quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5836: O 6º aniversário do nosso Blogue (4): O teu, nosso blogue (Mário Gualter Rodrigues Pinto)

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos, em 17 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem:

O 6º ANIVERSÁRIO DO TEU, NOSSO BLOGUE

Luís Graça, um dia já distante ao navegares de canoa nas águas calmas do atribulado e sinuoso Rio Geba, certamente nunca pensaste navegar neste “mar” imenso que, hoje, é a Net.

Digo eu, que em muito boa hora o fizeste, porque ao colocares esta tua “canoa” neste “oceano” cibernético, conseguiste encontrar e recolher outros navegantes que, perdidos no horizonte memorial das “águas salgadas”, navegavam à deriva, desnorteados, procurando uma “bóia de salvação”, para o “despejo” das suas memórias da Guiné (boas e más).

Memórias que estavam mais que naufragadas, na profundeza dos pensamentos, velhas, mas marcantes e traumatizantes, enquanto procurávamos um abrigo de confiança, seguro e amigo, onde as pudéssemos resgatar e perpetuar, quer as dos feitos históricos, quer as das nossas mágoas, angústias, desabafos, factos, etc. Enfim, os nossos Testemunhos escritos, gravados, fotografados… reunindo património para herdarmos às gerações vindouras.

Criaste assim “um mar nunca antes navegado”, para a geração a que pertencemos (especificamente a dos ex-Combatentes), permitindo-nos, aqui, “velejar” neste espaço “caseiro” e comum que é a Tabanca Grande.

Outras tabancas vão surgindo nos “afluentes deste mesmo mar”, todas irmanadas dos mesmos sentimentos, a Amizade, a Camaradagem e a Confraternização, que iniciados nos já longínquos anos da guerra, se mantêm, e manterão, para todo o sempre.

Não só as alegrias, como as privações, a dor, o desgosto e o sofrimento, que nas nossas memórias se foram alojando, ao longo das nossas mais ou menos longas comissões militares, nos nossos físicos e psiques, temos vindo a “descarregar” neste espaço que criaste, e que além do formidável inter-relacionamento entre pessoal de todas as especialidades e tipos de unidades militares, é ponto de encontro para centenas de camaradas seguirem e comentarem as diversas publicações.

Timoneiro desta “nau”, com “marinheiros” como o C. Vinhal, V. Briote e M. Ribeiro, sabemos que conseguirás levar a bom porto este “navio” (espólio das nossas consciências), carregado de passageiros, que são portadores ainda de muitas descrições vividas pessoalmente, e que continuarão a enriquecer e fortalecer, para todos os efeitos e causas, este nosso “porão” de uma das fases históricas de Portugal.

Está aqui aberta, em boa hora, a caixa de pandora que muito contribuirá, estou certo, para a constituição final da catarse que originou o misterioso fim da Guerra do Ultramar e dos últimos Soldados do Império, como alguém um dia nos designou.

Um dia haverá, pelo menos um historiador curioso qualquer, que há-de abri-la e contar á sua maneira, e a seu bel-prazer, a história deste período, se calhar, infelizmente, quando nenhum de nós cá estiver para contestar o que quer que seja.

Tenhamos a esperança, que este teu, nosso blogue, seja a Luz, o Testemunho Descritivo, legado por nós, os que teimamos e fazemos disso ponto de honra, como um sério e honroso contributo da nossa geração, para que não se percam, nem permitam a deturpação, da veracidade dos factos e acontecimentos que vimos, e vivemos, como mais ninguém os viu.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5835: Convívios (189): Convívio dos ex-Militares da CCAV 3366 do BCAV 3846, no dia 14 de Março de 2010, no Cartaxo (Delfim Rodrigues)




1. O nosso Camarada Delfim Rodrigues, ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem da CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela - 1971/73 -, enviou-nos uma mensagem solicitando a divulgação do próximo convívio da sua companhia.


Batalhão Cavalaria 3846
Confraternização das CCAV 3364 (Ingoré), CCAV 3365 (S.Domingos), CCAV 3366 (Suzana) e Companhia Independente.
14 de Março de 2010

Camaradas,

Aos 14/03/2010, completarse-ão 37 anos sobre a nossa chegada das terras da Guiné.


Esta mesma data é por coincidência a mesma do nosso tradicional almoço para mantermos o nosso convívio.




À semelhança do ano passado procurámos e encontramos um local de reunião, que nos pareceu estar ao nivel dos últimos anos. Conseguimos mesmo manter os preços do ano passado. Assim podemos com o mesmo nivel de serviço manter a boa qualidade.


Passados que são 37 anos conseguimos manter um evento que não queremos deixar cair, especialmente pelos dados positivos que a todos tem proporcionado.

Chegamos a uma altura que muitos de nós já se encontram reformados e, assim, com maiores disponibilidades para usufruirmos de algo, que deveremos aumentar, nos tempos dificeis que hoje vivemos: a Amizade.

Só com a vossa presença poderemos também desfrutar da renovada alegria de nos voltarmos a ver e recordar as nossas memórias, e, de algum modo, provar aos nossos descendentes que cultivar a amizade é de facto um dos maiores bens das nossas vidas.


Apareçam todos no:

Restaurante: QUINTA DO SARAIVA. Estrada Nacional 3
Alto do Gaio: 2070 - 213 Cartaxo (Frente à fabrica de peles do Cartaxo)
Telef. do restaurante: 243 770 084

Os preços para este ano são:
Crianças dos 3 aos 10 anos: € 10,00
Para todos os outros: € 28,00

Para qualquer esclarecimento necessário poderão contactar:

Alberto Toscano - 912381 293
Carlos Conceição (Xi na) - 919 489 378
E-mail:carlosconceicaonovoa@gmail.com
T.Cor.Bernardino Laureano - 966 452 001
E-mail:laureano@netmadeira.com

A confirmação da presença deverá ser feita até: 07/03 /2010

Esperamos poder contar com a presença de todos vós e, até ao nosso encontro, resta-nos desejar-vos uma boa viagem.

