quinta-feira, 22 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6213: O 6º aniversário do nosso blogue (13): A nossa blogoterapia, objecto de artigo da revista Visão, edição de hoje


Na edição de hoje, 23 de Abril de 2010, da revista Visão, o jornalista João Dias Miguel assina um artigo que ocupa 3/4 partes da página 78, sob a rúbrica Visão > Sociedade. O artigo é ilustrado por uma foto de Nuno Fox (acima reproduzida, com a devida vénia).

O texto começa com uma citação minha, resultado de uma longa entrevista com o jornalista: "Somos uma espécie de grupo de auto-ajuda. Costumamos falar em 'blogoterapia da guerra em África' "... E é depois referida sucintamente a  história do nosso blogue, apontado como "presta(ndo), seguramente, um serviço público, ao dar espaço a um assunto tabu - a Guerra Colonial - que estava 'enterrado debaixo de uma pedra' e que continua a fazer sofrer, em silêncio, muitos portugueses".

Destacado a amarelo, lê-se: "O blogue, onde todos se tratam por tu e não existem hierarquias militares, tem como lema a frase 'Não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti' e ali se faz todos os dias a petite histoire - o relato, na primeira pessoa, das experiências que cada um viveu na Guiné-Bissau".

E continua o jornalista:

"Há um efeito terapêutico", diz o fundador. "Muita gente que vivia isolada, sozinha com os seus fantasmas e memórias, sem ligações, sem suporte social, passou a conviver e a verbalizar as suas recordações, passou a registar isso no papel. E nós publicamos".

São citadas algumas histórias que tiveram impacto no público leitor. É ainda referido que o blogue tem mais de 400 membros inscritos, duas mil visitas por dia, que é lido dos EUA à Austrália, que apoia diversas iniciativas humanitárias na Guiné-Bissau e que tem sido fonte de alimentação de livros e autores. "E dali já saíram ideias para livros como, por exemplo, Estórias Cabralianas, pequenos contos sobre o absurdo do dia-a-dia da guerra" (numa referência ao livro do Jorge Cabral, que deve ser publicado este ano).

A foto, algo insólita, em que eu apareço com o título do livro do Amadu Djaló (Guineense, Comando, Português), projectado no rosto, foi tirada numa sala de aulas, com recurso ao projector e à ligação à Internet.

O nosso blogue faz amanhã 6 anos (*).
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série < 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6212: O 6º aniversário do nosso blogue (12): Cem pesos ? Manga de patacão, pessoal! ( Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Afonso Sousa / Jorge Santos / Luís Carvalhido / Sousa de Castro)



Guiné 63/74 - P6212: O 6º aniversário do nosso blogue (12): Cem pesos ? Manga de patacão, pessoal! ( Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Afonso Sousa / Jorge Santos / Luís Carvalhido / Sousa de Castro)


Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no nosso tempo.

Esta, por acaso, foi emitida em Lisboa em 17 de Dezembro de 1971, já a rapaziada da CCAÇ 12 (eu, o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Fernandes, o Marques, o José Luís de Sousa, o Gabriel Gonçalves, o Dalot e todos os demais pais-fundadores...) tinha regressado a casa. A nota ostenta a efígie do Nuno Tristão, o primeiros dos nossos camaradas a morrer na Guiné, "país de azenegues e de negros", no já longínquo ano de 1446, "varado por azagaias envenenadas" (sic), como se pode ler algures no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra (se nunca lá foram, aproveitem para ir com os netos um fim-de-semana destes).

Foto: © Santos (2005). Direitos reservados


1. A propósito do patacão que ganhavam uns e não ganhavam outros - por exemplo, um capitão, miliciano, 32 anos, engenheiro agrónomo, 4 filhos, responsável por uma companhia de 150 homens, ganhava, no CTIG, em Agosto de 1970, qualquer coisa como 11 contos, limpos (cerca de 55 €, hoje...) (*) - , e a pretexto do 6º aniversário do nosso blogue (**), fomos revisitar as nossas águas furtadas, onde está o nosso baú de memórias, e de lá sacámos uma engraçada conversa entre mim e o Humberto Reis (um dos nossos primeiros bloguistas) e outros camaradas... justamente a propósito do patacão. (***) Muitos camaradas, sobretudo os mais novos, os periquitos (chegados há menos tempos à nossa Tabanca Grande), não estão familiarizados com a I Série do Blogue, onde foram publicados os nossos primeiros 825 postes, de 23 de Abril de 2004 a 31 de Maio de 2006.


2. Cem pesos, manga de patacão, pessoal!
por Luís Graça (***)


Amigos e camaradas:

Há dias o Jorge Santos mandou-nos uma nota de cem escudos da Guiné (cem pesos). Ou melhor: uma nota digitalizada, uma imagem em formato jpg. Puxem pela memória e digam lá, para a gente poder explicar isso aos filhos e netos, bem como à cara metadade, o que se podia comprar/pagar com uma notinha destas, no vosso/nosso tempo…

Eu tenho ideia que era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula [ou melhor, mandinga], recatada e virtuosa… Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano… Além do pré (600 pesos/mês), os meus soldados africanos (que eram praças de 2ª classe!) recebiam mais, creio eu, cerca de 25 pesos por dia pelo facto de serem desarranchados. Nunca joguei à lerpa, mas o Humberto pode dizer quanto ganhava ou quanto perdia numa noite de insónias e de rodadas de uísque…

Ainda em matéria de comes & bebes, um quilo de camarões tigres, do Rio Geba, comidos na tasca do tuga [Zé Maria] que era turra (ou, pelo menos, suspeito de vender e comprar vacas aos turras), em Bambadinca, com uma linda vista para o rio, custava cinquenta pesos… Um bife com batatas fritas e ovo a cavalo (supremo luxo de um operacional como eu ou o Humberto) na Transmontana,  em Bafatá,  já não me lembro quanto custava (talvez vinte a vinte e cinco? ).

Ainda me lembro, isso sim, de o vagomestre comprar uma vaca raquítica por 950 pesos, depois de bater não sei quantas tabancas da região de Bambadinca… Nas tabancas, fulas, por onde passei e onde fiquei, uma semana ou mais [de cada vez], era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, mas já não me lembro quanto pediam pelos bichos de capoeira (sete pesos e meio?)… As ostras em Bissau custavam 20 pesos (uma travessa)… E por aí fora.

Amigos e camaradas: actualizem ou rectifiquem a lista. Não sei se depois de 1973, a inflação também chegou à Guiné… O Sousa de Castro [, 1972/74, ] é que nos pode dizer… De qualquer modo, o que comíamos e bebíamos era praticamente tudo importado...

O grande ventre de Bissau era alimentado por uma economia de guerra que deu dinheiro a ganhar a muita gente... Manga de patacão, pessoal! ... Desde as rachas de cibe [, a sete e quinhentos cada uma, no reordenamento de Nhabijões, se a memópria me não atraiçoa] ao cimento (a construção de aldeias estratégicas, como a de Nhabijões, com cerca de 350 casas, deve ter ajudado a dourar a reforma de muita gentinha mais patriótica do que eu) até aos transportes (civis) em comboios militares, sem esquecer os efeitos (mais nefastos do que benéficos) que a guerra teve na pobre economia natural dos guinéus.

Um deles foi a sua própria militarização. Nos últimos anos da guerra, tudo girava à volta (e vivia) da guerra. A guerra tornou-se, ao mesmo tempo, o ópio e a grande sanguessuga dos guinéus (e dos próprios tugas). E a prova disso, quase quatro décadas depois, é a bidonvilização, a lumpenproletarização da população que engrossou Bissau.

Luís Graça

PS - Perguntas ao Humberto:

Como tens uma boa memória, pode ser que te lembres disso... Eu já nem me lembro sequer de quanto ganhávamos... Cerca de cinco notas de conto, não ? Os alferes, sete; os capitães, não faço ideia... E os nossos soldados africanos, que eram praças de 2ª ? Tenho ideia que ganhavam seiscentos pesos, mais outro tanto (25 pesos / dia) por serem desarranchados... Como eram islamizados, não podiam comer a comida do tuga, pelo que foram mais tarde autorizados a receber o subsídio de alimentação... Mandaram-me isso à cara, no Xime, quando morreu o Cunha e o restante pessoal da CART 2715... Os sacanas tiveram um momento de hesitação, antes de aceitarem ir comigo resgatar os corpos dos nossos camaradas mortos, à cabeça da coluna (vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970):- Pessoal africano só ganha seiscentos pesos! - Que é como quem diz: vai lá tu, que os mortos são do vosso sangue, são do vosso chão, são da vossa terra, são tugas... Foi o único momento, em toda a minha comissão, em que vi os nossos soldados terem medo...

