quinta-feira, 4 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5927: Ser solidário (60): Petição: Senhores da Europa, mantenham o vosso apoio aos nossos amigos da Guiné-Bissau!

Página de rosto do sítio da OXFAM Novib ,[ versão em espanhol,] uma importante ONG holandesa que anunciou recentemente  a sua retirada da Guiné-Bissau, depois de longos anos de trabalho no terreno.


1. Três prestigiadas ONG [, Organizações Não-Governamentais], uma de Portugal, outra do Canadá e outra ainda da Bélgica, históricos cooperantes na Guiné-Bissau,  lançaram uma petição pública, em linha [pela Internet], aos (i) Ministros dos Negócios Estrangeiros Europeus, e aos (ii) dirigentes das ONG europeias, mostrando a sua inquietação face à mudança de estratégia de países como a Holanda  no domínio da cooperação com a Guiné-Bissau, e mais concretamente ao anúncio da retirada, deste país lusófono,  de importantes ONG como a OXFAM NOVIB.

Aqueles de nós que concordarem com o conteúdo da petição, poderão assiná-la, bastando para o efeito deixar os seguintes elementos de identificação:  Nome (obrigatório) / Endereço de email (obrigatório) / Nº do BI (facultativo) /  Comentário (facultativo) / Organização (facultativo).
 
 Eu, Luís Graça,  assinei (nº 631).


 Keep on supporting Guinea-Bissau
 
View Current Signatures   -   Sign the Petition


To:  European governments, European NGOs, Donors
(Versão em Português a seguir) (*)

Petition by the organizations CIDAC (Portugal), INTERPARES (Canada) and Solidarité Socialiste (Belgium)

To the European Foreign Affairs Ministers
To the leaders of European NGOs

From the conquering and recognition of its independence in 1974, Guinea-Bissau has suffered political instability and demonstrated very little capacity to assure a minimum level of basic needs satisfaction for its 1,5 million inhabitants. Facing growing predatory exploitation of its natural resources, with environmental and social risks caused by mining operations without proper legislation and the State's inability to assume its regulator and referee role, along with recent waves of political unexplained murders, the country has additionally found itself tangled in the narcotraffic web over the last 4 years. Guinea-Bissau is part of a region where the sum of the instabilities represents a real risk to all Western Africa.

Within this volatile context, Non-Governmental Organizations from Guinea-Bissau have played a fundamental role in maintaining minimum stability though their civic action, and systematically providing a number of basic services to the populations in the areas of health, education, agriculture, economy and environment... trough their interventions both in urban and rural areas. Following the legislative and presidential elections that took place in 2008 and 2009, witch have reestablished constitutional law in the country, Guinean Civil Society Organizations will additionally play a crucial part in ingraining the ideas of democracy, social justice, fight against poverty and for the environment, alongside with a government that remains fragile and with little means to reach out to all the population and territory.

Facing this scenario and in a moment where the necessity for continuous support to Guinean Civil Society Organizations seems so obvious as well as a precondition for building and consolidating a true culture of peace in Guinea-Bissau, it is with unease we hear of the departure of long time allies of Guinean NGOs, especially in the cases of the withdrawal announcements made by historical partners such as OXFAM NOVIB, in the context of drastic changes in the Dutch cooperation policy framework.

To allege lack of visible results in contrast with the effort and investments made by European States and NGOs in Guinea-Bissau, as well as being far from the truth, is a fundamental strategic error. Development is a long term process and attaining social justice is only possible though ties of solidarity which in turn need time to mature and become fruitful.

The undersigned organizations and individuals support this petition and reiterate the necessity of
- donors
- European Governments and
- European NGOs

not to give in to current trends of aid concentration that very clearly contribute to further marginalizing countries such as Guinea-Bissau, and to reconsider their relationship with Guinea-Bissau, making funds available and weaving long term alliances and solidarity ties with Guinean CSO, thus assuring that CSO can continue to fulfill their vital role in the country's development.

(*) Versão portuguesa

Mantenham o apoio à Guiné-Bissau!

Petição submetida pelas organizações CIDAC (Portugal), INTERPARES (Canada) e Solidarité Socialiste (Belgique)

Aos Ministros dos Negócios Estrangeiros Europeus,
Aos dirigentes das ONG europeias,


Desde a conquista e reconhecimento da sua independência em 1974, a Guiné-Bissau tem padecido de instabilidade política e demonstrado pouca capacidade em assegurar um nível mínimo de satisfação das necessidades básicas para os seus cerca de 1,5 milhões de habitantes. Confrontada com uma predação crescente dos seus recursos naturais, com riscos ambientais e sociais devidos à uma exploração mineira sem quadro legislativo apropriado e à incapacidade do Estado em assumir o seu papel de regulador e árbitro, com recentes ondas de assassinatos políticos inexplicados, o país encontrou-se também nestes últimos 4 anos preso nas malhas do narcotráfico. A Guiné-Bissau inscreve-se numa região em que a soma das instabilidades representa um risco real para toda a África Ocidental.


Neste contexto bastante volátil, as Organizações Não Governamentais [ONG] da Guiné-Bissau têm tido um papel fundamental na manutenção de uma estabilidade mínima através da sua acção cívica, e na permanência de um leque de serviços de base para as populações nas áreas da saúde, educação, agricultura, economia, ambiente... através das suas intervenções tanto em zonas rurais como urbanas. Na sequência dos processos eleitorais legislativo e presidencial decorridos em 2008 e 2009, que repuseram a ordem constitucional no país, as organizações da Sociedade Civil Guineense terão ainda um papel crucial a desempenhar em favor do enraizamento da democracia, da justiça social, da luta contra a pobreza e pelo meio-ambiente, ao lado de um Estado que continua frágil e com poucos meios para chegar ao conjunto da sua população e do seu território.


Perante um cenário e num momento em que a necessidade de continuidade e de reforço do apoio às Organizações da Sociedade Civil [, OSC,] guineenses parecem uma evidência e uma condição imprescindível para a construção e consolidação de uma verdadeira cultura de paz na Guiné-Bissau, assistimos, inquietos, a anúncios da saída de aliados das ONG guineenses, sendo de destacar o anuncio da retirada de parceiros históricos como é o caso da OXFAM NOVIB, na sequência de alterações drásticas do quadro de cooperação holandês. Alegar a falta de resultados visíveis perante os esforços e investimentos levados a cabo pelos Estados e ONG europeus na Guiné-Bissau é, além de uma contra verdade, um erro estratégico fundamental. O desenvolvimento é um processo de longo prazo e o alcance da justiça social só é possível através de laços de solidariedade que também precisam de tempo para amadurecer e dar frutos.


Os abaixo-assinados, organizações e pessoas singulares, apoiam esta petição, e reiteram a necessidade,


dos doadores,
dos governos europeus,
das ONG europeias,


não cederem às tendências de concentração da ajuda que de maneira muito clara marginalizam ainda mais países como a Guiné-Bissau e reconsiderarem a sua relação com a Guiné-Bissau, disponibilizando fundos e mantendo ou tecendo alianças e laços de solidariedade de longo prazo com as OSC guineenses, garantindo assim que estas podem continuar a desempenhar o seu papel vital em favor do desenvolvimento do país.
[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]

Guiné 63/74 - P5926: O Nosso Livro de Visitas (84): A minha Homenagem pessoal ao Humberto Duarte (Carlos Coutinho, ex-Combatente em Angola)



1. O nosso Camarada-de-Armas Carlos Coutinho, que cumpriu a sua comissão militar em Angola e foi grande amigo pessoal do nosso falecido Camarada Humberto Duarte, enviou-nos a seguinte mensagem, pretendendo assim prestar-lhe a sua homenagem:

HUMBERTO CARNEIRO FERNANDES DUARTE

O último combate do Sargento-Mór Op. Esp./RANGER Humberto Carneiro Fernandes Duarte, que serviu como Furriel Miliciano na CCS do Bat Caç 4514/72, no Catanhez - Guiné - 1973/74

Conheci o meu amigo e camarada há uns anos largos num jantar de confraternização promovido pela A.O.E., ali prós lados de Rio de Mouro, para o qual tinha sido convidado.

A certa altura, entabulei conversa com o Humberto e apercebemo-nos que haviam lugares comuns no nosso passado - ele tinha sido aluno do LAFOS, eu do PILAO -, e ambos arranhamos em tropas "esquisitas", bem como ambos andamos um bocado fora da mãe etc., etc.

Tendo ficado para o fim do jantar "cravaram-me" para levar o Humberto a casa, mas ele assim que entrou no carro adormeceu, ressonando que nem um leão, e, pior, não me respondia a nada, pelo que tive que abrir o vidro todo do carro. Estavamos em Dezembro e pus-lhe a "carola" de fora da janela do carro a apanhar vento, para ver se ele recuperava um pouco.

Começou então o festival:

- Oh mano, onde é que tu moras?

Resposta:

- Em frente... à esquerda.

