bigrupo de Cafal-Cafine portou-se heroicamente na resistência à ofensiva pára-quedista.

Em 1973, as coisas passaram-se de maneira muitíssimo diferente. Após a morte de Amílcar Cabral, o PAIGC reagiu em dois pontos distintos da Guiné, atacando quase simultaneamente Guidaje e Guileje. Spínola tinha publicamente associado a morte de Amílcar Cabral a problemas internos do PAIGC, a direcção deste Partido quis provar através de uma demonstração de força a elevada motivação das tropas. Em Março, começaram as dificuldades dos meios aéreos que obrigaram a restrições ao voo nos céus da Guiné e em Abril/Maio iniciou-se uma tentativa de cerco a Guidaje, movimentando centenas de guerrilheiros, forças de artilharia e procedendo a um reabastecimento ininterrupto a partir de bases senegalesas situadas nas áreas de Zinguichor, Cumbamori, Yeran e Kolda. Como escreve o autor “Dos depoimentos recolhidos junto dos antigos comandantes portugueses e do PAIGC, ressaltam divergentes quanto ao objectivo das forças de guerrilha (apenas desgaste, segundo o PAIGC; tentativa de ocupação do aquartelamento, para os responsáveis portugueses), número de baixas sofridas e localização da sua base de apoio na região. O Tenente-Coronel Correia de Campos não tem dúvidas que o PAIGC queria mesmo conquistar o quartel. Manuel dos Santos, então Comissário Político da Frente Norte, destaca a importância da operação de Guidaje, explicando que o PAIGC nunca antes realizara outra com tantos efectivos.” Para o PAIGC, a operação demorou mês e meio, o objectivo era o isolamento terrestre de Guidaje com 650 elementos apoiados pelo fogo de obuses de 105 mm, foguetões de 122 mm, morteiros de 120 mm e de 82 m, canhões sem recuo, lança-granadas foguetes e mísseis terra-ar Strella. Não vale a pena esmiuçar o que ali se passou, diferentes protagonistas já fizeram os seus depoimentos exararam os seus pontos de vista no blogue. O autor descreve os principais acontecimentos que envolveram as colunas de Guidaje, descreve o comportamento exemplar do Tenente-Coronel Correia de Campos e o depoimento do Coronel de Cavalaria Ayala Botto é elucidativo do quadro da tragédia que ali se viveu e do acto temerário do General Spínola e do Coronel Moura Pinto que se deslocaram de helicóptero a Guidaje, em condições de alto risco.

A 16 de Maio, o Major Almeida Bruno recebe instruções para atacar a base de Cumbamori, o objectivo era desarticular o dispositivo inimigo e aliviar a pressão sobre Guidaje, os participantes directos virão a ser os Comandos Africanos. A Companhia de Caçadores Pára-quedistas 121 sob o comando do Capitão Almeida Martins juntou-se às forças assaltantes, obtendo uma das maiores capturas e destruições de material inimigo em toda a guerra de África: a Operação Ametista Real saldou-se em 10 mortos, 22 feridos e 3 desaparecidos dos Comandos Africanos e 67 mortos do PAIGC. A maior parte do material capturado foi destruído pelo Grupo de Operações Especiais comandando pelo Alferes Marcelino da Mata. O Capitão Salgueiro da Maia relata como se rompeu o cerco de Guidaje, é uma descrição impressionante, vem publicada no seu livro “Capitão de Abril, histórias da guerra do Ultramar e do 25 de Abril”, Editorial Notícias.

Este livro passa a pertencer ao blogue
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Nota de CV:

Vd. últimpo poste da série de 11 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5631: Notas de leitura (53): Katafaraum é uma nação, de José Martins Garcia (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5649: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (4): Louvores atribuídos aos Fur Mil Sap Fausto Vaz Santos e 1.º Cabo Manuel Sá Couto



1. Mensagem de Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), com data de 11 de Janeiro de 2010:

Amigo Carlos,
Apanhei nos meus arquivos louvores a dois camaradas, sendo o primeiro o amigão da malta toda e que passo a transcrever da O.S. n.º 94 do CTIG de 16/11/65 dado pelo Brigadeiro Comandante Militar:

Fur Mil Sapador Fausto das Neves Vaz dos Santos, do Bart645, porque, tendo tomado parte em muitas Operações de combate, como Comandante da Secção de Sapadores, em reforço de Companhias operacionais, nomeadamente nas Operações de Cã-Quebo, Base, Santambato e Mandigará, sempre se revelou elemento de muita decisão, sangue frio e espírito de sacrifício, qualidades estas que lhe valeram referências muito elogiosas por parte dos Comandos das Companhias que foi reforçar.
É de salientar o seu excepcional espírito de camaradagem, notável boa disposição, poder de organização que tem demonstrado tanto nos trabalhos da sua Especialidade como no desporto, tendo contribuido para o prestígio da sua Unidade.
Colaborou activamente nas obras de fortificação e de melhoramento de Mansabá e na reparação da estrada Bissorã-Olossato, onde com a sua energia física e moral tem contribuido francamente para a rápida reparação das obras, com sensíveis efeitos na actividade operacional.
Profundo conhecedor da sua Especialidade, tem mantido em bom moral a sua Secção e pessoalmente procedeu ao levantamento de uma mina anti-carro na estrada Mansoa-Mansabá, em condições de reconhecido perigo.
Este Furriel merece ser apontado como exemplo e é digno de referência especial.