Um abraço,
Toscano, Xina, Laureano, Capelão
CCAV 3366 do BCAV 3846


Emblema e guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P5834: José Corceiro na CCAÇ 5 (4): Recordações do Sargento Enfermeiro Cipriano

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), com data de 15 de Fevereiro de 2010:

Caros camaradas, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
É com simpatia e agrado que apresento esta simples dissertação, do nada que privei com o Sarg Cipriano, para “Postar” se assim o entenderem.
Apresento os meus agradecimentos.
Um Abraço
José Corceiro


RECORDAÇÕES DO SARGENTO CIPRIANO

Não vou fazer grande dissertação nem eloquência e elogios, porque não privei muito, nem fiz parte da esfera dos amigos íntimos do 2.º Sargento Cipriano Mendes Pereira, que era o enfermeiro quando eu fui para a CCAÇ 5. Não me sinto habilitado para ajuizar méritos, capacidades e valores da pessoa em causa, e a análise final que faria, seria em função da empatia, ou não, existente entre nós. Era de etnia Manjaco, natural de Empada, Guiné.

Tinha com ele um relacionamento cordial, óptimo, de duas pessoas civilizadas que algumas vezes foi para além do restritamente militar. Houve algumas confidências de índole privada de parte a parte, coisas de ocasião e é essa a razão que me apraz contar aqui alguns dos episódios que com ele vivenciei. Era pessoa que aparentava ser afável, de acesso fácil, expandia-se em riso com facilidade e contagiava a todos os que o rodeavam, com a sua hilaridade cativante. Mesmo nos momentos mais tensos, notava-se nele um semblante leve. No seu rosto, descortinava-se um meio sorriso enigmático, do género do manifesto no quadro do Leonardo da Vinci (em Mona Lisa).

Atenda-se, quando me refiro ao Sargento Cipriano e digo com ar de gozação, não é em sentido depreciativo, mas conexo com humor e intuito de inflamar boa disposição aos que o circundam.

Quando o Sargento Cipriano me perguntou o meu nome, na primeira operação que fiz com ele para o mato, ainda estou a ver no seu rosto, o ar de gozo estampado no sorriso, realçado com a alvura dos dentes, contrastando com a cor púrpura da pele, consequência do diálogo havido!

- Como se chama o nosso militar? - Perguntou-me ele.

Eu respondi: - O meu nome é José Manuel Corceiro.

Ele em tom de gozação disse: - Ah! É da família do aviador?

Eu retorqui: - Não sou Couceiro, mas sim Corceiro, descendente do Corsário Francis Drake, Chefe dos Piratas dos Mares.

Ele respondeu em tom cordial, mas com golfada de riso: - Vai ter dificuldade em andar em terra?

Eu respondi: - Espero fazer uma boa rodagem, calma e tranquila…

Quando havia Operação para o mato, habitualmente o pessoal de enfermagem ficava junto, ou próximo, do pessoal de Transmissões, quando acampava para passar a noite, ou para descansar e comer a bucha, numa parte central do acampamento, muito próximo do Comandante da Operação. Sempre que a Operação era a nível de Companhia, mais de dois Pelotões a sair para o mato em simultâneo, por norma, (houve época que era regra), além do Cabo Enfermeiro ia o Sargento Enfermeiro. Nestas ocasiões, ficávamos próximos e às vezes falava-se um pouco de tudo, vulgaridades e ele gostava de conversar comigo.

Como em tempos já disse, o meu problema e principal inimigo na Guiné, foi a alimentação. Houve alturas que passei maus momentos. Recordo uns dias difíceis em que tudo o que comia ou bebia, vomitava imediatamente. Calor abrasador, estava com febre, não conseguia digerir nem os líquidos que bebia, tinha conhecimentos das consequências que poderiam advir deste meu estado de saúde, mais aflitiva se tornava a minha preocupação, pois estava a progredir para desidratação e podia evoluir e entrar em estado de choque. Não retinha os líquidos que ingeria, com a agravante que perdia os que expelia, nos vómitos e transpiração. Os sintomas eram evidentes: Anúria (falta de urina), fraqueza geral, dores de cabeça, perda de equilíbrio, taquicardia (ritmo cardíaco acelerado, o volume de sangue diminui no organismo por falta de água, o ritmo cardíaco tem que aumentar). Já me tinham administrado duas injecções, mas não era a mesinha adequada ao meu estado. Não podia assistir impávido ao desenrolar da situação, tinha que agir enquanto podia. Levantei-me da cama, no abrigo onde dormia e a cambalear consegui arranjar forças e fui falar com o Sargento Cipriano. Na altura, ainda não existia o espaço que se passou a chamar Posto Clínico, havia simplesmente uma tabanca normal dentro do aquartelamento, onde eram atendidos os doentes, estavam os medicamentos e utensílios de saúde. Havia horários de atendimento.

O Sargento Cipriano, quando me viu chegar ao “posto clínico”, dirige-se a mim com ar de gozo e diz-me: - Oh! Já temos homem, já temos aqui garanhão!

Eu respondi: - Meu Sargento, não goze comigo por favor, que eu estou muito mal, a continuar assim fico é raquítico, se não for pior, estou completamente exausto e debilitado, já dois dias que tudo o que como ou bebo vomito logo de seguida, o caso é sério estou-me a depauperar, tem que me arranjar um suplemento vitamínico, para me revigorar e fortalecer e parar estes vómitos, porque estou a ficar desnutrido e se não melhorar imediatamente, tem que me administrar soro, ou evacuar-me, pois eu sinto-me a definhar e estou a entrar em estado de desidratação. Agora, para agravar o quadro clínico, há pouco estive a vomitar, tossi e expeli sangue, desconfio que é hemoptise!

Quando eu disse a palavra hemoptise, olhou para mim de olhos arregalados e disse-me: - O que sabe o nosso Cabo sobre hemoptise? Aqui as decisões, quem as toma, em relação aos doentes, sou eu, não me venha para aqui a inventar casos!?

Eu disse-lhe: - Meu Sargento, não estou a inventar nada, tudo o que eu disse é a realidade, acho que o devo alertar para a minha sintomatologia, pois o meu quadro clínico é preocupante e o meu Sargento como responsável da área, deve agir em conformidade e não por em causa a minha palavra. Quanto a hemoptise, é um quadro clínico em que o doente expele sangue na expectoração quando tosse, proveniente das vias respiratórias, portanto é sangue normal e limpo, que é diferente do procedente do trato digestivo, onde os sucos gástricos através das enzimas actuam alterando a sua textura e aspecto.

Tivemos uma longa conversa de total abertura, onde falamos diversas coisas e o chamei à razão e lhe fiz ver, que eu não era a ovelha com ronha, nem ranhosa, que andava a ensaiar um golpe de teatro para ser evacuado, como eu me tinha já apercebido que pensavam. Muito longe da minha pessoa tal intenção, eu o que queria era saúde e força para executar a missão na qual estava incumbido, porque sou uma pessoa íntegra e leal.

