terça-feira, 12 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7120: Ser solidário (91): Sarau cultural para angariação de fundos a favor da Guiné-Bissau (José Teixeira)

1. No passado dia 25 de Setembro de 2010, a Tabanca Pequena levou a efeito, na Senhora da Hora, Concelho de Matosinhos, um Sarau Cultural* cujo fim era a angariação de fundos para os seus projectos de angariação de Sementes e abertura de poços de água potável na Guiné-Bissau.
Desse acontecimento damos notícia, publicando o Poste 492 da Tabanca de Matosinhos, de autoria do nosso camarada José Teixeira.



SARAU CULTURAL

Com o objectivo de angariar fundos para o nosso projecto “Sementes e Água Potável para a Guiné-Bissau", tendo em vista o pagamento das despesas contraídas com a abertura de um poço de água potável em Medjo no Sul da Guiné, o qual já se encontra construído, a Tabanca Pequena promoveu no passado dia vinte e cinco de Setembro um almoço seguido de Sarau Cultural em parceria com o Club Lions da Senhora da Hora e do CIVAS – Centro de Infância, Velhice e Acção Social da Senhora da Hora.

Esta Associação teve a amabilidade de nos ceder graciosamente as excelentes instalações que possui na Senhora da Hora.

O empenho das Associações intervenientes foi de tal modo elevado, que a participação no evento excedeu todas as nossas expectativas, tendo havido necessidade de encerrar as inscrições por falta de espaço para acolher todos aqueles (as) que mostraram vontade de estar connosco nesta Festa de angariação de fundos. Agradavelmente, muitos dos participantes não são ex-combatentes o que nos alegra profundamente.

Salientamos a presença de todo o executivo da Junta de Freguesia da Senhora da Hora, da Direcção do CIVAS, da Associação Serpa Pinto com Sede em Cinfães do Douro, e membros dos Clubes Lions da Senhora da Hora e da Trofa, liderados pelo nosso camarada “tabanqueiro” Jaime Machado, Presidente do Clube Lions da Senhora da Hora.
Registe-se ainda a agradável presença de duas senhoras “Lionistas”que se deslocaram do Algarve propositadamente para participar na festa, bem como dois ex-combatentes que se deslocaram de Cascais a Matosinhos. Outros vieram de Famalicão pela primeira vez, todos para dar mais força ao nosso projecto.

Depois do almoço, seguiu-se uma tarde cultural animada com fado, poesia e fado de Coimbra.
A jovem Francisca Silva deleitou-nos com a sua excelente voz de fadista, acompanhada à guitarra por Joaquim Martins e à viola por David Guimarães nossos camaradas e ex-combatentes da Guiné.
A primorosa guitarra do Prof. Pedro Pinto e a viola do nosso camarada Álvaro Basto, deliciaram os presentes com algumas belíssimas guitarradas de Carlos Paredes, Pedro Caldeira Cabral e Francisco Filipe Martins
O Conjunto ” Do Choupal até à Lapa”, que teve à guitarra o Almeida Ulisses e o Joaquim Martins e à viola o David Guimarães, para além de magníficas guitarradas que sabiamente souberam tirar dos seus instrumentos, acompanharam a voz do Carlos Costa, nosso camarada de tertúlia de velha data no fado de Coimbra que ele tão bem sabe interpretar com a sua excelente voz de tenor.
Na poesia, o Fernando Santos, deliciou-nos com alguns poemas do seu reportório acompanhado pelo djambé que seu filho tocou primorosamente.
O Zé Teixeira interpretou alguns dos seus poemas escritos durante Guerra Colonial.

Já era quase noite quando os participantes se dispuseram a seguir para suas casas, contentes e felizes por um dia bem passado.

Feitas as contas, verificamos com satisfação que os donativos recolhidos ultrapassaram os 1.300 €, o que quase garante o pagamento das obras do poço de Medjo.

A toda a equipa da organização, a todos os que quiseram participar e contribuir para a causa e sobretudo aos que nos deliciaram com a sua arte e engenho os nossos mais profundos agradecimentos.

Seguem-se algumas fotografias bem elucidativas da forma como a FESTA aconteceu.

Zé Teixeira

A Sede do CIVAS na Senhora da Hora, que nos acolheu amavelmente

Um pormenor da sala de jantar

Outro pormenor da sala

O Presidente da Tabanca Pequena na sua saudação inicial aos participantes

O Álvaro Basto no acolhimento das participantes oriundas do Algarve

Outro aspecto da Sala, vendo-se em primeiro plano o Presidente do CIVAS

O Salão Nobre do CIVAS, onde se realizou o SARAU CULTURAL

A fadista Francisca Silva acompanhada à guitarra pelo Joaquim Martins e à viola pelo David Guimarães

O Fernando Santos acompanhado pelo seu filho e outro amigo recitando poesias da sua autoria

Uma bela guitarrada do Prof. Pedro Pinto acompanhado à viola pelo Àlvaro Basto

O Conjunto " Do Choupal até à Lapa" e os seus fados de Coimbra
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6939: Ser solidário (84): Sarau cultural para angariação de fundos a favor da Guiné-Bissau (José Teixeira / José Rodrigues)

Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7104: Ser solidário (90): Missão a Dulombi. Vila do Conde > Guiné-Bissau, Outubro de 2010 (Fernando Barata)

Guiné 63/74 - P7119: História de vida (31): Monte Novo das Flores e a minha paixão pela natureza (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa tertuliana Felismina Costa* com data de 11 de Outubro de 2010:

Amigo Carlos vinhal
Espero que a história que tenho para vos contar valha a pena ser lida.
Para mim, ela é a realidade da minha adolescência, num espaço calmo e tranquilo, rodeada pelos meus pais e irmãos. Claro que a limitarei ao estritamente necessário, para que seja entendida a minha vivência, pacata e feliz, naquele espaço Alentejano onde nasci e cresci. Toda ela é real.


Monte Novo das Flores

Desde Menina que sou uma apaixonada pela Natureza.
Penso que deve ser uma herança dos quatro costados, como soi dizer-se, por aquelas bandas.

Nasci, e vivi, junto de meus avós maternos em Santa Luzia, no Concelho de Ourique, até aos onze anos.
Meu avô Carlos, pequeno agricultor, cultivava uma cerca, de uns cinco hectares, junto à casa onde vivia, e era igualmente um apaixonado pela terra. Desde muito pequena, que me encantavam aquelas lides. O cheiro da terra, o cheiro da erva, o orvalho matinal, e o expoente máximo daquele espaço, as flores campestres, que sempre aceitei como uma oferta Divinal, e que a Primavera me oferecia sem usura, cobrindo aquele chão moreno, a perder de vista.

Os tempos eram difíceis, o trabalho rareava, e meu pai achou por bem arrendar uma pequena quinta, de uns cinco hectares, (dividida por um pequeno ribeiro, que corria todo o ano), e que a troco de muito trabalho, nos proporcionava o sustento necessário.

Esse espaço, situa-se junto à estrada Nacional 263, que liga Beja a Odemira, insere-se num pequeno vale, num lugar de nome Vale Coelho, e o Monte, (porque cada casa tem o seu nome próprio), para além do pequeno aglomerado em que se insere, chamava-se, Monte Novo das Flores, e saindo de Santa Luzia, no sentido para Odemira, fica 2,5km a seguir.

Acho que foi das melhores prendas que a vida me deu!

Tinha onze anos quando os meus pais arrendaram esse espaço, e vivemos lá até aos meus 19 anos.
Era uma casa grande, e o Sol acordava dentro dela, espalhando os seus raios doirados, por todo o espaço circundante.

Tive a sorte de nascer no seio de uma família de grande sensibilidade, e de outros valores, que me fizeram crescer segura e feliz, valorizando a vida, no mais ínfimo pormenor.

Quando Março chegava, tudo floria.

As árvores nuas, cobriam-se de milhares de flores brancas e rosa, desenhando os meus livros de poesia.

A terra era preparada para as sementeiras de verão, e, dos braços do pai, saía a força e o saber, que transformavam aquele espaço inculto durante o Inverno, num tapete moreno e fofo, pronto a receber a semente, que em pouco tempo se transformava em alimento, em abundância, em prazer.