Também outro amigão, o

1.º Cabo da Cart 643 - Manuel José de Sá Couto, por ter demonstrado em todas as acções de combate em que tem tomado parte, ser um militar possuidor de raro espirito de sacrifício, coragem e sangue frio.
São de salientar estas qualidades, visto quando foi ferido num combate nocturno e suportou o ferimento até o combate terminar, só então dando conhecimento aos seus camaradas para ser socorrido.
Com o seu excepcional procedimento conquistou a estima dos seus camaradas e superiores.
(O.S. n.º 23 de 10/11/65 do Com Agr 16)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5641: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (3): O nosso Cabo Enfermeiro José Botas

Guiné 63/74 - P5648: Canjadude, a chegada de um periquito (2): Finalmente Canjadude. As primeiras impressões (José Corceiro)

1. Segunda parte de Canjadude, a chegada de um periquito, trabalho enviado pelo nosso camarada José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), em mensagem do dia 10 de Janeiro de 2010


CANJADUDE, A CHEGADA DE UM PERIQUITO (2)

Uma necessidade primária dos seres vivos é a conservação das espécies


Já sei o SPM 0028 (creio ser Serviço Postal Militar) da CCAÇ 5, escrevi mais de trinta aerogramas para familiares e amigos, já tinha escrito três ou quatro vezes, mas sem SPM.

A alimentação tem sido boa, aqui há restaurantes cujos proprietários são metropolitanos e a ementa tem pratos parecidos com a metrópole, logo que posso aproveito.

Dia 7 de Junho 1969, levantei-me cedo, dormi tranquilamente na Delegação, as instalações são razoáveis, há, para dormir, espaço reservado a graduados e não graduados, dormi onde quis, pois estou só mais o Amaro. Os mosquitos, é que são o demónio, são presença constante em qualquer local; tendo um ciclo de vida tão fugaz têm que ser muito eficazes, profícuos e prolíficos, para manterem a colónia constante, parece que estão em todos os lados, são aos milhares, não se dão ao luxo de falhar o alvo.

Hoje fiz o meu primeiro serviço em todo o tempo de tropa, com G3, estou de plantão ao Paiol do Quartel de Nova Lamego, está muito calor, mas estou à sombra. Hoje, ouvi, por volta das 23.00 horas, com perfeita nitidez, grandes rebentamentos, foi um bombardeamento muito intenso. Disseram-me que foi o Aquartelamento de Piche que foi atacado, segundo a fonte, houve dezenas de feridos (47) e quatro mortos.

Está um calor tórrido e mortiço, atmosfera carregada e tensa, humidade misturada com as partículas em suspensão ameaçam explodir a qualquer momento, transpira-se preocupação e insegurança, paira incerteza e receio no ambiente, aproxima-se temporal, será chuva, trovoada ou vendaval, o desconforto e a palpitação são gerais, o suor é melaço e teima em não se deixar limpar, está tudo agitado, a brisa está calma, mas as folhas das árvores estão a baloiçar, os mosquitos põem à prova toda a astúcia e rebeldia, para fintar o indígena e conseguir a sua sugadela, as lagartixas, no quintal, andam num frenesim desenfreado e estonteante, como se hoje fosse o último dia das suas vidas, no quartel respira-se desconfiança, há muita movimentação militar, já vieram dois Pelotões de outro Destacamento, saíram três Pelotões para o mato na eventualidade de ataque, estarem a postos, está tudo de prevenção, eu estou de Cabo de Dia ao Comando, é dia 9 de Junho 1969.

Não tem havido nada de maior mas a prevenção rigorosa continua, anda tudo muito nervoso e instável, fala-se que a qualquer momento vai haver ataque ao quartel, à noite fica tudo às escuras e continua a movimentação das tropas, a sair para o mato. Estou de Cabo de Dia à CCS, dia 11 de Junho 1969.

Já sei que amanhã dia 13 de Junho, vem a coluna de Canjadude e vou partir rumo CCAÇ 5. É dia 13, mas é dia de Santo António, que auto-confiança, ainda bem que não sou supersticioso, é preciso calminha, sensatez, espírito responsável e cooperante, partilha do saber, integração e laços de boa camaradagem, haja humildade, força gera força de sinal contrário. Não vale a pena entrar em pânico, ansiedade ou depressão, porque isto cria dependência e dá lucro às multinacionais do medicamento, ansiolíticos e anti-depressivos.

- Tem calma , não queiras prever o futuro, o que for será, não te tenciones com o provir! - Assim me aconselhavam os meus espíritos santos de orelha na altura.

Eu respondia:

- O futuro estrutura-se no presente, é preciso cautela...