Deu-me mais uma injecção, (não vi rótulo mas devia ser da família dos psicofármacos aos quais eu era adverso, fiquei logo com sonolência) deu-me um xarope, antiasténico (combater a fadiga, complexo vitamínico) e uma carteira de 10 unidades de Librium 5, que não tomei nenhum, achava que poderia haver um pouco de ansiedade, mas não era caso para me encharcar em comprimidos. O meu mal era fome. Passou-me uma baixa por três dias e disse-me para lá ir no dia seguinte.

No dia seguinte, o ritmo cardíaco estava um pouco melhor, vómitos diminuíram, as melhoras eram poucas, mas já era estimulante.

Lá fui novamente ao Sargento Cipriano, esteve-me a ver a tensão arterial, disse-me que estava bem melhor e que o meu mal era falta de cerveja. Aproveitei e pedi-lhe umas injecções de complexo B, (B1 B12).

Ele respondeu-me: - Querem lá ver o nosso Cabo só quer é dar trabalho ao pessoal de saúde!

Eu disse-lhe: - Trabalho não dou nenhum, porque eu mesmo aplico as injecções e tenho seringa e agulha só me falta meio para esterilizar.

Ele olhou para mim, com ar incrédulo, com sorriso malandro, que lhe era peculiar, (que alguns interpretavam como cínico) algo desconfiado e diz: - Essa agora, pago para ver sentado no camarote...!

Eu respondi-lhe: - O pagamento é tão só disponibilizar o material, que eu faço o resto.

Os objectos clínicos, eram esterilizados num tacho com água, que se punha a ferver nas antigas máquinas a petróleo. Tinha o material esterilizado, preparei a injecção e apliquei-a à vista dele e expliquei que só dava no glúteo direito. Tivemos ali mais uma grande conversa.

Acabou por me oferecer duas caixas de inox, próprias para andar com seringa e agulha esterilizadas, uma caixa com seringa de 5ml e a outra de 10ml, com duas agulhas cada. Foi um gesto de reconhecimento e gentileza da parte dele, e ainda hoje tenho esse material, só por valor estimativo, pois nunca o usei. Uma das caixas deve ser exclusivo militar, pois nunca vi à venda em lojas de material clínico.

Acedeu, a receitar-me 12 injecções B1 B12 (umas encarnadinhas). E mais, autorizou, sem ter autorizado (ficava entre nós) que quando quisesse, discretamente, logo que houvesse muito movimento de civis, no “posto clínico”, podia ir dar uma ajuda sempre que estivesse disponível. Era um trabalho que muito me estimulava e para o qual me sentia potenciado. Por essa razão, fui sempre muito ligado ao pessoal de saúde, cada um em sua época, “Tó Mané”, Soares e Diniz que teve a infelicidade da mina lhe ceifar a juventude. Um destes dias falo do Diniz. A partir deste dia, não sei porquê, o Sargento Cipriano passou a tratar-me sempre por senhor Corceiro e não nosso cabo, como costumava, a moda ia pegando.

Em Canjadude, o Sargento Cipriano, era o responsável pela área da saúde, quer dos militares, quer dos civis. Tinha paralelamente incumbências no campo do ensino. Atendendo aos parcos recursos de que dispunha, quer a nível de material escolar, quer instalações e até formação para leccionar, agravados pelos limites de disponibilidade de tempo, que outras tarefas lhe absorviam, (até abriu um “bazarzinho” na Tabanca, com artigos variados para vender aos civis) fazia na docência o que podia. As crianças ainda eram algumas, estive mais duma vez na escola durante a aula e dezenas de vezes, em momentos de lazer, pois podia-se entrar livremente, que não havia porta a obstruir a passagem. Para mim, a noção que ficou, é que o aproveitamento era mínimo, pois era um ensino descontinuado num meio de total analfabetismo, mas é de enaltecer o esforço e disponibilidade do Sargento Cipriano. Eram crianças humildes e submissas e o pouco que aprendessem, era sempre benéfico, ainda que merecessem muito mais.

O Sargento Cipriano tinha morança em Nova Lamego, onde vivia a esposa com os dois filhos. Era frequente, quando havia coluna de abastecimento de Canjadude, que eram amiudadas, ele ir ver a família. Numa coluna que fiz, a Nova Lamego, ao passar numa rua encontrei-me acidentalmente com ele e a esposa, que me foi apresentada, junto à residência deles. A senhora vi-a mais uma vez, ou duas, com os dois filhos.

Enquanto estive na Guiné, os meus pais mandavam-me mensalmente duas encomendas, quando não eram três, cada uma com o peso a rondar 5Kg, ao abrigo dum acordo entre Ministério do Ultramar e os CTT, que obedecia a determinados quesitos, que agora não lembro. O conteúdo das encomendas, era sempre muito uniforme, 2 ou 3 queijos, uns chouriços, umas carnes enlatadas Espanholas e às vezes uns bolos. Os chouriços e os queijos, tinham que ir muito bem besuntados com azeite e pimentão e acondicionados dentro de caixa, senão ganhavam logo bolor. Numa das vezes, que estava a petiscar na cantina com camaradas esses pitéus que tinha recebido dos meus pais, passou o Sargento Cipriano, fiz questão que provasse o queijo. Ele provou e disse que era divinal. Pudera, era queijo da Serra da Estrela. Ao receber nova encomenda, reservei um queijo e dei-o ao Sargento Cipriano, para provar com a família. Tínha-me ficado uma “china” no sapato, pelo gesto lindo que teve em me dar as duas caixinhas de inox com as seringas, ainda que o valor material não fosse muito, era a acção em si e eu quis agradecer.

Passados uns dias, o Sargento Cipriano pediu-me para lhe tirar umas fotos, mas a intenção dele era outra. Levou-me ao depósito de bebidas e disse-me que escolhesse duas garrafas de whisky, que me queria dar uma por ele, outra pela esposa, que tinha ficado muito reconhecida pelo queijo. É lógico, que por muito que ele insistisse, não escolhi nenhuma garrafa. Mas passados dois ou três dias, ele vem com um embrulho e eu tive que aceitar, eram duas garrafas de whisky, uma Dimple, (garrafa triangular) e outra Monks (garrafa cerâmica) que ainda hoje tenho intactas juntamente com outras.