Terei que vos dizer que a nossa prol era formada por seis elementos: o pai, a mãe, e nós os quatro, eu sou a mais velha, a seguir dois rapazes e por fim outra rapariga, que teve o privilegio de nascer ali.

Os pais, já partiram há muito, mas permanecem, permanecem em nós, na nossa saudade, na nossa recordação, no nosso agradecimento, na nossa alegria, porque foram os nossos mestres, os professores da vida, da nossa vida: a seu lado, aprendemos a terra, os ciclos da vida, o prazer de semear e colher, saber que o esforço era recompensado, que à nossa volta tudo tinha o efeito das nossas mãos, moldava-se cada pé plantado, assistíamos ao seu crescimento, à sua floração, à sua fecundação, ao seu desenvolvimento, qual filho que ajudamos a crescer.

E, eu crescia encantada, saboreando o prazer do conhecimento daquelas lides em que participava activamente.

Para além disso, o ambiente era fantástico! A mãe educava-nos com poesias, a sua moral elevada, variava entre a atenção dada ao trabalho que não tinha fim, e à nossa formação que não descurava, quer pelo exemplo, quer falando connosco, testando as nossas capacidades, esclarecendo dúvidas, ensinando, formando. O pai, era como nós, um admirador da mãe e um ser extremamente sensível e ao mesmo tempo alegre e bem disposto, amigo!

A terra, dava tudo.

O trigo, as batatas, as favas as ervilhas, os frutos, uma imensa variedade de frutos, os vegetais, o azeite, enfim. O fim de cada dia, tinha o cheiro da Natureza pura e viva, os aromas misturavam-se e aspiravam-se a plenos pulmões, saudavelmente absorvidos. Chegávamos a casa cansados, mas felizes.

E as noites de Verão, magníficas, eram um encantamento para a minha alma simples e sonhadora de adolescente.

Em Julho, as cantigas das cigarras e dos grilos entoavam na noite, como caixas de música, cujo som recordo nitidamente.

O luar, claro e luminoso, iluminava a terra inteira, num céu de encanto, onde as estrelas brilhavam, onde a via-láctea se mostrava, qual estrada deserta, numa ascensão e queda, deixando-me a pensar, que por ela quantos milhões de anos teriam já passado.

Felismina Costa
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6881: Blogoterapia (154): Encontrei no Blogue seres humanos extraordinários, que admiro, preso e considero amigos, apesar de só os conhecer virtualmente (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6590: História de vida (30): O dever militar chamou-me: Joaquim Cardoso Veríssimo (1949-2010),ex- 1º Cabo At Inf, CCAÇ 5, Canjadude, 1971/73) (José Corceiro)

Guiné 63/74 - P7118: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (2): Oficial e cavalheiro: De trânsito por Tomar a caminho da Madeira



Tomar > Regimento de Infantaria 15 > Fachada do quartel > "O Regimento de Infantaria 15, no período de 1961 a 1975, torna-se uma das maiores unidades mobilizadoras de tropas que combatem na Guerra do Ultramar"...   Foto (e legenda) de Vitor Pessa, ex-Fur Mil, CCS/BCAÇ 3843 (Moçambique, 1971/73)... (Foto editada por L.G.)


Fonte: Blogue Batalhão de Caçadores 3843 (2009) (Com a devida vénia...)


1. Continuação da série Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*).  Autor: Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, repartindo actualmente o seu tempo entre Lisboa, Aveiro e Berlim e, por fim, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins, (Como, CachilCatió, 1964/66).




OFICIAL E CAVALHEIRO: Passagem por Tomar




Após breves dias, não de férias, como era costume, naquele ambiente de Pedra Maria, mas de descanso e espera pela designação da Unidade Militar onde iria ser colocado, se o resultado do curso em Mafra (COM) tivesse sido positivo, a carta com insígnias militares chegou. Surpresa. Aprovado ou não? Quando e para onde iria. Ia vê-lo, de seguida, mal o carteiro, chegasse à sua beira, depois do toque de corneta habitual, lá ao fundo da estrada.


Regimento de Infantaria nº 15, em Tomar, como Aspirante a oficial.


Óptimo. Uma sensação de segurança o invadiu, à mistura com a satisfação natural do resultado.


Durante os próximos anos, haveria rendimentos certos, para si e para sustentar o irmão mais pequeno. Era preciso  puxar por este, já que, andava arredio da escola primária. Onze anos e apenas na 3ª classe!… A guerra de África, essa, até podia  livrar-se de lá cair…quem sabe.


A guia de marcha, em 1ª classe de comboio até Tomar, para um dos dias primeiros de Janeiro, próximo, ali estava. Cama e mesa e um ordenado limpo de 1.500$00 ao fim do mês… uma  independência que nunca tinha sentido, até aí.


O futuro estava a começar… Mais cedo do que pensara. O curso superior tão desejado, ver-se-ia como, depois da tropa.


A notícia espalhou-se depressa por toda a família e lugar. Com alegria. A meia dúzia de ex-colegas seminaristas das bandas de Felgueiras estava em férias de Natal. Já não era seu colega, mas a ligação era muito forte. Não sabia girar ali sem eles. Havia que lhes dar conhecimento. Fariam muito gosto em saber.


Uma merenda em casa do Lemos, de Moure, ficou logo agendada como despedida. O Sebastião Hernâni, os 2 irmãos Simões e o Lemos. O vinho verde da adega dos pais do Lemos era uma maravilha. Estava ao dispor, como sempre. O presunto e o salpicão com broa, também…


Daquela vez, porém, era diferente. Além da alegria geral acompanhada das habituais cantilenas mais atrevidas, na escala seminarística…(a da caserna, essa, eles, não conheciam nem faziam ideia) só se lembra de ser tirado, para casa, ao colo, a partir do Morris Mini do Hernâni…


O resto ficou para eles contarem. Era a  primeira bebedeira da sua vida, a valer…


Chegou o dia da marcha. Vestido com farda cinzenta de cadete, de fino recorte, pôs os galões de aspirante nos ombros, que comprara, pelo sim, pelo não, em Mafra…. Uma fita dourada oblíqua sobre o fundo preto. Nem queria acreditar que já era um oficial como os seus instrutores de Mafra. Que iria fazer o mesmo que estes faziam, com os soldados recrutas. Vaidade e um sentimento de receio o invadia.


A mesma camioneta das 5 e meia da manhã para o comboio, em Paredes, até ao Porto. Daí até Santarém e depois no ramal de Abrantes.




QUARTEL DE TOMAR


Pela tarde desse dia, chegou pela 1ª vez a Tomar. Outros colegas conhecidos e desconhecidos de Mafra seguiam e desceram em Tomar. Uma camioneta militar aguardava-os, para transporte das malas.


Era o 1º quartel em que entrava, por direito próprio  e com um estatuto superior. A sentinela da porta de armas pôs-se e permaneceu em sentido enquanto os novos oficiais entravam.


Os aposentos dos oficiais e os corredores com um certo fausto abriam-se-lhes. A sala de oficiais, a biblioteca e o refeitório, tudo ficou ao dispor.


O  sentimento de dignidade que o envolvia recompensava todo o esforço que fizera nos 4 longos e duros meses de Mafra. Sentia-se bem. Sem esperar, atingira, enfim, um ambiente condigno como desejara nos tempos de seminário. Aqui, só ao cabo de mais uns 4 anos viria a encontrá-lo, se encontrasse…


Além disso, o mundo militar, embora diferente e despido de moralidades, era mais transparente e… são. Pão... pão..., queijo..., queijo… As beatices e hipocrisias do seminário surgiam-lhe, agora, mais ridículas que nunca… 


No entanto, este continuava a exercer uma influência perturbadora e permanente sobre ele. Como desejava  não ser reconhecido como ex-seminarista. E conseguiu-o, durante muito tempo, perante os colegas de pelotão em Mafra.


Só o Mendonça o sabia, porque era natural de Airães,  uma das muitas freguesias de Felgueiras. O seu pai era um conceituado médico da região…Os seus últimos anos de Coimbra foram de total quebra de relações com o rigoroso e preconceituoso pai, a censura parda das suas travessuras académicas e coimbrãs. Para sobreviver, teve de ir vender alfinetes e carrinhos de linha, nas feiras em redor de Coimbra, durante as férias.