De Nova Lamego a Canjadude são cerca de 25km, com a precaução necessária, a coluna progrediu, por questões de segurança mais ou menos a meio, apeamos das viaturas, caminhámos cerca de meia hora, voltámos a montar nas viaturas, agora senti o pessoal mais desinibido, solto, confiante, descontraído, seguro e comunicativo, estávamos a viver o mesmo perigo, o mesmo drama. Via rádio, informaram o Posto de Transmissões que estava tudo OK e que havia periquito para render o Dionísio de Transmissões. Faziam parte da coluna dois Operadores de Transmissões, o José Carlos de Freitas (natural de Guimarães), despreocupado, deixa para lá não me incomodem, calmo, boa pessoa, foi jogador do Vitória de Guimarães e barbeiro na CCAÇ 5, o José Natividade da Silva (natural de Alqueidão), espevitado, reguila, com sangue na guelra, bom camarada, (impressões subjectivas e minhas, reportadas à época, mas tenho a certeza que continuam as boas pessoas que eram, esses bons dons estavam impregnados na personalidade) o Silva, aproveitou-se, e pediu-me para mandar via rádio, a minha primeira mensagem na Guiné, ao Cabo Dionísio, que eu ia render.

Foto 1 > Corceiro a mandar a primeira mensagem, via rádio, entre Nova Lamego e Canjadude. A seu lado José Carlos Ferreira, atrás, do lado direito o Malhadas, natural de Vila Nova de Paiva ido nesse dia também para a CCAÇ 5. Os militares nativos são do 4.º Pelotão. O fotógrafo foi o Silva.

Após a vinda destes dois camaradas, para a metrópole, passaram quase 40 anos e só há dias falei com o Silva. Nestes 40 anos tive só um contacto há 30 anos, com o Rogério Carneiro, que infelizmente, soube agora, já não faz parte dos vivos, o meu respeito. Neste caso também a rendição individual foi madrasta, vinha cada um em sua altura perdia-se o contacto, perdia-se o rasto, éramos relativamente poucos.

Foto 2 > Canjadude > O 1.º Cabo José Carlos Freitas à entrada do abrigo de Transmissões

Foto 3 > Canjadude > 1.º Cabo José Natividade da Silva

Foto 4 > Canjadude > O 1.º Cabo Malhadas, natural de Vila Nova de Paiva

Foto 5 > Canjadude > O 1.º Cabo Amaro dentro de um dos abrigos das Praças

Cheguei a Canjadude, já sou Gato Preto, estou instalado numas termas subterrâneas tipo sauna romanoturcas. Aqui, pia mais fino, dorme tudo em abrigos subterrâneos, cobertos de cibes de palmeira e cimento, está tudo ligado por um serpenteado de valas aos ziguezagues, com 1,20m de profundidade que dão acesso a pontos estratégicos onde se encontram instaladas armas pesadas. Nos pontos mais sensíveis e fragilizados, há bidões cheios de terra para protecção em caso de ataque.

Ao chegar o que mais me impressionou foram as grandes rochas à entrada do Aquartelamento, ainda não tinha visto nada parecido na Guiné, que mais parecem baluartes a dar-nos as boas vindas e garantir protecção e segurança, acolhedoras, pois servem de postos de sentinela.

Foto 16 > Canjadude > O filão de rochas calcárias no solo argiloso, capricho da natureza, que mais se assemelhavam a cogumelos ali nascidos, já que o filão não se prolongava nuito para o lado esquerdo nem para o lado dreito, terminava por ali. Mais parecem pedras esquecidas em contenda mitológica. Zona praticamente plana, a erosão ao longo de milhões de anos, fez o seu trabalho.

Foto 23 > Canjadude > Picada à saída do arame farpado, rumo a Nova Lamego

Foto 24 > Canjadude > Vista aérea > Em primeiro plano os baluartes a dar as boas-vindas à chegada e a oferecer hospitalidade. Vêem-se alguns abrigos, o edifício bloco, a parada, o campo de futebol, a tabanca coberta de arvoredo, a pista de aviação e na continuação desta, a picada no meio da floresta que ligava ao Cheche, cerca de 20Km, de onde foram retiradas as NT. Retirada de Madina de Boé, quatro meses antes de eu chegar a Canjadude.

Foto 25 > Canjadude > Vista aérea, tirada do lado da bolanha das lavadeiras, (nascente). Ao lado esquerdo vê-se a tabanca, na parte central há uma mangueira, junto à parada, por trás da qual se vê um canto do abrigo das Transmissões. Vê-se, em plano afastado, lado direito, o filão das rochas que vai morrer logo mais à frente.

Foto 9 > Canjadude > 1.º Cabo José Corceiro

Foto 10 > Canjadude > O nosso tertuliano José Martins, Fur Mil TRMS a dar um abraço de boas-vindas a José Corceiro

Em Canjadude, passei 25 meses, com poucas ausências; para minimizar o choque de despedidas, com receio que transpirasse o desconforto em que me encontrava e porque tinha a família muito sofrida, devido ao funeral do meu tio, da minha avó e duma tia, com quarenta e poucos anos, faltou-me a coragem de vir de férias à metrópole, temia a despedida, não sei como seria?! Foi muito tempo fora da civilização que eu conhecia, logo, desejava, confinado a um espaço tão limitado em condições tão carenciadas, privado das necessidades mais elementares, sem as quais o ser humano consegue harmonia emocional e física; tentava, conforme podia e deixavam, compensar o não gozo em pleno das três necessidades primárias dos seres vivos, e, como podia, tentava desequilibrar os pólos das baterias. Foi muito difícil a falta de presenças, de carinhos, de mimos, de pequenos nadas, os afectos… era a saudade… a tensão e pressão com contenção de explosão. Cada um refugiava-se e representava o que lhe ia na alma, o que lhe parecia mais plausível: álcool, bajudas, petiscos, escrita, ler, simulações guerreiras e teatrais, afeição a animais, apegados às coisas mais inverosímeis, tentava-se suprimir as deficiências e lacunas do meio a que estávamos expostos, recorrendo aos mais variados hobbies para nos compensarmos, eram necessidades primárias desvirtuadas a actuar!