O Sargento Cipriano deixou a CCAÇ 5, deu outro rumo à vida e foi substituído por um Furriel Enfermeiro metropolitano, não tenho data precisa, mas creio ter sido meados 1970. No dia 15 para 16 de Novembro de 1970, Nova Lamego foi atacado pelo IN, o Sargento Cipriano estava na sua morança, no momento do ataque (não lembro se na altura ele fazia parte do Batalhão Militar de Nova Lamego, mas creio que não, embora pertencesse ao Exército), e durante o flagelo, que foi intenso, houve muitos mortos e feridos. O Sargento Cipriano, refugiou-se para se proteger com a família no quintal da morança, numa estrutura de madeira que tinha debaixo duma árvore, presumo que era uma mangueira. Uma “roquetada” traiçoeira e certeira, caiu na árvore, ceifando a vida ao Sargento Cipriano e à mulher que morreram abraçados um ao outro; morreu também um dos filhos. Isto, tenho eu nos meus registos, mas há nuances de imprecisão (eu só conheci dois filhos, se um morreu, só pode ter ficado um, já me disseram que há dois filhos vivos. Será que tinha três filhos e eu só conhecia dois?). Nesta fatídica noite, eu não estava em Nova Lamego, mas estava lá sim um Pelotão da CCAÇ 5, que já uns meses largos era frequente haver rotatividade nos pelotões a deslocarem-se para outros destacamentos, nomeadamente Nova Lamego. Já quando da Operação Mar Verde, um Pelotão da CCAÇ 5, que eram nativos, esteve mais dum mês em Buruntuma, onde num ataque a esta localidade, em 03 de Agosto de 1970, foi ferido o 1.º Cabo, Viriato Augusto Gonçalves, de Transmissões.

Aqui ficou o meu testemunho, de algumas recordações que tenho do 2.º Sargento Cipriano, que em tempos foi Enfermeiro na CCAÇ 5, em Canjadude, a quem a guerra tirou a vida em 16/11/1970, com trinta e poucos anos de idade, deixando órfão de pai e mãe, um filho ou dois, ainda crianças.

O meu respeito e estima, ao 2.º Sargento Cipriano Medes Pereira e esposa, da qual não lembro o nome.

Para os tertulianos, um abraço e saúde para todos.
José Corceiro

Foto 1 > 2.º Sargento Cipriano

Foto 2 > 2.º Sargento Cipriano

Foto 3 > O 2.º Sargento Cipriano, no depósito de bebidas, a pedir-me que escolhesse uns whiskys.

Foto 6 > “Posto Clínico” de Canjadude, vendo-se no lado direito, ligeiramente atrás, do “Posto Clínico”, a tabanca que servia de “Posto Clínico” antes.

Foto 7 > Escola de Canjadude, crianças descalças, entrada livre para o recinto, nesta rua visível, logo a 30 metros começa a picada que levava ao Cheche.

Foto 9 > A petiscar na cantina, pitéus que meus pais mandavam. Primeiro plano, dois periquitos de Nova Lamego de Transmissões, vieram fazer estágio a Canjadude, Corceiro é o segundo lado esquerdo, a seguir está o Silva e de pé com a faca de mato na mão, é o João Monteiro, o cantineiro.

Foto 10 > A petiscar na cantina, primeiro plano, Pinto, Corceiro, Dias Atirador, Rogério, Viriato Gonçalves, Marques Mecânico, e de pé, atrás, Nora, só dois não eram de Transmissões

Foto 11 > Corceiro em cima do abrigo onde dormia a beber uma cerveja.

Foto 12 > Dentro do abrigo Norte, onde dormíamos, a petiscar com amigos, não me atrevo a dizer os nomes, com receio de errar.
Fotos: © José Corceiro (2010). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5782: José Corceiro na CCAÇ 5 (3): A primeira saída para o mato (2ª parte)

Guiné 63/74 - P5833: Convívios (188): Convívio/Encontro dos ex-Militares da CCS do BART 2917, no dia 27 de Março de 2010 em Coruche (Benjamim Durães)



1. O nosso Camarada Benjamim Durães (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER, Pel Rec Inf da CCS/BART 2917 - 1970/72), enviou-nos, em 16 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem, dando-nos conta do próximo convívio do seu batalhão:

CCS do BART 2917

4º ENCONTRO-CONVÍVIO
27 de Março de 2010

Camaradas,

O nosso 4º ENCONTRO-CONVÍVIO, este ano decorrerá no próximo dia 27 DE MARÇO (data esta em que se comemoram os 38 anos do regresso da CCS do BART 2917 ao Continente), em Coruche.



A concentração do pessoal ocorrerá entre as 09h30 e as 11h30, no Largo, junto à Praça de Touros de Coruche (margem norte do Rio Sorraia).

Às 12h00, rumaremos em direcção às instalações da Santa Casa da Misericórdia de Coruche, situadas junto ao cruzamento da Estrada Nacional 114, com a Estrada Nacional 251, que dista pouco mais 700 metros do local de concentração, onde vamos efectuar o nosso 4º CONVÍVIO-ENCONTRO.

Este evento tem o mesmo custo das anteriores edições, ou seja 35,00 € por pessoa adulta e 20,00 € por criança até aos 9 anos.

Agradeço uma resposta a esta mensagem, indicando se pretendes ou não estar presente, e em caso afirmativo, quantas pessoas te acompanham (para se fazer uma estimativa do total de convivas que estarão presentes e se possam marcar, previamente, os correspondentes lugares).

Dentro de dias, enviaremos, por carta, os demais pormenores sobre este nosso 4º CONVÍVIO-ENCONTRO.

Para qualquer esclarecimento podes contactar um dos Organizadores:


Benjamim Durães

Telemóvel – 939 393 315
Ou:

António Manuel Gonçalves Joaquim

Telemóvel: - 916 470 425
Telefone: - 243 677 292

Um forte abraço e respondam já a esta mensagem,
Benjamim Durães
Fur Mil OpEsp/RANGER do Pel Rec Inf da CCS/BART 2917


Emblema e guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P5832: Álbum fotográfico do Júlio Tavares, Sold Cond Auto, CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) (Parte III) (Marisa Tavares / Victor Condeço)

Última parte da mensagem do Victor Condeço, ex-Fur Mil Mec Armamento, CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69), membro da nossa Tabanca Grande, residente em Entroncamento  (foto à esquerda, quando jovem militar), com os comentários às fotos que ele selecionou do álbum fotográfico da Marisa Tavares, filha do nosso camarada Júlio Tavares (1945-1986), mais conhecido pelo seu nome de guerra,  Madragoa: era Sold Cond Auto Rodas, estando-lhe distribuída uma GMC, que ia habitualmente à frente, nas colunas logísticas; emigrou para o Canadá, em 1975, lá nasceu a sua filha Marisa, em 1978; faleceu em 1986, devido a doença prolongada) (foto à direita, quando jovem, em Catió):

 

- Fotos dos brincadeiras náuticas, terão sido tiradas no rio Cadime, Porto Interior de Catió, porto de abrigo da lancha LP2, a quem o bote insuflável pertencia. (a LP2 era a lancha que fazia o reabastecimento diário, de pão e água ao Cachil, na ilha do Como).