E uma passagem de avião, para virmos a casa, de férias ? E o famigerado Hotel da Cona Rachada [sic, em linguagem de caserna], onde a gente ficava, de passagem, em Bissau ? Eu pelo menos fiquei uma vez ou duas, se não me engano... (Ou era outra pensão ainda mais reles ? Recordo-me que um dia rebentaram-me a mala e fanaram-me o uísque, no Chez Toi)... Tu tinhas os teus conhecimentos em Bissau [, em Bissalanca, na BA 12]...

De qualquer modo, o que eram 600 escudos guineenses (pesos) naquela época ? Apenas o suficiente para comprar, na loja do libanês ou do tuga, um saco de arroz importado, e para alimentar (mal) uma família extensa, reunida na sua morança (muitos deles, tinham pelo menos duas mulheres que trouxeram das suas terras para Bambadinca).




Guiné > Moeda de 5 e 10 escudos (pesos). Frente e verso
Foto: © Afonso Sousa (2005). Direitos reservados.


3. Resposta rápida, artilhada, telegráfica, à ranger, do Humberto Reis (***):

Das chamadas Meninas & Vinho Verde [já] não me lembro, mas dos produtos que eu mais consumia, entre 69 e 71, não me esqueci:

- Um maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato levava 3 a 4 maços para 2 dias);
- Uma garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos;
- Idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto, Dimple, Antiquary: 98,50
- Idem, de 15 anos, Monkhs, Old Parr: 103,50;
- Um whisky, no bar da messe, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos;
- Quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar (valor médio) 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.

Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos [ 30 euros, em moeda actual] e nós ganhávamos cerca de 5.

O pré dos soldados era de 600 pesos, os de 2ª [classe, os africanos], 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença, pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o Vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção.

Em Bissau, como normalmente ficava instalado na BA 12 [Base Aérea nº 12] nos alojamentos dos pilotos, pois tinha lá malta minha conhecida de cá, não sei qual o preço das pensões, e do bifinho na Transmontana de Bafatá também já não me lembro.

Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola : 2,50 [pesos] simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.

Não se riam, meus amigos, com a expressão dos frigoríficos a petróleo, pois era assim mesmo que funcionavam, visto que o gerador eléctrico [de Bambadinca] só trabalhava à hora de almoço e depois durante a noite. Disto, da produção de frio/ar condicionado falo de cátedra pois é a minha vida profissional (eu costumo dizer que vivo do ar condicionado).

Aquele sistema de produção do frio a partir de uma fonte quente ainda hoje é utilizado, chama-se de absorção, e utiliza como refrigerante a água, ao contrário dos sistemas mais vulgarizados que utilizam alguns gases, mais ou menos poluentes da camada de ozono. Posso dar-vos como exemplo alguns dos sistemas de produção do frio para o ar condicionado, que conheço pois acompanhei de perto: Estalagem da Srª das Neves, no nordeste transmontano, do Hospital de Matosinhos, dos edifícios do BCP-Millennium no Tagus Park em Oeiras, do Hospital de Mirandela, etc., utilizam sistemas destes.

Um abraço, Humberto Reis

4. Comentário "do sábio e sensato, do nosso mui experiente operacional e grande conhecedor da Guiné, do antes e do depois, A. Marques Lopes" (**):

Interessante também esta reflexão (fez parte da nossa vida). No entanto, eu, pessoalmente, muito pouco posso dizer. Lembro-me que pagava 5 pesos quer à minha lavadeira de Geba quer à de Barro; além da lavagem também trabalhavam com as mãos (eram fulas, pois).

Quanto a tainadas e saber o preço delas, é um bocado difícil pois nunca tive tempo para muitas... Só sei que, quando em Bissau à espera de embarque, paguei 5 pesos aos miúdos que andavam perto do Bento (a 5ª Rep...) a vender sacos de camarão.

Quando em Geba fui uma vez a Bafatá e, talvez, à Transmontana, não sei bem (só sei que o dono, já entradote, tinha uma mulher loura mais nova e também comestível). Um dia, eu e o capitão [da CART 1691] (o tal que morreu na estrada para Banjara) decidimos ir os dois até Nova Lamego de jeep (maluqueiras!) onde comemos qualquer coisa não sei aonde e não me lembro o que paguei.

Quando em Bissau, no Pilão, frequentei várias vezes a Fátima, que não era caboverdiana mas sim fula, e dava-lhe 50 pesos de cada vez. Uma rapariga esperta: uma noite, a Fátima propôs-me que eu trouxesse uma grade de cervejas do QG para ela vender aos visitantes (era giro ouvi-la gritar da cama: está ocupado!, quando os páras ou os fuzos batiam à porta dela), dava-me metade da venda (não entrei nisso, claro). Também frequentei a casa que um branco tinha perto do campo do UDIB, e onde tinha as filhas à disposição, mas aí só paguei as cervejas.

Quanto às bebidas da tropa, não me lembro rigorosamente nada dos preços. Mas bebi de tudo, garanto-vos, e em grande quantidade (latas de rum com coca-cola, de cerveja com coca-cola, whisky, gin, cerveja, 1920...). Só procurei beber muito pouca água, e nunca apanhei nenhuma doença, por isso, com certeza. Quando chegava das operações, eu e os furriéis esticavamo-nos ao comprido e o soldado faxina já sabia que tinha de trazer uma grade de cervejas para nos saciar...

Como vêem, quanto a este custo de vida sei muito pouco.

Marques Lopes

PS - Não me lembrei dessa dos maços de tabaco porque nunca fumei no mato. Nem ninguém dos que saíam comigo podia fumar. Regra de segurança para as muitas noites passadas fora. E creio que foi muito útil.


5. Achegas do Luís Carvalhido (***):

Bom dia, companheiros!

Que lembranças! Aquilo que se comprava com meia dúzia de pesos!... Onde eu investia muito era iske e na coca-cola. Nas outras coisas, não precisava muito, porque sempre fui um rapaz com muita sorte. Não fiquem com inveja; já pelo contrário, nunca me saiu nada ao jogo.

Luís, dei esta morada a um companheiro de armas que está nos States e que tem histórias e fotos do Saltinho. Dentro em breve teremos aqui outros olhares.

Quanto a mim dentro de dias vou para o nordeste brasileiro. Depois conto como é que foi, porque aqueles que lá vão ficam amarrados. Eu só vou olhar porque comigo vai a comandante da guarnição e ela não é de brincadeiras.

Um abraço, Luís Carvalhido




Guiné > Nota de 50 escudos (pesos), frente e verso
Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.


6. Apontamento do Sousa de Castro (***):

Olá,  amigos!

Quero dizer-vos que no meu tempo (1972/74) não era muito diferente: os preços que se praticavam eram mais ou menos os mesmos....

Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.

A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974.

Recordo que, com um peso, comprava quatro ou cinco bananas. Os uísques novos como o Johnnie Walker (cavalo branco) e outros custavam, em 1972/74, cinquenta pesos; o Dimple 100 pesos; o Old Parr 150 pesos; e havia o Monks, a 250 pesos.

Julgo serem estes os preços daquela altura, alguém que me corrija. Por lavar a roupa, como cabo pagava 60 pesos.

Anexei uma nota de cinquenta pesos, frente e verso para recordação.

Sousa de Castro

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Notas de L.G.:

(**) vd. poste de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6198: O 6º aniversário do nosso blogue (11): Selecção dos melhores dos primeiros cem postes publicados na I Série do nosso blogue (Os editores)

(***) Vd. postes da I Série:


1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2)

Guiné 63/74 - P6211: In memoriam (40): Pequena Homenagem ao Piu, da CCaç 3520/Cacine (Daniel Matos)

1. Mensagem do nosso camarada Daniel Matos* (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), enviada ao nosso Blogue:

Camarada Carlos Vinhal
Envio um texto de homenagem a um camarada já falecido, (furriel miliciano Vicente) membro da CCAÇ 3520 (Cacine), cujo pessoal se reune no próximo fim de semana para o respectivo convívio anual.
Escrevi o texto na sequência de um outro oportunamente publicado na Tabanca Grande pelo Juvenal Candeias, a quem dou conhecimento do mesmo, por cópia.
Deixo à V/consideração a sua eventual publicação no blogue, nesta altura.

Um abraço do
Daniel de Matos


Pequena Homenagem ao Piu, da CCaç 3520/Cacine

por Daniel de Matos

No ano passado, aquando da trasladação dos corpos do “cemitério” de Guidaje para Portugal dos meus camaradas de companhia José Carlos Machado e Gabriel Telo (d’Os Marados de Gadamael) e do soldado Manuel Geraldes (da 2.ª CCaç do BCaç 4512), e da homenagem que lhes foi devidamente prestada no Monumento Nacional aos Combatentes, junto ao Forte do Bom Sucesso, em Lisboa, tive o gosto de me encontrar com o ex-alferes miliciano Juvenal Candeias, da CCaç 3520 – Cacine/Cameconde 1971/74, que já não via desde os tempos da Guiné.

Foi muito fácil reconhecê-lo (ele não dirá o mesmo): está igualzinho ao que era quando nos encontrámos no BII19, na Madeira, há mais de 38 anos, só o bigode e alguns cabelos se esbranquiçaram. Trocámos breves impressões e fiquei a saber que estava a enviar histórias desses velhos tempos para a Tabanca Grande. Histórias que vim ler na primeira oportunidade.

Deparei-me logo com a intitulada Vicente, o Piu (Post 5113**, de 16 de Outubro de 2009). “Piu”, não me dizia nada e não associei imediatamente a alcunha ao camarada Vicente que tão bem conhecera. Embora o José Vermelho (tal como o Vicente, ex-furriel miliciano da CCaç 3520), nos tenha lembrado no seu comentário um dos tiques que lhe conhecia – o de apontar a diversos alvos com os braços a fazer de espingarda e…”pum”, – nunca relacionei o Vicente com um efectivo e, soube-o agora, tão eficaz caçador. (O outro tique era o de percutir dedos e palmas da mão, transformando em bombos, tarolas e pratos os joelhos, tampos de mesa, ferros da cama, etc.). Quanto a “Piu”, de pássaro: só ao ver as fotografias que ilustram o interessante e bem escrito relato do Juvenal Candeias compreendi haver analogia com o “meu” camarada Vicente. Fiquei naturalmente chocado ao tomar então conhecimento, de súbito e por esta via, da perda de mais um grande Amigo, vergado por um estúpido cancro e do qual guardo gratas e muitíssimo bem-dispostas recordações.

Tive o prazer de ser convidado para comparecer no convívio da 3520, que este ano se realiza em Lisboa (dia 24 de Abril) e se prolonga no dia seguinte, aniversário da Liberdade, na Ericeira. Como costumo estar perto dali nos fins-de-semana, prometi aparecer no dia 25, mas creio que, lamentavelmente, a calendarização de uns tratamentos que ando a fazer me vai impedir de poder abraçar tantos Amigos que não encontro há longos anos… Logo veremos. Para já, encontrei esta forma de enviar um abraço a todos, escrevendo estas notas de singela homenagem ao Piu, homenagem que é extensiva a todas as “Estrelas de Cacine”.

Cameconde > Alcino Sá, Piu, Costa Pereira, um djubi, Carlos Alves, Juvenal Candeias.


O Max Roach do Entroncamento!

Convivi bastante com o Vicente – e de que maneira! – em Tavira, durante a “especialidade” de atiradores; mais tarde estivemos na Escola Prática de Engenharia, em Tancos, onde tirámos o Curso de Minas e Armadilhas, que ambos concluímos a 11 de Setembro de 1971; durante o último trimestre desse ano, estivemos igualmente juntos no Funchal, na formação das nossas companhias madeirenses, – eu na 3518, ele na 3520, que rumariam à Guiné no final do ano para fazerem o IAO nas proximidades do Cumeré e partirem, respectivamente, para Gadamael (futuros Marados) e Cacine (futura Estrelas).

Não sei exactamente se não nos conhecemos anteriormente, isto é, a minha memória já não me garante se ambos frequentámos ou não a recruta em Santarém, na Escola Prática de Cavalaria. Creio que sim, mas a relativa proximidade da capital ribatejana com o Entroncamento – terra natal do Vicente – pode estar a induzir-me em erro. Brincalhão como era, retenho a sua imagem a fazer camas à espanhola para apanhar os mais incautos, e quase juraria que isso começou no velho quartel (hoje já desactivado) de Santarém.

Como toda a gente sabe, havia o hábito de apadrinhar o pessoal com os nomes das terras de proveniência, salvo se a origem fosse das grandes cidades, pois seria confuso tratar por “Lisboa” ou “Porto” um punhado de homens ao mesmo tempo. Na circunstância, não deveria existir, pelo menos na caserna, mais nenhum “Entroncamento”, e foi assim que ele passou a ser conhecido, orgulhosamente, aliás, pois não escondia o amor pela sua terra. Eu próprio o tratei muitas vezes dessa forma, até para lhe afirmar que ele era um “fenómeno”, – e passo a explicar porquê.

A pequena história que quero contar começa em Tavira e alastra-se a grande parte do Algarve. Nos primeiros dias da Especialidade os instruendos são mandados sentar-se no refeitório para ouvirem uma palestra do Tenente Capelão. Tudo decorreu num tom coloquial, terminando a aula com boa interacção de perguntas e respostas sobre coisas do espírito. Porém, antes de nos mandar sair, o nosso Capelão informou o pessoal que em cada curso era hábito formar-se um conjunto musical para abrilhantar certos eventos e cantar numa ou noutra missa. E começou por perguntar se entre os presentes alguém sabia tocar instrumentos musicais e se era voluntário para a tarefa.

Ergueram-se alguns braços: havia um organista, três ou quatro guitarristas, o Vicente era bom na bateria, o suficiente para formar a banda de acordo com os instrumentos que havia disponíveis no quartel. Eu tinha a mania das músicas – mais ao nível da audição, recolha de informação discográfica e divulgação via rádio – mas, para grande desgosto meu, não tocava rigorosamente instrumento nenhum. Ainda imaginei que o nosso Tenente Capelão perguntasse por percussionistas, talvez aí o meu sentido rítmico me desenrascasse… Mas o que ele quis saber em seguida foi quem sabia cantar! Houve dois prontos voluntários: o Joaquim Catana (que julgo já estar reformado da banca onde, por coincidência, viria a ser colega da Fernanda Simões, uma grande amiga que conservo desde os tempos da juventude), e, ficando eu próprio surpreendido ao ver-me de braço no ar, esta vossa praça! Um fio de suor deve ter-me percorrido a testa quando me lembrei que o capelão iria pedir o curriculum de cada um, em que conjuntos cantaste, etc.. A verdade é que a minha experiência se limitava a microfones de autocarros de excursão e algumas serenatas ao luar em encontros de amigos. Nesse tempo, acho que nem cantava mal. Bem, e tinha pertencido ao orfeão do Liceu Nacional de Gil Vicente (Graça, Lisboa) enquanto por lá andei. Quanto a missas, sim, se ele me perguntasse invocava a minha experiência a cantar na igreja de Vila Maior (São Pedro do Sul) quando fiz as comunhões, infantil e solene, mais a profissão de fé, mas com os meus 8 a 10 anos! Foi uma experiência improdutiva, esta, pois já chegaria agnóstico ao serviço militar…

O Vicente, eu e os demais “artistas” fomos convidados para no dia seguinte tomar contacto com os instrumentos e visitar o local de ensaios que, se não estou em erro, era na própria sacristia. Os instrumentos lá estavam: teclado de órgão, bateria ainda em razoável estado (as baguetes pareciam por estrear), violas eléctricas (baixo, ritmo e solo). Afinal, havia também uma pandeireta e um chocalho, óptimos auxiliares para os vocalistas que, regra geral, nunca sabem onde colocar as mãos enquanto cantam (muita sorte têm o fadistas ao metê-las nos bolsos!). Para o Catana e para mim estava reservado um único “instrumento”: o microfone, ligado a um pequeno amplificador, que no entanto veio a revelar-se potente para as necessidades.

O Capelão explicou-nos que a “banda” deveria ensaiar um conjunto de músicas destinadas a “ajudar à missa” e que, como ninguém saberia ler pautas – creio que todos tocavam de ouvido – ele próprio nos viria ensiná-las, para fixarmos os acordes. Aos vocalistas forneceu uns pequenos folhetos com as letras, para que começássemos a decorá-las. Lendo nas nossas caras algum desconforto com o reportório, o Tenente disse-nos que poderíamos seleccionar também músicas “de baile”, música pop “sem grande chinfrineira”, pois também actuaríamos em festas, era mesmo costume sermos convidados para tocar em igrejas por esse Algarve fora, actuando de manhã nas missas e à tarde nos bailaricos dos salões de festas.

Fomos dando palpites sobre as canções que deveríamos adoptar, de acordo com o gosto e a experiência musical de cada um. Alguns desacordos iniciais: “isso é foleiro”, “nunca toquei essa nem sei como fazê-lo”, “e a letra, alguém sabe a letra toda?”, “escreve lá isso em inglês!”… Enquanto discutíamos o habilidoso teclista exercitava os dedos, os guitarristas mostravam o que sabiam fazer, cada um tocando para seu lado coisas muito diferentes (espero que eles me perdoem não citar os seus nomes mas a idade coloca muitas incertezas na nossa memória), e o Vicente tirava o lustro às baguetes, puxando estridentes solos que davam a ideia de que, doravante, o rock iria ganhar o seu espaço na programação musical do quartel, à revelia das orientações do capelão, ou seja, não evitando uma certa “chinfrineira”.

Os ensaios ficaram desde logo agendados, de início eram quase diários e foram extremamente divertidos. Até porque, é claro, como não tínhamos o dom da ubiquidade, estávamos dispensados da instrução enquanto durassem. Tanto, que fazíamos coincidir os horários com os exercícios que os nossos pelotões iam fazer para as salinas da cidade! O pessoal que vinha da recruta das Caldas da Rainha detestava esses exercícios, mas para quem vinha de Santarém (de cavalaria) e conhecia o que eram fogos reais no respectivo Vale, quem submergira o corpinho no Tejo, em pleno Inverno, ou fez a travessia dos esgotos da cidade com toda a espécie de merdelim pelo peito, mergulhar no lodo das salinas de Tavira era pura brincadeira.

Eu tive um outro quinhão para me baldar a mais algumas horas de instrução militar: por ter tido algumas experiências radiofónicas anteriores fui convidado a participar nalgumas emissões de “rádio” que emitiam para a enorme parada logo após o toque de despertar, o que me obrigava a levantar às 6 horas, com todos os inconvenientes de quem estava desarranchado e alugara um quarto fora do quartel. Lembro-me que um grande “radialista” foi responsável por essas emissões matinais num curso (turno) anterior ao nosso: José Manuel Nunes, realizador e apresentador – com Luís Paixão Martins – do programa saudoso Página Um (Rádio Renascença, onda média), cuja primeira emissão datava de 2 de Janeiro de 1968 e que constituiu uma grande pedrada no charco da rádio que se fazia em Portugal na transição dos anos 60/70. Fez uma outra abordagem das questões sociais e políticas e chegou a encerrar “para obras” durante um mês e tal, por ordem do Governo, dito da “primavera” marcelista. O programa tinha um indicativo (Page One) que começava com uns rufos de bateria difíceis de executar, mas que serviam para o “Entroncamento” aquecer as mãos no início dos ensaios. E aquilo soava tão bem que foi daí que comecei a rotulá-lo de autêntico “fenómeno” do… Entroncamento!

No que concerne ao pop-rock as nossas preferências coincidiram muitas vezes: ambos ouvíamos muita música (da que chegava pelas ondas hertezianas, mas sobretudo da que possuíamos em cassettes gravadas); e acompanhávamos a imprensa especializada desses anos, como o Musicalíssimo ou o Mundo da Canção, de que fui assinante do primeiro ao último número; e ambos conhecíamos pormenores das novidades divulgadas pela Rock & Folk, que à data nem sempre chegavam às discotecas portuguesas.


As nossas digressões

As digressões fizeram-nos lerpar alguns “sagrados” fins-de-semana, mas valeram a pena: pelo convívio e diversão, por enriquecermos a nossa formação como homens em múltiplos aspectos e por termos poupado umas quantas horas da sempre aborrecida travessia da Serra do Caldeirão… A actuação de um grupo instrumental de tipo “roqueiro”, com violas eléctricas e bateria e canções ligeiras em missas católicas era uma situação muito avançada para a época, pelo menos em Portugal. Embora, ao que parece, nenhum de nós fosse católico praticante, certamente que não haveria muitas igrejas que consentissem experiências similares.

Já havíamos actuado em Lagoa, chegara a vez de prolongarmos a digressão algarvia e “ajudarmos à missa” em Lagos. Está uma boa casa, comentámos entre-dentes: a igreja estava quase repleta, mulheres sentadas mais à frente e homens mais nos bancos de trás. Nós, perfilávamo-nos junto a instrumentos e microfones (que o capelão conseguira arranjar mais um), de farda número dois, boina dobrada e enfiada na presilha esquerda do blusão; e íamos aguardando pelos sinais do prior, para arrancarmos com cada uma das canções do alinhamento. Só o Vicente, devido à sua função, tinha banco para se sentar. Nos intervalos das músicas chamava-nos parolos, aprendêssemos a tocar bateria e teríamos outro conforto! Entrámos timidamente, mas com o decorrer da missa sempre se foram trocando uns sorrisos com as “garinas”, em plenas canções e fora delas…

Sem se perder totalmente o respeito pelo local e pela cerimónia em que nos encontrávamos, a verdade é que o ambiente se foi descontraindo. Das mãos do Vicente, as baguetes, já cheias de mossas, saltavam e giravam no ar em acrobáticas piruetas, contagiando todo o grupo que, em plena canção “Avé Mariápolis”, meneava as ancas como uma orquestra de salsa latina e provocava idênticas reacções nas miúdas que atulhavam as primeiras filas da igreja. Alguns dos temas que aprendemos a interpretar prestavam-se a arranjos rítmicos mais fortes e eram pintados com todo o fervor das cadências do Vicente – um autêntico Max Roach – e do não menos virtuoso e ágil viola-baixo. Um dos temas que me calhou interpretar foi “O Sol Já Raiou”, que ainda recentemente, quase quatro décadas depois, foi êxito comercial de top, gravado em CD pelo Padre Borga…

Terminada a missa, até houve distribuição de autógrafos e, como é óbvio, aproveitámos para fazer a nossa publicidade à actuação que teríamos durante a tarde, no salão da colectividade (de cujo nome não me recordo, seria paroquial?). A organização ofereceu-nos almoço, fomos montar os equipamentos no novo palco e, por fim, a juventude da terra lá começou a comparecer, elas quase sempre de mãe à ilharga, como era de uso. Começámos o espectáculo. Nós, os vocalistas, fomo-nos alternando, umas vezes cantando a solo, outras fazendo coro, por vezes descansando ou fingindo fazer percussões com a pandeireta e o chocalho da bateria. Disfarçávamos as nossas insuficiências no domínio das letras, quase todas em inglês, regurgitando uns sons onomatopaicos em que praticamente só acertávamos com as últimas sílabas de cada verso… Mas se havia quem o fizesse na televisão (e ainda hoje), quem é que ligava a esses pormenores?

A pouco e pouco a assistência foi afastando cadeiras e houve uns quantos pares que se aventuraram à dança. Até que o Catana, de olhos semi-cerrados, começou a cantar uma lânguida Unchained Melody, que faria roer de inveja The Righteous Brothers e demais românticos à face da Terra! O Vicente disse que era um slow tão lento que dispensava bem o baterista e, como eu estava livre no palco, pediu que me sentasse no seu lugar e fosse dando umas roçadelas nos pratos com uma vassoura de aço, que ele iria ao meio da sala para avaliar o som, parecia-lhe roufenho. E lá abalou, não para qualquer gesto técnico mas para se atracar ao melhor “naco”, sentado ao canto da sala, e desatar a dançar bem agarradinho…

Como escreveu o Juvenal Candeias, o Piu era de uma “boa disposição permanente e contagiante”. Que bom é recordá-lo e sentir a sua presença entre nós, para sempre.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. último poste da Danuel Matos de 21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6201: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (10): Os dias da batalha de Guidaje, 29 e 30 de Maio de 1973

(**) Vd. poste de 16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu

Vd. último poste da série de 17 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6174: In Memoriam (39): Baixa na CCS/BCAÇ 2845 - morreu no dia 21 de Março de 2010 o ex-1.º Cabo Cardoso (Albino Silva)

Guiné 63/74 - P6210: Os gloriosos malucos das máquinas voadoras (21): Meu tenente, eu e o Tomás Camará não vamos com o Honório! (Amadu Djaló)


Guiné > Brá > Comandos do CTIG > Junho de 1965 > Cap Mil Comando Maurício Saraiva > Idolatrado por uns, odiado por outros, foi um mal amado, diz o Virgínio Briote... O Amadu Djaló, por sua vez,  foi um dos oito "negros" (sic) - a par do Marcelino da Mata, do Tomás Camará e outros - a participar "no 1º curso de quadros para os Comandos do CTIG", que teve início em 3 de Agosto de 1964  (Amadu Bailo Djaló - Guineense, Comando, Português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p. 82). O seu primeiro comandante, no Grupo Fantasmas, foi o Alferes Saraiva (entretanto promovido a tenente e depois capitão).

Foto: © Virgínio Briote (2006). Direitos reservados


1. A leitura do livro de memórias do Amadu Djaló tem sido, para mim,  uma verdadeira surpresa. Mesmo já conhecendo, superficialmente, o autor, e sabendo, por alto, algumas das peripécias da sua vida como pessoal e militar (tem "treze anos de serviço militar"), através do Virgínio Briote, dou-me agora conta de que é um testemunho humano, singelo, mas  de valor, com bastante interesse, do ponto de vista sócio-antropológico, para um melhor conhecimento do passado da  Guiné-Bissau e em especial do período da guerra colonial,  como para a construção do presente e até do futuro. 

O título do livro pouco tem a ver com o conteúdo. É claramente um título, forçado pelo marketing, com o objectivo de vender, o que no caso do Amadu até é um objectivo relevante, sabendo-se que ele tem 10% sobre o preço de capa e é um homem pobre e doente. Guineense, comando, português é claramente uma concessão aos  brancos ou europeus (como ele nos chama, quase sempre) e, muito naturalmente, ao gosto da Associação dos Comandos que editou o livro, na colecção Mama Sume (é o 2º título, depois de 25 de Novembro de 1975: Os comandos e o combate pela liberdade, de Manuel Amaro Bernardo, Francisco Proença Garcia e Rui Domingues da Fonseca).

Se um homem é sempre ele próprio mais as suas circunstâncias (, logo determinado pela historicidade), o Amadú é uma espécie de Sancho Pança guineense, servindo diversos Dom Quixotes, do Saraiva ao Spínola, mas também poderia ter sido o Nino Vieira ou o Amílcar Cabral, como ele próprio admite, quando a páginas 30/31 evoca a tentativa de aliciamento, para ingressar nas hostes do PAIGC, em Julho de 1961, por parte de Adulai Djá,  "un colega meu de Bissau" (que, tendo militado nas fileiras do PAIGC, chegaria a ser 2º comandante da base principal do Morés; mais trade morto num ataque de Comandos helitransportados, em data não especificada pelo Amadu, p. 30, nota de rodapé).

Nessa altura, o Amadu ouvia, em Catió, na casa de um cipaio,  a rádio de Conacri e confessa que chegou a estar "hesitante" (sic) (p. 31), entre aderir ou não aderir ao PAIGC, numa altura em que "toda a gente falava de um tal Nino Vieira que tinha fugido da prisão da administração de Catió", ajudado por um cabo cipaio, por sinal cunhado do João Bacar Jaló) (p. 30)...

O Amadú acabou por ir para a tropa portuguesa ("tropa era uma obrigação"), depois de um série de peripécias que meteram o pai, os primos do Senegal (militares do Exército francês), o administrador de Bafatá, o tenente Carrasquinha, do BCAÇ 238 (que tinha um fraquinho pela prima, bonita, Aua Djaló)... Em suma, o Amadú poderia estar hoje no Senegal ou até em França, como poderia ser hoje  um grande Combatente da Liberdade da Pátria, vivo ou morto. É um ponto (controverso) da vida do Amadú, a que poderemos voltar em breve. (De resto, ele confessa como,  naqueles tempos,  "era difícil ser bom português", p. 14; "nós, Povo da Guiné, antes da guerra, mal conhecíamos o Povo Português", p. 15)...

O que eu agora quero sobretudo sublinhar é o talento narrativo do Amadu. Como bom africano, ele é um homem da cultura oral e, logo, um grande contador de histórias. E essa oralidade,  espontânea (mesmo em português que não é a sua língua materna...), perpassa por todo o livro, graças ao talento de outro homem, o Virgínio Briote, à sua paciência, perserverança, bom senso, bom gosto, sentido de ética e camaradagem.

Há, ao longo do livro, uma mão cheia de boas histórias: umas  dramáticas, pungentes e reveladores da  grande nobreza humana do Amadu, das suas crenças, superstições e valores morais (como a cena, passada em Gundagé Beafada, no Xime, em que ele salva o menino turra, Malan Nanque, leva-o às costas para Bambadinca e adopta-o como filho: vd. pp. 91/93); outras, cómicas, burlescas e divertidas, como esta que aqui se reproduz... (com a devida vénia, e como aperitivo para os que ainda não compraram ou não leram o livro).

2. O meu adeus à guerra dos Fantasmas
por Amadu Bailo Djaló

Em [6] de Maio de 1965 fomos para Cacine com o objectivo de executar um golpe de mão a um acampamento em Catunco. Era a última operação do grupo Fantasmas e, por isso, o tenente [Maurício Saraiva, comandante do grupo] pôs-lhe o nome de Ciao.

Em Brá tivemos a manhã para preparar tudo. Depois, fomos em viaturas para o aeroporto de Bissalanca, onde estavam quatro avionetas à nossa espera. O tenente dirigiu-se ao Furriel Morais,  que já tinha acabado o tempo de comissão [, e que haveria de morrer umas horas depois, na madrugada do dia seguinte, no ataque ao acampamento de Catunco, e onde o próprio Amadú seria ferido], e disse-lhe:
– Vocês esperam pelo Honório, que parece que ainda não está pronto.
 – Meu tenente, eu não vou no avião do Honório! Custa-me muito faltar à operação, mas eu não vou! – disse eu.

O Tomás Camará [, futuro tenente comando graduado, da 1ª CCmds, do Batalhão de Comandos, mais tarde fuzilado pelo PAIG, ] disse também que, com o Honório, não ia. Então o tenente [ Saraiva] disse que as avionetas que os iam levar, regressavam para depois levar o resto do grupo. Visto que um dos pilotos concordou, eu e o Tomás Camará ficámos a aguardar. As três avionetas levantaram com o pessoal e, passados dez minutos, vimos o Furriel Honório a dirigir-se para a sua Dornier. Virou-se para nós e disse:
– Vamos ?

O Furriel Morais e um soldado europeu foram ter com ele.
– Só vão vocês os dois ?
– É, eles dizem que não vão na sua avioneta!
– Mas, porque não ?

Saiu da avioneta e dirigiu-se para nós. Cumprimentou-nos e perguntou:
 – Por que é que vocês não querem ir comigo ?

Olhámos para o lado, nenhum de nós deu resposta. Ele disse:
– É, pá, isso é uma grande vergonha para nós! Eu sou preto. Levo brancos, que têm confiança em mim e vocês, que são meus patrícios, não querem ir na minha avioneta ? Vamos embora, pá, não há problemas!
– Eu não gosto de manobras no ar e o Tomás também não !
– Eu não faço nenhum tipo de manobras!

Depois pegou nos nossos equipamentos e disse:
 – Vamos embora!

Não havia outra maneira! Muito contrariados, embarcámos na avioneta. Tomou altura, virou para o sul e o voo correu muito bem até ao campo de Cufar. Aí o Honório viu um homem a andar sozinho, apontou o dedo e disse alto:
–Vou assustá-lo.

Eu já não sabia onde me meter. Ele baixou a avioneta e passou por cima do homem, que continuou a andar com calma.
– Ai, ele não fugiu ? Então, vou acertar-lhe com a asa da avioneta!

E baixou outra vez e ainda mais, parecia que ia atrerrar ali. O homem viu aquilo, que não era nada normal, e saltou para junto de uma árvore. Mas agora, para retomar altura,  é que me parecia mesmo muito difícil. Ao homem, a árvore tinha-lhe salvo a vida e a nós, pouco faltou para perdermos as nossas.

A partir deste incidente, nenhum de nós abriu mais a boca, até chegarmos a Cacine. Esta pequena vila fica junto ao rio. O piloto parou o motor e mergulhou, mergulhou. Só víamos água à nossa frente. Naquela altura, eu disse para comigo, até aqui foi brincadeira, mas agora ele não vai poder controlar a avioneta e vamos morrer todos. Era só água que eu estava a ver, tapei a cara para não ver mais nada e gritei com força. Ouvi o Tomás também aos gritos. De um momento para o outro, senti o estômago na boa, o avião estava a levantar, outra vez, a pique. Mesmo assim vi os morangueiros bem perto e, logo depois, entrou directo na pista e aterrou.

Saltou cá para fora, abriu a porta a cada um de nós e, quando sem qualquer tipo de fala, lhe virámos as costas, ele apalpou-me o rabo, para saber se eu tinha borrado as calças (…).

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 4 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5935: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (20): O Honório e o 2º Sarg que dizia que se aguentava (Vítor Oliveira)

Guiné 63/74 - P6209: Eu, capitão miliciano, me confesso (3): Falando de patacão... (Jorge Picado)

1. Comentário, de 21 do corrente, assinado pelo Jorge Picado,  ao poste P6177 (*)

Camaradas:

Por motivos vários só hoje cheguei aqui, mas mais vale tarde do que nunca.
Também eu andei pelos "Casões Militares, de Lisboa e Porto",  a comprar o enxoval, desde Agosto de 1969, por causa da chamada para o CPC e depois a completá-lo nos finais de Janeiro de 1970, quando já tinha o Bilhete para as "férias" marcado.

Não sei se comprei a pronto,  se a prestações.

Agora aí vai um apontamento que resistiu ao tempo, referente ao mês de Junho [de 1970]:

Total Abonos 13900$00

Total descontos 8967$00

A receber 4932$00.

Nos abonos estão incluidos 4000$00, relativos aos abonos de família (já tinha os 4 filhos), de Março,  Abril, Maio e Junho.

Vencimentos a receber em Agosto em virtude do aumento:

Março-Julho  [1970] 10500$00

Fev 1326$00

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Total 11826$00

Desc. Cx Geral Aposentações -710$00

I. Selo -12$00

-----------------------

A receber  (líquido) 11104$00

Recordo-me que devo ter guardado "religiosamente" os recibos, porque se regressasse, como felizmente regressei, tinha depois de estar documentado para se algo de anormal acontecesse nos meus descontos para a Caixa Geral de Aposentações, como realmente aconteceu.

Quando esse problema ficou resolvido, então sim, destrui-os.

Abraços

Jorge Picado

ex-Cap Mil
 (Hoje faço este aditamento para calcularem os proventos dos 3 galões estreitos) (**)
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Notas de L.G.:
(**) Vd. postes da série:

Guiné 63/74 - P6208: Blogpoesia (70): Poemas de José Orlando Bretão escritos na Guiné (Cristóvão de Aguiar)

1. Mensagem de Cristóvão de Aguiar endereçada ao nosso camarada Mário Beja Santos:

Meu Caro Beja Santos,
O José Orlando Bretão foi meu companheiro de República, em Coimbra, nos anos sessenta, antes de irmos para a Guerra Colonial.
Ele pertencia ao Batalhão de Henrique Calado e estava sediado em Farim.
Foi camarada do Armor Pires Mota. Ora, o Bretão, escreveu umn folheto a que deu o título de Três / Tristes/ Tempos, e O Regresso do Melro Preto (folhinhas do esquecimento), só para oferecer aos amigos. O folheto tem apenas oito páginas, mas tem dois poemas escritos na Guiné.
Vou transcrevê-los:


Em redor do silêncio
um imenso vazio
para onde
verso a verso
fatalmente crescerei

Oásis derramado
à volta de uma fonte


-----------------------

Triste

Primeiro / Tempo

EMBOSCADA


Esperávamos em silêncio
mastigando a memória das coisas
e a Morte claramente apercebida
aguardava confiante o seu quinhão

Pensávamos:
- "Cada coice de Mauser no ombro
é uma carícia da Pátria agradecida" (*)

Mastigávamos a memória
esperando das coisas o silêncio
e a Morte claramente apercebida
recolhia confiante o seu quinhão

- Puta de Pátria que agradece aos coices.


Canjambari Morucunda /1964

(*) José Rodrigues Miguéis, É proibido apontar.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6037: Blogpoesia (69): O Dia Mundial da Poesia, da Falagueira a Buruntuma (Luís Graça)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6207: Convívios (221): Almoço de Confraternização do BART 733, dia 15 de Maio em Cuba (João Parreira)

1. O nosso Camarada João Parreira, ex-Fur Mil Op Esp / RANGER / COMANDO da CART 730 / BART 733 e do Grupo “Fantasmas”, Bissourã e Brá, 1964/66, enviou-nos uma mensagem, solicitando-nos a divulgação da notícia da próxima festa do BART 733:

BART 733
Almoço de Confraternização

Camaradas,

Vai-se efectuar no próximo dia 15 de Maio vai-se celebrar mais um Almoço de Confraternização do BART 733.

Segue-se o Convite, para conhecimento e efeitos a todos eventuais interessados.

Abraço amigo,
João Parreira
Fur Mil Op Esp/RANGER/COMANDO da CART 730 /BART 733 e do Grupo “Fantasmas”

_________
Nota de MR:
Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 – P6206: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (IX): Coincidências de Aniversários ou algo mais?


1. O nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviou-nos, em 20 de Abril de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas e Amigos,
Mais liberto dos meus compromissos teatrais, eventualmente espicaçado pelo nosso camarada Alberto Branquinho, eis-me a enviar um texto desde o meu Buarcos lindo...

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - IX
Coincidências de Aniversários ou algo mais?

Li há dias que o nosso Blogue, a nossa querida Tabanca Grande, vai completar seis anos nos finais do corrente mês de Abril e alguns camaradas nossos têm-se referido de forma elogiosa, atribuindo com toda a justiça, ao nosso Comandante Luís Graça e aos seus co-editores, o êxito deste espaço magnífico de diálogo e de discussão, que eu leio diariamente e onde aprendo sempre qualquer coisa.
Deixarei para os mais talentosos de escrita os elogios rasgados, os louvores e os aplausos públicos que o Luís merece, encómios esses aos quais eu me junto, por antecipação, sem qualquer rebuço.

Decidi então contribuir para o aniversário do nosso Blogue com uma história passada em Mafra em finais de Abril de 1971, para mim de enorme importância e altamente marcante para toda a minha vida.

Demorei todo este tempo a trazê-la a público pois tinha a necessidade absoluta de conhecer alguém que também a tivesse vivido para poder, em quaisquer circunstâncias, testemunhar o ocorrido.

Fui incorporado em Mafra no dia 11 de Janeiro de 1971, tendo feito a recruta no quarto pelotão da 1ª Companhia, pelotão comandado por um homem de elevada educação e cultura, sempre preocupado em transmitir aos instruendos o que a sua experiência de combatente na Guiné lhe ensinara: o então Alferes Mário Beja Santos, que hoje faz o favor de ser meu amigo.

O segundo ciclo, julgo que se estendeu de Abril a Junho, cumpri-o no primeiro pelotão da 4ª Companhia, pelotão constituído por elementos escolhidos para o curso de capitães milicianos, também chamados “capitães de proveta” e não me recordo do nome do comandante desse pelotão.

Os meus camaradas que passaram por Mafra, terra a que nunca mais voltei, mas que espero visitar quando a reforma da minha mulher lhe bater à porta, lembram-se da foz do Lisandro, recordam-se do Vale Escuro, da Aldeia dos Macacos e da travessia da lagoa que existia na Tapada e do rigor muitas vezes descomedido da revista às botas, às armas e à barba que nos permitia, ou não, sair daquele convento para petiscar aqui ou acolá, beber um fininho ver um pouco de televisão ou conversar, em grupos de dois três elementos, sempre em andamento por causa das “escutas”.

Estaria Abril, particularmente chuvoso nesse ano, já na parte final quando uma desgraça aconteceu na travessia da lagoa.
O exercício não seria mais difícil do que por exemplo o andar no pórtico, ainda hoje abomino essa palavra, ou saltar para o galho, mas as chuvas tornaram a lagoa num charco barrento que tornava a travessia mais difícil, sobretudo para os últimos elementos desse pelotão, pois a lama já revolvida, o ter de manter a G3 acima da cabeça e o peso da mochila, tudo isso provocava nos mais temerosos um receio a roçar o medo.
Um cadete atrapalha-se a meio da travessia, um camarada vai em seu auxílio e é puxado para o fundo, um terceiro volta para trás tentando socorrer os outros dois que, na sua aflição o arrastam também para a morte.
Penso que os corpos só foram encontrados por mergulhadores da Marinha.

Mas a minha história não termina aqui e o que se passou a seguir constitui na minha opinião, a maior homenagem que poderíamos prestar aos nossos camaradas mortos; nós cadetes, simples soldados cadetes, homens arrancados aos estudos, outros com os cursos já feitos, que de um momento para o outro passam a ser números de uma máquina sem coração, não fomos cadetes, fomos Homens.

Com o refeitório cheio de algumas centenas de nós preparados para o almoço, em sentido obrigatório como era da praxe, recebemos a ordem talvez do oficial de dia:

- SENTAR!

Como fez barulho o silêncio que se seguiu!

Ninguém, ninguém se mexeu!

Impávidos, serenos, comovidos, com os olhos brilhantes, ninguém, ninguém obedeceu!

Músculos retesados, firmes no nosso querer e na nossa razão, pêlos eriçados, ninguém, ninguém, nem os “engraxadores” hesitaram.

Foi chamado o Comandante Maior.

- SENTAR!

Trovejou uma voz ainda mais potente, como se a estridência do grito fosse directamente proporcional ao número de riscos amarelos que o ombro suportava.
Ninguém, ninguém cumpriu a ordem.

- DESTROÇAR!

E lá foram os cadetes, olhando-se com respeito, olhos nos olhos.
Não me apercebi de medo em nenhum rosto.
O meu íntimo regozijava.
Fomos para a sala nº 10, todos, sem excepção para uma reunião espontânea que foi interrompida quando recebemos ordem para ir de fim-de-semana.
Seria quarta ou quinta, não me recordo, sei apenas que o rigor muitas vezes despropositado da revista às armas, foi substituído pelo deixa andar.
Era preciso mandar estes gajos para fim-de-semana em passo de corrida.

Como foi isto possível?

Afinal… era possível.

Um abraço de parabéns para toda a Tabanca Grande.
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5370: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VIII): As “licenciaturas” dos tigres do Cumbijã.

Guiné 63/74 - P6205: V Convívio da Tabanca Grande (4): Ponto da situação das inscrições em Abril (A Organização)


Caros camaradas e amigos tertulianos

Como podem constatar, temos neste momento 82 inscrições para o nosso Encontro em Monte Real.
Estamos convencidos que há muitos camaradas que compareceram aos Convívios anteriores que ainda não se inscreveram neste.

Lembramos que a inscrição atempada facilita a tarefa do Mexia Alves, logo, os camaradas que tencionam estar presentes, deverão contactar-nos o mais brevemente que lhes for possível para o efeito.

Por outro lado, o camarada Mexia Alves faz saber que no dia do nosso Encontro vai haver outro evento no Palace Hotel de Monte Real, pelo que as pessoas interessadas em pernoitar lá, deverão fazer as suas reservas, porque caso deixem para a última hora o seu pedido de estadia, poderão encontrá-lo esgotado.

Vamos tentar bater o máximo atingido o ano passado que foram 132 presenças.

Pela Organização
CV
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Nota de CV:

Sobre o V Convívio da Tabanca Grande, vd. postes de:

20 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6025: V Convívio da Tabanca Grande (2): Escolhida a data de 19 de Junho de 2010 e o local, o Palace Hotel Monte Real (A Organização)
e
24 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6043: V Convívio da Tabanca Grande (3): Justificação para a segunda mudança de data (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P6204: Agenda cultural (72): Documentário, de Diana Andringa, Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, no IndieLisboa '10, na Culturgest, a 23 (Grande Auditório, 21h30) e 25 (Pequeno Auditório, 18h30)



Sítio do  IndieLisboa '10 - 7º Festival Internacional de Cinema Independente, Lisboa, 22 de Abril a 2 de Maio de 2010


Tarrafal: Memórias do Campo da Morte, documentário de  Diana Andringa:  "Longas horas de pé sobre um banco, espancado se tentasse apoiar-se na parede, foram uma das torturas sofridas por Arlindo Borges, de Cabo Verde".




 Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, documentário de Diana Andringa:  "lanta do campo gravada num osso de vaca cuidadosamente preservado"


1. Mensagem enviada pela nossa amiga Diana Andringa, realizadora, no passado dia 19:

Assunto - Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta no IndieLisboa '10

 Olá! 

Às 21H30 do dia 23 de Abril   passa no Grande Auditório da Culturgest (Caixa Geral de Depósitos, Campo Pequeno), o documentário que fiz sobre o Campo de Concentração do Tarrafal – "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta".

Teria muito gosto em que fosse visto por muita gente nessa noite. A imagem do João Ribeiro e o som da Armanda Carvalho são ainda melhores  naquelas condições. Tenho alguns convites para oferecer aos que o desejem.

O filme repete no Pequeno Auditório da Culturgest no dia 25, às 18H30.

 Diana Andringa

Tarrafal: Memórias do
Campo da Morte Lenta.


Chamavam-lhe "o Campo da Morte Lenta". Os críticos, naturalmente. Que as autoridades, essas, chamaram-lhe primeiro, entre 1936 e 1954, quando os presos eram portugueses, "Colónia Penal de Cabo Verde" e, depois, quando reabriu em 1961 para nele serem internados os militantes anticolonialistas de Angola, Cabo Verde e Guiné, "Campo de Trabalho de Chão Bom". 

Trinta e dois portugueses,  dois angolanos, dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência do que ali tinham passado. Famílias houve que, sem nada saberem do destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias funebres.

"Ali é só deixar de pensar. Porque se não morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos." A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974.

No 35º aniversário desse dia, a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Verona Pires, os sobreviventes reencontraram-se para um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal.

"Tarrafal: memórias do Campo da Morte Lenta" resultou desse reencontro. Durante os dias em que os antigos presos voltaram ao Tarrafal, gravámos entrevista após entrevista, registando as suas recordações. Trinta e dois presos, desde o português Edmundo Pedro, um dos que o estreou, em 1936, aos angolanos e cabo-verdianos que foram os últimos a deixá-lo, no 1º de Maio de 1974, passando pelos guineenses que, ali chegados em Setembro de 62, saíram em 64 uns, em 69 os restantes.  Um guarda, Joaquim Lopes, cabo-verdiano e convertido ao PAIGC. Uma das raras pessoas que testemunhou a vida no Tarrafal desde a sua abertura ao seu encerramento, Eulália Fernandes de Andrade, mais conhecida por D. Beba.

É um documentário feito à base de depoimentos e filmado quase sempre no interior do campo, afinal, o espaço em que os presos se moviam. Entre as raríssimas excepções, o cemitério, onde acompanhamos a homenagem dos sobreviventes aos que ali ficaram. Vozes, caras expressivas contra fundo de cela. Alguns objectos surpreendentes: as calças rasgadas  pelo chicote e puída pelo chão prisional, a planta do campo desenhada num osso de vaca, a bengala que testemunha o resultado da tortura. A alegria de se verem lembrados em duas exposições nas celas que tinham ocupado.

A alegria: palavra estranha num filme sobre o Tarrafal. Mas essa é a grande lição destes homens: porque, como diz um deles, o caboverdiano Jaime Scofield, "o mais importante não é que eles nos tenham querido matar lentamente. O mais importante é que nós resistimos."

Esta é a história de homens a quem quiseram destruir toda a esperança e que souberam resistir até à vitória: "Porque no Tarrafal nós inventámos a vida, sempre!"

TESTEMUNHOS
- por ordem de entrada no filme -

Edmundo Pedro (Portugal)
Eulália de Andrade, D. Beba (Cabo Verde)
Joaquim Lopes, guarda (Cabo Verde)
Cândido Joaquim da Costa (Guiné)
Caramó Sanhá (Guiné)
Francisco Mendes Vieira (Guiné)
Manuel Neves Trindade (Guiné)
Carlos Sambu (Guiné)
Augusto Pereira da Graça (Guiné)
Macário Freire Monteiro (Guiné)
Nobre Pereira Dias (Angola)
Amadeu Amorim (Angola)
Fernando Correia (Guiné)
Mário Soares (Guiné)
Jorge da Silva (Guiné)
Agnelo Lourenço Fernandes (Guiné)
Lote Sachicuenda (Angola)
Augusto Kiala Bengue (Angola)
Evaristo "Miúdo" (Angola)
Silva e Sousa (Angola)
Joel Pessoa (Angola)
Lote Soares Sanguia (Angola)
Jaime Cohen (Angola)
Alberto Correia Neto (Angola)
Vicente Pinto de Andrade (Angola)
Justino Pinto de Andrade (Angola)
Carlos Tavares (Cabo Verde)
Luis Fonseca (Cabo Verde)
Jaime Scofield (Cabo Verde)
Luís Mendonça (Cabo Verde)
Arlindo Borges (Cabo Verde)
António Pedro Rosa (Cabo Verde)
Pedro Martins (Cabo Verde)


Ficha técnica:
Imagem: João Ribeiro
Som: Armanda Carvalho
Montagem: Cláudia Silvestre
Música; "Abandono" ("Fado Peniche") Poema: David Mourão-Ferreira Música: Alain Oulman Voz: Amália Rodrigues
Assobio: Bruno Morgado
Voz off: Jorge Sequerra
Misturas: João Ganho
Produção e Realização: Diana Andringa [, 2009]
Tempo: 1H 30'




2. Comentário de L.G.:

Além deste trabalho da Dina Andringa, que que eu recomendo vivamente e vou ver, espero que não percam também o filme de Rui Simões, de 2010, com a duração de 95', Ilha da Cova da Moura,  um bairro do Concelho da Amadora, injustamente estigmatizado e mal amado, que pode ser visto, simbolicamente, como a última ilha que nos restou do arquipélago a que um dia chamámos Império Colonial... Parafraseando uma jovem moradora local, "português preto não existe" (sic)... A frase, na sua ambiguidade,  pode também querer sugerir duas coisas: que há, entre nós um velho racismo subliminar nunca resolvido, e que a exclusão social e o racismo andam quase sempre de mãos dadas...

Um trailer do filme, com a duração de 1' 45'', pode ser visto aqui.

Exibições: 28 Abril, 19:00, Culturgest, Grande Auditório
30 Abril, 18:30, Culturgest, Pequeno Auditório

Sinopse:

Na área da Grande Lisboa, o nome Cova da Moura nunca foi sinónimo de bem-estar, educação ou prosperidade. Pelo contrário, esteve sempre associado à ideia de violência, insegurança, perigo, ou, na melhor das hipóteses, de falta de instrução ou simplesmente pobreza. O documentário de Rui Simões não pretende apenas procurar o outro lado do bairro e fazer um retrato positivo da sua comunidade. O objectivo deste projecto não é o de apagar uma série de ideias feitas mas procurar as causas e efeitos desses preconceitos. Assim, o realizador seguiu o quotidiano deste bairro, descobrindo nele reflexos de Cabo Verde e procurando os modos como a exclusão social se combate ou perpetua nas vidas dos seus moradores.

Guiné 63/74 - P6203: Blogues da nossa blogosfera (35): Tabanca dos Melros, com sede no Choupal dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, aberta a todos os ECUS, ex-combatentes do ultramar...


A história da Tabanca dos Melros remonta já a... Dezembro de 2009. Deixemos o Jorge Portojo falar, já que ele é,  juntamente com o Carlos Silva (natural de Gondomar, mas a viver em Massamá, concelho de Sintra), um dos pais-fundadores, animadores e editores:

 Sábado, 12 de Dezembro de 2009 > Poste 1  - Comecemos pelo princípio - A Ideia

E a ideia era juntar em franco convívio camaradas do concelho de Gondomar, que tivessem passado pela Guiné. Email vai, palavra vem e a coisa fez-se.

No Choupal dos Melros - a casa grande do nosso camarada Gil  [Moutinho] - juntaram-se pela primeira vez nestas andanças, uma vintena de camaradas. A ideia teve pernas para andar e não só juntámos camaradas da Guiné e do concelho, como de outros concelhos e de outras guerras. A Índia e Moçambique estiveram muito bem representadas. Como o Porto e Gaia.

Para passar a palavra, criamos este blogue, ponto de encontro entre dois convívios. Que passarão a ser aos segundos sábados de cada mês, no Choupal dos Melros, a nossa sede.

E agora, ditem as vossas leis, porque não vamos parar. Escrevam, dêem opiniões, passem a palavra.
Nós somos os ECU (ex-combatentes do ultramar).

O anfitrião, o Melro do Choupal, é o Gil Moutinho que foi Piloto de T6 e D0 27. Esteve em Bissalanca, na BA 12,  de 6 Abril de 1972 a 28  de Dezembro de 1973. No TO da Guiné  executou 497 missões em T6 e DO, o que é obra. ("Bem, uma boa vintena delas foi em lazer,  para a praia de Bubaque" - confessou ele, no blogue...).

A primeira (e, por isso, histórica) reunião dos Melros foi em 5 de Dezembro de 2009 e está amplamente documentada no blogue. O quartel-general é o Choupal dos Melros (um conmhecido restaurante típico) que o Gil Moutinho pôs à disposição dos seus camaradas de Gondomar & Arredores...

O e-mail é o seguinte: choupal@quintadoschoupos.com ... A localização pode ser vista aqui.

Ficam também aqui os contactos telefónicos: Tm 919677859-Gil / Tel. 224 890 622 - Choupal. Não se esqueçam: todos os segundos sábados de cada mês há actividade operacional na Tabanca dos Melros.

A Tabanca dos Melros (que está aberta a todos os ECUS, leia-se: ex-Combatentes do Ultramar, da Guiné à Índia), vem atraindo  as mais desvairadas gentes como o António Pimentel  ou o Fernando Gouveia que nem sequer são gondomarenses. Além destes dois membros da nossa Tabanca Grande Grande, bem como do Jorge Portojo e do Carlos Silva (que vive no sul), já lá vi (e li) mensagens de outros nossos amigos e camaradas: o Jorge Félix, o David Guimarães, o Santos Oliveira e outros. E reconheci nas fotos outros camaradas como o A. Marques Lopes, o J. Casimiro Carvalho, o Santos Oliveira, o Manuel Carmelita (o fotógrafo) e outras caras já conhecidas da Tabanca de Matosinhos.

O David Guimarães, por exemplo, escreveu o seguinte, em jeito de saudação aos novos tabanqueiros:

Amigos e camaradas de GONDOMAR, da linda nova "tabanca", claro...


Vejo com agrado a criação de novos espaços oriundas da grande Tabanca,  Luís Graça e Camaradas da Guiné,  onde eu nasci e aprendi as regras do atabancamento. (...)

Que raio, eu que já conheço essa 'cubata',  o Choupal dos Melros, na minha vida artística - junto com o Carlos Costa estivemos lá a tocar. Achei mesmo lindo o espaço para um 'atabancamento' que nunca se confunda com 'atrabancamento'....


Como na tropa, alguém me disse fez dias: em Gondomar está lá uma tabanca a formar-se para o pessoal do Concelho que andou na Guiné...

O 3º convívio também fez história. Foi a 13 de Fevereiro de 2010. O pessoal da Tabanca de Matosinhos esteve lá em força, segundo parece. Também o Coutinho e Lima apareceu.


Gondomar > Tabanca dos Melros > 3º  convívio > 13 de Fevereirod e 2010 >  No final do respasto, houve fados... E o Armando  Martins surpreendeu a malta com o fado do Emboscado.



Gondomar > Tabanca dos Melros > 3º Convívio > 13 de Fevereiro de 2010 > Na hora do Fado: entre outros instrumentistas, o Quim Martins à guitarra e o David Guimarães à viola.



Gondomar > Tabanca dos Melros > 3º Convívio > 13 de Fevereiro de 2010 > O Gil Moutinho, à direita, recebendo das mãos do Coutinho e Lima um exemplar do seu livro A retirada de Guileje: a verdade dos factos, exempltar que será destinado  ao "futuro museu da Tabanca dos Melros, os ECUS".  Ao Gil Moutinho já tinham tido o prazer o conhecer pessoalmente, em Monte Real,  no 2º almoço-convívio da Tabanca do Centro, em 26 de Fevereiro último.


Fonte: Tabanca dos Melros (2010) (Com a devida vénia...)


Conforme explicação dada pelo Armando Martins, o fado Emboscado (paródia do fado Embuçado, letra e música de João Ferreira Rosa) "era cantado por um camarada do BCP 12, desconheço o autor. Acho que havia mais uma quintilha, mas já não me lembro". 

A letra do Emboscado  é uma preciosidade que deve ser preservada e divulgada, devendo nomeadamente chegar ao conhecimento de mais gente através do nosso blogue.


O EMBOSCADO

Noutros tempos a macacada
Que havia no CTIG,
P´ra nos correr à facada,
Ao tiro e à morteirada,
Formou o PAIGC.

A história que vou contar,
Contou-ma um camarada meu,
Certa vez que foi atacar
O Exército Popular,
Lá para as bandas do Cacheu.

Vem de lá o Zé do Caco (1),
É tamanha a confusão,
Cale-se lá, seu macaco,
Que se me abres mais um buraco,
Eu chamo a aviação.

Ante a admiração geral,
Descobriu-se o emboscado,
Era o Amílcar Cabral,
Houve tiroteio geral
E depois cantou-se o fado.

Recolha: Armando Martins
Revisão e fixação de texto / Nota: L.G.

(1) Zé do Caco = Spínola

Aos nossos sempre bem-humorados  Melros, só posso desejar as maiores (a)venturas e prometer que um dia destes, nas minhas idas ao Norte,  também lá passarei, pela Tabanca, sentindo-me honrado com a sua hospitalidade e irmanado no seu projecto de dar mais anos, com qualidade, aos anos de vida que restam aos ECUS.

Bom, e quero ouvir o Armando Martins a cantar o Emboscado, acompanhado à guitarra pelo mano Quim e, à viola, pelo velhinho Guimarães (cujo pai andou na 1ª Grande Guerra!!!)... (A propósito, camaradas e amigos, o nosso David - que é um senador do nosso blogue - faz anos no dia 24 deste mês!).

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Nota de L.G.:

(*) Poste anterior desta série > 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6192: Blogues da nossa blogosfera (34): Comandos-Guine 1964 a 1996, de Luís Raínha, o centurião-mor