Talvez tivesse facilitado a minha integração e minimizado o meu desconforto, se o meu código genético tivesse no respectivo cromossoma um gene com aptidão mais guerreira que dominasse o alelo correspondente, ficaria por ventura mais acomodado no teatro de guerra, mas deixava de ser EU, eu batia-me interiormente com as minhas limitações, por valores que queria preservar e dignificar, queria, sem ser lírico ou utopista, (com toda a estima e consideração) continuar a ser amante de diálogos, respeito, consensos e paz, não tinha preparação para este tipo de guerra, estava a ficar com a percepção que neste meio (teatro de guerra) obrigavam-me a renunciar à minha personalidade e a valores que eu queria acautelar, vivia num conflito ambíguo, meio externo (ambiente) guerra, meio interno (raciocínio) paz, esta ambivalência era morrinha para o meu EU!

O meu hobbies, entre outros, foi a fotografia e o diapositivo (slide), tirei muitos milhares.

Para todos um abraço.
José Corceiro

Fotos: © José Corceiro (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. poste da primeira parte de 13 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5640: Canjadude, a chegada de um periquito (1): De Lisboa a Gabú (José Corceiro)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5647: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (27): Baptismo de fogo - Parte 1



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias (a 27ª), com data de 14 de Janeiro de 2010:


«Baptismo de fogo» - Parte 1

Binta, 5 de Julho de 1964


O estacionamento era fustigado pela chuva que desde há umas horas caía em grossas bátegas. Na noite escura preparava-se a nossa primeira operação «a sério». Tomou-se uma refeição quente enquanto se trocavam piadas entre os mais animosos. Os mais ensonados iam acordando aos poucos.

Tiveram um significado especial as palavras que o nosso capitão Tomé Pinto nos dirigiu antes de iniciarmos a caminhada. Falava com calma e tentava transmitir segurança aos seus homens. Do bom êxito da operação que íamos empreender poderia resultar a sorte da companhia. Seria preciso que todos dessem o seu melhor.

Agora ia ser a sério. Íamos ao encontro do inimigo.

A nossa missão “resumia-se” numa batida à região de Lenquetó (situada a cerca de 12 kms do estacionamento), tabanca onde se julgava estar reunido com pessoal o «Chefão» da zona, um tal Paulo Lomba, conhecido pelo BARBAS.

Tentaríamos destruir a tabanca e fazer prisioneiros.Bebíamos as suas palavras. Lembra-me de pensar que nunca um “Pinto” me tinha parecido um “Galo” tão aguerrido e mandão. Ali, a haver “pintos”, era todos nós, maçaricos com dois meses de Guiné.

Teríamos que caminhar com o maior cuidado e no máximo silêncio pois o itinerário que íamos seguir “atravessava” uma região onde algumas tabancas ainda estavam habitadas.

Quando saímos do aquartelamento íamos uma hora atrasados em relação à partida previamente marcada, devido à chuva que não abrandava.

Eram 02h00.

Guiados pelo guia Malan Sissé percorremos com segurança e rapidez os primeiros quilómetros, ritmo que no entanto não pôde ser mantido pois a partir do entroncamento de Caurbá até à bifurcação de Genicó tivemos que rodear 13 abatises. Estes «vultos» sinistros com quem pela primeira vez tomávamos conhecimento atestavam a presença do inimigo na nossa zona. Caminhámos lentamente e com redobrados cuidados quando passamos perto de Genicó que estava habitado.

Passámos pelo "esqueleto" carbonizado de uma camioneta da serração de Binta, que o inimigo tinha destruído há poucos meses atrás.

Às 04h45 estávamos perto do nosso objectivo.

Ouviu-se por momentos com nitidez, no silêncio da noite, o ruído característico do pilão. Não muito longe cães latiram. Lentamente percorremos a distância que nos separava de Lenquetó.

Às 05h15 começou-se o envolvimento da tabanca instalando-se em meia-lua os dois grupos de combate.

Poucos momentos depois viram-se alguns indivíduos sair caminhando na nossa direcção. Gritou-se para que fizessem alto. Retrocederam rapidamente fazendo fogo de pistola de dentro da tabanca. As nossas tropas abriram fogo e durante alguns momentos dezenas armas automáticas crepitaram simultaneamente. Parecia uma trovoada. A reacção do inimigo embora diminuta fez-se sentir.

Um «suicida» descortinou o nosso capitão em pé, protegido por uma árvore, e avançou para ele correndo com um «canhangulo» em posição de fogo. Foi abatido depois de meia dúzia de passos.

Outros dois indivíduos saíram em correria da tabanca e ziguezagueando conseguiram passar por meio de uma secção, escapando ao fogo de duas ou três dezenas de atiradores. Foi uma fuga desesperada que, com um mínimo de probabilidades de êxito, resultou. Pareciam voar e escaparam-nos autenticamente entre as mãos!