- Esta canoa transporta à proa o Sarg Dias e a seguir o Alf A. Garcia, ambos do SM, os outros não reconheço, mas a foto tem forte possibilidade de ter sido tirada na travessia do rio Ganjola para o destacamento do mesmo nome, único sítio onde era utilizado este tipo de transporte.




- Nesta foto já publicada, o pessoal está posando no local onde viria a ser construído o depósito de géneros, à esquerda de quem entrava pela porta de armas, por de trás é a parada e ao fundo o edifício do comando, erradamente colorido de rosa, pois sempre foi branco, como aliás tudo o resto à excepção da messe de sargentos antiga.



- As fotos seguintes são na esplanada e no interior do Bar Catió,  do libanês sr. José Saad. As fotos coloridas, tal como a anterior, são coloridas à mão por meio de pincel, hobby praticado pelo já falecido 1º Cabo Escriturário Vítor Santos, do Concelho Administrativo.




- Nas fotos em que o Júlio está escrevendo, por de trás dele vê-se uma estrutura de troncos de palmeira e cibes. Isto viria a ser o parque de viaturas e oficina auto, que pode ser vista já em funcionamento em outras fotos onde se vêm, a frente de um jeep, dois chassis de viaturas em cima de cepos e outra onde ainda sem cobertura se vê o Júlio na frente da GMC que conduzia.

Nesta oficina o pessoal do Serviço de Material, mecânicos, serralheiros, soldadores, electricistas, bate-chapas e pintores, a ferrugem,  como eram conhecidos, com o auxílio de alguns condutores, entre eles o Júlio, fizeram-se maravilhas na recuperação de viaturas que estavam na sucata, (já uma vez, P4253 falei destes trabalhos de reconstrução).




- Fotos de grupo, condutores e mecânicos, vendo-se na primeira ao centro o Sarg Dias e o Fur Mil Freitas, ambos mecânicos auto, nas outras duas só está o Freitas (o do bigode).



- O Júlio com dois camaradas no passeio central da avenida que ia da rotunda da Igreja à casa do administrador, aquela que se vê ao fundo com o Citroen 2CV em frente.



- O Júlio e o Fur Mil Viriato Dias, matando a malvada sede, nas traseiras do edifício do comando, próximo da messe de sargentos antiga.

Aproveito para pedir, se o Viriato nos ler que dê notícias, ou alguém que nos leia e saiba do seu paradeiro lhe transmita este meu pedido, pois foi um camarada a quem perdemos o rasto, e que muito gostaríamos de voltar a contactar.

- Estas fotos podem ter sido tiradas em Ganjola, assim como outras que estão no slid-show da Marisa e que são difíceis de identificar o local.





- Foto da exposição na Amura, [ em Bissau,] em Fevereiro de 1968, de armamento capturado e foto do helicóptero em Bissalanca- BA12, também capturado ao PAIGC, pelo menos era o que constava na altura.







- Fotos várias, no refeitório, no interior do aquartelamento, em frente da prisão e na aula de barbeiro, repousando algures na tabanca, e na bicicleta de vendedor de bebidas (ou gelados???, já não me recordo).



- E para concluir mais uma  foto (colorida), só com o Júlio, conhecido entre a rapaziada da CCS pelo Madragoa.

Comentário final:

Por último quero aqui deixar o meu apreço à sensibilidade e interesse da Marisa, em querer saber mais sobre o seu pai. É muito louvável esta sua atitude. Se ele fosse vivo,  teria imenso orgulho na filha a quem deu o ser. Se é possível haver algo que resta de nós para além da morte, esteja ele onde estiver decerto estará em paz e feliz com a filha que tem.

E como os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são, como usa dizer-se aqui na Tabanca, disponha sempre da amizade dos camaradas de se pai.

Em Maio costumamos realizar um almoço convívio do nosso Batalhão, em que costumam aparecer bastantes camaradas com seus familiares, esposas, filhos e até netos. Devemos estar a receber a convocatória por todo o mês de Fevereiro.

Porque poderá ficar entusiasmada com a ideia em poder participar, logo que eu tenha a convocatória, enviar-lhe-ei uma cópia.  Dar-nos-ia imenso gosto a sua presença.

Aceite os meus cumprimentos.
Victor Condeço

Fotos: © Marisa Tavares (2010). Direitos reservados (*`)
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série: 11 de Fevereiro de 2010> Guiné 63/74 - P5802: Álbum fotográfico do Júlio Tavares, Sold Cond Auto, CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) (Parte II) (Marisa Tavares / Victor Condeço)

Sobre Catió, há mais de 80 referências (vd. lista de Marcadores / Descritores, na coluna do lado esquerdo). Vd. por exemplo postes de:

28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5366: Memória dos lugares (58): Fotos de Catió e Priame (Benito Neves)

5 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5411: Memória dos lugares (59): Fotos de Catió e Priame II (Benito Neves)

E ainda:

 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...

Guiné 63/74 - P5831: Patronos e Padroeiros (José Martins) (8): Portugal - Santo António - Tenente-Coronel Taveira Azevedo



1. Mensagem de José Marcelino Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 15 de Fevereiro de 2010:

Boa tarde
Mais um texto sobre santos e militares.

Um abraço
José Martins



Patronos e Padroeiros - VIII

Tenente-Coronel Taveira Azevedo


Fernando Martim de Bulhões e Taveira Azevedo, nasceu em Lisboa – presume-se que na zona da Sé – filho de Martim de Bulhões e Maria Teresa Taveira Azevedo, no dia 15 de Agosto de 1195 (data oficialmente reconhecida).

Em Portugal reinava D. Sancho I (o Povoador - 2.º Monarca Português – 1185/1211), e o país preparava-se para entrar no século XIII. Estávamos na Baixa Idade Média. Lisboa expandia-se para fora dos muros, começava a surgir uma nova classe social formada pelos burgueses, e ainda se sentia o Espírito das Cruzadas.
Começou a estudar nas aulas ministradas na Igreja de Santa Maria Maior, hoje Sé Catedral de Lisboa.

