quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955



Continuação da publicação das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

Excertos da 1ª Parte, Pág. 7-9 


"17. Foi a fase em que surgiu Amílcar Cabral, [em 1952, o qual ] jogou um papel importante, inteligente, em que organizou a sociedade, fazendo serenar os ânimos [exaltados devidos às ] rivalidades, e levando os adeptos a uma camaradagem que se impunha, e a um convívio em paz. E unidos, no sentido de organizar o combate ao único inimigo da Pátria, o nefasto colonialismo.

“Amílcar organizou os contactos, restritos. Para defesa da confidencialidade necessária”: Elisée Turpin, Inácio Semedo, Fernando Fortes, Luís Cabral, Aristides Pereira, Epifânio Soto Amado, Júlio Almeida, guarda-redes da UDIB, etc.

"18. Os colonialistas, em vez de corrigirem, incentivaram mais os motivos das rivalidades e dos reparos dos guineenses: Liceus em Cabo-Verde, bons empregos, salários desiguais, etc.

"19. Vinha de Bolama, as reuniões eram no quarto de Elisée Turpin, [,em Bissau,] que ficava situado atrás do salão onde se pratica hoje o judo. Vinham conhecidos dele do Senegal e os encontros eram ali e também na messe do B.N. U. [, Banco Nacional Ultramarino,] com os cabo-verdianos, empregados do B.N.U. que passaram a dar uma contribuição válida, Lima Barber, Júlio Simas, Eanes, Cézar, Lomba Nascimento, etc., sendo os últimos de S. Tomé.

“Após as reuniões, o camarada Luís Cabral, invariavelmente, mantinha-s eno passeio do B.N.U,, a passear. Ao chegarmos à esquina da empresa francesa NOSOCO (hoje Henrique Rosa), o Elisée dizia-nos:
- Um momento, para eu dar uma fala ao Luís Cabral.  

"Mas nunca dizia o que ia tratar com ele"... 









Cópia da 1ª Parte, pág. 8 (em cima)... Transcrição da página 9 (a seguir):

"razão do meu constrangimento e propôs-me uma transferência para Paris, dada a confiança que ganhei em toda a organização, a exemplo de muitos colegas que foram transferidos na altura para Ziguincgor, Dakar, etc. 

"Avisou-me que o vento da Independência iniciada nos países vizinhos (Conakry, Senegal, etc.) chegaria à Guiné-Bissau e aconselhou-me que, se ficasse na Guiné, iria passar mal, como passei.

"Após esta reunião, decidi adiar a minha decisão, era altura da campanha, mas com o constrangimento a que éramos obrigados nas compras dos produtos, voltei à carga com a decisão. Foi assim que me estabeleci por conta própria a 5 de Setembro de 1955.

"Fim da 1ª Parte".

[ Revisão / fixação  de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]

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Nota de L.G.:

 (*) Vd. postes anteriores da série:


2 de Agosto de 2010 > 
Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6827: (Ex)citações (87): O direito de um velho colon a ter um ponto de vista um tanto reaccionário (António Rosinha)

1. Comentário de 29 de Julho último, assinado por António Rosinha [, foto à esquerda,  em Pombal, 2007, de L.G.], ao poste P6802:

 Beja Santos, esta tua capacidade e força para publicares e analisares tudo o que se escreve sobre a Guiné, enriquece imenso este blogue. Com a vantagem de deixar campo para cada leitor fazer a própria análise.

E, no caso deste livro, que não dá muitas novidades mais que outras leituras, é aquela dúvida se seria exactamente o PAIGC de Amílcar e Luís Cabral, que os guineenses queriam.

Atenção,  que eu assisti ao 14 de Novembro de 1980, em que Vasco Cabral (não era da família),também foi baleado à porta de casa por «uma bala perdida».

E o facto de alguns guineenses ficarem satisfeitos com a nova constituição, o povo em geral também não teve opinião. Porque aquilo não foi mais do que um tiro no próprio pé do PAIGC.

Será que a grande preocupação do povo seria mesmo uma nova "constituição"? É que aqueles que se diziam membros do PAIGC apregoavam que o golpe nos «bormelhos» foi justo, porque tanto a distribuição dos lugares bons, assim como a distribuição dos automóveis, tinha ido parar às «mãos erradas».

Era um bom motivo para um golpe de estado, visto do PAIGC;  do PAICV, nunca li grandes comentários.

Mário e Luís, o facto de eu ser um velho «colon»,  também tenho direito a analisar de um ponto de vista um tanto reaccionário.

Faço votos que a democracia imposta pelos FMI, ONU, Banco Mundial, e Igreja, e umas tantas ONG, substitua um dia a droga e a corrupção, e fixe os guineenses mais preparados na sua terra. Caso contrário, com o tempo desaparece a nossa velha Guiné.

2. Outro comentário (ao poste P6807) do camarada do nosso querido amigo António Rosinha, a quem desejamos saúde  e longa vida:

Luís Graça, deve ser interessantíssimo publicar na íntegra as memórias do Cadogo Pai, que provavelmente vai permitir, simultaneamente,  ficarmos com uma ideia sobre Cadogo Filho, 1º ministro e talvez o maior empresário guineense pós-independência.

Se o pai não seria histórico do PAIGC?

Podia não ser, mas Luís, nos anos 50,  todos os guineenses letrados, chamemos-lhe assim, (não indígenas), tipo Luís Cabral, da Casa Gouveia, dos Correios,  tipo Aristides, ou o Cadogo, de uma casa comercial, todos eram nacionalistas.

Tanto do PAIGC em Bissau, como do MPLA e outros de Angola, todos eram nacionalistas.  Antes de Março de 1961, não se preocupavam muito em esconder o que pensavam e até o manifestavam entre amigos e colegas metropolitanos.

O que confundia muitos, era essa ligação política ao comunismo, e veio a ver-se,  depois de Março de 1961, as ligações aos americanos através das missões evangelistas em Angola.

Daí haver milhares que, sendo nacionalistas, nunca aderirem aos movimentos. Daí  também se contarem pelos dedos os pouquíssimos dirigentes (letrados) do MPLA e do PAIGC.

É que,  quando lemos tudo o que há escrito sobre os movimentos, principalmente do PAIGC, que secou os outros em volta, são sempre um pequeno grupo.

No entanto todos eram nacionalistas, desde os que foram Cabos, Furriéis e Alferes do nosso exército,  lado a lado connosco, como os que foram colegas de trabalho.

O Cadogo, incompreensivelmente aos olhos de um tuga, tinha sucesso como empresário, em plena implantação do comunismo mais ortodoxo em Bissau de Luis Cabral.

Cumprimentos.
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6826: Efemérides (49): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no cais do Pindjiguiti, Bissau (2) (Leopoldo Amado)

Os graves acontecimentos do Pindjiguiti em 3 de Agosto de 1959 

II parte do texto do Leopoldo Amado, historiador guineense e membro da nossa tertúlia (publicado igualmente no blogue Lamparam II, em post de 21 de Fevereiro de 2006):

Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte (*)

A independência do Gana (1957) e as perspectivas da independência da Guiné Conakry e do Senegal (1958 e 1959) rapidamente transformaram a predisposição latente de luta pela independência dos guineenses num entusiasmo difuso, alimentado pela expectativa imediatista duma iminente libertação pacífica da Guiné, à semelhança do que ocorrera com os territórios africanos vizinhos.

Coincidentemente, e sob o impulso de elementos directamente doutrinados por Amílcar Cabral, registou-se em 1957 uma primeira grande greve dos trabalhadores no cais de Pindjiguiti em Bissau (12), apesar de que é a independência da República da Guiné que iria doravante funcionar como o ponto de partida e o leitmotiv para um amplo movimento para a independência.

Chega-se assim aos inícios da década de 50 do século XX com um nacionalismo guineense já mais amadurecido, pois, nesse período, para além de toda a carga histórica e cultural que comportou a resistência à ocupação colonial, este nacionalismo começou a ser directa ou indirectamente influenciada pela evolução política no Senegal e na Guiné Conakry, apesar de que as organizações surgidas na altura terem um carácter incipiente, reflectindo todos eles um certo idealismo.

O primeiro das organizações políticas a aparecer foi o MING (Movimento Nacional para a Independência da Guiné). Todavia, António E. Duarte Silva (13) atribui a paternidade da fundação do MING, em 1955, a José Francisco Gomes ("Maneta") e Luís da Silva ("Tchalumbé"), não obstante saber-se que o MING tinha por detrás a mão de Amílcar Cabral, não teve propriamente acções conhecidas e nem grande projecção.

Segui-se-lhe o PAI (Partido Africano para a Independência, fundado em 1956 por Amílcar Cabral (e que só se transformaria em 1962 em PAIGC), apesar deste Partido ter sido forçado a experimentar um período de profunda hibernação (1956-1959), dado que o Governador Peixoto Correia, depois de devidamente informado sobre as actividades de Amílcar Cabral, proibiu-o de estabelecer residência na Guiné, transferindo-o compulsivamente para Angola.

Portanto, é nesse hiato em que as actividades do PAI quase desaparecem, que é fundado o MLG (Movimento para Independência da Guiné), um movimento que integra sobretudo os guineenses, nomeadamente os dignatários com que Cabral havia começado a trabalhar desde 1952 e que, entretanto, assumem a liderança desse movimento.

João Rosa, um dos líderes históricos do MLG lembra (segundo o seu auto de interrogatório na PIDE datado de 1962) de ter integrado este movimento a convite de José Francisco Gomes e de ter participado na primeira reunião do MLG em princípios de 1958, na qual estiveram igualmente César Fernandes, Ladislau Lopes, este último mobilizado por Rafael Barbosa, elemento que viria a revelar a grande veia mobilizadora, chegando mesmo a protagonizar em entre 1959 e 1959 uma rotura que praticamente definhou a estrutura residual do MLG em Bissau, apesar de que em jeito de révanche e antecipação ao PAI, sempre ia desenvolvendo uma ou outra acção clandestina com o objectivo de demarcar-se publicamente do PAI, à semelhança do correio que enviou a todas as repartições públicas no dia 8 de Fevereiro de 1960, de um “Comunicado do Movimento de Libertação”, de resto, em tudo semelhante a “Representação” que o Lacerda produziu a pedido de César Mário Fernandes e José Francisco Gomes (assinada por várias pessoas) ao Presidente da República de Portugal em 1955, aquando da visita deste à Guiné.

Eram ainda da nata fundadora do MLG indivíduos tais como Tomás Cabral de Almada, Paulo Lomba Aquino Pereira e José Ferreira de Lacerda, o patriarca do MLG e líder consensual deste movimento, tido desde 1948 como o líder do Partido Socialista (14), que só não participou no acto da fundação do MLG porque à data da sua consumação encontrava-se em Lisboa, no gozo da licença graciosa na qualidade de funcionário administrativo, tanto mais que segundo palavras de Elisée Turpin, "(...) logo após a Segunda Guerra Mundial, uma organização que tinha como cérebro principal o guineense José Ferreira de Lacerda, funcionário público em Bolama, o qual liderava um movimento que de alguma forma tinha influência no Conselho do Governo colonial, chegando quase a ganhar uma eleição para o provimento desse órgão, quando foi abafado e reprimido pelas autoridades coloniais (...)(15)”.

Outra peça documental imprescindível para se compreender e enquadrar as acções do MLG, pelo menos do período que se estende de 1958 ao Pindjiguiti, são os clarividentes autos de interrogatório (16) da PIDE a Isidoro Ramos (ainda vivo). Aí ele é taxativo ao lembrar-se de, em princípios de 1958, ter visto um grupo de indivíduos em frente a Farmácia Lisboa que o abordarem sobre questões relativas a independência, aliás, reunião essa em que também se encontravam Ladislau Justado Lopes (enfermeiro), Epifânio Souto Amado (empregado de farmácia), César Mário Fernandes (empregado do trafego do cais de Pindjiguiti), Rafael Barbosa ( “ O Coxo”, ou “Patrício”, oleiro da construção civil), José de Barros (guarda-fios dos CTT).

Nos autos de interrogatório de Isidoro Ramos, este lembra de, uns dias mais tarde, ter sido abordado por Ladislau Justado Lopes que o informou de que iriam formar um Movimento de Libertação e que estavam a ver que pessoas é que podiam ser admitidas, pelo que imediatamente anuiu ao convite no sentido de integrar o Movimento de Libertação, após ter sido informado pelo seu interlocutor de que Fernando Fortes (funcionário da estação postal dos CTT) e Aristides Pereira (telegrafista dos CTT) também faziam parte desse grupo.

Aliás, salvo raras excepções, de 1958 a 1961, numa amálgama inextricável, alguns destacados dirigentes do MLG e do PAI, indistintamente, partilharam, voluntária ou involuntariamente o mesmo espaço político (17) coincidindo essa fase com o período em que ainda se acreditava ser possível, a breve trecho, sobretudo da parte do MLG, o início do processo que havia de conduzir a Guiné "dita portuguesa" à independência.

Na verdade, a criação em Bissau, em 1958, do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), a par das perseguições das autoridades coloniais, constituiu-se no mais sério problema para os propósitos unitários que Amílcar Cabral postulava na luta contra o colonialismo português na Guiné. O MLG, que desenvolvia acções numa perspectiva política pouco elaborada, cedo hostilizou Amílcar Cabral, a quem alcunhou pejorativamente de "caboverdiano".

Este movimento acusava os caboverdianos de terem ajudado os portugueses na dominação colonial da Guiné e, perante a iminência de independência, pretenderem substituir os colonialistas. A miragem de uma independência prestes a concretizar-se, à semelhança do que ocorreu nas colónias francesas da Guiné "dita francesa" e do Senegal, precipitou nas hostes do MLG a tendência para a organização de um movimento que procurasse congregar no seu seio alguns poucos guineenses ilustres, dando assim primazia a necessidade de sublimação das inquietações mais personalizadas que colectivas, relegando para um plano secundário a preparação para a luta armada e a estruturação do movimento em termos populares.

O ambiente de luta pela independência, levou a que os nacionalistas guineenses e caboverdianos de Bissau se posicionassem a favor do candidato da oposição, Humberto Delgado, nas eleições presidenciais de 1958 que opuserem este a Américo Tomás. Conta Aristides Pereira que “(...)eu, o Fortes e outros patriotas organizámos as coisas de maneira a dominar a situação e fizemos um trabalho subterrâneo de forma a que chegasse às pessoas o que quiséssemos, por exemplo, as listas de voto de Humberto Delgado. Foi assim que a administração ficou perplexa quando apareceram em todos os círculos votos a favor do mesmo. Mas apesar de haver muito boa vontade da nossa parte, havia também muita falta de experiência. Porém, as nossas acções só começaram a ter alguma expressão prática depois da passagem do Amílcar na Guiné. Antes eram apenas ideias (18)".

Como quer que seja, é dado adquirido que o PAI, enquanto tal, até pelo hiato referido que caracterizou a sua quase inacção entre 1956 e 1959, não teve, pelo menos directamente, uma acção ou influência decisivas nas acções que viriam a desembocar em Pindjiguiti. Diferentemente do PAI, a mesma asserção já não pode aferir-se relativamente ao MLG que teve, de facto, uma assinalável e directa participação directa nos acontecimentos. Efectivamente, activistas do MLG tais como César Mário Fernandes (empregado do tráfego do cais de Pindjiguiti), Paulo Gomes Fernandes e José Francisco Gomes tinham-se há muito empenhado em acções de discreta mobilização e consciencialização política dos trabalhadores portuários em geral e dos marinheiros e estivadores do cais de Pindjiguiti em particular (19).

Com feito, Amílcar Cabral só regressaria a Guiné em Setembro de 1959 (14 a 21 de Setembro), isto é, um mês após Pindjiguiti, mas não antes sem ter feito um verdadeiro périplo aos países africanos recém independentes (Congo Kinshasa, Gana, Libéria, etc.) junto dos quais começou discretamente a procurar apoio político e material para a luta de libertação nacional. Assim, a reivindicação a posteriori da paternidade de Pindjiguiti por parte do PAI(GC) só se pode compreender na medida em que o MLG como o PAIGC partilhavam indistintamente o mesmo espaço político, a mesma clientela, chegando mesmo muitos membros do PAI a serem concomitantemente do PAI e vice-versa, de resto, tendência essa que em certa medida se acentua mesmo depois de consumada a rotura, sobretudo a partir do momento em que, a partir de Conakry e Dakar, Amílcar Cabral passou a produzir e a expedir para Bissau inúmeros panfletos que, à cautela, omitiam de propósito quer a sigla do PAI como a do MLG, para apenas se referir ao Movimento de Libertação da Guiné e Cabo-Verde, os quais, de resto, eram clandestinamente distribuídos em Bissau por elementos de filiação dupla (20), particularmente os que, não renegando o MLG, de alguma maneira permaneceram no PAI sob a influência de Rafael Barbosa, mesmo após a cisão.

Curiosamente, a PIDE conseguiu tardiamente reconstituir, através da sua rede informadores em África, todos os passos de Amílcar Cabral neste périplo (itinerário, autoridades contactadas, assuntos versados, etc.), na medida em que tal reconstituição só se concluiu quando Amílcar Cabral tinha já tinha saído de Bissau, onde, numa estada de cerca de uma semana (14 a 21 de Setembro de 1959), informou os correligionários que iria instalar a Sede do exterior do PAI em Conakry, a qual, doravante, se articularia com a Sede do PAI do interior, que acabou clandestinamente por ser instalada pouco depois numa palhota em Bissalanca (21).

Na sua meteórica passagem por Bissau, Amílcar Cabral acordou com os seus principais colaboradores, na altura Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Rafael Barbosa (22) e João da Silva Rosa em como largaria tudo e seguiria para a República da Guiné (Conakry) de onde enviaria directrizes. Efectivamente, a decisão de Amílcar Cabral de escolher um poiso de apoio na Guiné-Conakry foi devidamente sustentada com o exemplo de Pindjiguiti, pois que para ele era a prova iniludível da natureza permanentemente violenta do sistema colonial que, sintomaticamente, tinha maior força nos centros urbanos, donde a razão porque era preciso proceder a uma extensa e meticulosa preparação para a guerra de libertação e a mobilização dos camponeses para responder com violência à violência colonial.

É essa linha de raciocínio esse que presidiu ao envio, a 15 de Novembro de 1960, de um Memorandum a que Salazar nem sequer se dignou responder e que propunha uma série de medidas, “para a liquidação pacifica da dominação colonial "(23), secundando-o também, na mesma lógica, a “Nota Aberta ao Governo Português”, na qual, em jeito de “’ultima tentativa “para a liquidação pacifica da dominação colonial" (24), reitera o teor do Memorandum de Novembro de 1960.