Houve uma certa dificuldade em controlar esta primeira “descarga” para se passar ao interior da tabanca, conseguindo-o o nosso capitão com o seu exemplo e com a sua experiência (já tinha andado por Angola), arrastando consigo alguns homens, que penetraram lentamente na tabanca. Houve um inimigo que, apesar de ferido, lançou uma granada sendo abatido acto contínuo. Não se registaram outros actos de resistência mas foram abatidos ainda alguns indivíduos que tentaram fugir para o exterior.

Iniciou-se a revista das moranças e começaram-se a reunir prisioneiros, alguns deles feridos, para um pequeno largo no centro da tabanca. Foram prestados os primeiros socorros aos que mais necessitavam. Não se encontraram armas, não se conseguindo da parte dos prisioneiros informações.

Começaram-se a encaminhar os prisioneiros para o exterior da tabanca enquanto se incendiavam as moranças que iluminaram sinistramente o alvorecer.

Com dificuldade devido ao número (cerca de 40) e ao estado de alguns prisioneiros perdeu-se bastante tempo antes de se iniciar a marcha de regresso.Quando estávamos para partir apresentou-se um novo prisioneiro que tinha passado despercebido a quando da revista à tabanca.


Seriam talvez 07h00 quando lentamente nos começámos a afastar de Lenquetó que ardia. A nossa missão estava cumprida.

Iniciámos o regresso ao estacionamento, donde tínhamos partido cinco horas antes.

Na tabanca tinham perecido duas ou três dezenas de inimigos.

Com os dois grupos de combate, progredindo em quadrado, andaram-se uns 500 metros, interrompendo-se a marcha várias vezes por dificuldade em fazer caminhar os prisioneiros dentro do nosso dispositivo. Um prisioneiro já moribundo, o chefe da tabanca, teve que ser abandonado por já não poder deslocar-se, sendo-lhe ainda injectado morfina para alívio do seu sofrimento.

Decorridas mais umas centenas de metros foi descoberto um homem (isolado) que apesar de avisado em altos gritos para não fugir o tentou fazer, sendo perseguido e abatido. Tiveram de fazer-se novas paragens devido aos prisioneiros que se deslocavam com muita dificuldade no centro do quadrado.

Quando a cerca de 500 m de Caurbá progredíamos numa zona fortemente arborizada, (com muitos arbustos e pequenas palmeiras), fomos emboscados pelo inimigo. Ouviu-se um rebentamento de granada já depois de a "guarda da frente" ter passado, seguido momentos depois por outro estoiro.

Depois de um primeiro momento de expectativa e surpresa (houve quem pensasse até que os rebentamentos se deviam ao descuido ou imprevidência de algum dos nossos soldados) instalámo-nos rapidamente em círculo, «mascarando-nos» com a vegetação existente no local.

Seriam cerca de 08h00.

Houve mais alguns tiros do inimigo, de pistola e pistola-metralhadora, respondendo a nossa tropa com grande poder de fogo em todas as direcções.

O inimigo não estava longe e havia lançadores de granadas dentro do nosso dispositivo. O rebentamento da segunda granada provocou ferimentos no Furriel Mesquita e no 1° Cabo Craveiro, que seguiam na linha da frente, do lado esquerdo, sendo tratados por alguns soldados que utilizaram a propósito os pensos individuais, e pelo Furriel Enfermeiro Oliveira, verificando-se serem ligeiros os seus ferimentos.

Momentos depois tivemos a sensação de estarmos envolvidos pois os tiros de pistola-metralhadora, pistola e rebentamentos de granadas sucediam-se de todos os lados. O nosso dispositivo, um tanto ou quanto desarticulado, avançou para uma zona mais descoberta, instalando-nos em círculo junto de uma grande árvore. Entretanto na retaguarda havia também contacto com o inimigo sendo feridos o Sargento Gouveia Marques (com estilhaços de granada), num braço e o 1. ° Cabo Marques (com uma rajada de metralhadora), no escroto e num testículo.

Continuámos a responder ao inimigo com fogo baixo e uma bazucada deve ter feito grandes estragos no inimigo, pois ouviram-se gritos lancinantes durante alguns momentos.

Junto à árvore já referida o nosso capitão, calmamente, transmitia ordens e recomendava ordem no fogo para não virem a faltar munições.

Os feridos entretanto tinham-se deslocado até ao abrigo dessa árvore (que passou a servir de posto de comando e enfermaria) onde foram mais convenientemente tratados, verificando-se inspirar cuidados os ferimentos do Cabo Marques.Antes ainda de nos instalarmos junto à árvore do “Comando”, que vimos referindo, o Soldado n.° 2212/63, Chita Godinho conseguiu abater um inimigo que fazia fogo muito próximo com uma arma de repetição e corajosamente deslocou-se até este retirando-lhe a espingarda.

O inimigo continuou a flagelar-nos mas do nosso “círculo” continuava a partir um «furacão» de ferro e fogo.

Foi pedida a aviação para apoio e um helicóptero para evacuação do ferido mais grave, o Marques, que embora cheio de dores continuava a manter um sangue frio e serenidade notáveis, nunca desanimando nem exteriorizando o seu sofrimento.