E eu lá ia para a esquerda.

- E agora pra onde?

- Em frente... à direita...

E eu lá ia, em frente e à direita, mas não muito convencido pois ele nem os olhos abria, como é que ele havia de saber onde estava?

Bom, após umas tantas esquerdas e outras tantas direitas, decidi sair da IC 19 e passei pra Nacional. Entrei nos bairros da zona, depois numa estrada de terra batida, e, por fim, numa picada pelo meio de um pinhal, ali prós lados de Sintra.

E o meu amigo continuava a dizer:

- Em frente... à esquerda... em frente... à direita...

Eu comecei a ficar f.d.do, voltei á IC 19, e, não querendo mexer-lhe na carteira, pois se o "muadié" acordava ainda me pregava um par de bananos, a pensar que ainda estava lá pelo meio das bolanhas, tive que insistir com ele. No meio daquele breu-breu-breu, percebi uma palavra: RINCHOA. Pensei: "Ah até que enfim algo de concreto."

Enfiei direito à Rinchoa, passei por debaixo da linha do comboio e vi uma placa a dizer GNR.

"Tou safo - pensei -, alguém desta Guarda tem de conhecer este "sócio".

Parei o meu pópó à porta do posto, e aqui, começou a segunda parte deste filme.

Entrei, apresentei-me dizendo ao que ia, e, Alelulia, um dos guardas que estava à civil reconheceu o Humberto. Como o homem tinha uns papéis para tratar, pediu-me para esperar, pelo que, sentamos o amigo Humberto num dos bancos da saleta de entrada (do tipo jardim em ripas bem envernizadas).

O nosso amigo recostou-se e larga a ressonar, enquanto eu fiquei, como devem entender, na palheta com a rapaziada, por sinal todos eles jovens, e, interessados em ouvir o que já tinha passado para ali chegar.

Eu nunca tinha posto os meus "mokotós" para aquelas bandas, nem me sabia sequer orientar bem.

Nisto o amigo Humberto inclina-se para a frente até ficar com o tronco na vertical, mas, não a manteve, e, num movimento digamos uniformemente acelarado para a frente, descendente, prega uma marrada completamente desamparado, numa mesa de vidro que estava em frente ao dito banco, não me dando tempo de o segurar pela gola do casaco.

Só não rachou a tola toda nos vidros, porque havia uma série de revistas e jornais sobre amesa que evitaram que ele cortasse a cara toda. Curiosamente com o choque ele fez ricochete e voltou a recostar-se às costas do banco sem dar por nada.

Escusado será dizer que a dita mesa ficou feita em pedaços com a mocada que ele lhe pregou.

Então, foi ver o GNR conhecido dele a varrer os cacos, e, eu, é claro, tive que me "oferecer" para "chegar á frente" com as despesas, mas, diga-se em abono da verdade, o Sargento do posto (do qual não me recordo do nome infelizmente), no dia a seguir, quando lá voltei para tratar do assunto, fartou-se de rir e não quiz receber nada pelos estragos.

Chegado a casa dele entrei a "matar", um salamaleque à antiga portuguesa dedicado à esposa, e:

- Oh minha Senhora por quem é... não leve a mal... sabe como é a emoção de encontrar camaradas da tropa.

Diz-me o Leitão (o tal amigo da GNR):

- Oh camarada, não há problema esta é das nossas.

Foi assim que conheci tanto o meu amigo Humberto como a esposa, Senhora Dona Ana Mittermeyer, que tem sido, como sempre foi, desde os tempos de Moçambique (onde nasceu), uma Mulher de Armas.

Muitas outras cégadas tivemos, umas mais "contáveis" (se assim se pode dizer, que outras), mas todas elas terminaram bem e com um sentido de camaradagem elevado.

Só contra a "matacanha" no pâncreas o não pude ajudar.

Despeço-me dele, tendo a certeza que o Humberto estará numa mesa, com um jarrinho de branco à frente à minha espera, lá em cima.

Lamento camarada, não poder estar contigo na hora final porque estou na Argélia, mas virarei hoje uma garrafa de JB, e cantarei todas as velhas canções de marcha da velha Legião (que tu tantas vezes já me aturaste).

Até um dia destes camarada!

DANS LA BOUE, DANS LE SABLE BRULENT,
MARCHON L´AME LEGERE ET LE COUER VAILLANT
MARCHON CAMARADE

Carlos Coutinho
(ex-Combatente em Angola)
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

25 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5884: O Nosso Livro de Visitas (83): José Henriques, ex-Fur Mil da CART 2340

quarta-feira, 3 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5925: In Memoriam (37): Missa do 7º Dia pelo Humberto Duarte, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4514, Cantanhez - 1973/74


1. A esposa (Ana Duarte) do nosso Camarada Humberto Carneiro Fernandes Duarte, que foi Fur Mil Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514, Cantanhez -1973/74, falecido no passado dia 28 de Fevereiro, pediu-nos para comunicar o seguinte:
A todos os Camaradas e Amigos do Humberto, que puderem estar presentes, que a Missa do 7 º Dia pela paz e repouso da sua alma se vai realizar no próximo dia 6 (Sábado) de Março, no Quartel da Carregueira, pelas 11 horas da manhã.

Durante a missa, cumprindo um dos últimos desejos do Humberto, será efectuado o toque do silêncio.

Com os melhores cumprimentos Amigos a todos.

__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

1 de Março de 2010 >
Guiné 63/74 - P5916: In Memoriam (36): Falecimento do Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4514, Cantanhez - 1973/74 (

Guiné 63/74 - P5924: Notas de leitura (72): Lugar de Massacre, de José Martins Garcia (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Acabo de confirmar o talento literário do José Martins Garcia.
O Jorge Cabral tem que o ler, está aqui um parodiante ao seu nível, é a guerra no bota abaixo, gente trauliteira, copofónica, a verdadeira, a genuína, a incomparável luta de classes entre milicianos e malta do quadro permanente. Não percam.

Foi um presente do José Grave, em breve teremos mais José Martins Garcia, em toda a sua pompa e circunstância.

Um abraço do
Mário


O massacre de toda uma geração

Beja Santos

Se Armor Pires Mota é o primeiro nome da literatura da guerra colonial na Guiné nos anos 60, José Martins Garcia impôs-se como o nome cimeiro dos anos 70. Dele escreveu Álvaro Manuel Machado: “Romancista, contista, poeta, ensaísta e dramaturgo, a sua obra está intimamente ligada, por um lado àquilo a que poderíamos chamar a “açorianidade”, na melhor tradição de um Vitorino Nemésio (de quem é um dos mais consagrados estudiosos) e, por outro lado, a um dramático e ciclicamente presente memorialismo da guerra colonial, dramatismo sempre compensado por um rigorosa lucidez crítica e por um sentido muito pessoal da sátira levada ao extremo da caricatura. Assim, com o romance Lugar de Massacre (1975) ou com os contos de Morrer Devagar (1979), que de certo modo prolongam este romance, José Martins Garcia foi dos primeiros a evocar o “massacre” da guerra colonial como destruição interior de toda uma geração”.

Lugar de Massacre é um livro soberbo (Edições Salamandra, 3.ª edição, 1996). É difícil acreditar que haja prosa mais niilista, corrosiva e grotesca que a que ele utiliza na construção dos personagens, dos ambientes e atmosferas, nos diálogos entre guerreiros, até nas circunstâncias do quotidiano. Martins Garcia usa a exaustão o non sense como metáfora, a relação entre chefes e subordinados decorre habitualmente entre o despotismo, a orgia sexual e a bebedeira que culmina no embrutecimento e até mesmo na hospitalização. É um livro autobiográfico, como ele próprio anota: “Este romance foi redigido entre o mês de Dezembro de 1973 e o dia 8 de Setembro de 1974. Qualquer coincidência com a realidade colonial dos anos 1966 – 1968, no que respeita à Guiné-Bissau, não é produto do acaso”. O personagem principal é Pierre Avince, que nada tem a ver com o jovem conde d’Avince, seu camarada de armas, este é um lídimo representante do antigo regime, dos bons usos e costumes. O conde vive do aparato, é paspalhão, veio convencido da sua missão de soberania. No fundo, é menos que medíocre, as suas farroncas, a sua prosápia, denunciam-se quase instantaneamente. Como representante da velha ordem, o conde não se conforma com o pandemónio em que vivem os seus camaradas, os seus palavrões, as sua falta de maneiras, o seu beber desatinado. Pierre Avince é o anarca consumado, trata o conde d’Avince por monarqui-cozinho, separando bem os dois blocos fónicos. A descrição do Quartel-General é de que ali reina a demência e a disciplina chocarreira: ali preside Sua Alteza (será o comandante militar?), o chefe de Pierre Avince é o capitão Pássaro que bem cedo se apercebe a permanente dor de cabeça que lhe trarão estes novatos. A discussão acesa entre os dois Avince não tarda a rebentar:

“O conde d’Avince deambulou um pouco e meteu-se no quarto. Pierre começou um discurso, pastosamente:

– Um dos piores defeitos da nossa colonização é o anacronismo. Transpõem-se para os colonizados valores caídos em desuso. Neste aspecto, a cultura é como a maquinaria: só se vende aos subdesenvolvidos a tralha que deixou de dar lucro. Quando derem a estes gajos uma fábrica de armamento, é porque já foi inventada, para os deuses, uma forma superior de destruição, o armamento fluido, o raio da morte. Quando os civilizados deixam de ligar à moral de entrepernas, a moral de entrepernas é exportada para outras latitudes. Isto é o mundo que a Europa criou. A Europa e o seu falso pudor…

– Não posso consentir! – gritou o conde”. Como sempre, Pierre insulta o conde, que recua, indignado. É nisto que chega o conde d’Enxeque, o bródio acelera-se. Pierre parte para Catió, os dois condes andam desaustinados, naquele Quartel-General, os desvios sexuais não param. Também não é por acaso que o livro é dedicado “a todas as vítimas da paranóia e da incompetência dos déspotas, caídas para nada no campo do dever e do absurdo”. De vez em quando Pierre vem até Bissau onde a relação entre os dois condes atingiu o desregramento total. Acabamos por perceber que Pierre é oficial das transmissões e que anda de aquartelamento em aquartelamento a tratar das ditas.

É nisto que ele vai parar à Ponta do Inglês, temos aqui algumas da páginas mais brilhantes, indispensáveis, do romance. A Ponta do Inglês é uma posição praticamente indefensável, os transportes entre o Xime e aquele destacamento junto do rio Corubal estão interditos: “A única saída era à beira-rio, se a Marinha tivesse tempo ou propósito dali mandar uma lancha. Mas constava ninguém apreciar essas paragens que, bem interiores ao mapa da Guiné-Bissau, constituíam na realidade o último enclave do ocupante, tomando por referência o largo afluente de nome Corubal. Daí para Sul – dizia-se –, embarcação que ousasse adiantar-se saía rendilhada de bala inimiga, como já se provara. E em terra, nas picadas que tinham ligado a Ponta ao Xime e ao Xitole, o matagal apagara o trilho humano, dando por zero a parte colonizadora da civilização.

Havia três meses que aqueles Destacamento de quarenta humanos ali encontrara abrigos e arame farpado e ali se exercitava na espera, numa inquietação sem finalidade senão a de sonhar a evasão. Para além da vedação, percorriam, bem armados, uns cinquenta metros, para alcançarem água vagamente potável, tendo o cuidado de se abastecerem pela manhã, visto já terem notado, na lama fresca, pegadas de pé descalço… Reinava o sol sobre os perdidos defensores da cerca e então algum sorriso lhes sublinhava as falas. Mas vinha a noite e os receios aos montes acidulavam os gestos com que baralhavam as sebentas cartas e as davam a rostos apreensivos de tanto jogarem sem uma só certeza. E quando o vento sarcástico da história lhes fundia mais uma lâmpada amarelenta, falavam de socorro e reabastecimento, culpando da solidão e da escassez de tudo o encarregado das transmissões, incompetentes em horas de exploração ganindo apelos junto ao rádio perro, para nada senão raivar de nervos”. Confesso que me emocionei a ler a reler estes trechos. Várias vezes fui à Ponta do Inglês, nessa altura (1969, 1970) ali perto se acantonava população que lavrava as bolanhas entre o Poidom e a Ponta de Luís Dias, terra fértil de onde vinha o arroz que alimentava uma boa parte dos quartéis do PAIGC da região do Corubal. Ali fui, pelo menos duas vezes, com o Luís Graça e parte da CCaç 12. Eram itinerários muito perigosos mas a beleza do Corubal, de deslumbrante, contrastava em flagrante com uma qualquer iminência de desforço com o recurso das armas. Percebe-se a solidão daqueles homens, a vontade de transgredir, os tiros nocturnos para afugentar os silêncios da floresta envolvente. Com os nervos sempre em franja, ouvindo as flagelações ao longe, dentro de qualquer Ponta do Inglês a alucinação espreita.

Depois, Pierre Avince partiu para São Domingos (sempre o assunto das antenas, ninguém quer viver com as transmissões fanhosas ou silenciadas), prossegue o despautério, perde imenso dinheiro no jogo na vila transformada em caserna e onde tudo ameaça apodrecimento: “Para tomar banho, Pierre teve de permanecer ao lado de um grande monte de excrementos, porque o duche se situava ao lado de uma retrete alemã cujos mecanismos se haviam estragado. De modo que saiu do banho com a impressão de ser ter sujado nos problemas de toda aquela guerra idiota”. De São Domingos segue para Sedengal e depois Ingoré. Curioso, acompanha o médico a Suzana quando aqui se declara a peste. Depois um jipe acciona uma mina, há um morto e vários feridos. Pierre, que caminha para o fim da comissão, é já uma esponja que absorve todo o álcool, recolhe aos serviços de psiquiatria, temos aqui novamente páginas fulgurantes que atestam o elevado recorte literário de Martins Garcia. Pierre é a personagem do massacre, a tal destruição interior, o cérebro inerte e um corpo disposto a todos os desmandos. Embrutecido, não deu pelo Maio de 1968, está desinteressado de tudo, sente-se louco de condição, depois a comissão termina, toda a vida de Pierre vai ficar marcada indelevelmente por aquele lugar de massacre.

Tenho para mim que este romance é o acontecimento principal da literatura da guerra colonial na Guiné dos anos 70. Vale a pena falar a seguir dos contos de Morrer Devagar que comprovam o elevado talento deste escritor da Ilha do Pico que nos deixou em 2002.

Este livro foi-me enviado pelo nosso camarada José Grave, de Ponta Delgada. Agradeço-lhe do coração a lembrança, já lhe incumbi nova missão, a de desencantar obras de Álamo de Oliveira e de Umberto Bettencourt, outros dois camaradas nossos que escreveram sobre aquela guerra.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5888: Notas de leitura (71): Além do Bojador, romance de estreia de Manuel Fialho (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 28 de Fevereiro de 2010:

Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, nasceu em Alcobaça a 08/08/1978 na maternidade de sua casa na Av. Maria e Oliveira, n.º 23/ 1.º, dada a incompatibilidade que sua tinha mãe com a medicina e com os hospitais. Tem portanto 31 anos.

Quando cresceu foi um excelente estudante. Passou pela Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria e pela Universidade de Economia de Trento-Itália, licenciando-se em Gestão de Empresas, actividade que passou e exercer desde os 24 anos. Depois de diversas experiências de consultoria de gestão por conta de outros… criou a sua própria empresa.

Da actividade de consultoria de gestão surgiu o convite para fazer a reestruturação administrativa e organizacional da Caritas Guiné-Bissau. E é de lá que nos escreve:

- Fui nomeado pelo Bispo de Bafatá, a 03 de Outubro 2009, data em que cá cheguei, como Coordenador Geral de Projectos da Instituição para o território da Guiné-Bissau o que é uma grande responsabilidade uma vez que esta é uma instituição que assegura a maioria dos serviços de acção social no país, estando sob a sua tutela a maioria das instituições de saúde e de apoio à nutrição cá existentes.

Segue-se o primeiro testemunho deste jovem alcobacense com muitas saudades da sua terra mas, nitidamente, já apaixonado pela Guiné.

Vamos ver o que dizem os tertulianos da nossa Tabanca Grande.

Eu, que sou suspeito, gostei muito. E já lhe pedi mais escritos e fotos.

Sem esquecer os velhotes… há que dar lugar aos novos.
JERO


O HOMEM DA RAÍZ NO BOLSO
Emanuel Fernando G. Pereira

Cheguei à Guiné-Bissau a 10 de Outubro do ano passado, com a missão clara de fazer a reestruturação administrativa e organizacional da CARITAS.


Os elevados índices de pobreza fazem com que esta instituição seja um parceiro privilegiado de organizações como as Nações Unidas e a União Europeia, daí que o rigor organizativo terá de ser um dos elementos distintivos da sua acção.
Face a isto, revesti-me de toda a coragem, sentido profissional e pragmatismo para estar à altura do desafio. Pensei que a minha acção seria um contributo importante para a organização institucional do país, uma vez que do meu trabalho, eventualmente, surgiriam activos organizativos aplicáveis a outras instituições.
Cedo percebi que só seria bem sucedido por aqui, se temperasse a frieza inicial que me servia de protecção, por um profundo sentido humano que, na realidade, justificava a decisão que tomei. Deste exercício humano e pessoal, resultou um despertar para uma outra forma de ver o homem no mundo e na vida.


Como há despertares que nos agitam e nos mobilizam os passos, certo dia, rendido, tentei-me na direcção da urbe profunda. Deixei-me levar pelo movimento colectivo de uma cidade que pulsa fervente num caos de trânsito, que pula por estradas outrora asfaltadas, num movimento incessante de gente que tudo oferece, num nevoeiro místico de pó e gasóleo.
Entrei no Bandim, um dos mais emblemáticos mercados tradicionais de Bissau. Atraído ao seu interior, senti o estômago vacilar, mas logo o espanto se encarregou de o encorajar, até se instalar o encanto pelo que se deparava aos meus olhos.
Era incrível! Tudo se vendia. Cores, aromas, soluções e bens… Numa simplicidade alquímica de quem do nada tudo tira e tem.
Recomendo-me ao saber ancestral de um vendedor velho e causticado, que sentado no chão, cheio de poeira e mau trato, me recorda a velha inimizade entre a descendência de Eva e a da serpente, que abunda pelas terras da Guiné. Estendendo para mim a sua mão fechada, convida-me a tomar nas minhas um objecto, segundo ele, sacro.
Descubro na palma da minha mão uma raiz. Uma pequena raiz branca, polida e com um cheiro forte e intenso. Segundo o velho vendedor, aquele objecto seria como que o meu anjo da guarda por aquelas paragens, não havendo assim víbora que me atacasse ou corrompesse.
Desde então descobri na Guiné rostos duros de pedra, mas capazes dos mais belos sorrisos que alguma vez vi. Percebi que também aqui a vida vale a pena, pelo tal sorriso que se faz com pouco mais de nada.
Descobri, por aqui, saudações duplicadas a cada manhã e que são mote para mãos dadas e apertadas num gesto longo e prolongado, num gesto de alguém que, efectivamente, está e deseja estar unido ao outro.


Descobri paisagens…Uauuuuu! De cortar a respiração. Justificando, também, a passividade autóctone ante a monumental espectacularidade com que o criador dotou o horizonte, tirando qualquer réstia de coragem a quem o possa querer conquistar em vez de o contemplar.


Descobri que em tudo na vida o sentido místico da missão tem de imperar. Porém, sou um profissional da economia, dos números e das organizações humanas…Pragmático inveterado, mas confesso que diante de tamanha ciência no saber estar de um povo, rendo-me aos seus conselhos e guardo no meu bolso a raiz que me defende do veneno da víbora e me lembra que aqui o homem é sábio e está mais à frente.

Bissau, 05 de Fevereiro de 2010; 18:32 (Hora local)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5860: O 6º aniversário do nosso Blogue (7): Sempre em frente (José Eduardo Reis de Oliveira – JERO -, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 675)

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5785: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (3): O PREC na Baía

Guiné 63/74 - P5922: Convívios (196): Tabanca do Centro, Monte Real, 26/2/2010: uma jornada de camaradagem e de solidariedade (Luís Graça / Joaquim Mexia Alves)



Fotos: © Luís Graça (2010). Direitos reservados

1. Monte Real, 2º almoço-convívio da Tabanca Grande, 26 de Fevereiro de 2010. Restaurante Montanha.

Além do régulo, Joaquim Mexia Alves, estiveram presentes (por ordem alfabética): Agostinho Gaspar (que entrou a gora, formalmente, para a nossa Tabanca Grande), Alice e Luís Graça, Álvaro Basto e pai (Rolando Basto), Antonieta e Belarmino Sardinha, Artur Soares, Dulce e Luís Rainha, Gil Moutinho, Giselda e Miguel Pessoa, Hélder Sousa, Idálio Reis, Isabel e Alexandre Coutinho e Lima, João Barge, José Belo (o "lapão"), José Eduardo Oliveira (JERO), Jorge Narciso, Juvenal Amado, Manuel Reis, Silvério Lobo, Teresa e Carlos M. Santos, Vasco da Gama, Victor Barata... (Não sei se falta alguém; o Gil Mouitinho e o João Barge não fazem parte, formalmente, da nossa Tabanca Grande, mas estão automaticamente convidados a fazer parte desta comunidade virtual, se assim o entenderem).

A Alice teve, no final da refeição, uma gastroenterite que lhe estragou o dia, e abreviou o nosso convívio. Valeu-nos a competência e a experiência de alguns camaradas, que o calo ganho nas matas e bolanhas da Guiné nunca se perde: enfermeiros não faltaram, o Jero, o Álvaro, a Giselda... A todos queremos agradecer as manifestações de ternura e de solidariedade... Sem esquecer a dona da casa, a Dona Preciosa.

A Alice está melhor, à hora e data em que escrevo. A todos/as manda uma muito terno beijinho e pede desculpa por não estar, nesse dia, na melhor forma... Mesmo adoentada, quis comparecer, como estava programado... (L.G.)

2. Excerto, com a devida vénia, do relato dos acontecimentos feita pelo anfitrião, o Joaquim Mexia Alves, e disponível no seu blogue, a Tabanca do Centro.

 No dia 26 deste mês realizou-se o 2º Encontro da Tabanca do Centro, à volta de um primoroso “Bacalhau assado na brasa, com umas migas e batatas a murro”, de se lhes tirar o chapéu. Mais uma vez a Preciosa, proprietária do restaurante, não deixou os seus créditos por mãos alheias e decidiu presentear-nos com umas entradas de morcela, chouriço e entremeada, tudo assado na brasa, como mandam os figurinos, e tudo isto pelo enorme preço, já habitual!

E se começa assim a descrição do 2º Encontro, é apenas para abrir o apetite ao pessoal que ainda não experimentou a comida da Preciosa e o convívio da Tabanca do Centro. (...) O Luís Graça e a Alice, (que infelizmente teve uma indisposição, mas já recuperada), deram-nos o prazer da sua companhia, o que foi importante, não só pelo convívio que sempre proporcionam, mas também porque se avançou alguma coisa na definição dos propósitos da Tabanca do Centro.

Assim, ficou definitivamente decidido que o objectivo principal da Tabanca do Centro será dinamizar a ajuda aos combatentes que passam dificuldades, sejam elas quais forem, e sem distinção do teatro de guerra, ou seja, Guiné, Angola e Moçambique. Foi nomeada uma comissão que irá preparar um documento para ser discutido por todos os camarigos, tendo em vista a concretização dessa ajuda e tudo o que lhe diga respeito.

A comissão nomeada foi assim constituída: Vasco da Gama [Figueira da Foz],  Carlos Marques dos Santos [Coimbra],  Manuel Reis [Aveiro],  Luís Graça [Lisboa],  Joaquim Mexia Alves [Monte Real, Leiria](Espero não me ter esquecido de nenhum, pois não houve acta.)

Logo se decidiu também convidar o José Martins [Odivelas] para se juntar à comissão, visto os seus conhecimentos, não só de contabilidade, mas também tendo em vista o seu poste sobre o Lar dos Veteranos Militares. (Já lhe enviei mail a propósito.) Assim o Joaquim Mexia Alves, (este vosso criado que aqui escreve), ficou incumbido de elaborar a espinha dorsal do documento, para depois ser analisado pela comissão e se elaborar o documento final a apresentar à discussão de todos os camarigos.

Neste 2º Encontro já foram recolhidos cerca de 200,00€, fruto da generosidade dos presentes. Aproveito para pedir aos camarigos presentes no 2º Encontro que nos façam chegar textos e fotografias sobre o Encontro, ou o que quiserem, para publicarmos no blogue Tabanca do Centro. Podem servir-se para o efeito do email: tabanca.centro@gmail.com

terça-feira, 2 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5921: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (10): Os patos pagos pelo pato

1. Mais uma história do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 28 de Fevereiro de 2010. Nesta, o feitiço virou-se contra o feiticeiro.


OS PATOS PAGO PELO PATO

As instalações dos sargentos da Cart 643 em Bissorã que mais tarde foi bar da Companhia seguinte, edifício geminado de um lado com uma casa, mas do outro afastado talvez uns 5 metros da propriedade vizinha, havia um portão de madeira, que dava acesso ao logradouro tardoz.

Certo dia, estando eu a escrever um "bate-estradas", debaixo da cobertura junto à porta principal, reparei que diversos animais como galinhas tradicionais, galinhas do mato, as chamadas fracas, cabritos, patos normais e gansos, andavam errantes esgravatando uns, comendo erva outros, ali pela frente dos alojamentos. No momento tive uma ideia luminosa, chamei o impedido, o Ventoinha, mandei-o ao Cabo do Rancho o Adérito, para que lhe desse uma pequena quantidade de arroz. A minha ideia foi levada à prática, era fazer um carreiro de arroz até dentro do quintal, para que os animais entrassem, fechar o portão e proceder à matança, com a consequente ocultação das provas, como penas, peles, etc., que seriam enterradas.

Se assim o pensei e ordenei, melhor o Ventoinha o fazia, todas as semanas havia petisco para alguns Sargentos, assim depois do produto limpo era levado à D. Maria do senhor Maximiano, para que durante a tarde houvesse lanche ajantarado.

Durante muito tempo assim aconteceu, mas como em tudo há sempre um dia que as coisas não correm como nós queremos.
Certo dia, fui mais uma vez voluntário numa coluna Bissorã/Olossato, a chamada carreira de tiro, como tantas vezes fazia, era a ajuda que eu podia dar aqueles camaradas tão sacrificados, pois a minha Especialidade era de Manutenção Auto que me dava pouco que fazer, então lá ia eu, até que um dia fui ferido com certa gravidade, mas não me arrependo, fiz aquilo que todos deviam fazer, ajudar a equilibrar o sacrificio. Mas voltando à história, antes da saida atrás descrita e depois de três gansos darem entrada no quintal, dei ordem ao Ventoinha para os levar depenados e arranjados como de costume à D. Maria.

Entretanto ele foi chamado ao Capitão para desempenhar uma tarefa e como viu que não tinha tempo para fazer o nosso serviço foi entregar por depenar, mas já mortos, os gansos à senhora, que por sua vez e por não ter oportunidade os levou a uma vizinha, que claro que como se está mesmo a ver era a dona dos animais.

Quando cheguei já no fim do dia, tinha uma senhora à minha espera junto aos alojamentos, era a mulher de um cabo-verdiano de nome Pedrinho, que me disse de rompante:

- Senhor Furriel tenho a receber já 60 pesos, 20 de cada pato ganso.

Eu ainda hesitei, ela percebendo ameaçou-me logo que ia ao Capitão Silveira, que não era para brincadeiras. Claro que paguei de imediato, tomei o meu banho, e lá fui para o petisco onde me esperavam os meus amigos.

No fim do repasto contei o que tinha sucedido, pedindo a divisão da despesa e obtive como resposta:

- Oh Rogério, estes Gansos souberam-nos a "PATO", e claro com esta resposta não vi o patacão.

Bissorã > Casa do senhor Maximiano, onde a maior parte da sargentada "matava a fome"

Bissorã > Estação dos Correios
Fotos: © Ex-Fur Mil Geraldo da CART 643. Direitos reservados


Mansoa > 1970 > Edifício dos CTT de Mansoa. Seria assim o de Bissorã, à época.
Foto: © César Dias. Direitos reservados

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5900: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (9): Memórias da viagem no Uíge, de 4 a 10 de Março de 1964

Guiné 63/74 - P5920: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (6): Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos (Beja Santos)

Jangada para travessia do Rio Corubal, no Che-che.
© Foto de José Azevedo Oliveira, com a devida vénia.




1. Notícia da Agência Lusa sobre a Missão da Liga dos Combatentes no resgate de corpos de camaradas vítimas da tragédia do Cheche, enviada pelo nosso camarada Mário Beja Santos em mensagem de 26 de Fevereiro passado:


Guiné-Bissau: Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos da "Tragédia de Cheche"

Coimbra, 18 Fev (Lusa) - Uma equipa da Liga dos Combatentes parte segunda-feira para a Guiné-Bissau para proceder à exumação de corpos de soldados falecidos na guerra colonial e visitar novos locais onde poderá haver mais sepulturas.

O general Chito Rodrigues, presidente da Liga, adiantou à Agência Lusa que a primeira parte da missão compreende o reconhecimento de algumas áreas onde poderá haver alguns corpos.
A equipa técnica, coordenada pela antropóloga Eugénia Cunha, ligada ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) e à Universidade de Coimbra, parte no dia 26 de Fevereiro e regressa a Portugal a 06 de Março.

Desta vez, a equipa técnica, que integra ainda as estudantes de doutoramento Teresa Ferreira e Sónia Godinho, bem como o técnico de antropologia forense do INML Gonçalo Carnim, terá por missão o resgate de corpos na margem do rio Corubal, enterrados na sequência do naufrágio que vitimou cerca de meia centena de combatentes a 06 de Fevereiro de 1969, e que ficou conhecido como “a tragédia de Cheche”.

Segundo relatos de antigos combatentes, nesse naufrágios perderam-se ainda grandes quantidades de equipamentos, e aconteceu na sequência da retirada de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC, que simbolicamente consideram como o começo do fim da guerra colonial na Guiné, e o local onde foi proclamada unilateralmente a independência a 24 de setembro de 1973.

Eugénia Cunha disse à Agência Lusa que esta quinta missão que realiza na Guiné-Bissau para resgate de corpos torna-se mais complexa do que as anteriores por se tratar de uma vala comum e não se saber como nela foram depositados os corpos.
“É uma incógnita”, referiu, afirmando que nesta vala em Cheche devem estar “não mais de 15 ou 17” corpos, de acordo com testemunhos recolhidos.

Em Novembro de 2009 foi realizada uma prospeção geofísica no local onde agora será escavada a vala, que poderá trazer outras surpresas em termos de conservação, por se encontrar numa zona húmida próxima do rio Corubal.

Após a abertura e exposição dos restos mortais na vala, a equipa técnica procederá à elaboração da ficha antropológica individual, com a indicação do sexo, se era jovem ou não, a estatura, e se a morte foi traumática ou não.

Após o resgate dos restos mortais, eles serão depositadas num ossário numa capela recuperada na cidade de Bissau, junto ao cemitério onde estão sepultados 325 combatentes. Dos 50 recuperados nas quatro missões anteriores, 41 encontram-se depositados naquele ossário, e nove foram trasladados para Portugal a pedido das respetivas famílias.

No entendimento do general Chito Rodrigues, na zona de Cheche poderão encontrar-se “oito ou nove” restos mortais, porque se trata de uma zona junto ao rio, cujas margens são hoje diferentes, tendo sofrido o efeito da erosão ao longo dos anos, e por essa razão alguns poderão já ter-se perdido.

Eugénia Cunha disse que esta poderá ser a última missão que realiza na Guiné-Bissau se não forem identificados outros locais onde se encontrem restos mortais de combatentes.

O general Chito Rodrigues adiantou que será erigido, em Bissau, um monumento ao combatente, de partilha de memórias portuguesa e guineense.

Em 2011, a Liga dos Combatentes poderá dar início à recuperação de restos mortais de soldados em Moçambique.

Lusa/fim

Com a devida vénia à Agência Lusa
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de22 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5866: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): uma versão historiográfica (?) (Luis Graça)

Guiné 63/74 - P5919: Blogoterapia (146): E tu, quem és? Já se passaram muitos anos (Fernando Santos)

Texto Fernando Silva Santos* (ex-Soldado Informações e Operações de Artilharia, BAA 3434, Bissau, 1971/73), enviado pelo nosso camarada Jaime Machado em mensagem de 1 de Março de 2010.


E tu, quem és?
Já se passaram muitos anos...


Abril ainda baila nos corações nostálgicos de quem ainda tão novo, foi embalado nas ondas do Atlântico ao encontro daquela terra vermelha com sabor africano.

Era um tempo de saltimbancos e de biscates silenciosos, de andorinhas e de melros que cantavam ao fim da tarde nos jardins das casas burguesas. Mas era, igualmente, um tempo de mar e de traineiras, um tempo operário e clandestino, com a Fábrica das Redes, a Algarve Exportadora, a Oliveira & Ferreirinhas e tantas, tantas outras empresas do nosso Matosinhos a verem partir os seus colaboradores para a guerra colonial.

O destino era África e as colónias portuguesas.

Naquele tempo, era muito difícil explicar aos rapazes jovens o “porquê” de terem de combater numa extensão territorial muito diferente do solo que os vira nascer. Era um tempo diferente. Um bocado à imagem da submissão instituída e da divisão por sexos, com escolas para meninas e escolas para meninos. Era um tempo em que os rapazes jogavam à bola na rua, em renhidas peladinhas do “muda aos seis e acaba aos doze” e, as meninas, faziam casinhas de brincar para desenvolverem a sua capacidade para a procriação, para no futuro cuidarem da casa, do maridinho, dos filhos e desenvolverem o modelo de mulher como um dia o sonhou Filipa de Vilhena.

Mas nesse tempo dos nossos vinte anos, existia uma coisa muito bonita que era o “respeitinho!”

Naquela altura, nos transportes públicos, as pessoas levantavam-se dos seus lugares, para o oferecerem a uma mulher grávida ou a uma pessoa mais velha que, entretanto, viajava de pé.

E hoje?

Naquela altura, os pais eram mesmo “Encarregados de Educação” e os professores eram respeitados nas escolas e nas salas de aulas.

E hoje?

Naquela altura a utopia vestia-se de vários encantos. Até o puritanismo era diferente; aliás, não era senão uma forma de enganar desejos ocultos e assentes, na maioria das vezes, nos tabus impostos pela política dominante.

E estávamos na década de sessenta e depois, apareceu a década de setenta do século passado!...

Foi um tempo de Coimbra, de Maio, de uma Seara Nova e dos Movimentos estudantis. Foi, igualmente, um tempo de Miller Guerra, de Sá Carneiro, de Francisco Balsemão e de outros liberais que, na então Assembleia Nacional, representavam a mudança que Abril mais tarde protagonizou.

E nós, éramos jovens.

A maioria de nós, éramos mesmo muito jovens.

Passei muitos anos que tinha jurado a mim mesmo nunca mais falar disso. Nem à minha mulher, nem aos meus filhos, nem aos meus amigos. Percebo agora que fiz mal. Devia ter contado a toda a gente para que toda a gente soubesse o que foi a Guerra e em especial a Guerra na Guiné-Bissau.

Hoje, numa espécie de catarse, tento recuperar o tempo perdido e sempre que posso, confraternizo com os camaradas que estiveram, igualmente, naquele território africano.

Graças à persistência e convivência destes camaradas, que há tempos se juntam num almoço em Matosinhos, com o fim de sedimentarem camaradagens e amizades antigas, foi criada recentemente, uma Associação, para ajuda ao povo guineense. E quando a causa é Solidariedade, todas as acções são bem vindas.

Amanhã, Sábado dia 6 de Março, aqui num Restaurante em Matosinhos, um grupo considerável de matosinhenses que têm em comum, um dia terem sido mobilizados para a Guiné-Bissau, vão confraternizar num almoço de camaradagem e de saudade e perante proeminentes barriguinhas e névoa em alguns cabelos, vão recordar a generosidade esbelta da sua juventude e perguntar ao camarada do lado:

- E tu, quem és?

- Em que zona da Guiné estiveste?

E perante o desfilar das recordações vai ser bonito ouvir balbuciado nos lábios destes combatentes, novamente, a palavra “Pátria”.

f.silvasantos@netcabo.pt

OBS:- Este texto de Fernando Santos, que é colunista do Jornal de Matosinhos, vai ser publicado no próximo dia 5 de Março neste periódico.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2009 Guiné 63/74 - P5318: Blogoterapia (130): A guerra exisitu!... (Fernando Santos)

Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5852: Blogoterapia (145): Considera que Portugal valoriza os seus ex-combatentes? (Carlos Cordeiro)

Guiné 63/74 - P5918: Blogpoesia (66): Querida Pátria (Albino Silva)

1. Mensagem de Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 25 de Fevereiro de 2010:

Pois é Carlos Vinhal
Chamas de poeta a quem não é, e agora atura-me.
Pois aqui te envio mais estes lamentos, que na verdade já os escrevi há bastante tempo, mas acredita que tenho sido um pouco preguiçoso, mas agora estou deveras decidido em que toda a Nossa Tabanca Grande passe algum tempo com aquilo que eu próprio vou escrevendo.

Na verdade eu gosto muito de escrever, e para testemunhar isso só poderiam ser as Madrinhas de Guerra, pois sempre cumpri meu dever para com elas, levando para o SPM seis aerogramas diários, que passavam a ser dezenas quando estava de Guarda ao Quartel ou em outro
serviço que não era mais nada senão olhar para o tempo.

É do teu conhecimento eu ter escrito um Livro sobre a História da Unidade do BCaç 2845, e recentemente outro destinado à minha Companhia, CCS, e tem o título de Armados para a Paz, e todo o seu conteúdo está escrito em versos, pois só assim consigo escrever alguma coisa, mas neles inclui tudo aquilo que foi um Batalhão.

Além desses, tenho outro escrito e que se chama AROMAS DE ANGOLA, também em verso, mas por falta de meios ou conhecimentos não está editado.

Terás a oportunidade de os ler, pois para te pagar o trabalho e o tempo que me dedicas, tens todo o direito a uma oferta minha.

Mesmo assim não me chames poeta, porque poderei vir a ficar muito conhecido de momento, e afinal eu só gosto de ser uma pessoa simples e um bom Chefe de Tabanca.
Agora deixo tudo para a nossa Tertúlia apreciar, e até aceito as criticas.

Desculpa lá esta maçada, e em contrapartida te envio um grande abraço, igualmente a todos os Régulos que mantem esta Tabanca em crescimento.

Albino Silva


QUERIDA PÁTRIA

Ó meu querido País
Que tanto te tenho amado
Eu tanto por ti sofri
Só por ti eu ter lutado …

Querida Pátria Portuguesa
Dos tempos que por ti lutei
Passando fome e sede
E por ti também chorei …

Portugal minha Pátria
Que linda Bandeira é
Por ela também lutei
Fui para a guerra prá Guiné …

SANGUE SUOR E LÁGRIMAS
Sacrifícios sem igual
Gritos de raiva e de dor
Pra defender Portugal …

Sangue colorindo o chão
Tanto sangue derramado
Foi essa nossa missão
Por ter Portugal honrado …

Foi sangue nos combates
Lá na guerra derramado
Mas eu cumpri o que jurei
Pela Pátria ser Soldado …

Suor tanto suor
Em caminhadas a pé
Suor e tanto suor
Pela Pátria na Guiné …

Suor pelo clima
Naquele perigo então
Foi o sangue e o suor
Pra defender a Nação …

Lágrimas de sofrimento
Para a Pátria defender
Eram lágrimas de tristeza
Por camaradas morrer …

Lágrimas na juventude
Por nossa Pátria amar
Naquela guerra maldita
Lá naquele Ultramar …

Por ti Pátria lutei
E jurei por ti morrer
Como tantos camaradas
Na Guiné a combater …

Até fome eu passei
Sacrifícios sem igual
Com camaradas cantei
O Hino de Portugal …

Em matas eu caminhei
Em picadas percorri
Por ti Portugal lutei
Cansado não desisti …

Angola Guiné Moçambique
O sofrimento constante
Lutando por ti ó Pátria
E tu Pátria distante …

Dias e noites caminhei
No cacimbo e ao calor
Só Deus sabe o que passei
Lutei por ti com amor …

Por ti eu não tinha medo
Naquela guerra metido
Quando à Pátria regressei
Senti meu dever cumprido …

Naquela guerra metido
Rapazes da mesma idade
Foram anos que perdemos
Sem gozar a mocidade …

Hoje velhos combatentes
Cansados mas a combater
A Pátria nos desprezou
E só nos quer ver morrer …

Cansadinhos vamos vendo
Os heróis que na verdade
É quem anda a roubar
A matar e é cobarde …

Ó nossa Pátria querida
Não fomos heróis e lutámos
Com traumas hoje vivemos
Tristes mas ainda te amamos …

Hoje velhos combatentes
Temos Lutas a travar
Porque a Pátria que amamos
Essa nada nos quer dar …

Sucessivos governantes
Prometem e nada dão
Querem tudo para eles
São abutres da Nação …

Nesta Pátria os heróis
São os que jogam à bola
Que lutam pelo País
De calção e camisola …

Os heróis deste País
Com fortunas lá na terra
São heróis que jogam bola
E nós não fomos na guerra …

Nós não fomos heróis
Mas com bravura lutámos
Pela Pátria demos tudo
E traumatizados ficámos …

Nós não fomos heróis
Da guerra que não se esquece
A Pátria nada nos dá
A Pátria nem nos conhece …

Governantes que prometem
Só porque não nos quer ver
Sabem pois ser mentirosos
Não sabem o que é combater …

Não sabem o que é a guerra
Atacam bem de palavras
Não conhecem os heróis
E mesmo as espingardas …

Não vivemos em paz
E com a idade a avançar
Exigimos o que é nosso
Estamos sempre a lutar …

Nós que estamos cansados
Devíamos de descansar
E a Pátria que defendemos
Ela nos está a matar …

A Nossa familia sofre
Por nos ver a nós sofrer
A familia é a mesma
Que nos viu ir combater …

Estes nossos governantes
Que nos tentam iludir
Mandam outro para a guerra
Mas eram eles a ir …

Muitos de nós na miséria
Com ompostos a pagar
Para abutres do governo
Que ganham sem trabalhar …

Somos nós ex-combatentes
Camaradas da Nação
E os que não nos conhece
Sabem que temos razão …

Somos Nós deste País
Que mal nos tem tratado
ORGULHOSOS COMBATENTES
POR TER PORTUGAL HONRADO …

Albino Silva
Soldado Maqueiro
N.º 011004/67
CCS/BCaç 2845
GUINÉ 68/70
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5895: Blogpoesia (65): Porque Será (que não consigo esquecer) (Albino Silva)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5917: História de vida (29): Homenagem dos portugueses a D. Berta, Pensão Central, Bissau (António Rosinha)

1. Comentário, com data de 8 de Fevereiro último,  de António Rosinha (ex-Fur Mil, Angola, 1961/63; antigo quadro técnico da Tecnil, na Guiné-Bissau, 1979/93) ao poste P5788 (*)

 A Dona Berta [, foto à esquerda, ] merecia uma homenagem da embaixada de Portugal em Bissau. Nem sei se já teria sido feita (**)

Os anos de carências incríveis de alimentos em Bissau, em que a cooperação portuguesa de professores e outros, não conseguiam fornecer-se em lado nenhum, todos recorriam à Pensão da Berta, e nunca aquela mulher dizia que não tinha espaço, nem comida na panela.

Como se desenrascava,  ninguem sabia. Mas toda a gente era servida.

Beja Santos, lindo poste (*). Quem podia levar ao conhecimento dela este teu escrito, podia ser algum dos elementos da AD - Bissau, onde labuta o Pepito.

Em África, em paz, não há fome, porque quem tem,  parte com quem não tem (daí o termo guineense "parti")

Penso que,  além do coração dessa senhora ser enorme, havia essa tradição africana, dessa MINDJER GARANDI.

Antº Rosinha

2. Vd. no You Tube os seguintes vídeos sobre esta verdadeira instituição guineense:

Reportagem D. Berta - Pensão Central I  [ Arquivo RTP]  / Alojado em You Tube > MrAzevedo1985 (5' 07'')

Reportagem D. Berta - Pensão Central II [Arquivo RTP] / Alojado em You Tube > MrAzevedo1985
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 8 de Fevereiro de 2010 >  Guiné 63/74 - P5788: História de vida (18): D. Berta e a Pensão Central de Bissau são instituições internacionais (Beja Santos)

(**) Julgo já ter sido condecorada por Mário Soares, quando Presidente da República Portuguesa.

Guiné 63/74 - P5916: In Memoriam (36): Falecimento do Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4514/72, Cantanhez - 1973/74 (Magalhães Ribeiro)


1. O nosso Camarada Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Furriel Miliciano Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514/72, Cantanhez -1973/74, estava muito doente desde Outubro de 2009, em que lhe foi diagnosticada uma doença fatal. Soubemo-lo no passado dia 1 de Janeiro, pela Ana Duarte (sua esposa).
Cada vez somos menosAssim, após doença prolongada, acabou de falecer ontem, dia 28 de Fevereiro de 2010, cerca das 23h00, o nosso Camarada Humberto Duarte, que foi Furriel Miliciano de Operações Especiais / RANGER e pertenceu ao BCAÇ 4514/72 - Cantanhez -, 1973/74.


Foi Mobilizado para a Guiné, depois de ter frequentado o curso de Operações Especiais / RANGER, no C.I.O.E./Lamego, no 4º turno de 1972.


Tendo sido ferido num dos terríveis combates na zona do Cantanhez, foi muitos anos depois considerado D.F.A. por stress pós-traumático de guerra, tendo vindo a ser reintegrado nas Forças Armadas em 2002.
O funeral é amanhã, dia 2 de Março, pelas 11h45, no cemitério de Rio de Mouro.
À esposa Ana e restante família enlutada apresentam o Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas desta Tabanca Grande, as mais sentidas condolências pela lamentável perda deste nosso Camarada-de-armas.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

3 de Fevereiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5752: In Memoriam (35): Humberto Pereira Vieira, Soldado Condutor Auto de Transmissões da CART 2339, Mansambo, 1968/69 (José Martins)

Guiné 63/74 - P5915: Blogpoesia (66): Poemas de Macau e Hong Kong - Parte II (António Graça de Abreu)



Tão pequeno o quarto no
Íbis Hong Kong pendurado na baía!...
O que tenho cá dentro ?
Apenas uma janela para olhar o mar,
uma cama larga, ar fresco,
e um montão de livros.

Hong Kong, nove dragões,
no outro lado da baía,
ondulam no sabor dos dias.

Arranha-céus em Hong Kong,
montanhas depuradas de betão,
brotam do mar e da terra. 




O teleférico sobe pelos ossos da ilha,
oscila nos lábios brancos do vento.
Lá em baixo, mil perfumes
rasgam a capa verde dos montes,
nas alturas de Lantao, a névoa cresce.


À entrada do tempo de Pó Lin,
o chilreio de todos os pássaros.
Grotescos os guardiões do templo de Buda,
na mão um pagode, um alaúde,
uma esfera, um dragão, uma espada.



















Almotolias, lamparinas, óleos,
fumos cinzentos de incenso,
Tesouros de Lótus nos jardins,
estranhas flores de um Maio triste.
A bruma afga a crista dos pinheiros,
o viajante afasta-se no vazio,
o mosteiro bebe a névoa do céu.

Entro por nuvens brancas,
e saúdo o velho Buda,
sentado num lótus de bruma



Os montes de Lantao, a aldeia de Ngong Ping,
mais longe da desfaçatez das gentes do mundo,
aqui novelos de sagesse no olhar.
Um almoço de massa, porco frito e camarão, 
mais perfumes de chá da China.
Depois, após o levantar da bruma,
Buda à minha espera
para uma conversa entre deuses e homens.


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Segunda e última parte dos fotopoemas de Macau e Hong Kong, Maio-Junho de 2009, da autoria de António Graça de Abreu.  É um privilégio, para os seus amigos e camaradas da Guiné, poder acompanhá-lo por estas paragens que inspiraram grandes poetas e escritores portugueses como Luís de Camões, Camilo Pessanha ou Venceslau de Moraes. O António é também portador de valores de que nos orgulhamos, na nossa portugalidade, como é  por exemplo a nossa capacidade de entender (e comunicar com) outros povos, outras culturas.

António Graça de Abreu (n. 1947, no Porto), membro da nossa Tabanca Grande, foi Alf Mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) [, foto à esquerda]. É um conceituado especialista em cultura chinesa, tradutor (premiado) de clássicos da poesia chinesa como o poeta Li Bai  (701-762), é autor de mais de um dúzia de livros, entre poesia e ensaio histórico,  incluindo o Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz, 2007). Viveu em Pequim e Xangai, de 1977 a 1983. É casado com a médica Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais (*).

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P5914: Parabéns a você (84): Fernando Chapouto, Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, Geba/Camamudo/Banjara/Cantacunda-1965/67 (Editores)

»»»»»» F*E*L*I*Z....A*N*I*V*E*R*S*Á*R*I*O«««««««

1. Completa hoje 68 anos de idade, o nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda.

O Chapouto chegou à Guiné no navio Niassa em Agosto de 1965, e, em Outubro foi para o Camamudo. Nos finais do mês de Novembro desse mesmo ano, foi destacado para Banjara e em meados do ano de 1966, foi destacado para Geba.

Continuando a sua saga pelo território guineense, em Março de 1967 foi colocado em Cantacunda.

Finalmente, em Maio de 1967, regressou à metrópole no navio Uíge.

Foi agraciado com uma cruz de guerra...

É um dos nossos membros mais antigos da Tabanca Grande.

2. Para melhor tentarmos avaliar o perfil do Chapouto, fomos mais uma vez consultar um site, que se tem vindo a tornar muito popular e se dá pelo nome de KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm).

Diz-nos, ali, que o signo de Zodíaco, para os nativos nascidos entre 20 de Fevereiro e 20 de Março é: PEIXES.

Acreditando nesta ancestral sabedoria, vejamos o que diz o seu horóscopo:

Peixes (20/02 a 20/03)

Os peixes mostram-se etéreos e misteriosamente charmosos, quase frágeis. Mostram, um nível de consciencialização que muitos desconhecem. Não são pessoas materialistas, entregam-se frequentemente de corpo e alma a causas que os outros vêm como perdidas - para eles não existe nada sem redenção.

Cheios de compaixão, a realidade em que vivem é tão verdadeira quanto a física. Possuem uma paz interior invejável e conseguem manter-se calmos nas circunstâncias mais adversas. Visionários e muito sensíveis, respondem facilmente aos pensamentos e sentimentos dos outros. Conseguem perceber se os outros estão a passar por dificuldades, detectando a dor e sofrimento nas suas vidas.

Peixes escolhem muitas vezes dedicarem todo o seu tempo e energia a ajudar alguém desolado, e fá-lo sem pensar na recompensa. São capazes de se colocar nas condições mais indesejáveis para ajudar a libertar a carga de outros.

Peixes costumam ser bastante artísticos por natureza, virados sobretudo para a música e dança, mas também para a pintura, representação e outros. Nada egoístas e muito dedicados, fecham os olhos aos defeitos dos que amam.

Neptuno governa este signo mutável de Água que tem como frase chave «eu acredito». Virgem está na casa das relações, cuja natureza prática mantém Peixes no tempo certo.

Anjo:

O Arcanjo Zachariel protege os nativos do Signo Peixes. Aqueles que nascem sob a sua influência são sensíveis, emotivos e generosos. Preocupam-se pelo bem-estar do próximo e sacrificam-se pela felicidade dos outros. Extremamente sensitivos, conseguem aperceber-se dos sentimentos daqueles que estão à sua volta.

São compreensivos, tolerantes e muito dedicados. No amor são românticos e um pouco dependentes da pessoa amada.

O Arcanjo Zachariel ajuda os seus protegidos a serem pessoas mais independentes. Favorece a compreensão e o Amor Universal.

3. Independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, que por vários motivos, não puderem enviar as suas mensagens, cantar-te a seguinte cantiguinha muito tradicional:

PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA.
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS
PARA O AMIGO NANDINHO...
UMA SALVA DE PALMAS!

E mais acrescentamos que:

O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

E mais te desejamos,que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.

Com montanhas de abraços fraternos.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5890: Parabéns a você (83): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447, Guiné 1970/71 (Editores)

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5913: Os nossos médicos (18): Um repasto de carne de sagui (macaco) (Mário Silva Bravo)


1. O nosso camarada Mário Silva Bravo (ex-Alf Mil Médico na CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72) enviou-nos a seguinte mensagem, em 5 de Fevereiro de 2010:

Camaradas,
O nosso blogue também é feito de estórias simples e engraçadas. Em 04 de Fevereiro p.p. o nosso Camarada Amaro Samúdio, enviou-me a seguinte mensagem:

Que me lembre, só conheci, nos 13 treze meses que estive naquele quadrado de arame farpado chamado Guiléje, o Dr Mário Bravo.



És o médico dos "Gringos de Guiléje".


Ias lá regularmente, e ficavas dois ou três dias. Era assim não era?


Os civis de Guiléje, e os militares também, sabiam que tinha chegado o médico e enchiam o posto de enfermagem. Lembras-te?


Nós, os enfermeiros, comentávamos: o médico é um gajo porreiro.


E eras de facto boa pessoa.


A tua simpatia era grande, suponho que a terás mantido até hoje dia em que fazes 64 anos e que eu desejo se repitam por muitos e muitos.


Um grande Abraço
Amaro Munhoz Samúdio


Em resposta a esta mensagem, em 5 de Fevereiro de 2010, respondi-lhe assim:


ANIVERSÁRIO 64 ANOS

Meu Caro Amaro Samúdio,

Fiquei muito emocionado com as palavras que me enviaste no dia dos meus 64 anos.

Como é bom ler coisas tão sinceras e verdadeiras, como as que escreveste. Todas as referências que apresentas, correspondem às minhas passagens por Guileje.
Tempos difíceis, que foram ultrapassados com a ajuda de um grande sentimento de entreajuda e amizade, que nos tempos que correm e fora desse ambiente é muito difícil encontrar.

Lembro-me muito bem dessas minhas viagens e de coisas engraçadas que me aconteceram.

Um dia, o cozinheiro da companhia, decidiu fazer um prato especial, porque estava lá o médico (eu!).
E vai daí e com a cumplicidade do Capitão, que julgo chamar-se Delgado, preparou uma refeição com carne, que vim a saber, no fim do repasto, tratar-se de carne de sagui (macaco).

Estava mesmo bom!!!

Um abraço,
Mário Bravo
Alf Mil Médico da CCAÇ 6

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5910: Os nossos médicos (17): Os médicos na Guiné. Relato médico (Mário Silva Bravo)

Guiné 63/74 - P5912: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (19): O Honório e o major que lhe chamou maluco (Vítor Oliveira)


1. O nosso Camarada Vitor Oliveira (ex-1.º Cabo Melec da FAP - BA 12, 1967/69), enviou-nos em 25 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem:
O Honório e o major que lhe chamou malucoEstávamos já com os sacos da roupa para irmos passar mais uma noite em Bafatá ao fim da tarde do dia 5 de Fevereiro de 69, véspera daquele dia fatídico no Cheche, quando recebemos uma mensagem para irmos buscar um major do exército a um quartel, que ficava entre Nova Lamego e o Cheche, que eu penso ser Canjadude.

O major ia dar instruções há coluna que vinha de Madina, quando do seu abandono.

Diz-me o Honório Pichas: “Este artista já nos tramou a noite em Bafatá. Anda daí ele vai pagar isto.”

Arrancámos numa DO 3447 para esse quartel e parámos no fim da pista à espera dele. O major entrou para o lado do Honório e eu vim para trás.

Ele piscou-me o olho e vi logo que ia sair uma das dele.

Fez uma subida a 45º, de flepes, o major começou logo a mudar de cor, a seguir apanhou a coluna em campo limpo, que havia em frente ao Cheche, e picou a DO, direito há coluna.

Começou a “rapar” e a fazer as piruetas do costume, que o pessoal do exército tanto gostava de ver.

O major gritava: “Suba… suba… assim não consigo dizer nada. Era para ir para a Força Aérea, mas ainda bem que não fui porque é tudo gente maluca.”

O Honório respondeu-lhe: “Maluco é você. E mais lhe digo, que não tinha nível para pertencer há Força Aérea.”

O major calou-se e lá deu as instruções.

Fomos levá-lo no quartel e o Honório deixou-o no fim da pista. A entrada para o quartel situava-se ao meio da pista.

Moral da história: O major estragou-nos a noite, mas de certeza que não vai esquecer o susto que passou.

Uma fotocópia da caderneta de voo.
Um grande abraço,
Vítor Oliveira
1º Cabo Melec da FAP/BA 12

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
Foto: © Mário Bravo (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5840: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (18): Mais uma história do Grande Honório (Vítor Oliveira)

Guiné 63/74 - P5911: (Ex)citações (59): Suicídio de prisioneiros (António Graça de Abreu / Hugo Guerra)

1. Comentário de António Graça de Abreu, escritor, sinólogo, poeta, nascido no Porto em 1947, membro da nossa Tabanca Grande (ex-Af Mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) (*):

No meu Diário da Guiné, pag. 20, a 3 de Julho de 1972, com apenas uma semana de Guiné, em Teixeira Pinto, conto uma história semelhante (*). Aí vai:


(...) "Estes dois prisioneiros ficaram à custódia do CAOP, não eram elementos perigosos. Com a ajuda de um intérprete, foram interrogados pelo nosso 1º. sargento Pinto, na pequena sala aqui ao lado. Recebi ordens para lhes ir comprar roupa e sapatos na Casa Gouveia, na avenida principal. Lavaram-se, vestiram-se, ficaram com melhor parecer. Foram estes os dois primeiros turras que vi. Olhei-os bem nos olhos, os olhos dos negros também falam: orgulho, ódio, humildade, revolta.


A mulher capturada tem seis filhos, o mais pequeno com apenas três meses. Foi libertada com a promessa de se apresentar com os filhos no Cacheu, para ficar sob a protecção da tropa portuguesa aí estacionada.


O homem, com o nome bem português de João Mendes, pequeno, negro, a alma da cor da alma de todos os homens, após mais alguns interrogatórios também ia ser libertado. Mas já não vai. Enforcou-se esta madrugada nas grades da cela da acanhada prisão que aqui temos, com as mangas da camisa nova que lhe comprei ontem e transformou numa corda. Morreu na casa em frente, a vinte metros da cama onde eu dormia, alheio a todos os dramas do mundo.


Numa pequena carteira de plástico que lhe encontrei no bolso das calças, João Mendes guardava um conjunto de senhas, uma de cada cor, comprovativas do pagamento de impostos referentes aos anos de 1960, 1962 e 1963, na circunscrição do Cacheu. A saber, Imposto Domiciliário 153 escudos, Imposto de Capitação 153 escudos, Imposto de Trabalho 25 escudos, Taxa Pessoal Anual 153 escudos, Remissão da Contribuição Braçal 25 escudos, Taxa de Exploração de Produtos Agrícolas 75 escudos, Imposto de Palhota (ano 1952) 80 escudos.


Pobres negros, como foram impiedosamente explorados!..."
 
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Nota de L.G.:
 
(*)  27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5903: Estórias avulsas (76): Como morreu o meu prisioneiro (Hugo Guerra)
 
(...) Levaram o jantar ao prisioneiro e abrandaram a vigilância de tal forma que,  estávamos nós a jantar, irrompe a rapaziada pela Messe dentro gritando que o homem se tinha enforcado.


Fui a correr ver o que poderíamos fazer - já era o terceiro enforcado que via na minha vida - e encontrei o meu prisioneiro pendurado e com a rapaziada toda a olhar especados com aquela visão. Tinha usado o baraço que trazia a segurar as calças e que ninguém se lembrara de lhe tirar antes. Agarrei o homem pelas pernas e fazendo força para cima para aliviar o peso lá arriámos o corpo que ainda tentei trazer de volta à vida. Fiz-lhe boca a boca e naquele desespero até injecções no coração lhe apliquei. Tudo sem resultado. O homem partira o pescoço e nada mais havia a fazer.

Apareceu entretanto o Chefe de Posto, cabo-verdiano, cujo nome não recordo mas que disse do alto da sua sapiência:
- Aquele mais velho,  da etnia [...], nunca trairia o seu povo e tinha-se suicidado para evitar a vergonha insuportável de ter sido preso e humilhado daquela forma.

Cresci mais um bocado naquele dia e, no dia seguinte, achei que já tinha guerra a mais e escrevi ao meu amigo Coronel Pilav Diogo Neto, Comandante da Zona Aérea da Guiné,  a pedir para me tirar daquele filme. Já chegava. (...)

Hugo Guerra foi Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70; é hoje Coronel, DFA, na reforma.