Cerca do ano de 1210 ou 1211, pela mão do prior D. Estêvão, ingressa como noviço na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra, que tinham uma das suas casas instalada no Mosteiro de S. Vicente de Fora, em Lisboa, um dos centros mais importante de cultura medieval, à época, onde realizou os estudos de Direito Canónico, Filosofia e Teologia.

Mais tarde, em 1220, com a chegada a Portugal dos corpos de cinco mártires franciscanos, que tinham sido decapitados em Marrocos, decide transferir-se para a Ordem de São Francisco, recolhe-se no Eremitério dos Olivais, em Coimbra, e muda o seu nome para António.

A seguir segue para Marrocos onde, devido a doença grave, os Superiores da Ordem decidem repatriá-lo. Na viagem de regresso, por força de uma tempestade, o barco é arrastado para as costas da Sicília, onde acaba por ficar.

Continuando a sua vocação evangelizadora, percorre várias localidades, destacando-se Bolonha, Toulouse, Ferrara, Florença, Varene, Bréscia, Milão, Verona e Nântua. Entretanto, durante algum tempo, foi-lhe confiada a guarda do Convento de Puy-e-Velay, da Província de Limoges e da Província da Romanha, mas deixou, para se dedicar, em exclusivo, à pregação. Pregou, em 1228, na Basílica de São João de Latrão, em Roma, perante o Papa Gregório IX (de seu nome Ugolino di Anagni, nasceu cerca do ano 1160 em Agnini e faleceu em Roma e 22 de Agosto de 1241 – o seu Pontificado, o 179.º, decorreu entre 1227 e 1241), volta para Pádua onde, bastante doente, veio a falecer a 13 de Junho de 1231, tendo sido sepultado na Basílica de Pádua.

O Papa Gregório IX, antes de decorrido um ano após a sua morte, eleva-o à honra dos altares, canonizando-o na Catedral de Espoleto em Itália, no dia 30 de Maio de 1932, ficando conhecido por Santo António de Pádua, por ter sido esta cidade que acolheu as suas relíquias. Como nasceu em Lisboa, por tradição, também é conhecido por Santo António de Lisboa, sendo venerado não só na capital, mas em todo o país e em quase todas as regiões do globo.

Em 1946, o Papa Pio XII (de seu nome Eugénio Maria Giuseppe Giovani Paceli, nasceu em Roma em 2 de Março de 1876 em Agnini e faleceu em Roma e 9 de Outubro de 1958 – o seu Pontificado, o 261.º, decorreu entre 1939 e 1958), pela Carta Apostólica “Exulta Lusitanis Fidelis” proclama-o Doutor da Igreja, considerando-o “exímio teólogo e insigne mestre em matérias de ascética e mística".
A sua festa religiosa comemora-se no dia 13 de Junho, com liturgia própria.

Santo António de Lisboa
Imagem da colecção de Maria Manuela Martins
Foto © José Martins



Mas, na realidade, depois de muito brevemente ter lembrado o Frade e o Santo, vamos lembrar o militar.

Passou a fazer parte do Exército Português, em 1665, a partir do momento que é incorporado, por iniciativa de D. Afonso VI (o Vitorioso - 23.º Monarca Português – 1656/1683) que o mandou “assentar praça” no 2.º Regimento de Infantaria de Lagos, sendo integrado nas Forças que, comandadas pelo Marquês de Marialva, davam combate ao exército espanhol comandado pelo Marquês de Caracena. A iniciativa deu resultado, tendo as tropas portuguesas vencido os seus opositores.

O facto curioso é que, quase quatrocentos e trinta e cinco anos após a sua morte, é incorporado como soldado combatente e não como capelão ou “assistente espiritual”, dada a religiosidade do Santo e a veneração dos fieis.
No reinado de D. Pedro II (o Pacífico - 24.º Monarca Português – 1683/1706) é promovido a Capitão e no reinado de D. Maria I (a Piedosa - 27.º Monarca Português – 1777/1816), promovido a Tenente-Coronel e condecorado com a Medalha Cruz da Guerra Peninsular (*), a título de recompensa pela vitória alcançada pelas tropas luso-britânicas, na Batalha do Buçaco, travada em 27 de Setembro de 1810, contra as tropas francesas de Napoleão, sob o comando de André Massena. O soldo vencido como militar, servia para ajudar os soldados doentes.

Paralelamente no Brasil, ainda colónia portuguesa, José de Souto Maior, Governador da Capitania de Pernambuco, faz o Santo assentar praça nas milícias luso-brasileiras, durante as lutas contra o Quilombo dos Palmares (**).

Por carta régia de 21 de Março de 1711, D. João V (o Magnânimo - 25.º Monarca Português – 1706/1750), promove-o a Capitão pelos relevantes serviços prestados sob o comando de Francisco de Castro Morais, Governador da Capitania do Rio de Janeiro, contra a invasão dos piratas de Jean-François Duclerc.

O Príncipe-regente D. João, já na Bahia, confere-lhe a patente de Tenente-Coronel, com o soldo correspondente ao posto 80$000 (oitenta mil reis), até que em 1911, durante a presidência do Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (8.º Presidente do Brasil – 1910/1914), este deu indicação ao General Emídio Dantas Barreto (ministro da Guerra entre Novembro/1910 e Setembro/1911), para suspender o pagamento do soldo ao Santo.

O Tenente-Coronel Santo António entra, com toda a certeza, em outras guerras, batalhas e combates transportado, não só no coração mas na mente de muitos combatentes que, devotadamente, transportavam pequenas imagens no seu espólio pessoal, em pagelas com orações votivas ou em medalhas, presas no interior da sua farda, e benzidas pelo pároco da freguesia.

José Marcelino Martins
15 de Fevereiro de 2010

(*) Medalha Cruz da Guerra Peninsular

A Cruz da Guerra Peninsular foi uma condecoração criada em 28 de Junho de 1816, pelo rei D. João VI, para distinguir os participantes nas campanhas da Guerra Peninsular entre 1809 e 1814. As campanhas eram contadas por anos, bastando ter participado numa batalha ou combate, para contar como um ano,

Para oficiais:
Ouro – para os Oficiais que participaram em quatro ou mais campanhas,
Prata – para Oficiais que participaram até três campanhas.

Para Sargentos e Praças:
Prata, sendo limitada a sua atribuição por cada unidade:
200 por cada Regimento de Infantaria de Linha;
100 por cada Regimento de Milícia;
120 por cada Batalhão de Caçadores;
25 por cada Esquadrão de Cavalaria;
30 por cada Brigada de Artilharia;
25 por cada Companhia de Artífices Engenheiros.

Em 18 de Maio de 1825, foi criada a Cruz da Guerra Peninsular para os empregados civis. Em prata para até 2 campanhas, ou Ouro, para 3 ou mais.

(**) Quilombo - Esconderijo no mato onde se refugiavam os escravos..
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Nota de CV:

Vd. último poste de José Martins com data de 6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5775: Efemérides (44): O desastre de Cheche, 41 anos depois(José Martins)

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5423: Patronos e Padroeiros (José Martins) (7): Transmissões - Arcanjo S. Gabriel

Guiné 63/74 - P5830: Controvérsias (66): A questão colonial (II): Colonização portuguesa - Particularidades (Descolonização e Conclusão) (José Brás)

1. Segunda e última parte do trabalho do nosso camarada José Brás*, iniciado no poste 5826**, sobre o tema "A questão colonial".


A Questão Colonial (II)
Colonização portuguesa - Particularidades

José Brás

DESCOLONIZAÇÃO


- descolonização se chama com frequência à passagem da soberania portuguesa para as mãos dos movimentos de libertação que nesses territórios se bateram durante anos de armas na mão, perante a falência das suas tentativas de negociação e à intransigência de Lisboa para organizar uma saída equitativa e digna.

- e desde logo nos aparece como realidade que não pode ser escamoteada, o facto aqui assinalado das específicas condições, tempo e formas da colonização portuguesa e as diferenças que demonstra no cotejo do que foi o colonialismo de outras potências europeias.

- abusando um pouco da imagem, pode mesmo assumir-se com algum cuidado, que, afinal, portugueses em Angola, nem colonialistas foram, antes, sem prejuízo da existência de excepções, gente pobre e de fraca formação que buscava em outras terras o que na sua lhe era negado há séculos, remetidos, cá e lá, a vidas muito duras e sem horizontes, despejados em território imenso e rico mas sem preparação nem meios de explorar os seu recursos e assistindo à sua própria exploração por empresas cujas sedes se encontravam fora de Angola, algumas em grandes grupos económicos nacionais, e muitas mesmo, fora das fronteiras portuguesas.

- colonialistas seriam, portanto, outras potências que ocuparam macivamente outros territórios na América, na África e na Austrália, e aí, usando a sua superior capacidade económica e técnica, delapidaram recursos e os exportaram para as sua metrópoles, deixando tais territórios exauridos, ainda que a população local com preparação suficiente para governar.

- é um facto conhecido que… em Angola circulavam crescentemente capitais estrangeiros que iam deitando mão dos principais recursos do território, ainda que a par de algumas empresas nacionais, todas, salvo erro, com sedes em Lisboa;
na guerra que era sustentada à custa de sacrifícios extremos do povo português, jogavam papel importante potência estrangeiras com interesses locais, uns na exploração de recursos, outras pensando deitar a mão a bom bocado, outras ainda na luta por hegemonias e domínio global, estratégicos do ponto de vista político, militar e económico, algumas delas jogando papel duplo, apoiando os dois lados da contenda, às claras ou mais dissimuladamente, transformando o território num palco de operações subterrâneas pelo domínio, onde jogavam principalmente russos e americanos, bem como suecos, franceses, italianos, entre outros menores.

- Portugal que havia sido escasso colonizador, ficou no meio desse jogo, participante menor e sem a mínima capacidade de influenciar, sobretudo em Angola, jóia da coroa, dividida em três movimentos de libertação com origens e programas (ou a ausência deles) diferentes e opostos, e mesmo esses movimentos, profundamente divididos e enfraquecidos dentro de si próprios, presas fáceis desse jogo internacional que já se jogava antes de 74 e que passou a ocupar o pano todo da mesa do casino e das cartas marcadas.

- em 74, éramos em Lisboa, um país devastado pelo esforço da guerra em três frentes, crescentemente exigente em meios materiais e humanos, à beira dos limites, e em África quase só gastadores dos recursos do orçamento metropolitano, com milhares de militares do quadro cansados da guerra em comissões sucessivas, sempre afastados das famílias; muitos mais milhares de oficiais e sargentos milicianos, muitos absolutamente contrários à guerra e fazendo-a em nome dos restos da consciência de Pátria, outros recusando-a, pura e simplesmente, centenas de milhares de soldados jovens arrancados às famílias e à produção de riqueza possível no território metropolitano, e um regime despótico já com marcas claras de divisão dentro de si próprio e sustentado apenas em uns tantos ultras e na polícia política.

- é este quadro que marca cá dentro, o mesmo tipo de acção que os movimentos de libertação haviam seguido antes, igualmente sem qualquer tipo de saída política para os problemas internos do País e para a solução da questão colonial, e é neste quadro que parece legítimo ler e entender o caos que se gerou em Lisboa e o outro muito maior que envolveu os portugueses residentes nas colónias.

- a chamada descolonização não aconteceu nunca porque descolonização tem que ser entendida como um processo em que as partes acordam entre si um estatuto de preparação de quadros e regras e de transferência progressiva do poder para novas formas de organização política dos locais em descolonização.

- e o que aconteceu de facto, está muito longe de configurar processo aproximado a esse ideal. Destapou-se apenas a caixa de Pandôra e de todos os malefícios nela acumulados durante séculos, aqui e lá, no simulacro de negociações só possíveis porque os movimentos de libertação tinham pressa de tomar o poder e ajustar as suas contas, e os responsáveis portugueses tinham pressa de descascar a batata quente.

- no centro de tudo isto, sem esquecer a sacrificada população local, coloquem-se aqui os portugueses, gente engajada na vida local de uma terra que consideravam sua porque nela tinham projectado o seu futuro, gerado e feito crescer os seus filhos, amealhado o que a sua capacidade permitia em bem-estar e meios, e que de um momento para o outro, sem compreender as razões de um povo que acabava de libertar-se de 50 anos de repressão e atraso, se vê expulsa dessa terra pela ameaça suprema sobre a sua vida e a dos seus, encaixotada em aviões e barcos grandes e pequenos, e caindo quase apenas com a roupa que trazia vestida numa terra a que já não se sentia ligada.

- e a verdade de cada um é a que cada um apreendeu do quotidiano e se consolidou no hábito prolongado e não contestado, adquirindo um estatuto perene e, aparentemente, imutável.

- a verdade destes portugueses é a que lhe aparece como traição dos militares e dos políticos de Lisboa que os abandonaram sem capacidade de se defenderem das ameaças nem organização própria que suportasse uma participação em pé de igualdade com as organizações da população local, na construção dos destinos daquela terra.