O apoio aéreo não se fez demorar muito localizando-nos com relativa facilidade depois das indicações dadas pela rádio pelo nosso capitão. Ainda antes da chegada dos aviões (doisT6) o inimigo tinha tentado fazer uma autêntica carga sobre o nosso dispositivo, sendo abatidos, uns dois ou três indivíduos, a uns cinco ou seis metros da árvore onde se abrigavam o nosso capitão, o Furriel Enf.º, o cabo radiotelegrafista e os feridos já mencionados anteriormente.

Também ainda antes da chegada dos aviões soubemos pela rádio que a coluna-auto que se dirigia ao nosso encontro, com duas secções comandadas pelo Alf. Santos, tinha sido também emboscada junto do entroncamento de Caurbá, e que tínhamos um ferido grave por estilhaço de granada.

Com a chegada do apoio aéreo o inimigo mostrou-se menos activo, fazendo no entanto ainda por duas ou três vezes fogo de pistola-metralhadora para os «caças».

Os pilotos, habilmente conduzidos pelas informações de terra, fizeram fogo por várias vezes para os locais donde o inimigo nos tinha flagelado, lançando ainda uns «roquetes» para umas casas de mato nas proximidades da tabanca, que se avistava ao fundo, à esquerda.


Cerca das 11h00 chegou o helicóptero para evacuação do ferido sendo a sua descida comandada pelo nosso capitão que, a peito descoberto, conseguiu evitar que descesse num local onde poderia estar o inimigo. Em manobra impecável o helicóptero desceu apenas a uns 20 metros da árvore junto da qual se encontravam os feridos.

Rapidamente o Marques foi transportado até ao helicóptero pelo Enfermeiro Oliveira, auxiliado pelo nosso Capitão Tomé Pinto e pelo AIf. Tavares, revelando o pessoal do helicóptero grande experiência e calma. Sempre com a hélice em movimento o helicóptero elevou-se rapidamente, dirigindo-se para Binta onde o esperava um condutor gravemente ferido aquando do ataque à coluna-auto, que entretanto já não estava debaixo de fogo, não podendo no entanto aproximar-se da zona de Caurbá por se encontrar avariada uma viatura.

Os T6 continuavam a evolucionar sobre a área dando-nos uma sensação de agradável protecção o ruído dos seus motores.

A pedido do Capitão Tomé Pinto os pilotos metralharam a zona por onde, electrizados pelo exemplo do nosso Comandante de Companhia, que arrancou de imediato para a frente, seguimos o mais rapidamente possível, respondendo ao fogo inimigo que, de cima das árvores, nos continuou a flagelar durante algum tempo. Com um dispositivo em «cunha» conseguimos iludir o inimigo que não esperava a nossa saída pelo local onde ela se verificou.


A experiência e o arrojo do nosso Capitão conseguiu que dois grupos de «maçaricos», que se “agarravam” ao chão logo que se ouvia um tiro, «voassem» por uma zona batida pelo fogo do inimigo que nos viu afastar com rapidez e segurança. A registar a tentativa de fuga de três prisioneiros aquando da retirada da zona da emboscada, que no entanto foram abatidos, sendo de louvar a calma e serenidade das duas secções que tinham a seu cargo a guarda ao numeroso grupo de prisioneiros, trazendo-os sem mais uma baixa até ao estacionamento.

Os quilómetros que nos separavam ainda de Binta foram percorridos debaixo de um calor sufocante que exigiu de cada um, um esforço suplementar, pois vínhamos a caminhar desde as 2 horas da madrugada.

Logo que nos afastámos de Caurbá o dispositivo voltou à formação de "quadrado" sempre superiormente comandado pelo nosso capitão, que extenuado por um esforço extraordinário ficou sem voz e teve de se aproveitar do vozeirão do Furriel Juca (um homem pequeno mas com voz de gigante...) para continuar a transmitir as suas ordens.

O Capitão Tomé Pinto em 1964

Cada metro de mato exigia já um esforço penoso para o percorrer.

Desejava-se os barracões de Binta mais do que, em qualquer outra altura, um hotel de luxo.


Foi para muitos (entre estes e muito na vanguarda o «cronista»...) o dia «D», o dia mais longo das suas vidas...

Já próximo do estacionamento o nosso capitão e um grupo de combate foram ainda ao encontro da coluna-auto para proteger o seu regresso.

Quando chegámos a Binta, onde também se tinham vivido horas de grande ansiedade, eram 12h30.

Acabava-se, de viver o nosso primeiro dia operacional em terras da Guiné. Tínhamos combatido duramente com o inimigo e obtido uma vitória esmagadora. Do Cacheu até à fronteira do Senegal os que tivessem «escapado» fariam a nossa melhor «publicidade».

Não se poderá dizer que não tivemos um baptismo de fogo animado.


E… nunca um “Pinto” me tinha parecido um “Galo” tão aguerrido e mandão.

O Capitão Tomé Pinto actualmente

(Os ex-militares da CCaç 675 saudam especialmente, hoje, dia 14 de Janeiro, o "seu" Capitão - agora Ten. General -, pela passagem do seu 74º. Aniversário. Parabéns e que conte muitos mais).

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5646: Bibliografia de uma guerra (55): Armados Para a Paz, de Albino Silva

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2009:

Caro Camarada Carlos Vinhal
Em primeiro lugar o desejo de um Bom Ano, para ti e para todos os Chefes de Nossa Tabanca Grande, e para que a mesma continue a crescer porque é para mim uma grande alegria ler e ver fotos de tantos tertulianos como eu.