No entanto, em Bissau, consumada que foi a rotura entre o PAI e o MLG, este último Movimento de Libertação quase que desapareceu, vindo todavia a ressurgir-se das cinzas no além fronteiras, a saber, em Dakar, Ziguinchor e Conakry, sobretudo a partir do momento em que um número relativamente considerável de nacionalistas guineenses tiveram que acorrer a essas países recém independentes, seja na qualidade de emigrantes económicos, seja para darem continuidade as acções políticas, ou motivados conjuntamente pelos dois factores, sobretudo após Pindjiguiti e a subsequente grande vaga de repressão que em Abril de 1961 foram efectuadas pela PIDE, seguindo-se-lhe uma outra, igualmente da responsabilidade da PIDE, ocorrida em Fevereiro de 1962 (25). Nestas correntes de emigração, divisam-se motivações que se reportavam a certo sentimento de concorrência em relação ao PAI, mas também era possível descortinar nelas um certo frenesim alimentado pela ideia imediatista da independência.

Foi o caso, por exemplo, dos enfermeiros que fugiram para a Guiné Conakry desde 1959 e que todos a trabalhavam todos no Hospital “Ballay” como, Paulo Dias (que veio posteriormente a ascender ao cargo de Presidente da FLING-COMBATENTE, uma das facções dissidentes da FLING (Frente de Libertação para independência Nacional da Guiné, surgida em Dakar a 3 de Agosto de 1962), João Fernandes (26) e Inácio Silva (27), Fernando Laudelino Gomes (28), sendo este último o locutor principal de um programa emitido semanalmente a partir da rádio Conakry, o qual era basicamente alimentado pelas notícias que basicamente denunciavam as reais ou pretensas atrocidades do colonialismo e que eram alimentadas sobretudo pelas notícias que César Mário Fernandes e Rafael Barbosa enviavam clandestinamente para Laudelino Gomes.

No Senegal, o MLG enraizou-se sobretudo entre os inúmeros refugiados guineenses ali instalados, calculados em cerca de 60.000 pessoas. Dakar acolheu ainda outras organizações tal como a UPG (União Popular para a Libertação da Guiné), a UPCG (União Popular para a Libertação da Guiné) o Rassemblement Democratique Africain de La Guiné (RDAG) que desde 1956 fez propaganda no sul da Guiné, em especial na área de Cacine e a UNGP (União dos Naturais da Guiné-Portuguesa), enquanto que em Conakry o médico e nacionalista angolano-santomense, Hugo Azancot de Menezes, propositadamente expedido para Conakry no quadro do Centro de Estudos Africanos (uma dissidência protagonizada no seio da Casa dos Estudantes do Império essencialmente por Amílcar Cabral, guineense-caboverdiano, Mário de Andrade, angolano e Francisco José Tenreiro, santomense) e do MAC (Movimento Anti-Colonial), passou a enquadrar embrionariamente os guineenses nacionalistas ali emigrados através do Mouvement pour l’indépendance des Territoires sous la domination portugaise.

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Notas do autor:

(12) Os registos desta greve cuja cópia não possuo ou não encontro de momento, mas que cheguei de manusear e ler, encontram-se nos arquivos da PIDE/DGS, na Torre do Tombo. O mesmo se dirá dos registos da PIDE sobre Pindjiguiti.

(13) Duarte, António E., A independência da Guiné-Bissau a descolonização portuguesa, Edições afrontamento, 1977, p. 32

(14) Entrevista de Rafael Barbosa a Leopoldo Amado.

(15) Entrevista de Elisée Turpin a Leopoldo Amado em Bissau.

(16) no seu auto de interrogatório do dia 10.3.1961

(17) Cf. Cabral, Amílcar, Evolução e Perspectivas da Luta, p. 12. Igualmente, nos processos da extinta PIDE, agora abertos à investigação do grande público em Portugal, é possível deduzir a asserção referida.

(18) Entrevista de Aristides Pereira, ex-Secretário-Geral do PAIGC a Leopoldo Amado.

(19) Entrevista de Paulo Gomes Fernandes a Leopoldo Amado.

(20) Eram, por exemplo, os casos de Alfredo Menezes D’ Alva, Epifânio Souto Amado ou um Fernando Fortes, entre tantos outros.

(21) O estabelecimento da sede do PAI em Bissalanca data de 1959, tendo funcionado até Fevereiro de 1962, altura em que foi detectada e tomada de assalto pela PIDE com a ajuda de elementos do Exército português, tendo aí sido presos Rafael Barbosa, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e outros elementos proeminentes do PAI surpreendidos em pleno sono. Com a sede do PAIGC tomada de assalto pela PIDE e preso Rafael Barbosa, seu principal animador, foi desmantelada a rede clandestina do PAIGC em Bissau. A alguns nacionalistas foram fixadas residência em Chão Bom, Tarrafal, excepto Rafael Barbosa que a troco de "colaboração", foi-lhe fixada a obrigatoriedade de se apresentar todos os dias na sede da PIDE em Bissau. Foi apreendido na sede do PAIGC imenso material de propaganda que incluía inúmeros panfletos, correspondências de Amílcar Cabral, para além de armas.

(22) Rafael Barbosa foi acusado em reunião do MLG de ter escondido Cabral aquando da passagem deste último em Bissau, pois tinha anunciado numa reunião anterior deste Movimento a intenção de Amílcar Cabral em reunir com os dirigentes do MLG. Como à cautela Amílcar Cabral rodeou-se de todos os cuidados e apenas se encontrou com Luís Cabral Rafael Barbosa e Fernando Fortes, o facto reforçou as desconfianças nas hostes do MLG sobre as reais intenções de Amílcar Cabral e do PAI.

(23) Andrade, Mário, Obras Escolhidas de Amílcar Cabral – A prática revolucionária (Unidade e luta II), Vol. II, Comité Executivo de Luta do PAIGC, Seara Nova, 1977, pp. 27 à 31.

(24) Ibidem, p. 33-34.

(25) Em Maio de 1962, o PAIGC difundiu largamente um comunicado em que reclamava a libertação dos presos em Bissau, Cadique, Bedanda, Cafal, Cufar, Cantone, Catió, Cotumba, Cafine, Cassumba, Fulacunda, Empada, Tite e nas Ilhas de Bubaque, Canhabaque, Sogá, Caravela e Formosa. Era o período em que quer a mobilização do PAIGC como a consequente repressão dos agentes de mobilização (que apareciam armados de pistolas em diversas tabancas) ia no auge.

(26) Estudou com uma bolsa do Mouvement pour l’ independece des Territoires sous la domination portugaise. Regressou da URSS em 1967 e esteve em Dakar cerca de dois meses antes de partir para Bamako (Mali), onde foi assinalado pela PIDE, em 1970, quando ali exercia como médico cirurgião Bamako, Mali.

(27) Em 1970, encontrava-se em Dakar, segundo uma nota da PIDE.

(28) Em 1964, encontrava-se com problemas psíquicos em Dakar, pelo que a sua mãe foi buscá-lo a Dakar e levou-o a Bissau. Já em Bissau, foi preso pela PIDE em 1966 e acusado de ser o locutor principal que emitia notícias de incitação à revolta a partir da rádio Conakry.
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Nota de CV:

Vd. poste de 3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6821: Efemérides (46): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no cais do Pindjiguiti, Bissau (1) (Leopoldo Amado)

Guiné 63/74 - P6825: Controvérsias (101): Puros e Espúrios 2 (Mário Gualter Rodrigues Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem, em 3 de Agosto de 2010:

Camaradas,

Hoje continuo a abordar uma matéria sensível que, como disse no poste anterior - P6728 -, é a velha polémica entre Oficiais do QP, que não queriam ser confundidos com os Oficiais do QC (Milicianos), tendo mesmo sido publicado um decreto-lei que deu origem aos:

PUROS E ESPÚRIOS 2
Como é do conhecimento dos camaradas do blogue e de quem nos lê, camaradas ou não, surgiu uma controversa sobre quem comandou as Unidades de Combate, nos últimos e mais gravosos anos da Guerra de África,
Oficiais do QP/Milicianos.

O assunto pode nem ser relevante, do ponto de vista militar, mas, será seguramente importante para nos avaliarmos enquanto povo, que já deu e quer dar, ao mundo, lições de bom comportamento moral e social.

Para uma apreciação fidedigna, sigamos uma metodologia adequada, ou seja:

1.º - Dados

No passado dia 13 de Julho de 2010, publicou o nosso blogue um trabalho meu.

Este trabalho consistia na publicação de uma “Exposição sobre o D. L. n.º 353/73 assinada por vários Capitães e datada de Bissau, 28 de Agosto de 1973”.

2.º Análise

Para se analisar, com objectividade a questão QP/Milicianos, há que saber que Unidades Operacionais Comandavam, todos e cada um destes Capitães (que assinaram a exposição), e qual era o Aquartelamento onde estava situada a sede dessa mesma Unidade.

É evidente que esta resposta deve ser dada pelo Oficial que contesta as conclusões da Tese de Doutoramento do Camarada Manuel Rebocho e, obviamente, publicada no nosso blogue.

Naturalmente, e como se sabe e observa, não nos importa saber “mobilizações; colocações; acções; posições e todos os ões que se entendam ou possam entender: o que está em causa são os Comandos Operacionais que exerciam, naquele dia, e não noutro.

Compreende-se, com naturalidade, que uma análise requer um acto; um espaço; um tempo; não uma miscelânea de conveniência. Assim:
O acto -------------------- É o comando que exerciam;
O Espaço ---------------- É a Guiné;
O tempo ----------------- É o dia 28 de Agosto de 1973.

Tudo o que sejam respostas para entreter, seguem directamente para o seu arquivo lógico: o caixote dos papéis.

Nesta pergunta não se enquadram os Capitães Pára-Quedistas, pois esses eram efectivamente operacionais, como o afirma e reconhece o Camarada Rebocho, na sua Tese. Logo, se está esclarecido, mais nada pode esclarecer. Desde logo, qualquer comentário que envolva estes Oficiais, tem o seu arquivo definido...

3.º Análise

A análise, como se compreende, só poderá ser efectuada depois da resposta à questão ora colocada.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. também sobre esta matéria, do mesmo autor, o poste de:

13 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6728: Controvérsias (94): Puros e Espúrios (Mário Gualter Rodrigues Pinto)

Vd. último poste desta série em:

30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6809: Controvérsias (100): O que é que o País pode dar aos ex-combatentes? (José Brás)

Guiné 63/74 - P6824: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (5): Morteiradas em Canquelifá

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Julho de 2010:

Olá Camaradas
Aí vai mais uma história verídica, tal como as anteriores, sobre as "Memórias boas da minha guerra".

Junto foto de mais uma brincadeira do nosso grupo.
A continuação de Boas Férias para todos

Com um abraço do
Silva da Cart 1689



Todos os dias 26 de cada mês havia festa. Era uma forma de se assinalar mais um mês de degredo. Desta vez, em Canquelifá, junto à messe, festejava-se o 17.º com um "Casamento". E para a nossa história lá vão os nomes: da esquerda para a direita: engravatado, de bigode, Miranda (o padrinho), Valente (o irmão da noiva), Berguinhas (a noiva), Matos (o noivo), Vagomestre (a madrinha), Machado (o padre), Borges (o sacristão), Fachina Guisande (o moço da agua-benta), Fachina Canedo (o curioso, em tronco nu) e Escriturário Cunha (o curioso, também em tronco nú. Em baixo, pela mesma ordem: - Bonifácio (o convidado), Massamá (o menino das alianças) e Cepa (o reporter).



Memórias boas da minha guerra (5)

“Morteiradas” em Canquelifá


- Moniz, levanta-te que já é tarde. – dizia-lhe eu, enquanto me penteava frente a um minúsculo espelho pendurado ao lado de uma pequena janela do nosso quarto.

Dali se via o largo da parada bem como a esplanada da “messe”, que era um prolongamento aberto do bar e da cozinha. Por detrás, era o quarto do 1.º Sargento e, ao lado, havia mais dois quartos, perfazendo no total seis divisórias.

- Olha que a nossa malta já está à espera. – insistia eu, enquanto olhava o 1.º Sargento, que estava sozinho, a tomar, calmamente, o seu pequeno almoço. Tinha dois soldados a servi-lho principescamente, como se tratasse de um General ou de um Don Corleone. E como estava a ser observado pelos soldados, parecia querer exibir, orgulhosamente, a sua importância, aliás, bem vincada através da sua “tromba” de enfadado, que apresentava e, também, nas suas ordens mesquinhas e na exuberância dos seus gestos e palavras. – Ó faxina! Traz-me um pacote novo de manteiga porque este já não está bom. E voltava a ordenar – Ó faxina! Arranja-me pão torrado, que este já está frio. Ó faxina! Este leite está quente de mais. Ó faxina! Este café está uma porcaria. Etc., etc., etc..

O Moniz tinha aquele defeito de não querer sair da cama, próprio de quem nunca tem pressa para se deitar. Era muito educado, muito certinho e incapaz de provocar quem quer que fosse. Perante a minha nova insistência, o Moniz mexeu-se, esticou-se e fez o habitual acto matinal: soltou o seu enorme e único peido diário, acumulado (cuidadosamente) durante 24 horas. Ora, como nem os quartos nem a messe tinham tecto, aquilo repercutiu-se altamente em todas as direcções.

Quisera o acaso que isso acontecesse precisamente quando o Sargento levantava, delicadamente, a sua chávena de leite com café, em direcção à boca. Ele, que até esticava o dedo mindinho para fora, para dar um toque mais aristocrático aos seus movimentos, estremeceu e quase não controlava a queda da chávena. Gritou:

- Lá estão eles a bater com as patas no estábulo. Vocês não ouviram? – perguntou aos humildes faxinas, que já lutavam para aguentar o riso.

Mas ele lá procurou explorar a situação a seu favor e foi barafustar e manifestar a sua indignação a caminho da Secretaria.

Ainda não eram dez horas da manhã já o Cabo Escriturário andava a convocar os furriéis para uma reunião ao fim da tarde, por ordem do nosso Capitão.

Todos perceberam que estávamos perante mais uma denúncia do Sargento e que o tema seria, seguramente, o peido incógnito e descontrolado, oriundo de um dos quartos dos furriéis.

A reacção não se fez esperar: O Furriel Vagomestre, que nutria uma antipatia extrema pelo referido sargento, preparou uma feijoada e forneceu cebola crua para a sobremesa. Ainda estou a ver a malta a trincar cebola como se fossem maçãs, enquanto jogávamos o Ramy (desporto favorito, ao principio da tarde). E para atenuar o sabor, bebia-se muita Coca-Cola, com algum Whisky.

A reunião decorreu numa pequena sala anexa à Secretaria, que o Capitão usava como gabinete. Muito educadamente, o Capitão dissertou acerca da problemática da engrenagem da grande máquina a que todos pertencem. E vincou bem que todos são peças importantes dessa máquina, por muito pequenas que sejam. E dizia:

- Qualquer grãozinho de areia colocado numa das rodas, pode implicar a sua paralisação… bla, bla, bla... E por fim chegou lá. – Vem isto a propósito de uns ruídos estranhos que estão a aparecer, inconvenientemente, na zona de repouso dos furriéis... bla, bla, bla…

Como é evidente, havia já um aroma insuportável. O Capitão fez um apelo apressado para que todos se entendessem harmoniosamente e que os exageros não comprometessem a grande máquina.

Logo que saímos do gabinete foi um alívio, ainda que bastante silencioso. Mas, à medida que nos afastávamos do gabinete, iam aumentando os decibéis de uma orquestra indesejada.

Claro que foi uma noite inesquecível. Foram mais de 4 horas de fogo constante. Não havia ninguém que não sentisse necessidade e vontade de expressar as suas razões, ainda que pelas vias menos honrosas. Desde o Moniz, que queria corresponder minimamente à solidariedade da malta, até ao esforço do Dias que se colocou sobre a cama na posição germânica a fazer de morteiro (e a beneficiar da força da gravidade, para atingir um ritmo quase de rajada). Foram todos uns “heróis”.

E quando se notava um certo desperdício de “morteiradas”, apontadas todas para o quarto do Sargento, lá estava alguém a dar as coordenadas: - MAIS CURTO E MAIS PARA A DIREITA. E, do outro extremo do edifício, também corrigiam: - MAIS COMPRIDO E MAIS PARA A ESQUERDA.

(Silva da Cart 1689)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6795: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (4): A cabra do Berguinhas

Guiné 63/74 - P6823: Parabéns a você (136): Coronel Reformado Rui Alexandrino Ferreira (Editores / Miguel Pessoa)

Postal de aniversário: Miguel Pessoa (2010)

1. Hoje, dia 4 de Agosto de 2010, está de parabéns por completar mais um ano de vida, o nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira*, que nasceu em Lubango, Angola, em 1943.

O Rui, como faz questão que o tratem, é Coronel na situação de Reforma, fez duas comissões de serviço na Guiné, a primeira como Alferes Miliciano na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e a segunda como Capitão Miliciano na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72.

Não podia a Tertúlia deixar de vir felicitar o Rui Alexandrino por este dia que queremos seja passado com saúde e alegria junto de sua família e amigos.

Rui Alexandrino Ferreira escreveu um livro com as memórias da sua passagem por Fulacunda com o título "Rumo a Fulacunda"**, tendo já um outro pronto a sair.

Tivemos o prazer da sua companhia no nosso último convívio de Monte Real e constatamos a sua excelente forma.

Em frente Rui, fica desde já marcado para o próximo ano novo encontro neste dia e local.


Recebe um abraço da Tertúlia
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de Rui Alexandrino Ferreira através do marcador Rui A. Ferreira

Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4776: Parabéns a você (16): Rui Alexandrino Ferreira, Cor Reformado (Editores)

(**) Vd. poste de 22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6448: Notas de leitura (111): Rumo a Fulacunda, de Rui Alexandrino Ferreira (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 31 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6810: Parabéns a você (135): Para o Manuel Reis, com miminhos de todo o pessoal da Tabanca Grande, incluindo os que fugiram... da canícula (Miguel e Giselda Pessoa, Luís Graça, Vasco da Gama)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6822: Efemérides (48): A CCAÇ 5 e as comemorações do 11.º aniversário dos acontecimentos do Pidjiguiti (ou Pindjiguiti) (José Martins)


1. Mensagem de José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 2 de Agosto de 2010:


Boa noite camaradas
Junto nota do que se passou em 3 de Agosto de 1970.

Abraço
José Martins




Vista do aquartelamento de Canjadude

Fotos: © José Corceiro (2010). Direitos reservados


Gatos Pretos
Companhia de Caçadores n.º 5

Camaradas de Armas que partiram há 40 anos

João Purrinhas Martins Cecílio

Furriel de Infantaria, NMEC 46341858, prestava serviço no Batalhão de Caçadores 10 quando foi mobilizado.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 28 de Maio de 1970, vindo da Companhia de Caçadores 2464 e da situação de evacuado, assumindo as funções de Comandante de Secção.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 3 de Agosto de 1970 por ter falecido em combate, devido a ferimentos graves contraídos aquando do rebentamento de uma mina.


Carlos Alberto Leitão Dinis

1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro, NMEC 09227569, natural de Oliveira do Hospital, prestava serviço no Batalhão de Caçadores 8 quando foi mobilizado.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 30 de Março de 1970, assumindo as suas funções na Secção de Saúde.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 3 de Agosto de 1970 por ter falecido em combate, devido a ferimentos graves contraídos aquando do rebentamento de uma mina.



Como o PAIGC comemorou, na zona de Canjadude, a passagem do 11.º Aniversário do Massacre de Pi(n)djiguiti

Actividade Operacional

3 de Agosto de 1970 - O Inimigo implantou uma mina anticarro no itinerário Canjadude - Nova Lamego e flagelou o aquartelamento pelas 22 horas. Estas acções devem prender-se com as comemorações do dia 3 de Agosto. Destas acções resultaram 2 mortos para as Nossas Tropas.

(Nota sobre a data de 3 de Agosto de 1959 – Acontecimentos de Pidjiguiti ou Pindjiguiti, em Bissau, com violenta repressão de estivadores grevista, causando várias dezenas de mortos)

Relatório da Flagelação feita pelo IN ao Aquartelamento de Canjadude em 03AGO70

01. Situação Particular

Em 030745AGO70 accionamento de 1 mina anticarro no Uelingará, itinerário de Canjadude-Nova Lamego.

Desde 02SET69 que o IN não se revelava no Sector da Companhia. O último ataque ao Aquartelamento deu-se em 11JUL69.

02. Missão da Unidade

Defesa do Aquartelamento com as forças existentes neste, segundo o plano de defesa, atendendo a que 1 Pelotão se encontrava de reforço a Nova Lamego.

03. Força Executante

a) Alferes Miliciano de Infantaria Deodato Santos de Carvalho Gomes

b)
1.º Pelotão – Furriel Miliciano Borges
3.º Pelotão – Alferes Miliciano Sousa
4.º Pelotão – Alferes Miliciano Martins
Pelotão de Milícia n.º 254
Formação

c) Meios constantes em b).

d) ____________

e) Armamento e equipamento orgânico do pessoal e de defesa do Aquartelamento.

04. Planos Estabelecidos

A defesa do Aquartelamento segundo o plano estabelecido.

05. Desenrolar da Acção

Em 032210AGO70 um grupo IN de cerca de 50 elementos desencadeou a flagelação ao Aquartelamento com Morteiro 6 cm, RPG 2, RPG 7 e armas automáticas das direcções Leste e Nordeste do Aquartelamento e a cerca de 800 metros. O pessoal dos postos de sentinela reagiu imediatamente assim como o Morteiro 81 do Aquartelamento, seguindo-se a reacção conjunta de toda a guarnição segundo o Plano de Defesa, tendo o IN retirado cerca das 22H25, continuando as nossas armas a bater a zona de retirada na direcção de Canducuré.

O IN utilizou a estrada de Ganguiró e Canducuré-Canjadude na aproximação e retirada. Feito o reconhecimento da base de fogos IN e do itinerário de retirada, encontraram-se poças de sangue no local de instalação assim como ao longo da estrada. Em Ganguiró o IN dispersou na direcção de Cabuca, seguindo cerca de 5 elementos na direcção de Rio Buoro-Siai.

06. Resultados Obtidos

Devido à reacção imediata das NT o IN foi forçado a retirar, tendo deixado no local da instalação o material indicado no anexo b), tendo-se encontrado manchas de sangue, o que leva a pressupor ter tido o IN alguns elementos feridos e provavelmente dois mortos.

07. Serviços

Nada

08. Apoio Aéreo

Nada

09. Ensinamentos colhidos

Devido aos resultados obtidos pelo accionamento da mina anticarro em 030745AGO70, o IN certamente pretendeu aproveitar uma possível desmoralização do pessoal

10. Diversos

Nada.

Documentos anexos

Anexo A

1 - Material extraviado:

Causas do extravio:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
1 Porta granadas m/964 – distribuído ao Furriel Miliciano Borges;

2 – Material danificado

Causas da ruína:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
1 Percutor partido da Metralhadora Ligeira Dreyse 7,9 mm n.º B-974

3 – Munições consumidas

Causas do consumo:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
a) 8.000 Cartuchos 7,62 mm
b) 2.000 Cartuchos 7,9 mm
c) 50 Granadas explosivas Morteiro 60 mm;
d) 60 Granadas explosivas Morteiro 81 mm
e) 2 Granadas incendiárias Morteiro 81 mm
f) 30 Granadas explosivas LGF 8,9 cm;
g) 20 Dilagramas

Anexo B

Material IN recolhido após o ataque:
a) 2 Granadas RPG 2
b) 2 Cargas propulsoras RPG 2
c) 2 Carregadores de Kalashnikov

Anexo D

Elementos dignos de realce devido a sua conduta durante o ataque IN ao Aquartelamento

1.º Cabo NM 01432766 – Francisco José Mocinho Ferra – Apontador de Armas Pesadas.

É de salientar o comportamento do 1.º Cabo Ferra, pois logo que se desencadeou a flagelação, correu para o Morteiro 81, do qual é apontador, e logo que foi localizada a posição IN bateu-a com rara pontaria, provocando quase de seguida o silencia do IN.

Foi graças, em grande parte, à sua reacção plena de energia que a flagelação durou apenas alguns minutos. Sempre calmo e cumprindo as ordens do Comando, continuou a bater a zona e o possível itinerário de retirada e que veio a constatar-se posteriormente, ter sido feito com grande eficácia.

(Elementos retirados do estudo para a elaboração da História da Companhia de Caçadores n.º 5)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6788: Patronos e Padroeiros (José Martins) (13): Avós - Santa Ana e S. Joaquim

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6821: Efemérides (46): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no Pindjiguiti, Guiné (1) (Leopoldo Amado)

Guiné 63/74 - P6821: Efemérides (47): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no cais do Pindjiguiti, Bissau (1) (Leopoldo Amado)

1. Hoje, dia 3 de Agosto de 2010, completa-se mais um ano sobre os trágicos acontecimentos do Pidjiguiti, ocorridos no já longínquo ano de 1959. 

Lembrando essa data, vamos republicar os Postes DLXXV de 22 de Fevereiro, DLXXXVI de 25 de Fevereiro e DLXXXVIII de 26 de Fevereiro de 2006, da nossa I Série, de autoria do nosso tertuliano Leopoldo Amado, lusoguineense, de quem aliás não temos notícias há já algum tempo. Presume-se que continue a viver e a trabalhar em Cabo Verde


Guiné > Canjadude > 1974 > Posto de controlo do PAIGC, vendo-se um grupo de guerrilheiros aramados de kalash e de RPG-7.

Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006) . O João Carvalho, ex-furriel miliciano enfermeiro da CCAÇ 5 (1973/74), é hoje farmacêutico e membro da nossa tertúlia.


Os graves acontecimentos do Pidjiguiti em 3 de Agosto de 1959

Iniciamos hoje a publicação de um importante texto, inédito, do historiador guineense, Leopoldo Amado, doutorando em história contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa e membro da nossa tertúlia, sobre o significado dos acontecimentos de 3 de Agosto de 1959, na perspectiva da luta, mais recente, de libertação nacional, liderada pelo PAIGC, e da tradição, mais antiga, de resistência dos guinéus à colonização europeia (incluindo a portuguesa).

Devido à sua extensão, o texto teve de ser repartido em várias partes. Apesar de assoberbado com os preparativos para a defesa da sua tese de doutoramento, o nosso amigo Leopoldo quis ter connosco uma especial atenção, o que muito nos honra.

Não temos dúvida, que este seu paper, alicerçado em minuciosa investigação empírica, baseada em documentação de arquivo (incluindo os ficheiros da PIDE/DGS) e em entrevistas a actores-chaves, vem fazer luz sobre uma parte da nossa história comum recente assim muito mal conhecida, contada, analisada e explicada. Obrigado, Leopoldo! (LG).
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Caro Mário Dias,
Caro Luís Graça,
Restantes tertulianos,
Amigos e camaradas,

Como prometi, segue em anexo o meu comentário sobre o testemunho presencial de Mário Dias, à propósito de Pindjiguiti. Estou aberto a qualquer reparo, chamada de atenção, troca de ideias e experiências, caso houverem.

Seguem também, igualmente em anexo, duas ou três fotos (bom, mais imagens que fotos) que se reportam ao Pindjiguiti. Infelizmente, todos em ficheiros Word, mas o Luís Graça (ou alguém da Tertúlia) certamente saberá os converter em ficheiros normais de imagem, se se entender publicar o meu texto, apesar do seu desmedido tamanho. Uma sugestão: talvez se deva publica-lo no Blogue, mas em formato PDF, devido aos itálicos, palavras entre comas/aspas e sobretudo devido as notas de rodapé.

Peço entretanto ao Luís que me faça o favor enviar o texto de volta, depois de composto e introduzido as imagens que não consigo converter em ficheiros normais de imagem, a fim de que o possa publicar nos meus blogues:

Lamparam I

Lamparam II

Um abraço e boa semana de trabalho a todos
Leopoldo Amado


Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

O testemunho presencial de Mário Dias é sem dúvida uma peça imprescindível para um melhor enquadramento da historiografia da guerra colonial “versus” guerra de libertação, de resto, algo que enquadra perfeitamente no significativo esforço que a Tertúlia tem vindo a desenvolver de forma empenhada, entre outras plausíveis razões, porque todos estão profundamente conscientes – penso eu – de que os povos sobrevivem sempre às turbulências próprias de uma guerra, qualquer que ela seja, donde a importância do estabelecimento da necessária ponte de ligação com as novas gerações, através da memória histórica.

Porém, apesar de muito limitada no tempo (11 anos) e no espaço (cerca de pouco mais de 30.000 Km2), as malhas históricas em que se processou e se desenvolveu a guerra colonial e/ou guerra de libertação, conforme o lado dos contendores onde nos posicionamos, a mesma revela-se de uma profunda complexidade, tanto pelo potencial de estandardização factual que a sua evolução comporta, como pelas intrincadas conexões que os acontecimentos ou episódios inerentes apresentam, aconselhando este estado actual dos conhecimentos a espécie de humilde resignação metodológica ante a evidência, de resto compreensível, das eventuais ou prováveis obliterações decorrentes do eventual défice de objectividade ou não com que a temática é aqui e acolá aflorada, contanto nos convençamos de que tanto as abordagens que procurem explanar uma visão de conjunto (aparentemente, a mais cómoda) como as parcelares (aparentemente, a mais trabalhosa) afiguram-se por um lado autonomamente importantes e, por outro, altamente complementares aos esforços tendentes a uma mais cabal e bem sucedida reconstituição histórica.

Assim, o justamente ou o impropriamente denominado Massacre de Pindjiguiti (abstemo-nos metodicamente, pelo menos por agora, a tecer juízos de valor), apresenta-nos como bom exemplo para se ilustrar a complexidade referida, na medida em que, não obstante inéditos e importantes, os factos relatados como fazendo parte da sua decorrência apresenta-se-nos também, à jusante e montante da ocorrência, como factores limitativos à uma abordagem com horizontes mais abrangentes.


Guiné-Bissau > Luís Cabral, o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau (1974-1980).

Efectivamente, à jusante de todo o processo que o antecedeu, por um lado, Pindjiguiti não foi senão um marco, uma referência e, muito provavelmente, o cumulativo e o auge de um sentimento que se expressou como se expressou – violentamente é certo –, pese embora a fuzilaria e o derramamento de sangue que lamentavelmente resultou em mortes, mas em cujos acontecimentos, tanto à jusante como a montante, apresentam suficientes elementos que nos permitem, tanto quanto possível, conferir uma interpretação histórica a fenomenologia que, por comodidade, designaremos Pindjiguiti. Eis o percurso que iremos tentar delinear para doravante para situarmos a contextualização histórica de Pindjiguiti.

Convenham-nos então que Pindjiguiti, isto é, o fenómeno considerado enquanto tal, é deveras tributário de inúmeros acontecimentos que o antecederam, desde os mais longínquos aos mais próximos, uns e outros dependendo da longevidade, intensidade e/ou projecção que tiveram no imaginário colectivo guineense.

Assim, independentemente das influências exteriores e dos ulteriores desenvolvimentos no plano internacional que directa ou indirectamente desembocaram no boom das independências africanas em 1960, o povo guineense sempre resistiu à colonização. Atestam-no, entre outros aspectos, a denodada resistência oferecida a ocupação colonial portuguesa que, iniciada nos finais do século XIX, prolongaram-se praticamente até a ao início da segunda metade do século XX, mediando assim pouquíssimo espaço de tempo o final do período da resistência à ocupação e o da emergência do embrionário nacionalismo guineense que, coincidente e curiosamente, surge concomitantemente no preciso momento em que o poder colonial também tinha acabado de criar as condições para a implantação da administração e o seu domínio sobre o território.

É certo, outrossim, que acontecimentos tal como a segunda Grande Guerra e suas ressonâncias na Guiné, diminutas que sejam, contribuíram igualmente com a sua quota-parte para que o povo guineense começasse a questionar o seu papel e o seu lugar.

Aliás, Rafael Barbosa lembra-se (1) de, durante a segunda guerra mundial, os jovens em Bissau se terem se posicionado do lado dos Aliados contra a Alemanha de Hitler, seguindo com entusiasmo e acrescido interesse (sobretudo pela BBC e outras rádios internacionais) o evoluir dos acontecimentos no teatro das operações, tal a convicção da que tinham os jovens guineenses da adopção, por parte de Portugal, de uma espécie de neutralidade dúbia, apoiando subtilmente a Alemanha de Hitler, pelo que não se pode a partir destes aspectos aferir-se da crença ou da antevisão, por parte desses (ainda) imberbes nacionalistas, de que na II Grande Guerra jogava-se, de certo modo, o futuro dos povos das colónias africanas.

Estava-se na Guiné, isso sim, perante manifestações libertárias, mas algo difuso, tanto mais que junto aos grumetes e elementos da pequena burguesia local, independentemente do grau da sua justeza ou de qualquer outro juízo de valor que elas se possam fazer, pelo menos por parte de alguns desses africanos, bifurcavam-se também na vontade oculta de ascensão na sociedade e estruturas de poder coloniais.

Vivia-se, convenhamo-nos, naquilo a que hoje se convencionou de certa maneira denominar de protonacionalismo, mas de per si este facto não deixa de ser demonstrativo de que, na década de 40 do século XX, essas aspirações libertárias quase que apenas se manifestavam como contraponto da exploração imposta pelo desumano e repressivo aparelho colonial e só de forma subsidiária e residual como resultante de uma hipotética influência ou impulso importados do movimento das ideias e aspirações libertárias que já se fazia sentir no plano africano e até internacional, mormente através do movimento pan-africanista cujas ressonâncias – não obstante terem a chegado a Guiné em 1910 com a fundação da Liga Guineense –, não tiveram nem continuidade e nem expressão assinalável, tal a repressão que o temerário Teixeira Pinto (autrement conhecido pelo epíteto de “Pacificador”) engendrou contra os seus membros mais activos e que conduziu posteriormente a sua proibição em 1915.

Para lá do ambiente gerado pela longa e penosa guerra de ocupação colonial (“pacificação”) versus resistência à ocupação – que durou oficialmente até 1936 (apesar de que várias importantes revoltas foram aqui e acolá assinaladas até aproximadamente 1950), o relacionamento entre o aparelho colonial e as populações guineenses era, em geral, bastante hostil. Inclusivamente, em 1942, toda a estrada de Plubá foi aberta pelos prisioneiros que, na maior parte dos casos, eram presos porque não quiseram ou não puderam pagar a daxa ou o imposto de palhota.

Guiné > Amílcar Cabral e Nino Vieira, na época da guerrilha. Amílcar viria a ser assassinado em 1973. Nino, por sua vez, derrubará o sucessor de Amílcar, o seu meio-irmão Luís Cabral, através de um golpe de estado militar (1980).

Fonte: desconhecida.

Durante todo o período que durou a II Guerra Mundial, no tempo do Governador Vaz Monteiro, havia em Bissau, Safim e Quinhamel algo que em muito imitava os campos de concentração na Alemanha do Hitler. O maior assassino era o administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, que veio a ter aqui preso o Benjamim Correia. A partir daí, o filho da Guiné tomou consciência de que havia que lutar pela sua causa (2)".

No início, a pequena burguesia organiza-se num quadro africano, mas cujo fim não é ainda a independência nacional. Trata-se de mais um desejo confuso de encontrar o seu lugar, de emergir socialmente. Mas a dominação portuguesa não é ainda contestada, a aspiração a assimilação mantém-se, nesta etapa, largamente espalhada. Isto apesar de alguns elementos da elite guineense são já serem sensíveis a uma “reafricanização”.

A prova eloquente do acima dito é o facto de a maior parte dos "notáveis" guineenses da sociedade colonial pertencerem ao Conselho Legislativo do governo da Guiné, tais como Mário Lima Whanon (comerciante), Dr. Augusto Silva, Joaquim Viegas Graça do Espírito Santo (aposentado e comerciante residente em Bafatá), Dr. Armando Pereira (advogado), Benjamim Correia (comerciante), Carlos Domingos Gomes (comerciante) e Dr. Severino de Pina (advogado) (3).

A estes juntaram-se outros guineenses pertencentes à pequena burguesia, sendo de reparar a participação de cabo-verdianos e de portugueses que na altura eram claramente anti-situacionistas. Este grupo, que não escondia igualmente as suas pretensões de ascensão na sociedade colonial, dava também, paradoxalmente, o seu inequívoco apoio ao emergente nacionalismo guineense.

Portugal > Lisboa > s/d > Cartaz de propaganda de apoio à luta dos povos das colónias africanas portuguesas. Cartaz da UAC - Unidade Anti-Colonial.

Imagem gentilmente cedida por Jorge Santos, membro da nossa tertúlia (2005).

Os notáveis desse grupo que se destacaram, tendo por isso merecido um registo das suas actividades pela PIDE, foram Eugênio Rosado Peralta (industrial de pesca), Manuel Spencer “Tuboca” (comerciante) e Fernando Lima ( comerciante). Estes membros da pequena burguesia foram acusados de fomentarem a rebeldia entre os guineenses considerados indígenas, chegando mesmo alguns deles mais tarde a aderir aos ideais de libertação, embora sem nela tomarem parte activa (4).

Com efeito, a maior parte dos povos da Ásia tornou-se independente após a II Guerra Mundial. Em Outubro de 1946, com o fim de realizar a união de todos os africanos, realizou-se lugar em Bamako (Mali) uma reunião em que se fixaram os princípios do Rassemblement Démocratique Africain (RDA), propondo-se a fusão de todos os agrupamentos e partidos democráticos de cada território num partido democrático unificado, passando o RDA a ser inicialmente dirigido por um Comité de Coordenação, apesar de que sempre se debateu ao longo dos anos com a unidade proclamada.

No decorrer deste período a acção das massas africanas, as organizações políticas e os seus dirigentes impuseram nos territórios vizinhos, sobretudo nas colónias francesas, um certo número de realizações no campo económico e social que eles próprios que eles próprios consideraram positivas, pelo que a ideia da unidade das organizações políticas africanas na luta pró-independência ganha novamente vulto entre essas mesmas massas e nas organizações não aderentes ao RDA.

As organizações que não aderiram ao RDA agrupam-se no MAS (Movimento Socialista Africano) e na Convenção Africana, esta animada por Leopoldo Sédar Senghor. Em 1957, foi criado o PAI, o qual lança a ideia da independência africana. Em Julho de 1958, verifica-se uma reunião em Paris dos principais dirigentes africanos, onde se reafirmou o principio da unidade com vista à independência. Em Maio-Junho de 1958 a França atravessou uma grande crise, retomando o destinos do país o General De Gaulle. Este desloca-se a Conakry e no decurso da sua visita declara que os povos da África sob dominação francesa podiam escolher entre responder “sim” e aceitar a sua Constituição que sob o nome da “Comunidade” substitua a chamada “União Francesa” ou responder “não” caso em que o território se tornaria independente.

A maior parte dos territórios, confiantes nas promessas feitas, votou “sim”. Só a Guiné por votação popular realizada pelo PDG respondeu “não” em 28 de Setembro de 1958 à Constituição do general De Gaulle e em 2 de Outubro a sua independência era proclamada.

Esse feito deveu-se sobretudo a acção do PDG (criado em Maio de 1947), sete meses depois do Congresso de Bamako, o qual resultou da fusão étnica das associações que na Guiné Conakry e especialmente à acção de Sékou Touré que dirigia o sindicato e era o Secretário Político do Partido.

Repúlica da Guiné-Conacri > Bandeira nacional > A simbologia das cores...
Fonte: Wikipedia (2006)

A República da Guiné adoptou uma bandeira tricolor – vermelho, amarelo e verde em que o vermelho simboliza a determinação do povo em aceitar todos os sacrifícios até ao derramamento do sangue, o amarelo a cor do sol e das areias de África e o verde a cor da esperança e da vegetação africana, cores estas que se encontram nas bandeiras de quase todos os países do Oeste africano, diferindo apenas a disposição.



Em Março de 1952, Cabral subscreveu com outros uma exposição a Sua Excelência o Presidente da República, em que entre outras coisas, reclamavam a retirada de Portugal do Pacto do Atlântico.

Cabral desembarcou em Bissau a 20.9.52, no navio Ana Mafalda, tinha ele 34 anos. Chegou a Bissau a sua mulher a 2.11.52. Cabral foi contratado pelo Ministério do Ultramar como Adjunto dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné até 18.3.55, data em que regressou à Metrópole. Em 1952, Amílcar Cabral rumou para a Guiné colonial, após ter estado em Cabo Verde (1949), onde, segundo o próprio, fez "todas tentativas de acordar a opinião pública contra o colonialismo".

Nessa época, Portugal tinha o compromisso internacional de apresentar o Recenseamento Agrícola da Guiné e até então este trabalho não fora sequer iniciado. Depois de vários contactos de trabalho, particularmente nos momentos em que o Amílcar exercia interinamente as funções de chefe de serviço, o Governador decidiu confiar-lhe a execução daquela importante tarefa, na qual veio a ser secundado pela engenheira Maria Helena Rodrigues, sua esposa. "Em cada tabanca deixava uma palavra como ele a sabia dizer, embora o povo só viesse a interpretá-la devidamente quando lá chegasse a palavra de ordem do Partido para a luta (6)”.

O Recenseamento Agrícola acabou por permitiu a Cabral conhecer mais de perto as populações e os seus problemas, constituiu-se assim na antecâmara da mobilização urbana que se lhe seguiu.

Em 1952, Amílcar Cabral sugeriu a formação de um Clube de Futebol apenas reservado aos naturais da Guiné opinando que dentro do mesmo devia existir uma biblioteca para a elevação do nível cultural dos associados. Várias reuniões foram realizadas tendo também para a arrecadação de fundos sido efectuado um baile no bairro Chão de Papel.

Nessa altura, tentou, aparentemente sem sucesso, Amílcar Cabral quis disfarçar as actividades políticas com a criação de um clube desportivo e recreativo cujos subscritores da petição foram: o próprio Amílcar Cabral, Carlos António da Silva Júnior, João Vaz, Ricardo Teixeira, Pedro Mendes Pereira, Inácio Carvalho Alvarenga, Paulo Martins, Julião Júlio Correia, Martinho Gomes Ramos, Víctor Fernandes, Bernardo Máximo Vieira.

O aparente insucesso acabou todavia acabou por insuflar a ideia de associativismo. Segundo Luís Cabral, " (…) o projecto de associação começava a tomar corpo e a ter aceitação, enquanto o Amílcar provava não estar disposto a recuar diante das dificuldades. E a denúncia surgiu (…) (6)”.

A não admissão, neste clube, de europeus acabou por gerar dissidências deixando os propósitos do seu mentor bem à vista: lançar as bases duma organização de nativos irmanando-os na mesma fé e nos mesmos destinos. O clube não chegou a ser autorizado, mas o certo é que ficou entre os nativos a ideia duma união entre todos.

Com efeito, durante a sua permanência nesta cidade, diz uma notada PIDE, “o Eng.º Amílcar Cabral e a sua mulher comportaram-se de maneira a levantar suspeitas de actividades contra a nossa presença nos territórios de África com exaltação de prioridade de direitos dos nativos e, como método de difundir as suas ideias por meios legalizados, o Eng.º pretendeu e chegou a requerer juntamente com outros nativos, a fundação de uma agremiação desportiva e Recreativa de Bissau, não tendo o Governo autorizado (7)”.

A mesma nota dava ainda conta de que “(...) eram anti-situacionistas o João Vaz, ajudante de mecânico, de 33 anos, natural de S. Tomé, Carlos António da Silva Semedo Júnior, de 21 anos, estudante, a estudar em Lisboa; Pedro Mendes Pereira, enfermeiro de 1ª classe de 52 anos, Inácio Carvalho Alvarenga, 42 anos; Julião Júlio Correia, de 50 anos de idade, Martinho Gomes Ramos de 35 anos, Víctor Fernandes, de 30 anos Bernardo Máximo Vieira, de 33 anos, tendo esses mesmos indivíduos assinado uma petição no sentido da criação de um clube denominado Clube Desportivo e Recreativo de Bissau, destinado ao desenvolvimento de actividades nativistas, superiormente orientadas pelo engenheiro Amílcar Cabral.

As reuniões, presididas por Cabral para esse fim realizavam-se clandestinamente na casa de João da Silva Rosa (guarda livros da NOSOCO). Tomaram parte nessas reuniões o Isidoro Ramos, João Rosa, Víctor Robalo (agricultor em Bigimita), Martinho Ramos (empregado da Gouveia), José Maria Dayves, Elisée Turpin (empregado ao tempo da SCOA), Godofredo Vermão de Sousa (professor primário), Crates Nunes (carpinteiro). Para essas actividades, chegaram até de organizar um baile muito frequentado no Chão de Papel, tendo Estevão da Silva (Alfaiate), na altura nomeado tesoureiro.

Um cartoon histórico alusivo ao reconhecimento, por parte do Portugal democrático, da independência da Guiné Bissau, em 10 de Setembro de 1974. Fonte: Gaiola Aberta. nº8 (1 de Outubro de 1974) © José Vilhena (1974) (com a devida vénia).

Imagem gentilmente cedida por Jorge Santos, membro da nossa tertúlia (2005).

Foi com estes fundos que se financiaram as cópias dos Estatutos que Cabral elaborou e que depois o levou a uma reunião para ser apreciado e na qual foram aprovados, secundando este acto a constituição de uma Comissão que os deveriam levar a aprovação do Governador, porquanto foram inicialmente entregues e esta entidade não o submeteu a despacho com a brevidade que os interessados então pretendiam. Que essa Comissão foi então constituída por João Rosa, Víctor Robalo e João Vaz (alfaiate) que igualmente não conseguiu aprovação do Governo, exactamente porque uma das cláusulas dos Estatutos aludia ao facto de que nesta agremiação que não podiam tomar parte os europeus e caboverdianos, razão pela qual passou-se a dizer que Cabral estava feito com os grumetes.

Depois de 1954, alguns povos de África tornaram-se independente. No Sul da Guiné, mais concretamente em 1956, registaram-se no Sul da Guiné certas actividades dos nativos, nas áreas de Cacine e Bedanda a favor do chamado Rassemblement Democratique Africain, tendo-se mesmo formado o que apelidaram de “clubes de trabalho”, em quase todas as povoações vizinhas. Prenderam-se alguns responsáveis e deu-se a fuga de outros, pelo que estas acções foram desmanteladas.

Em 1955, José Ferreira de Lacerda (9), futuro patriarca e líder lendário do MLG, redigiu, a pedido de César Mário Fernandes e José Francisco Gomes (assinada por várias pessoas) uma “Representação” que foi entregue ao Presidente da República de Portugal aquando da visita deste a Província da Guiné, documento esse onde se condensava, segundo os seus subscritores, o essencial das aspirações da Guiné.

Paralelamente, nas eleições para membros do Conselho do Governo da Província da Guiné faziam parte dos elementos favoráveis aos candidatos da “oposição”, os seguintes guineenses: Benjamim Correia, Armando António Pereira (advogado de 54 anos e candidato a membro do Conselho do Governo da Província, proposto pelo grupo de Benjamim constituído pelo branco Luís Mata-Mouros Resende Costa, 36 anos de idade, natural de Bissau, que nesse processo encarregou-se de expedir circulares, em colaboração Gastão Seguy Júnior (9), 36 anos, oficial de diligências do Juízo de Direito da Comarca, natural de Bolama (10).

É igualmente digna de registo a existência, mais ou menos paralela, de outro grupo de nacionalistas que actuava sob a coordenação de Mário Lima Wanon e do qual faziam parte o Dr. Artur Augusto Silva (11), o Dr. Severino de Pina, Godofredo Vermão de Sousa, Víctor Robalo, Armando António Pereira, Manuel Spencer e Crates Nunes. Embora as acções desenvolvidas nesta fase da luta fossem poucas, devido à feroz repressão e apertada vigilância da PIDE, o certo é que contribuíram para a mobilização em Bissau, particularmente nas camadas ligadas à pequena burguesia local.

Leopoldo Amado
Fevereiro de 2005

(Continua)
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Notas do autor  (LA):

(1) Entrevista de Rafael Barbosa a Leopoldo Amado em Bissau.

(2) Entrevista de Elisée Turpin a Leopoldo Amado.

(3) Cf. Proc. 4415 - CI (2), Arquivos da PIDE, Torre do Tombo, fls. 34

(4) Cf. Proc (Proc. 5466 - CI(2), , Arquivos da PIDE, Torre do Tombo, fls. 307

(5) Cabral, Luís, Crónica da Libertação, Edições "O Jornal", 1984, p.36

(6) Segundo Víctor Robalo (Entrevista concedida a Leopoldo Amado em Bissau) "(…)aquilo morreu mas, o Amílcar não parou. Depois, veio a ideia da criação da cooperativa, cujo nome já não me lembro. Era uma cooperativa cuja sede havia de ser na minha ponta. Foi a última tentativa para a criação de uma cooperativa agro-pecuária... Era uma cooperativa de sociedade por quotas de 500 escudos na altura. Cada cooperativista entrava com o que tivesse até completar aquilo, que era para ver se as coisas marchavam"

(7) Nota datada de 3.5.55, Proc. N.º 3589 – CI (2)9.

(8) Segundo Rafael Barbosa (entrevista de Rafael Barbosa a Leopoldo Amado), José Ferreira de Lacerda estudou em Coimbra e teria sido aluno de Salazar.

(9) Gastão Seguy Júnior , como oficial de Justiça, foi acusado de propagandista quando sempre que os assuntos indígenas subiam ao poder judicial, observando-se este facto com maior clareza aquando julgamento do administrador aposentado, António Pereira Cardoso, acusado de ter praticado carnificina junto as populações indígenas.

(10) Proc. PC5519 - CI(2), 1956, fls.119-120

(11) O Dr. Artur Augusto Silva (*), pai do nosso amigo e conhecido PEPITO, foi advogado de muitos nacionalistas guineenses acusados de "subversão” e "terrorismo". Correligionário político e colega de Álvaro Cunhal durante o período de estudos em Coimbra, desempenhou um papel importantíssimo no processo de defesa e consciencialização dos guineenses.
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Notas de CV:

Sobre os acontecimentos do Pindjiguiti ver postes de:

15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXV: Pidjiguiti, 3 de Agosto de 1959: eu estive lá (Mário Dias)

18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLVII: Antologia (36): o massacre do Pidjiguiti (Luís Cabral)

21 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXIII: Pidjiguiti: comentando a versão do Luís Cabral (Mário Dias)

22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVI: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVIII: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - III (e última) Parte

26 de Fevereiro de 2006 >Guiné 63/74 - DLXXXIX: Pidjiguiti: resposta do Mário Dias ao Leopoldo Amado

2 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4452: Controvérsias (15): O 'massacre do Pidjiguiti', em 3 de Agosto de 1959: o testemunho de Mário Dias

27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6793: Notas de leitura (136): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série Efemérides de 16 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6599: Efemérides (45): Inauguração do Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar, em Vila do Conde (Vasco Santos, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73)

Guiné 63/74 - P6820: Tabanca Grande (235): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª Companhias do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos - 1972/74

1. Mais um Camarada se apresenta nesta Tabanca Grande, o António Inverno (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª Companhias do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos -, 1972/74, que nesta sua primeira mensagem enviou um resumo do seu “passeio” pela Guiné, acompanhado de cinco fotografias do seu álbum de memórias, deixando-nos na expectativa de que, brevemente, voltará com mais literatura da evolução operacional da sua Companhia e do seu Pelotão Nativo durante a sua comissão:



Apresenta-se o Ranger António Inverno
Aceitando o desafio que o Luís Graça me lançou, para me apresentar nesta Grande Tabanca, aqui estou, começando por descrever o meu Serviço Militar que se iniciou em 4 de janeiro de 1972, tendo assentado praça na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde completei a Recruta.

Dado o bom desempenho ao longo da Recruta, fui enviado para o C.I.O.E., em Lamego, mais concretamente para o Quartel de Penude, em Abril desse mesmo ano, onde concluí com aproveitamento o 2.º curso de Operações Especiais/RANGER de 1972.


Era hábito naquela Unidade, nesse tempo, os primeiros classificados serem convidados a ficarem por lá a prestar instrução e monitoragem, pelo menos ao curso seguinte.


Como a minha classificação final foi alta, aceitei o convite do Comandante de Instrução e fiquei por lá mais 3 meses a ajudar a “massacrar” o pessoal do 3.º curso de 1972.


Em Outubro fui integrado no Batalhão de Artilharia 6522, que embarcou para a Guiné em 6 de Dezembro de 1972.


Chegado a Bissau embarcamos numa LDG para Bolama, onde realizamos o I.A.O. e onde conheci o Marcelino da Mata, que, com o seu Grupo de Combate, nos presenteou com algumas demonstrações e nos intruiu com várias dicas sobre os modos como se devia andar no mato, bem como sobre os cuidados a ter em relação ao IN.


Logo no segundo dia em Bolama travamos o primeiro contacto com o IN.


Eles sabiam que tinham chegado os piras e resolveram flagelar Bolama a partir da ilha de S. João, digamos que a darem-nos as “boas-vindas”.


Acabado o I.A.O., o Batalhão foi colocado em Ingoré e procedeu-se à distribuição das Companhias pelo Sedengal, S. Domingos, Susana e Ponta Varela.


Em S.domingos, como um pouco por todo o território continuaram os ataques do P.A.I.G.C., com canhões sem recuo, morteiros de 82 mm e foguetes de 122 mm.


Obviamente era costume manter a tropa frequentemente no mato, para tentar evitar que o IN se aproximasse muito dos aquartelamentos, segurança às colunas de viaturas, colocação de minas nos locais mais suspeitos, etc.


Seria escusado dizer que todas as acções passíveis de maior perigo sobraram sempre aqui para este RANGER e, por isso, passei a comandar simultaneamente o meu grupo de combate e o Pel Caç Nat 60, já referenciado em anteriores mensagens neste blogue.


Assim acabei por percorrer várias áreas do Batalhão com o mencionado Pelotão Nativo.


Mais tarde apareceu para comamdar o Pel Caç Nat 60, o Alferes João Uloma (dos Comandos Africanos), de quem fiquei amigo e com quem fiz algumas incursões, por vezes dentro do Senegal e foi aqui que teve início a história da “Kalash”, que me foi trazida por ele juntamente com 5 carregadores cheios, experimentei-a, gostei dela e adoptei-a, e que passei a usar, não por ter algo contra a G3, mas porque era mais “maneirinha” e me dava mais mobilidade, além de ser útil porque confundia o IN.


Soube mais tarde que o Alferes Uloma foi fuzilado pelo PAIGC, como aliás tantos outros.


Em Setembro de 1974, fui eu que executei a cerimónia do arriar da última Bandeira Nacional em S. Domingos e testemunhei o acto de içamento da primeira Bandeira da Guiné-Bissau naquela localidade, antes de partir para o porto local onde me esperava uma LDM que me transportou para Bissau.


Jamais esquecerei a tristeza que vi estampada nos rostos dos Felupes do Pelotão de Caçadores Nativos 60, quando me vim embora. Pareceu-me que aqueles Homens já adivinhavam o que os esperava, principalmente a do 1.º Cabo Agostinho que muitas vezes me dava conselhos sobre a arte de montar emboscadas nos supostos percursos por onde o IN movimentava o seu material de guerra, a partir do Senegal para dentro da Guiné e nos locais de cambança.


Nunca me arrependi de ter aceitado as suas sugestões.


Por ultimo quero só dizer que jamais esquecerei a Guiné por todos os motivos já conhecidos e sentidos por todos nós e um, em especial, que não posso deixar de referenciar, que era o cheiro/odor da mata e da bolanha às 07h00 da manhã, que me entrou no sangue e perdurará para sempre.



Em cima de um dos obuses de 10,5 cm que tanto auxílio nos prestaram

Um aspecto das trincheiras no quartel

Instalações atingidas pelos foguetões 122 do inimigo

Posando para a foto junto de um morteiro de 80 mm

Restos de foguetões de 122 mm
Um abraço, António Inverno Alf Mil Op Esp/RANGER do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 2. O António Inverno é o segundo elemento do BART 6522/72 a dar notícias suas nesta tertúlia “bloguista”, existindo no poste P6004 informação sobre o Cap Mil Inf Sérgio Matos Marinho de Faria, de que o António Inverno é amigo pessoal, que foi o comandante da 3.ª Companhia do BART 6522/72, mobilizada pelo RAL 5. Partiu para a Guiné em 7/12/1972 e regressou à Metrópole em 3/9/1974 - Ingoré e Sedengal, na região do Cacheu, a leste de Farim.
3. Amigo e Camarada António Inverno, é da praxe (bem mais suave que a do C.I.O.E.), que em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, te diga aqui que é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.

Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de seis mil e tal postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos.

Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.

Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, pelo menos psicologicamente, nos últimos 36 anos com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos tratam. Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.

Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.

Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.

Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados. Fotos: © António Inverno (2010). Direitos reservados. _____________ Nota de M.R.: Vd. último poste desta série em:
31 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6813: Tabanca Grande (234): Tina Kramer, 27 anos, etnóloga, da Universidade de Frankfurt, Alemanha