Depressa reconheceu que a sua irreverência era só aparente. No fundo era um rapaz como outro qualquer. Com uma vantagem. Um óptimo colega, fixe e felgueirense. Com uma habilidade excepcional para lidar com os duros militares…sem os enfrentar, mas dando-lhe sempre a volta, com êxito. Apesar de ser o protóptipo do que um militar não devia ser.


No dia seguinte à chegada, seguiu-se a cerimónia da recepção aos novos oficiais, pelo corpo de oficiais superiores, general à frente.


Sentia-se um senhor. Os breves dias seguintes foram de organização e distribuição de tarefas, pelas várias companhias que iriam formar-se com os recrutas que haveriam de chegar.


Segunda companhia. Comandante do terceiro pelotão. Instrução de recruta. Ordem unida, preparação física, armamento e ética militar. Tudo constava de um programa perfeitamente definido e apoiado.


Dar instrução metia um certo medo. A primeira manhã começou com a preparação física, depois da apresentação própria ao pelotão. No fundo, estaria a repetir o que lhe fizeram em Mafra, numa escala de exigência muito maior.


Instrução física foi a 1ª aula que teve de dar naquela manhã gelada, como são as manhãs de Janeiro, em Tomar. Com o pelotão, em passo de corrida, em círculo, iniciava-se a sequência de exercícios que constavam do programa estabelecido e que tinha de ser cumprido.


Primeiro, exercícios de pernas, depois de tronco e a seguir de braços. A falta de experiência, porém, provocou o grande fiasco, de que nunca mais se haveria de esquecer.
Ao cabo de 20 minutos, estava esgotado todo o programa… Repetir, nem pensar.


Tomado do embaraço que lhe parecia espelhado na cara, teve de dar ordem de destroçar ao pelotão e correr para a casa de banho, no bar de oficiais, quase em pânico. Afinal, sentia a responsabilidade a pesar-lhe e, ainda estava no começo…


Apetecia-lhe desaparecer. Num esforço supremo de auto-controle, conseguido, não sabe como, pensou de si para si:
-Se os outros conseguem, também hei-de conseguir… 


Levantou-se e veio ter com os camaradas que já tinham chegado à sala de oficiais, com a aula dada. A semana passou-se a correr. Veio o 1º fim de semana. Deu para conhecer a cidade, pacata, de interior:


O centro, onde se encontrava todo o comércio e cafés; o rio Nabão, ainda com águas cristalinas; o largo e frondoso açude, onde laborava, em pleno, um moínho, aproveitando o escorrer das águas, em cataratas de espuma, para o leito fundo do estreito rio que, a seguir, se despedia da cidade, fluindo bucólico, rumo ao gordo Mondego; a igreja do convento de Cristo, lá no alto, a tal jóia do manuelino, com a sua rosácea enorme e a janela floreada, tudo ficou visto naquele fim de semana pelo grupo de novos oficiais, que se passeou à vista das gentes que os olhavam com visível veneração. As moças espreitavam, tímidas, atrás das cortinas.


Em Tomar, sem o quartel militar, morrer-se-ia de tédio…


Ao fim de duas semanas, com os passeios nocturnos, depois do jantar, já se começavam a sentir em casa. Estavam traçadas as perspectivas. Com o combóio, à porta, Abrantes e Coimbra ficavam ao pé.


O voto de obediência forçada a que estavam sujeitos, porém, assim o não quis. No início da 3ª semana a notícia espalhou-se com grata surpresa. Uma dezena dos novos aspirantes iriam partir para a Madeira e Açores. Faltava saber quem e para onde.


Começava a saborear os imprevistos e a reparar nas possibilidades que a vida militar é capaz de abrir. Nada que se comparasse à carreira anterior, a clerical, embora um tanto semelhante. Por isso, não lhe fora difícil a adaptação, ao contrário dos seus camaradas.


No dia seguinte, teriam de tomar o paquete Funchal, em Lisboa. Para a Madeira, uns; para os Açores, outros. O B.I.19, no Funchal seria o seu próximo destino, soube-o em pleno jantar. Da boca do comandante da unidade.


Que sorte. Os Açores estavam a braços com o drama da erupção súbita do vulcão dos Capelinhos. Muito trabalho aguardava os camaradas destacados para lá.


Ilha da Madeira?! Nunca lhe passara pela cabeça aquela grata eventualidade. Duma penada, antes de ir para a guerra do ultramar, deixaria a terra firme e sulcaria as águas do oceano rumo a uma realidade desconhecida, embora nacional. Sabia apenas que era muito bonita. Mas, como se viveria lá, ou como seria a cidade do Funchal, não fazia a mais pequena ideia.


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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P7117: (Ex)citações (97): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 10 de Outubro de 2010:


SENSATEZ E RIGOR, FAZEM PARTE DA RECEITA

Tenho um neto que completou agora dois aninhos. É o Barbosa. De nome próprio chama-se Manuel Maria. Por mim, de mão beijada já lhe ofereço o Barbosa. Depois, se ele for apreciador de vinho, de mulheres e... poeta, guindar-se-á por direito ao epíteto de Bocage. Parece que trilha o bom caminho. No dia de aniversário foi um magnifico "entertainer". Quando lhe perguntavam quantos anos tem, abria um sorriso, compunha um movimento, e dizia com correcção: dois!

Ora, ele respondia pelo que ouviu dizer. Na verdade ele não sabe que tem dois anos, pois não tem qualquer noção do fraccionamento do tempo. Dessa essência, o tempo, ele não sabe nada. Mas é esperto, memoriza as coisas, e fala em conformidade.

No caso do meu neto, ele começa pelo fim: diz sobre o que ouviu dizer, e, pode ser que, com o tempo, ele venha a saber muita coisa, a interpretar e juntar conhecimentos para formação de uma sageza sistematizada e autêntica.

Tergiversei sobre o encanto do Barbosa no caminho da aprendizagem, para mais fácil exposição do que pretendo transmitir, por flashes de luz, em medidas comedidas e adequadas às diferentes inteligibilidades, seguindo o modelo de Jesus, que falava quase sempre por parábolas, narração alegórica que encerra algum preceito de moral ou verdade.

Pode acontecer, porém, que ele venha a desenvolver um interesse técnico, para desmontar e montar brinquedos, que o tornem destro no manuseamento de máquinas, por exemplo. Pode não desenvolver o espírito por aí além, pode não se interessar por filosofias, nem se preocupar com critérios sobre a interpretação histórica, mas pode vir a merecer a alcunha de Bocage, e ganhar a vida honestamente numa área técnica. Nota: associamos o Bocage à boémia, mas um bom profissional de qualquer área, pode viver alguns momentos de boémia, e outros de manifesta responsabilidade.

Pela nossa natureza, todos os homens são eminentemente sociais. Por isso convivem e exprimem-se. Aqui é que a porca torce o rabo: é sobre a qualidade da expressão. Porque, se é natural exprimir-mo-nos sobre o que sabemos, também há uma grande tendência para nos exprimirmos sobre o que não sabemos, mas sobre o que ouvimos dizer, sobre matérias induzidas que gravámos como autênticas, sem cuidar de apurar a autenticidade.

É a preversão do conhecimento.

Porque, na verdade, se não sabemos, não temos opinião própria. Apenas reproduzimos opinião, de sentido continuado, ou de sentido contrário relativamente à autenticidade do assunto. Isto depende de alguns pressupostos enquanto ouvintes, ou leitores, de opiniões.

E como somos sociais, pode acontecer ocasiões em que, sem termos a sabedoria adquirida sobre certa matéria, apenas o conhecimento que resulta do contacto com ela, sem ocasião para reflectir interpretativamente, apesar disso, somos capazes de tomar posição, defendendo-a, ou atacando-a, com maior ou menor tenacidade. E o essencial, nessas alturas, não passará de uma treva. Mas que poderá formar correntes de opinião e conduzir as pessoas por caminhos errados, daí, que me pareça necessária alguma temperança antes de enfileirar em movimentos.

Vem isto a propósito de duas situações que, com alguma frequência, encontro no Blogue.

A primeira refere-se a Camaradas que se queixam de alguma intelectualidade (recurso ao conjunto das faculdades intelectuais) imprimida em certos textos. Meus caros, eu não acho que a aversão incida na intelectualidade, antes, quando não temos um verdadeiro interesse sobre a matéria vertida, refugiamo-nos nesse argumento. O que quer dizer, que não sabemos ainda o suficiente para abordar a questão em presença e, provavelmente, não queremos aprender o caminho para chegar lá. O que, ainda assim, é melhor do que revelarmos a presunção de saber o que não sabemos.