Como tenho dito, a nossa Tabanca é o meu primeiro jornal diário e é o único que fala verdade, o mais puro de todos que são lançados nas bancas, pois as nossas notícias saem de nossos corações ainda magoados e traumatizados do passado já distante, embora seja esquecido pelos sucessivos Governantes, em nós está sempre na memória no dia-a-dia.

Carlos acabei de escrever mais um livro, este com o título "Armados para a Paz", pois era assim a CCS/BCaç 2845.

Este livro será exclusivamente para a Companhia, e será lançado no dia 1 de Maio no Convívio da mesma, em principio em Buarcos.

Desejava assim que fosse anunciado este meu trabalho, pois é sempre a pensar na Guiné e na Companhia que vivo os meus dias, por isso só me sinto bem quando escrevo alguma coisa para os meus camaradas.

Podes ficar ciente que te vou oferecer um exemplar porque quem esteve na Guiné vai gostar de ler meu trabalho. Sei que aquilo que lá passei e que afinal passámos todos.

Brevemente te enviarei alguns trabalhos, os quais serão dedicados a todos os camaradas que estiveram na Guiné, pois assim como gosto de ler o que foi do nosso passado, também de certeza que outros gostarão de ler o que eu faço.

Termino com um grande abraço para todos os Tertulianos, um Bom Ano, e aos Chefes de Tabanca sempre boa disposição e força de vontade para nos continuar a aturar...

Albino Silva
Soldado Maqueiro
CCS/BCAÇ 2845
Teixeira Pinto


2. Comentário de CV:
Caro Albino, cá receberemos o teu livro com muito gosto para fazermos uma recensão, e por que não, publicar algumas histórias do teu Batalhão.

Agradecemos as tuas simpáticas palavras que são um bálsamo para continuarmos este trabalho, sempre tendo em vista a preciosa colaboração de todos os tertulianos.

Um abraço de parabéns para ti, pelo trabalho que desenvolves destinado essencialmente aos teus camaradas de Batalhão.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4552: Convívios (146): Encontro das CCAÇ 2367, CCAÇ 2368 e CCAÇ 2313 (1968/69), (Albino Silva)

Vd. último poste da série de > 9 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5618: Bibliografia de uma guerra (54): 30 anos de guerra colonial (José Brás)

Guiné 63/74 - P5645: Blogues da nossa blogosfera (32): A nova Tabanca da Lapónia, de José Belo, Kiruna, Suécia


Tabanca da Lapónia, blogue do José Belo: Ponto de ENCONTRO para todos os Nalus, Beafadas, Mandingas, Fulas, Felupes, Balantas, Papéis, Bijagós, Minhotos, Transmontanos, Beirões, Estremenhos, Ribatejanos, Moiros de Lisboa, Alentejo e Algarve, Madeirenses, Açoreanos (incluindo coriscos e bichos-mal-amanhados!),e LAPÕES"...

É um blogue INCLUSIVO, pelo menos promete... Para já está vazio, o que só pode ser atribuído ao rigoroso inverno da Lapónia (LG).


1. Mensagem de Joseph Belo, com data de ontem. O tuga José (Belo, para as bajudas) vive na Suécia, desde 1976 (se não me engano), numa espécie de auto-exílio... Mais concretamente, vive na cidade mineira de Kiruna (menos de 20 mil habitantes), a cerca de 150 km do círculo polar ártico (Brrrr!!!, que briol, camaradas!). Maioral, foi Alf Mil da Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70). Foi camarada de outros Maiorais como o nosso Zé Teixeira, da Tabanca de Matosinhos. E amigo de outros camarigos como o Joaquim Mexia Alves, da Tabanca do Centro. Está reformado como Capitão Inf (não sei se recebe a pensáo de sangue, suor e lágrimas...). É o autor da popular série Da Suécia com Saudade. (*)

Em Kiruna, dizem-me que é um homem de leis (e de lei). Mais concretamente, Adv.Konsulent/Svår flickor, um misto de advogado e e especialista em raparigas mázinhas... (Na Suécia, há especialistas para tudo).

Ele, que vive na diáspora lusitana, é daqueles que sabe dar o valor à palavra Saudade, à nossa língua... e ao calor da nossa Tabanca Grande! (LG)



Assunto: Participar o nascimento de uma nova Tabanca.

Venho deste modo participar a Vocelências o nascimento (prematuríssimo) de mais uma Tabanca, Filial. Para mais, filha de mãe incógnita (!), o que vem complicar as coisas. (OBS/ eu escrevi...filha DE mãe!). Prometo que a jantarada da inauguração nao será a uma Quarta-Feira para não concorrer, nem com Cozidos, nem com Sardinhadas ou Caldeiradas!

A nova Tabanca chama-se TABANCA DA LAPÓNIA (http://tabllap.blogspot.com/).

As cerimónias oficiais serão em fins do próximo mês, altura em que por aqui já existe hora e meia de luz diária. Estão todos obviamente convidados assim como Familiares e Amigos. Sem querer fazer humor fácil, a ementa consta de um jantar-frio, composto de carnes de rena, de salmão e, para calar os mais reguilas, de BACALHAU, do alto, do bom, do norueguês, que é desembarcado no porto de Narvik a pouco mais de uma centena de kilómetros daqui.