- a alegada descolonização não passa, neste quadro, por parte dos colonos brancos e de muitos negros que estavam do nosso lado, de uma fuga atribulada e massiva perante a completa impotência de se opor ou de participar no crescer da realidade nova e sem esperança de reversão da situação, sobretudo a partir da derrota do exército da África do Sul e de mercenários internacionais, entre eles, alguns proeminentes portugueses, e da constatação segura de que os Acordos de Alvor, assinados pelos três movimentos angolanos com discursos de exaltação da unidade, não passavam para nenhum deles de simples compasso de espera para se prepararem e ajustar contas com o passado e com o futuro.

- em relação aos militares portugueses ainda presentes no terreno até ao dia da independência, ainda que não seja de esquecer que poderiam com um pouco de habilidade, coragem e predisposição, ter feito bem melhor, a realidade ficou muito claramente expressa a partir do momento em que se assumiu que a guerra acabara e que a volta a casa se faria quanto mais depressa melhor e que para isso era necessário entregar o poder ou os poderes, fosse a quem fosse, e é seguro que as simpatias quase generalizadas e almirantizadas, seguiam na direcção do MPLA.

- como diz João Paulo Guerra no seu livro “O Regresso das Caravelas”, fomos o primeiro Império Colonial em África e também o último.


Sintetizando…

- a colonização e a descolonização dos territórios encontrados e ocupados a partir do século XV, têm uma relação muito claramente correspondentes nas formas, nos tempos, nas densidades da ocupação e nas características culturais dos colonizadores;

- as terras mais rápida e densamente povoadas; por grupos de cidadãos entre os quais abundavam técnicos e quadros com formação mais elevada, depressa se encontraram contrastados nos seus interesses individuais e de grupo pelas exigências metropolitanas, mais rápida e eficazmente se organizaram, reclamaram e obtiveram independência total sob poder branco e, quase sempre, no massacre das populações locais;

- as terras de ocupação posterior, em zonas de África mais temperadas, obtiveram uma autonomia progressiva e negociada sob a direcção de governos dos colonos mas com tomada do poder mais tarde pelas populações locais;

- as terras da África do norte e central, como a Argélia, Angola, Quénia, Moçambique, etc., tiveram ocupação mais tardia e menos densa e por populações brancas de menor preparação e aptidão técnica que ficaram sempre numa grande dependência militar e administrativa das respectivas metrópoles, não foram nunca capazes de se organizar como força reivindicativa credível para receber a transferência de poderes, e acabaram sem influência nas acções que levaram à independência e sem lugar nos respectivos aparelhos de Estado. Exceptua-se a esta regra, o caso do Zimbabwe, que teve um governo branco num pequeno período e logo desalojado pela acção das populações negras.


CONCLUSÃO

Como facilmente se constata, Portugal está incluído no terceiro grupo, isto é, no caso em que os colonos não foram capazes ou não quiseram organizar-se atempadamente para reivindicar a sua autonomia política e se viu confrontado com o nascimento de movimentos emancipalistas dos colonizados e sem a participação dos europeus ou dos seus descendentes, ainda por cima, recusando a negociação e preferindo a guerra prolongada e, no caso de guerras deste tipo, sem esperanças de vitórias definitivas, e geradoras de sofrimentos e de ódios crescentes e do consequente bloqueio das saídas para o problema.

É simplista a argumentação de que não houve nem racismo nem colonialismo português, baseada apenas na circunstância de condições específicas da colonização portuguesa e dos seus agentes directos, os colonos.

É igualmente simplista o argumento de que a culpa foi do 25 de Abril em Lisboa, dos militares cobardes e dos políticos que negociaram a transferência do poder.
O 25 de Abril era inevitável, necessário e só pecou por tardio face a um poder despótico, prolongado e constrangedor da modernização do País;

Os militares portugueses contabilizaram 13 anos de guerra, 820.000 jovens mobilizados, 8.831 mortos, 30.000 feridos, 15.000 deficientes e mutilados, e uma multidão de cidadãos que ainda hoje sofrem sequelas da sua participação no conflito.

Os políticos que negociaram a transferência do poder, fizeram-no no centro de um turbilhão que envolvia os interesses internacionais em jogo, a pressão popular gerada na metrópole contra a continuação da guerra e na iminência do paradoxo que era a conquista da liberdade e da democracia em Lisboa e a manutenção da guerra contra os movimentos de libertação que, previsivelmente, iriam aumentar a sua oposição armada contra a presença portuguesa, agora ainda mais legitimamente e mais apoiada internacionalmente.

De facto, o verdadeiro culpado do drama da descolonização nas suas formas e consequências particulares e globais, na destruição de milhares de vidas organizadas em África, do prejuízo de todas as partes envolvidas e do seu futuro civilizacional, foi o regime que cegamente se fechou ao movimento da história, ao exemplo dado por outras potência coloniais e a uma visão de alcance e de futuro, desencadeando uma guerra de 13 anos e, em muito boa parte, as guerras que se seguiram nos antigos territórios coloniais.

Pretender ignorar isto e buscar bodes expiatórios naqueles que, com maior ou menor grau, foram também vítimas, não parece razoável, nem pronuncia, nesta parte, o futuro de harmonia e de calma indispensáveis a este País.

Nota:
Os quadros apresentados, bem como a motivação e alguns considerandos, são colhidos no trabalho Ideologia Nacional dos Brancos Angolanos, de Fernando Pimenta, apresentado no VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, realizado em Coimbra em Setembro de 2004, com propósitos mais detalhados sobre uma leitura do fenómeno indiciado no título desse trabalho, propósitos, como é evidente, diferentes dos que dão forma a este texto.

Aconselham-se os leitores deste trabalho a consultarem tal documento que pode ser encontrado no site http://www.blogger.com/www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs, ou enviado a partir do meu endereço electrónico a quem manifestar desejo de o ler.

Aconselha-se ainda a leitura do livro "Angola, os Brancos e a Independência", igualmente de Fernando Pimenta, Edições Afrontamento, “O Regresso das Caravelas” de João Paulo Guerra, Oficina do Livro, “Passagens para África”, "O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole", de Cláudia Castelo, Edições Afrontamento, e outras obras de investigação independente sobre o fenómeno aqui abordado.

JB
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Notas de CV:

(*) José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622 que esteve em Aldeia Formosa e Mejo nos anos de 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim", Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.

(**) Vd. poste de 16 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5826: Controvérsias (65): A questão colonial (I): Colonização portuguesa - Particularidades (Introdução, Colonização e Ocupação) (José Brás)