A outra situação refere-se a casos de opinião e/ou tomada de posição, sem o necessário conhecimento intrínseco da coisa, da matéria, do alegado conhecimento. Esta situação é grave, pois pode induzir-nos por caminhos erradas e exige de nós, se nos interessarmos correctamente, que encetemos a via do esclarecimento do que nos chega ao conhecimento.

Foi assim, aliás, que encomendei o livro do Manuel Rebocho, cuja essência é bem diferente da crucificação do QP. É essa vontade de acerto (não digo preocupação) que por vezes me leva a alfarrabistas e a cotejos. Depois faço a minha interpretação, porque, como cada um, vejo o mundo pelos meus olhos, e confrontando às minhas experiências ou a outros conhecimentos adquiridos, formulo os meus juízos. Neste caso, conhecimento adquirido será aquele que foi comparado, confirmado ou testado. Conhecimento simples, será aquele que nos transmite a noção (a ideia) da existência de qualquer coisa, sem especial preocupação sobre ela e a sua essência, de que é fácil exemplo, as pessoas irem para o mar sem conhecer o Princípio de Arquimedes. O seu conhecimento não é essencial para o dia-a-dia, e as pessoas fazem a sua vida. Agora, se quiserem perceber porque não se afundam... têm que adquirir conhecimento.

Essa tendência de nos manifestarmos por impulso, ou por paixão, sem a ciência certa, encontrei-a entre nós, sem que daí resultem mais-valias, e a contrariar o que estabelece o regulamento do noveforanadaevãotres.

Sensatez e rigor, fazem parte da receita.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7019: Convívios (191): Próximo convívio da Tabanca da Linha, dia 2 de Outubro de 2010, no Talho do Diamantino - Quinta do Cortador (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 1 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6917: (Ex)citações (96): Camarada...não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas (António Lobo Antunes, escritor, 68 anos)

Guiné 63/74 - P7116: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (5): O Soldado Para-quedista Folhas

1. Texto do Sílvio Fagundes de Abrantes (foto à direita):


Data: 27 de Setembro de 2010 23:51


Assunto: O Soldado Para-quedista Folhas (*)




No dia 22 de Agosto levantei-me por volta das 10 horas da manhã o que não é muito habitual da minha parte. Levanto-me e vou tomar banho, a minha esposa queria que eu fosse fazer um serviço, mas eu não lhe dei ouvidos e disse
- Queres vir comigo, é sem destino ?!
- Não - foi a resposta.
- O.K.,  não fiques zangada. 

Equipei-me, pego no carro e aí vai ele sem destino. Ando uns 200 metros,  pára e ligo a um amigo que estava de férias da França e pergunto se quer vir comigo. ´
- É sem destino - digo eu.

A resposta foi afirmativa. Espero um pouco por ele e penso no meu amigo Folhas, é hoje que o vou procurar a Coimbra e lá fui com o meu amigo. Almoçamos pelo caminho e seguimos viagem. Em Coimbra procurei a direcção de S. Martinho do Bispo. Encontro um senhor dos seus sessenta e tantos anos, que me diz conhecer o pessoal dali e não existir nenhuma família Folhas, mas sim numa terra cujo nome me varreu, lá sim, há muitos Folhas. 

Lá fui em direcção a Taveiro, entro na povoação encravada na serra, atravesso-a de um lado ao outro e não vejo alma viva. Páro a conversar com o meu amigo e companheiro para delinear uma estratégia e eis que alguém se aproxima e pergunta se precisamos de alguma coisa. Digo ao que vou e o senhor manda-me para um café, lá fui. Mais uma vez conto ao que vou e diz uma dos presentes para o outro:
- Ó pá, de pára-quedistas é contigo. 

Estou com a minha gente,  pensei, e estava, era um ex-pára-quedista, amigo do Folhas e colega de trabalho durante muitos anos.


O senhor que em S. Martinho do Bispo me enviou para esta terra tinha razão, o pai do Folhas era daqui, onde há muitos Folhas, só que casou em Coimbra, melhor em S. Martinho do Bispo.


O nosso ex-pára-quedista indica-me onde mora o Folhas e lá vou. Encontro o meu amigo entretido a fazer um galinheiro para uma vizinha, vá lá, nada de maus pensamentos,  suas más línguas. Mostro uma foto onde estamos os dois e pergunto à senhora se conhecia aquele patife [, vd. foto a seguir: o Folhas e o Hoss com a MG 42].
- Não,  reponde a dita senhora.

É lógico. Não nos conhecemos. Ele está magro,  como sempre, mas muito acabado. Não quer ouvir falar da tropa. Lá conversámos umas horas, onde me contou que até na prisão o meteram, por não ter feito nada, ainda hoje não sabe bem a razão. Eu perguntei se não seria o resto do 16 de Junho de 1970? (**)... Nada de concreto, talvez sim talvez não. 

Está um homem revoltado que nunca mais foi a Tancos embora já tenho sido convidado por diversos colegas, inclusive um ex- Coronel Pára-quedista. Nem mesmo esse o consegue levar. Vejam a revolta que este homem tem para com os seus ex-superiores (**). É preciso relembrar a esses senhores que se hoje têm altas patentes, melhores mordomias, foi à nossa custa, à custa do Folhas e de muitos outros FOLHAS, que estão traumatizados com a guerra e com o comportamento menos digno de certos oficiais e sargentos, que só se importavam com a carreira militar e se esqueceram de que estavam a lidar com homens. 

O Folhas não sabia da nossa decisão de enviar o dito oficial para fora do reino dos viventes. Ficou muito admirado. Disse desconhecer isso por completo. 
- Se fosse comigo esse homem hoje não estava vivo - respondo eu - , não tenhas a menor dúvida.

Esse trauma que o Folhas tem, felizmente não o afectou na vida civil, tem uma vida boa,  graças a Deus. Não precisou da tropa para viver dignamente.


Será que esses senhores não têm vergonha do que fizeram? Será que não são capazes de pedir desculpa pela porcaria que fizeram? Pelo menos uma palavra. Já ouvi um Coronel pára-quedista na reforma, claro, dizer que se encontrasse o Folhas lhe pedia desculpa, pelo menos isso já é de louvar. Mas falta outro dizer o mesmo, esse é que eu queria ouvir aqui neste sítio publicamente. Será capaz? Vamos esperar para ver.


Hoss

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
____________


Notas de L.G.:


(*) Último poste desta série > 2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6816: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (4): A cabra do PIDE de Nova Lamego


(**) Vd. poste de  6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6681: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (3): Conclusão


(...) Conforme mencionei na 1.ª parte, houve um oficial que na emboscada  [, perto do Pelundo, em 16 de Junho de 1970,] saltou da viatura sem a G3 e pediu ao Folhas que lhe desse a dele, ao que este rejeitou. O oficial fez a vida negra ao Folhas o resto da comissão.


Passados uns meses e já em plena época das chuvas, fomos para um aldeamento na fronteira com o Senegal onde só havia um pelotão de obus. (...) 


Um dia saímos de manhã fazer uma operação de reconhecimento, chegámos todos molhados. À noite fomos em auxílio dum quartel do exército que estava a ser atacado, chegámos todo molhados. Na manhã seguinte o dito oficial manda formar a companhia de camuflado. Camuflado significa botas. Nós só tínhamos dois pares de botas e dois camuflados que estavam todos molhados. Então resolvemos formar em fato de treino uns, e outros de calções, a única coisa que tínhamos enxuto para vestir. Ao ver tal situação o dito oficial manda o Folhas sair da formatura, entra em discussão com ele e deu-lhe cobardemente duas bofetadas.

O Folhas passa-se da cabeça, e não era para menos, vai buscar a G3 com um carregador enfiado, pronta a disparar, corre atrás do oficial que se refugia na escola. Então eu e outros colegas fomos acalmar o Folhas, o que não foi nada fácil e conseguimos que nos desse a G3.

Passados poucos minutos reuniram-se alguns velhinhos da companhia e de cabeça quente ditamos a sentença ao nosso oficial. Decidimos que, se o dito oficial participasse do Folhas, deixaria de contar a 100% no efectivo das tropas Pára-quedistas, ou seja hoje não estaria no reino dos viventes. Por sorte não houve participação. 



Mas, digo com toda a honestidade, se fosse comigo não lhe perdoava. Ainda hoje pergunto o que é que me segurou em não concretizar a sentença, algumas vezes o tive na mira. O meu pai nunca me bateu.

Seria mais um morto em combate.  Esse grupo era composto por 3 MG, 2 Hk, 1 Degtariev e várias G3. (...)

Guiné 63/74 - P7115: Efemérides (53): Recordando os camaradas mortos na emboscada do Infandre no dia 12 de Outubro de 1970 (Jorge Picado)

1. Mensagem de Jorge Picado* (ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 11 de Outubro de 2010:

Caro Carlos Vinhal

Assinalando-se amanhã mais um aniversário, daquele que foi um dos mais tristes acontecimentos que vivi na Guiné, envio-te um pequeno memorando que desejava, se fosse possível, ver publicado no Blogue.

Desde já os meus agradecimentos, pelo que possas fazer.

Abraços para todos
Jorge Picado


RECORDANDO. 
HOMENAGEM AOS CAMARADAS MORTOS NA EMBOSCADA DO INFANDRE

Foi há quarenta anos. Segunda-feira, 12 de Outubro de 1970, entre o meio dia e as 13 horas, ou mais exactamente talvez perto do meio dia e meia hora.

A coluna tinha saído de Mansoa, no seu regresso ao Destacamento de Infandre, pouco depois das 12 horas e nas messes do Batalhão, o pessoal iniciara pouco depois a refeição do almoço, quando se ouviram as primeiras explosões, quais lúgubres sinais agoirentos de que algo estava a correr mal com “a Nossa Gente”.

Gravura retirada do Poste 2162, trabalho exaustivo sobre a emboscada de Infandre de autoria do nosso camarada Afonso Sousa.

Esquema da emboscada à coluna de Infandre em 12 de Outubro de 1970, enviado pelo nosso camarada Jorge Picado (Poste 2807)

Pois se o barulho era de tão perto... só podia relacionar-se com a coluna saída há tão pouco do Quartel, pois, àquela hora do dia, não era provável que fosse ataque ao Destacamento de Braia, o mais próximo, para os sons serem tão audíveis.

A corrida para as Transmissões, assim o confirmou.

Nem a rápida saída do pessoal de Braia, a poucos quilómetros do funesto local, mas apanhado igualmente com os talheres na mão, e por onde tinham acabado de passar poucos minutos antes, evitou a destruição que encontraram. Mas minoraram, pelo menos o que podia ter sido uma maior hecatombe.

Este triste acontecimento provocou-me grande trauma psicológico de imediato, deixando-me bastante afectado e marcou-me por muito tempo.

Passados 40 anos sobre esta data, quero aqui recordar nesta Tabanca Grande e prestar sentida homenagem, àqueles que então nos deixaram para sempre.

Furriel Mil Op Esp NM 15398468, Dinis César de Castro, da CCaç 2589/BCaç 2885

1.º Cabo NM 17762169, José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58/CCaç 2589

1.º Cabo NM 82062566, Joaquim Baná, do Pel Caç Nat 58/CCaç 2589

Soldado NM 19055368, Duarte Ribeiro Gualdino, da CCaç 2589/BCaç 2885

Soldado NM 18901168, Joaquim João da Silva, da CCaç 2589/BCaç 2885

Soldado NM 06975968, Joaquim Manuel da Silva, da CCaç 2589/BCaç 2885

Soldado NM 82047266, Betiqueta Cumba, do Pel Caç Nat 58/CCaç 2589

Soldado NM 82067668, Gilberto Mamadú Baldé, do Pel Caç Nat 58/CCaç 2589

Soldado NM 82023966, Idrissa Seidi, do Pel Caç Nat 58/CCaç 2589

Soldado NM 82040866, Tangatná Mundi, do Pel Caç Nat 58/CCaç 2589

Devo acrescentar a esta lista, dos que morreram nesse dia, o nome do Soldado NM 82066965, Serifo Djaló, do Pel Caç Nat 58/CCaç 2589, que tendo sido um dos feridos que foram evacuados no dia seguinte, 13OUT70, para o HM 241 de Bissau, veio a falecer em 17OUT70, segundo informações fornecidas por pessoal da CCaç 2589, num dos últimos encontros em que estive presente.

Quanto aos feridos, evacuados em 13OUT70 para o HM 241 de Bissau, da HU apenas se pode extrair a lista dos pertencentes ao Pel Caç Nat 58/CCaç 2589 e que foram, além do que atrás indico como tendo depois falecido:

2.º Sargento Mil NM 05040966, Augusto Ali Jaló

1.º Cabo NM 82038960, Jamba Seidi

Soldado NM 82043366, Jorge Cantibar

Soldado NM 82065965, Malam Dabó

Soldado NM 82094468, Samba Canté

Tendo em consideração que na HU, sobre este acontecimento, a notícia é muito resumida, mas refere 9 feridos graves, dos quais um é Furriel (?), e 8 feridos ligeiros, sem outras referências, verifica-se que a lista dos feridos evacuados só menciona os 6 (dos quais um morreu posteriormente) para o HM de Bissau.

Não quero acreditar que os outros 3 feridos graves tenham ficado em Mansoa e por isso, fica-me no entanto uma dúvida que ainda não consegui esclarecer, pelo menos quanto ao 1.º Cabo NM 14992669, José Fernandes Pereira, da CCaç 2589/BCaç 2885, que foi evacuado em 02DEZ70 para a Metrópole por ferimentos em combate, se não teria sido um dos feridos nesta emboscada, uma vez que depois dela não há registo de ter havido, até esta data de Dezembro, qualquer ocorrência de combate com baixas.

Jorge Picado
Ex-Cap Mil Art
CCaç 2589, CART 2732, CAOP 1
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7053: Eu, capitão miliciano, me confesso (4): A minha tropa, em 1960/62, antes da minha guerra, em 1970/72 (Jorge Picado)

Sobre a emboscada do Infandre, vd. postes de:

7 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)
e
3 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2807: Estórias de Jorge Picado (1): A emboscada do Infandre vivida pelo CMDT da CCAÇ 2589 (Jorge Picado)

Vd. último poste da série de 30 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7061: Efemérides (52): A independência da Guiné-Bissau comemorada em Angola (Paulo Salgado)

Guiné 63/74 - P7114: Parabéns a você (164): Jovem tertuliana Cátia Félix (Miguel Pessoa / Tertúlia / Editores)

DIA 12 DE OUTUBRO DE 2010, DIA DE ANIVERSÁRIO DA NOSSA JOVEM TERTULIANA CÁTIA FÉLIX

Postal ilustrado:  Miguel Pessoa (2010).


1. Neste dia 12 de Outubro de 2010, festejamos, na verdadeira acepção da palavra, a Juventude.

A nossa muito jovem amiga Cátia Félix* faz hoje aninhos. Pois, porque para fazer anos, estamos cá nós, os velhotes. Quanta inveja.

À nossa "pequenina" amiga desejamos o melhor da vida, nestes tempos conturbados pela incerteza do futuro, que para o bem e para o mal, vai ser mais sensível para a sua geração.

Mas o dia de hoje é de alegria. Ser jovem é ser empreendedor e destemido, e ver o mundo com outros olhos. Assim, queremos deixar os nossos melhores votos de uma vida repleta de êxitos.

Apesar do seu silêncio, temos a certeza de que nos segue, porque entrou para a nossa tertúlia mercê da sua capacidade de ser solidária para com os ex-combatentes e seus familiares.

Quem assim falou, não nos pode ter esquecido:

Caros Amigos
Desde já o meu muito obrigado pelas boas vindas e por todo o carinho manifestado.
Sinto um enorme ORGULHO em fazer parte desta grande família.
Sei que com vocês só tenho a aprender e, com as vossas histórias retirar uma grande lição de vida.

Quem é que hoje em dia, no nosso país, se sujeitava a deixar o aconchego do lar, tendo apenas como companhia a nefasta missão de defender a pátria idolatrada?
Que ORGULHO eu tenho de todos vocês que combateram entre bombas e ogivas, canhões e trincheiras, de corpo cansado, à deriva, com suor, sangue, lágrimas e solidão... Eu consigo reconhecer o vosso verdadeiro valor...

Os "grandes" não o reconhecem? Pois não... Porque apenas têm a frieza de inventarem guerras e as imporem aos seus soldados. Os "valentões" que governavam e gorvernam apenas têm ideias fertéis para inventarem, agora coragem para combater é outra história...


Cara Cátia, para si, neste dia especial, um beijinho muito especial destes amigos que lhe desejam tudo de bom, como por exemplo chegar à nossa idade e passar por ela sempre na melhor forma.

Pela tertúlia
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Ver poste de 5 de Abril > Guiné 63/74 - P4140: Tabanca Grande (130): Cátia Félix, jovem estudante de Ciências Farmacêuticas, solidária e interessada pela Guerra Colonial

Vd. último poste da série de 11 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7110: Parabéns a você (163): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Editores e Miguel & Giselda Pessoa)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7113: (In)citações (12): Gadamael Porto manda uma saudação especial aos antigos militares portugueses (Pepito)


Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > O porto ou cais acostável, construído pelo exército português


Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > A caminho do porto, situado num dos braços de mar do rio Cacine...


Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > A pista de aviação (ou melhor, o que resta dela)...



Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Instalações do comando, centro de transmissões e residência de oficias




Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Abrigo do morteiro 60 [, mais provavelmente 81].

Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > > A base do pau da bandeira...



Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Mari Dabô, lavadeira de Alferes Oliveira [, da CCAÇ 4743 ?] que ficou em Gadamael depois da independência e que é de Moscavide


Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Mariama Mané, lavadeira do Major Manso



Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Arafá Turé, aluno do professor Furriel Barros, do Porto, em 1971

Fotos (e legendas):  © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Notícias (frescas e boas) do nosso amigo Pepito [, foto à èsquerda, em Guileje, 1 de Março de 2008]:

Data: 11 de Outubro de 2010 12:35

Assunto: Gadamael Porto manda uma saudação especial aos antigos militares portugueses  (*)

Luís, Amigo

Ontem [, domingo,]  estive em Gadamael Porto para uma reunião com a população daquela zona da linha da fronteira. A partir deste ano a AD vai intensificar a sua intervenção de Balana a Gadamael no quadro do reforço da coordenação das acções ambientais transfronteiriças (corredores de animais selvagens e preservação das florestas comuns).

A população local fez questão de mostrar os vestígios do antigo quartel (incomparavelmente melhor preservados que os de Guiledje), de enviar fortes e sentidas saudações para os militares que com quem lidaram e por quem se tomaram de amizade, assim como as incontornáveis lavadeiras que cantaram cantigas da altura. 

Por nabice minha, só consegui gravar na máquina fotográfica uma dessas músicas, mas a TV Klelé irá lá para gravar o reportório todo. Pessoalmente, testemunho-te uma emoção enorme que tive quando uma das lavadeiras se pôs surpreendentemente a cantar a Senhora do Almortão, uma das músicas de que mais gosto.

Gadamael Porto irá passar a ser nosso local preferencial de intervenção e desta forma iremos "atacar" o segundo G dos três G [ Guiledje, Gadamael, Guidaje].

Vou enviar várias fotos com as pessoas que fizeram questão de mandar mensagens para os seus antigos amigos e algumas imagens das infraestruturas que restaram. Nota que há muitas mais, mas que só na época seca é que as poderemos ver, quando tudo estiver limpo.

Cada foto leva consigo a legenda e vão em vários emails porque estou sem programa de redução de fotos.

abraço
pepito

PS: para informação complementar, sempre digo que começou em Guiledje a remoção dos UXO e minas (e se as há!!!!!), mas fora do quartel, como é evidente. Foram descobertos fragmentos das bombas da aviação quando bombardearam Guiledje depois da tomada do quartel pelo PAIGC. Fica para mais tarde as fotos e os testemunhos sobre esse bombardeamento. 




Guiné > Região de Tombali > Gadamel > Entre 31 de Maio e 2 de Junho de 1973 > O Fur Mil Op Esp, J. Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (Piratas de Guileje, 1972/74), numa das famosas valas de Gadamael... "(...) Em Gadamael não havia casamatas como em Guileje, só valas. Os bombardeamentos eram tão intensos que nem dava para acreditar, quando ouvíamos as saídas, tínhamos 22 ou 23 segundos até as granadas 120 caírem em cima de nós ou , muito raramente, caírem mais além. O pessoal começou a fugir para o rio, e as granadas caíam no rio, o pessoal corria para o parque Auto e as granadas caíam no parque Auto, o pessoal saltava para as valas e as granadas iam cair nas valas. Numa dessas quedas (voos) para a vala - e já lá ! -, senti as nádegas húmidas e, ao pôr lá a mão, esta veio encharcada em sangue... Berrei que estava ferido e fui evacuado num patrulha da Marinha para Cacine (...) (JCC).

Foto: © J. Casimiro Carvalho (2009). Direitos reservados

2. Comentário de L.G.:

Não imaginas, Pepito, o turbilhão de emoções que vão provocar a tua mensagem e as tuas fotos...Aqui, neste lugar, travou-se uma das batalhas mais encarniçadas e sangrentas da guerra da Guiné (1963/74), a seguir à retirada de Guileje (em 22 de Maio de 1973), entre 31 de Maio e as duas primeiras semanas de Junho de 1973.  Sobre Gadamael temos já 115 referências, no nosso blogue (II Série), que irão seguramente aumentar com os próximos postes...  Em contrapartida, há relativamente poucas imagens... (Sobre Guileje são mais de 300 as referências e temos muito mais imagens, graças também e sobretudo ao vosso trabalho de recolha).

Está na altura de organizarmos a lista das subunidades (companhias) que passaram por Gadamael, tal como fizemos com Guileje.  Por outro lado, sei que o Nuno Rubim está a investigar tudo o que há sobre Gadamael... Pela parte que nos toca, vamos reforçar o apelo para que apareçam mais camaradas que tenham estado em (ou passado por) Gadamael (como foi o caso, por exemplo, dos nossos camaradas pára-quedistas, do  BCP 12). (**)

Vou também divulgar as notícias que me mandaste há dias sobre Guileje e sobre o Domingos Fonseca que passará lá a viver e trabalhar. Dá-lhe um abraço fraterno da malta da Tabanca Grande (incluindo o João Graça). Para mim, vai o meu especial reconhecimento pelo trabalho, extraordinário, que tu, um paisano (que nem sequer foi à tropa!), tens feito por todos nós, ex-combatentes de um lado e do outro, bem como pelas populações, nomeadamente da Região de Tombali, que sofreram a guerra...

Que  o nosso trabalho, conjunto, de recuperação, preservação e divulgação da(s) memória(s) destes homens e mulheres, tenha como contrapartida a partilha (e a concretização)  da esperança num futuro mellhor para todos/as. Um abração do Luís.

______________

(**) De entre esses camaradas está o pessoal da CCAÇ 4743, Os Meninos de Gadamael (Gadamael, 1972/74), de que fui encontrar um vídeo, no You Tube, do José Toste, Ilha Terceira, Açores (Duração: 1' 51'').

Recorde-se a batalha de Gadamael (Maio/Junho de 1973):


Operações > Guiné Maio de 1973: O Inferno > Gadamael, o verdadeiro infernoGadamael - o verdadeiro inferno! 

Em Maio de 1973, a guarnição de Gadamael, constituída pela Companhia de Caçadores 4743, que dependia operacionalmente do COP 5, com sede em Guileje, constituía a retaguarda deste posto e era o seu único ponto de apoio para o reabastecimento depois de a acção do PAIGC ter tornado intransitáveis as ligações por terra para Bedanda e Aldeia Formosa. 

O interesse militar de Gadamael resumia-se a servir de ponto de reabastecimento a Guileje, pois situava-se no último braço de mar do rio Cacine que permitia a navegação a embarcações de transporte.
O interesse militar de Guileje tornara-se, por sua vez, muito discutível, pois a guarnição fora ali instalada ainda no tempo do dispositivo territorial montado pelo general Schulz, para anular as infiltrações de guerrilheiros vindos da grande base de Kandiafara, na Guiné-Conacri, pelo célebre «Corredor de Guileje». Mas os guerrilheiros tinham conseguido ultrapassar esse obstáculo, fixando-se em toda a zona da península do Cantanhez, o que reduziu Guileje a um ponto forte onde as forças portuguesas resistiam e marcavam presença territorial. 

Em 1973, [Guileje] não servia já como base de apoio a operações lançadas na margem sul do rio Cacine, limitando-se a assegurar a presença das tropas portuguesas entre este rio e a fronteira com a Guiné-Conacri, em conjunto com as guarnições de Cacine e Gadamael. Mantinha-se naquele local aguardando situação mais favorável que permitisse a sua transferência, sem ser como resultado directo da pressão do adversário, dispondo, como ponto forte, de instalações defensivas, que lhe permitiram resistir sem baixas significativas a fortes ataques de artilharia. 

Tinha contudo, a grave limitação do abastecimento de água, que era transportada em depósitos a partir de uma fonte situada no exterior do quartel, e este movimento diário constituía a grande vulnerabilidade das tropas ali entrincheiradas. 

Após a retirada de Guileje, a guarnição de Gadamael ficou constituída por duas companhias (a CCav 8350, vinda de Guileje, e a CCaç 4743, que ali se encontrava do antecedente), um pelotão de canhões S/R, com cinco armas, e um pelotão de artilharia de 14 cm, com três bocas de fogo. Este conjunto de forças passou a constituir o COP5, tendo sido nomeado para o seu comando o capitão Ferreira da Silva, em substituição do major Coutinho de Lima.

Ao contrário de Guileje, Gadamael dispunha de más condições de defesa, por se situar em zona pantanosa onde era difícil construir abrigos. Se as condições já eram más para os militares da guarnição, a situação piorou significativamente com a chegada da coluna vinda de Guileje, que não dispunha de abrigos, nem de condições de alojamento para ali permanecer. Pior ainda, a duplicação de efectivos aumentou a concentração de pessoal dentro do espaço exíguo do quartel e tornou-o alvo altamente remunerador para ataques de artilharia do PAIGC. 

De facto, as forças do PAIGC, moralizadas pela vitória obtida em Guileje, transferiram para Gadamael os seus esforços e entre as 14 horas, de 31 de Maio e as 18 horas, de 2 de Junho bombardearam o quartel com setecentas granadas, uma média de treze por hora, provocando cinco mortos e catorze feridos, além de avultados prejuízos materiais. 

A violência destes bombardeamentos fez com que a guarnição de Cacine, a cerca de dez quilómetros para jusante do rio, difundisse uma mensagem a comunicar que Gadamael fora destruída, no entanto, a posição manteve-se, embora com o aquartelamento parcialmente destruído e a defesa imediata com brechas. 

Em 1 de Junho foram lá colocados os capitães Monge e Caetano, para enquadrar os militares ali reunidos.
Em 2 de Junho foram recolhidos pela lancha Orion cerca de trezentos militares que se haviam refugiado nas bolanhas em redor de Gadamael, para escapar aos ataques. 

Ainda neste dia desembarcou uma companhia de pára-quedistas e um pelotão de artilharia, passando o comando do COP5 para o comandante dos pára-quedistas. 

Entre 3 e 4 de Junho caíram em Gadamael duzentas granadas, que provocaram mais dois mortos e quatro feridos. Em 4 de Junho, o PAIGC realizou uma emboscada a menos de um quilómetro do aquartelamento, causando quatro mortos e quatro feridos e capturando três espingardas G-3 e um emissor de rádio. O comandante do COP5 pediu autorização para retirar de Gadamael, o que não lhe foi concedido, recebendo ordem para defender a posição a todo o custo. 

Em 5 de Junho, uma lancha da Marinha, botes dos fuzileiros e embarcações sintex do Exército evacuaram de Gadamael os mortos e os feridos, além de militares que não se encontravam em condições de combater, passando o COP5 a ser comandado pelo tenente-coronel Araújo e Sá. No mesmo dia ocorreu novo ataque com setenta granadas, que provocaram cinco feridos graves e cinco ligeiros. 

A partir de 12 de Junho, foi colocada uma terceira companhia de pára-quedistas na região, ficando todo o Batalhão de Pára-Quedistas 12, empenhado no Sul, para «segurar» Gadamael. 

As forças portuguesas sofreram nesta acção vinte e quatro mortos e cento e quarenta e sete feridos.
O PAIGC conseguira ocupar uma posição militar portuguesa e apresentar esse feito na conferência da OUA, lograra esgotar as reservas de forças de intervenção portuguesas (o Batalhão de Comandos mantinha-se inoperacional depois das baixas sofridas no ataque a Cumbamori de 19 de Maio) e limitara seriamente a acção aérea. Estavam, pois, reunidas as condições para se realizar uma grande acção política no interior do território, o que aconteceu em Madina do Boé (***), em Setembro, com a declaração unilateral da independência, na presença de numerosos convidados estrangeiros.

Fonte: Guerra Colonial 1961-1974 (com a devida vénia...)

(***) Erro grosseiro: foi em Lugajole, na fronteira sudeste com a República da Guiné-Conacri. Vd.poste de  4 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (27): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)



Guiné 63/74 - P7112: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (7): As descolonizações exemplares. Visto em 1960-1980-2010

Vaticano numa tabanca na Costa do Marfim


Caderno de notas de um Mais Velho -7

António Rosinha*

As (des)colonizações exemplares, portuguesas, belgas, francesas e inglesas. (A França tem bons arquitectos)

Visto em 1960-1980-2010

Não  ter motivo pessoal, nem nacional, nem moral, nem ideologia, nem espírito de aventura para ir para uma guerra numa terra estranha, mesmo que só por dois anos e por obrigação, é meia guerra que não se ganha.
Mas aquela guerra fez-se mesmo para ser ganha por alguém?

Tive um colega em Luanda, oriundo da região da Bairrada, que quando a rádio tocava o hino Angola é Nossa à uma da tarde, enquanto se tomava a bica da ordem da hora de almoço, invariavelmente largava esta:
- Troco a parte de Angola que me toca, por um café.

Esta frase saía-lhe instintivamente sempre que se ouvia aquele hino e entre a tertúlia desse colega, praticamente generalizou-se, e a muitos de nós já saía automaticamente igualmente essa boca.

E era chato dizer isso, porque no meio da malta havia muitos colegas que eram angolanos e outros não o sendo estavam já tão ligados a Angola, quer por laços de família, quer porque eram naturais de lá e nem tinham ligações com outra terra, ou mesmo tendo ido para lá de crianças, tinham assumido aquela terra como deles, e muitos já tinham casa própria e filhos já nascidos lá.

E muitos eram angolanos de pai e de mãe e até poderiam ter eventualmente familiares no MPLA ou outros movimentos. Mas tenho a dizer que, aquele meu colega que trocava a parte dele por um café, ele gostava mesmo muito de café! E nunca passava sem o vício do café, portanto Angola já poderia também equivaler a um vício para ele, e um vício não se larga facilmente.

Como o meu ponto de vista sobre a guerra do ultramar, é muito diferente da maioria dos elementos desta tertúlia, com raras excepções, digo que vivi os treze anos de guerra em Angola, em todas as fronteiras, desertos, planaltos, praias e cidades, excepto no enclave de Cabinda, sempre acompanhado por angolanos.

Para mim e milhões em Angola, ninguém reconheceria quem quer que fosse com idoneidade nem responsabilidade para assumir a governação daquela província, assim como das colónias em volta dela.
E seria um genocídio os franceses e belgas darem a independência às suas colónias.

E, assim aconteceu, e não falo com demagogia nem com Salazarismos, nem socialismos, nem colonialismos. Sabe-se na literatura e na história o que foi o genocídio de 4 anos da II Grande Guerra, mas ainda não está publicado em literatura o genocídio de 50 anos bem perto da fronteira de Angola, onde se fala francês e algum inglês.

Também na Guiné após a independência, ajudei a tapar buracos nas estradas em vários pontos do país, provocados por minas durante a guerra e pela chuva, senti explodir armadilhas (explodiam como uma granada de mão ofensiva) sob uma máquina própria, nas bermas da estrada Quebo-Buba durante uma reconstrução, vi esqueletos de berliets(?) no caminho para Madina do Boé, vi explodir armadilhas na cinta de segurança à volta do aeroporto de Bissau, onde até já inadvertidamente tinha andado a pé.

E ouvi imensos guineenses perguntarem-me se conhecia um soldado de Viseu, outro de Viana, outro de Moncorvo e e de outras terras, e de terras que eu nem conhecia, e se os visse um dia que lhe dissesse que o pai ou irmão ou o tio dos comandos tinha sido fuzilado.

Mas antes desta nossa guerra, vi uma outra que me marcou, que foi ao lado de Angola no ex-Congo Belga, era eu Cabo Miliciano em 1960, e que me esclareceu um pouco o que se estava a passar em África sob o ponto de vista africano e internacional, e principalmente o meu próprio ponto de vista de português.

Vi os Belgas fugirem (retornarem), e os únicos brancos que lá ficaram foram os emigrantes portugueses que lá havia, que eram muitos milhares..

Estava eu na fronteira com a cidade de Matadi, no rio Zaire em Noqui, e todos os sábados começava o tiroteio, e lá vinham os portugueses daquela cidade para o lado de Angola passar o fim de semana, porque o tiroteio só parava Domingo bem tarde.

Teimosos, segunda-feira regressavam, e alguns lá iam fazendo amizades com as facções de militares, e lá se entendiam e parece que até se governavam.

Entretanto começaram a aparecer militares da ONU, marroquinos, indianos, (para aumentar a confusão como hoje a NATO no Afeganistão) e também vinham ao nosso lado, abastecer-se pois lá estava já tudo descontrolado.e a saque.

Quem já lá estava, eram cooperantes suecos e suecas e outras nacionalidades, tal como passados 19 anos fui encontrar na Guiné. Também vinham de vez em quando a Noqui beber cerveja ou dar uns mergulhos numa piscina que existia em Noqui. Tal como na Guiné se iam abastecer de combustíveis e mantimentos a Dakar. Mas sempre olhando para nós portugueses, como seres usurpadores de uma terra que eles vinham libertar e preparar para a vida.

Na Guiné tinham também o sentimento que fomos uns nazis, e chegavam a dizê-lo na nossa cara em tertúlias de café.

Sei que na Guiné, chegaram a interromper com a cooperação, no ex-Congo Belga ainda andam por lá algumas ONG, pelo que leio em blogs.

Normalmente todos aqui ouviram falar em genocídios no Congo, mas para quem não tenha dado importância a este caso, lembro que está decorrendo uma tentativa para julgar internacionalmente os culpados, tal a quantidade de gente dizimada nas fronteiras do Congo, Ruanda e Burundi. Quem testemunhou e testemunha (como mirones) esses massacres, há 50 anos, são essas cooperações nórdicas.

E, eu vi a irresponsabilidade do início dessa desgraça congolesa que continua neste momento, e que os únicos "colonos" que durante muitos anos não abandonaram aquele território foram uns numerosos portugueses caracteristicamente teimosos tal como os comerciantes que ficaram em Bissau e que como estes, abriam religiosamente as suas lojas às oito da manhã para mostrar as prateleiras vazias.
Hoje não sei como está a presença desses comerciantes, tanto em Bissau como no ex-Congo Belga (RDC).

Recentemente, Kabila (filho),  actual presidente da RDC,  propôs-se perante o governo português indemnizar aqueles portugueses que foram espoliados de comércios ou industrias que tinham lá.

Mas também vi, alem dos cooperantes suecos, alguns mercenários de Bob Denard, na fronteira leste de Angola, por onde fugiram a uns apertos no Katanga. Com estes, desarmados, até viajei num Nord Atlas da Força Aérea para Luanda, estava eu a passar à disponibilidade em Janeiro de 1960.

Verifica-se que as ex-colónias belgas e portuguesas foram vítimas da fraqueza de Portugal e da Bélgica como potências internacionais militarmente e politicamente, para as proteger dos facínoras da guerra fria e dos venenosos ingleses e franceses, que todos chegaram a ter projectos próprios para aqueles territórios.


(Ainda hoje, os franceses estão examinando um avião derrubado há muitos anos nas matas africanas, para provar que não foram eles que o derrubaram. Vinham nesse avião o presidente do Ruanda e o presidente do Burundi, constava na altura do derrube, que eram demasiado anglófonos. Como os Belgas não actuavam...!)


Até Che Guevara tentou a sua sorte por estas bandas.


(Entre os muitos livros que a Caminho publicava e enviava para Bissau nos anos 70/80, havia uma literatura sobre a actividade soviética em África, e havia um livro chamado em português «A Varanda de África», que descrevia as tentativas de infiltramento da União Soviética na ex-colónia inglesa Quénia.


Mais tarde este livro ajudou-me a compreender o que eram os ingleses quando se responsabilizaram pela vida de Salman Rushdie, quando avançaram sobre as Malvinas, e quando avançaram ao lado dos americanos recentemente para salvar o Afeganistão e para o "petróleo" do Kuwait e Iraque.


Não quer dizer, que não houvesse Biafras, metropolitano de Londres e outros casos, mas até os eltons jones os têem no sítio, e só contam e discutem os mortos no parlamento e no fim da guerra).

Mas uma certa ingenuidade daquelas cooperações nórdicas ajudaram a provocar perspectivas tão falsas naqueles povos, que foram em certos casos tão prejudiciais como as armas dos mercenários, porque o alvoroço provocado com tanta "alvura repentina e contrastante" desestabilizava e distorcia completamente a realidade daquelas sociedades tradicionais.

Sem falar que muitas das cooperações não passavam de funcionários da ONU e das ONG, que faziam daquela actividade modo de vida, e tal como aventureiros, tanto se davam com o povo, como com os seus governantes menos honestos (para não chamar outros nomes), e provocavam e provocam uma inibição completa na actuação das chefias e hierarquias tradicionais que não se refazem mais após a saída dessa gente, ficando o vazio.

Eu vi esse retrato no Congo em 1960/63 e em Bissau em 1980 e seguintes. Também poderei ter feito esse papel de aventureiro, não sei bem, mas um dia posso explicar se não escandalizar de mais.

O primeiro militar da República do Congo que vi na minha frente em 1960, era um Sargento-Major, que foi a Noqui com as suas mulheres beber cerveja, trazendo atrás o ordenança, bem fardado e calçado, com o par de botas do sargento, penduradas ao pescoço pelos atacadores.

Um outro sargento chamado Mobuto tomou conta daquele território imenso e governou perto de 30 anos com residência habitual na Suíça.

Ver o que se passava ao lado, seria lógico transferir o mesmo para Angola?

Claro que isto foi em 1960, e o Salazar escondia-nos que o Kennedy já financiava a UPA, que em 1961 provocaria aquele massacre no Norte de Angola. Também não sabia o que se preparava em Conacri.

Há uns meses ouvi na Gulbenkian a um ex-desertor, historiador açoriano, que havia uma solução fácil para nós, que, mais ou menos (resumindo), confiar no Kennedy, que ficava o problema resolvido.

Sinceramente, sabendo hoje o que os americanos fizeram desde a Hiroxima, passando pela Coreia com o paralelo 38, com o Vietname Norte e Sul, sem falar no Afeganistão nem no Iraque, e sabendo que já estavam em Angola a criar com o apoio à UPA, um paralelo bem definido e bem tribalizado... sinceramente, Medeiros Ferreira, que conte a história, sim, mas que apresentasse os americanos como solução do problema, é uma desilusão.

Entendido que as análises que faço hoje, não as fazia da mesma maneira com 22 anos.

Mas ainda hoje, penso que os ventos da história sopraram cedo demais, e nós portugueses e guineenses sofremos com isso, e os angolanos e moçambicanos prolongaram a luta por mais umas dezenas de anos.

A paciência, a sabedoria e a prudência de um povo sofrido, deu e continua a dar uma lição a muita gente: São os cabo-verdianos. Eles sabiam que os inimigos e o perigo não era Portugal.

Mandela também sabia que os maiores inimigos não eram os Boers. Mas aí já não havia guerra fria.

Eu também gostava imenso de café

Um abraço
Antº Rosinha
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Notas de CV:

(*) António Rosinha, ex-Fur Mil em Angola, 1961; topógrafo na TECNIL, na Guiné-Bissau, entre 1979 e 1993

Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7006: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (5): Portugal nem explorava nem desenvolvia, colonizava pouco e mal