Os precos proíbitivos do vinho tinto aqui na zona levam a que tanto os aperitivos, o acompanhante da refeição e os digestivos, sejam a boa e forte(!) Vodcka local, bebida à maneira da Lapónia, ou seja, por copos de água em ritmo acelerado.

Se me desculparem mais uma...pertinência, gostaria de lembrar alguns promenores aos interessados na jantarada:

(i) Como têm estado aqui SÓ 40 graus NEGATIVOS, e depois de observar algumas fotografias de outras festas com a presença dos Camaradas, verifiquei que as "calvas aristocráticas" abundam. Recomendo que não esqueçam de se fazer acompanhar de um dos nossos tão típicos barretes. Nao tem importancia se da Nazaré, de Campino, de Saloio, contanto que seja...quente! (E, p'ra mais, vamos fazer uma inveja aos Lapoes!).

(ii) Não enviem as confirmações das vossas presenças ao jantar por meio de...pombos-correios. Ao aterrar já serão franguinhos congelados!

(iii) Os Camaradas que fumam, por amor de Deus!!!, não queiram ser simpáticos para os não fumadores e não se ponham a....abrir as janelas!

(iv) Tendo em conta as idades bíblicas que a maioria de nós já vamos tendo,os que quiserem aliviar-águas durante o longo banquete não esqueçam que não estão na Lusitânea, indo fazê-lo por detrás de uma pedra...de gelo. Os 40 graus negativos costumam pregar partidas nestas situações.

BEM VINDOS!

PS - Os que se derem ao trabalho de visitar o site,e tenham nascido em Lisboa (como eu), ou no Alentejo e Algarve, não levem muito a sério o que escrevi na introdução da nova Tabanca da Lapónia, pois sem aqueles NOSSOS Antepassados não teria havido...nem Fado para a Amália genialmente cantar, nem ensopado de cabrito em coentrada, nem o delicado peixe alimado!

2. Comentário de L.G:

Definitivamente, isto é a internacionalização do nosso blogue, a globalização da nossa Tabanca Grande. Alfragide, Candoz, Matosinhos, Paris, Monte Real (Leiria, Portugal), Monte Real (Canadá), USA, Austrália, Brasil... Para onde vamos, camaradas, ou melhor, onde já chegámos, camaradas! Agora Kiruna, na Lapónia!

Não liguem ao perfil do tabanqueiro (que é intraduzível em sueco e que, em português, precisa de meter explicador):

"EGÓLATRA com fortes deficiências BICÚSPIDES resultantes das vacuidades provocadas por demasiadas participações em TERTÚLIAS ESQUERDISTAS-PSEUDÓPEDES que se não devem ,de modo algum, confundir com as Esquerdistas/PUXAVANTES que acabam por criar figuras de alto gabarito em Comissões Europeias"...


O convite está feito. Há gajos, entre nós, suficientemente malucos para irem a Kiruna, em veículo todo o terreno, à inauguração do iglô, quer dizer, da morança (uma, duas, três....?) da Tabanca da Lapónia. Já houve aqui gajos que uma semana depois de cancelago o Paris-Dakar, já estavam a atarvessar a Mauritânia, por conta e risco e passapaorte da Al-Queida...

O máximo que subi, acima de Estocolmo, foi Karstad...Mas um dia gostava de ir a Kiruna. Como gostava de ir a Viana, visitar o nosso tabanqueiro nº 2, o Sousa de Castro. E a muitos outros sítios onde haja amigos e camaradas da Guiné... Até lá, até Kiruna, vamos publicando as reflexões do José Belo, uma das quais está na calha, sobre a (des)colonização... Um Alfa Bravo. Luís

3. Saudações da Tabanca do Centro, blogue fundado pelo Joaquim Mexia Alves e para já animado por ele e pelo Vasco da Gama

quinta-feira, 14 de Janeiro de 2010

Da Suécia com amor!

Nada de confusões
Nessas cabeças já gastas,
Tão cheias de incerteza,
É que o amor da Suécia
É p’lo Cozido à Portuguesa.
Diz-me o nosso camarigo,
José Belo de seu nome,
Que virá de avião, de skate, ou a pé,
Apenas para comer,
O afamado cozido,
Com a malta da Guiné.
É que não sabem vocês
Que por causa de um vento estranho
Que sopra no Litoral e na Beira,
Chegou até á Lapónia
O cheiro da farinheira.
Não contente com isso,
Este ventinho maldoso
Levou também consigo
Um cheirinho a chouriço.
Coitado do José Belo
A tiritar do frio imenso!
Quando olha para as renas vê vacas,
E todo o verde são couves,
Cozidas mesmo a preceito.
E o vento que nunca cessa
De lhe levar o cheiro intenso!
É uma dor de alma,
Um tormento,
Não devia ser permitido
Que odor tão salivante
Fosse nas asas do vento.
Prometo solenemente
Que te guardo a melhor parte,
Fica com esta certeza.
Não só eu,
Mas toda a gente,
Te servirão alegremente
O Cozido à Portuguesa.

Monte Real, 14 de Janeiro de 2010

Joaquim Mexia Alves
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Nota de L.G.: